Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JORGE LANGWEG | ||
Descritores: | AMNISTIA PERDÃO LEI ESPECIAL DIREITOS FUNDAMENTAIS PRINCÍPIO DA IGUALDADE PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE JOVEM CONSTITUCIONALIDADE | ||
Nº do Documento: | RP202404031427/07.2TDPRT-C.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/03/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | O critério de restrição do âmbito pessoal estatuído no artigo 2º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, não viola o princípio constitucional da igualdade, nas vertentes da proibição da discriminação e da proibição do arbítrio (artigo 13º da Constituição da República Portuguesa). | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 1427/07.2TDPRT-C.P1 Data do acórdão: 3 de Abril de 2024 Desembargador Relator: Jorge M. Langweg Desembargadora 1ª Adjunta: Cláudia Sofia Rodrigues Desembargadora 2ª Adjunta: Maria dos Prazeres Silva Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis Acordam por unanimidade, em conferência, os juízes acima identificados da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto nos presentes autos, em que figura como recorrente o arguido AA. I – RELATÓRIO 1. Nos autos principais foi produzido na primeira instância o despacho judicial2. datado de 26 de Setembro de 2023 3. 4. 5. 6 7. 8.. que negou a aplicação, ao arguido, de amnistia e de perdão nos termos da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, por não ter a idade exigida para o efeito: “AA, nascido a ../../1955, foi condenado nestes autos pela coautoria de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 217.º, nº 1, e 218.º, nº 2, al. a), do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob condição de, em quatro anos, proceder ao pagamento à assistente/lesada, A..., da quantia de €394,331,64, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos, até integral pagamento. Por decisão já transitada em julgado, foi revogada a suspensão e determinada a execução da pena de prisão aplicada Tais crimes foram cometidos entre 2001 e 2004, altura em que o condenado já tinha mais de 45 anos de idade. De acordo com o disposto no 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º. Não sendo esse o caso dos autos, temos de concluir que o aqui condenado não beneficia nem da amnistia nem do perdão previstos na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, o que aqui se declara para os devidos efeitos legais. (…)” 2. Inconformado com tal exclusão, o arguido interpôs recurso do despacho, concluindo a motivação do recurso nos seguintes termos: “Oficiosamente, decidiu o tribunal a quo por despacho com a ref: 452099316, aqui recorrido, que “…De acordo com o disposto no 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º. Não sendo esse o caso dos autos, temos de concluir que o aqui condenado não beneficia nem da amnistia nem do perdão previstos na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, o que aqui se declara para os devidos efeitos legais…”, sublinhado e negrito nosso. 2. O crime pelo qual o arguido foi condenado (crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, nº 1 e 218.º, nº 2 al. a) do CP, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob condição de, em quatro anos, proceder ao pagamento à assistente/lesada, A..., da quantia de €394,331,64, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos, até integral pagamento) foi cometido no período compreendido entre 2001 e 2004, altura em que o condenado já tinha mais de 30 anos de idade, in casu, 45 anos de idade. 3. Por decisão já transitada em julgado, foi revogada a suspensão da pena referida em 2. 4. O presente recurso objectiva-se na invocação de inconstitucionalidade do artigo 2.º n.º 1 da Lei n.º 38/2023, de 2/8, normativo cuja aplicação oficiosa a quo foi decidida e afastado o regime de clemência ali inscrito a favor do arguido em razão da sua idade 5. O artigo 2.º n.º 1 da Lei nº 38/2023, de 2/8, é inconstitucional na parte em que limita a aplicação da lei em causa a ilícitos praticados “…por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos à data da prática do facto…”, por violação clara e expressa do artg. 13.º da Constituição da República Portuguesa (de ora em diante CRP), em três dimensões concordantes e que se apegam à dimensão dispensada ao princípio da igualdade, ao princípio da proibição da discriminação e à proibição do arbítrio. 6. O tribunal a quo deveria ter decidido, no regime de oficiosidade que presidiu à sua tomada de posição, pela inaplicabilidade do segmento vertido no artg. 2º nº 1 da citada lei em que delimita a idade dos seus beneficiários, artigo cuja inconstitucionalidade deveria declarar, aplicando o artigo 3.º ao arguido e, por essa via, reduzir a pena de 4 (quatro) anos e 6 (meses) de prisão na qual o mesmo foi condenado pela pena de 3 (anos) e 6 (meses) de prisão. 7. O critério da idade como distintivo na aplicabilidade da clemência é absolutamente injustificado e violador do Estado de Direito Democrático na dimensão cabível à “Justiça”. 8. O princípio da igualdade constante do artigo 13º da CRP é um dos princípios estruturantes do diploma fundamental, dele decorrendo um conjunto de subprincípios decisivos e de cariz proibicionista, como sejam, proibição do arbítrio e proibição da discriminação. 9. As leis de amnistia e de perdão de pena devem ser sindicadas à luz do princípio constitucional da igualdade. Significa isto que eventuais diferenciações devem sustentar-se em justificações razoáveis, recusando-se o arbítrio, soluções materialmente infundadas ou irrazoáveis (cfr. acórdão do TC nº 488/2008 e acórdãos n.ºs 444/97 e 510/98, ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). 10. No entendimento do TC, só se admitem diferenciações de tratamento desde que fundamentadas à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais uma vez que o princípio constitucional da igualdade proíbe discriminações que se afiguram destituídas de fundamento racional. 11. Com relevância e argumentário que se percute relevante para a questão a decidir, veja-se a sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica da Marinha Grande – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, datada de 17.10.2023, no Processo n.º29/23.0PAMGR, “…Em face da variabilidade do conceito “juventude” no nosso ordenamento jurídico, sendo certo que “juventude” não é um termo jurídico, por vago, também não se encontra o limite para aplicação da graça alicerçado em qualquer critério penalístico, para estabelecer como limite etário para a “juventude” 31 anos menos um dia (porque encontrada entre os 16 e os 30 anos, inclusive). A variabilidade do conceito de “juventude”, considerado normativamente, mas também ao nível empírico, faz com que se verifique uma discriminação injustificada por parte do legislador. Com efeito, no plano empírico, qual é a diferença entre um jovem na véspera de concluir 31 anos e um jovem, como o aqui arguido, com 32 anos e 2 meses à data da prática dos factos? Como explicar ao cidadão comum, destinatário desta norma, que para efeito da aplicação da norma de amnistia um é jovem e o outro já não é? Com efeito, o legislador não oferece um critério penalístico para aquele limite. Se por um lado se compreende a opção do legislador em amnistiar as condutas de mínima gravidade, transmitindo à comunidade jurídica que os crimes de médio e grave criminalidade continuarão a ser objecto de punição, o limite etário é compreendido como uma anomalia e soa comunitariamente como injustiça, uma vez que o Estado não oferece qualquer fundamento objectivo para a diferenciação. Pelo exposto, concluímos que a opção de 30 anos (31 anos, menos um dia), como limite à aplicação da amnistia, descrita na norma do artigo 2.º, n.º 1 da Lei 38-A/2023, de 2/8, é materialmente inconstitucional, por ofensa à norma do artigo 13.º, n.º 2 da CRP.” 12. A idade prevista como limite de aplicabilidade da lei de clemência é de tal forma assente na arbitrariedade que nem o conceito de “jovem” assume concordância nos diversos diplomas que ao mesmo se refere (cfr. Portaria 345/2006 de 11.04 (30 anos), Resolução 36/28 de 1981 da Assembleia Geral das Nações Unidas (24 anos), Portaria 98/2022 de 18.2 (29 anos), Portaria 31/2015 de 12-2 (40 anos inclusive), e, por todos, Regime Penal Especial para Jovens previsto na Dec. Lei 401/82, de 23/9 (idade 16 a 21 anos)). 13. É, pois, inconstitucional o segmento do n.º 1 do artigo 2º da Lei n.º 38.º-A/2023, de 2/8 que afasta o efeito de amnistia a ilícitos praticados a todas as pessoas cuja idade não esteja compreendida entre os 16 e 30 anos à data da prática do facto, seja pela violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, seja por violação do disposto no art. 18.º nº 2 da CRP, cuja discriminação positiva em razão da idade concedendo beneficio a quem tem menos de 30 anos e prejuízo para todos os outros não tem salvaguarda constitucional, o que expressamente se reclama e deverá ser declarado com as legais consequências, in casu, revogação do despacho recorrido, determinando-se a não aplicação parcial do artigo 2.º n.º 1 da Lei n.º 38.º-A/2023, de 2/8, no que tange à limitação da idade, e, em solução de continuidade, aplicando o artigo 3º nº 1 do mesmo diploma ao arguido (perdão de pena – 1 ano). Nos termos expostos, deverá o recurso ora interposto ser procedente no sentido enunciado como conclusão nº 13, com o que farão V. Exªas, como sempre, Sã Justiça.”. 3. O recurso foi admitido nos termos legais, subindo imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (artigos 399º, 401º, nº 1, al. b), 406º, nº 2, 407º, nº 1 e nº 2, al. b), 408º, a contrario sensu, e 411º e seguintes, todos do Código de Processo Penal). 4. Notificado da motivação de recurso, o Ministério Público apresentou resposta que concluiu nos seguintes termos: “1 - O recorrente colocou em crise o douto despacho recorrido que, concluindo pela falta de verificação das condições de aplicabilidade das medidas de clemência previstas na Lei 38-A/2023, de 2.8, conclui que aquele delas não beneficia; 2 - Pretende o recorrente que o nº.1 do art.º 2 Lei 38-A/2023, de 2.8 - onde é fixado o critério da idade como factor diferenciador e limite de aplicabilidade das medidas de clemência, seria inconstitucional, na parte em que limita a aplicação da lei em causa a ilícitos praticados por «pessoas que tenham entre 16 e 30 anos à data da prática do facto», por violação do artigo 13º da CRP na dimensão que se pega à dimensão ali dispensada ao princípio da igualdade; 3 - Sustenta o recorrente que o Tribunal a quo deveria ter decidido pela inaplicabilidade do segmento vertido no supra aludido preceito que delimita a idade dos beneficiários das medidas de clemência, e assim, por essa via, ter aplicado o perdão previsto do artigo 3º desse mesmo diploma e, consequentemente, reduzido em um ano a pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva que o recorrente tem a cumprir; 4 - Não assiste todavia razão ao recorrente, infundadas que são, em nosso entendimento, as conclusões alinhadas na peça sua recursória; 5 - O princípio da igualdade (em sentido material, que é a igualdade que o artigo 13º da CRP expressa) impõe não sé que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da mesma maneira, mas ainda que situações pertencentes a categorias essencialmente diferentes tenham um tratamento distinto e de acordo com a medida da diferença; 6 - O princípio da igualdade não veda à Lei a realização de distinções, antes lhe proíbe a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias infundadas do ponto de vista objectivo e racional, sem fundamento material bastante ou incompreensíveis; 7 - No âmbito da sua liberdade de conformação, o legislador pode – ou mesmo deve – estabelecer diferenciações de tratamento, sendo estas lógicas, racionais e material e objectivamente fundadas em motivo razoável decorrente da natureza das coisas ou justificadas por valores constitucionalmente relevantes; 8 - Não será atentatório do princípio da igualdade, antes caberá na discricionariedade normativa do legislador ordinário, a eleição, quer da medida (ou quantum) do perdão das penas, quer das espécies de crimes ou infracções a que diga respeito a pena aplicada e perdoada, quer ainda a sua sujeição ou não a condições: isto, desde que o faça de forma geral e abstracta, para todas as pessoas nela enquadráveis; 9 - E não há que limitar a admissibilidade das medidas de clemência aos fins específicos da política criminal, pois que os fins específicos do aparelho sancionatório do Estado não se limitam à justiça, no sentido de realização do Direito, havendo, isso sim, que reconhecer valia igualmente as razões de conveniência pública e à razão de Estado: se assim não fora, sempre seriam reprovadas as amnistias pacificadoras e comemorativas; 10 - Ora, há que ter presente que a Lei 38-A/2023, de 2.8, teve como fundamento a realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), evento associado a jovens e que o legislador quis expressamente assinalar; 11 - Tal foi o fundamento para a limitação etária das medidas de clemência ali instituídas, sendo o critério escolhido pelo legislado não se apresenta arbitrário, incompreensível ou irrazoável, nem trata de forma desigual ou discriminatória situações que sejam semelhantes, assim gerando injustiça; 12 - Não tendo o legislador, no uso legítimo dos seus poderes, optado por perdoar todos os condenados, não poderá o intérprete alargar, analogicamente, o regime legal; 13 – Em suma, o despacho recorrido não violou quaisquer normas legais ou constitucionais, nomeadamente as invocadas pelo recorrente, pelo que não merece censura, e, consequentemente, cumpre negar provimento ao recurso interposto pelo arguido. Nestes termos, deve o presente recurso ser declarado totalmente improcedente, confirmando-se, em consequência, o Douto Despacho recorrido, assim contribuindo Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, para a realização do DIREITO.” 5. Chegados os autos a este Tribunal, o Ministério Público Parecer subscrito pela Procuradora-Geral Adjunta Dra. Laura Rios. emitiu parecer, aderindo à argumentação manifestada na resposta produzida na primeira instância e acrescentando o seguinte: “(…) A citada lei prevê logo no seu art. 2º que “Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º”. Não resta qualquer dúvida, pois, que apenas as pessoas que não tenham ultrapassado os 30 anos de idade à data da prática dos factos poderão vir a beneficiar da “Lei da Amnistia”. Como o Tribunal Constitucional tem decidido, o princípio da igualdade consagrado no art. 13º da C. R. Portuguesa é um princípio que postula que “…se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda á lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional” – Ac. T. Const. nº 437/2006, de 12/07/2006. Ora, como se deixou consignado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 97/XV/1.ª do Governo, as medidas de clemência previstas na Lei da Amnistia tiveram por pano de fundo a presença de Sua Santidade o Papa Francisco nas Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) que decorreram em Portugal em Agosto de 2023, “…cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal”, e, por isso, entendeu-se que se justificava “…adotar medidas de clemência focadas na faixa etária dos destinatários centrais do evento”. E uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, o regime de perdão de penas e de amnistia proposto teve como principais protagonistas os jovens. “Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina” – escreve-se na mencionada exposição de motivos. Esta Lei da Amnistia adoptou, assim, medidas que estabelecem distinções, neste caso em função da idade, mas que se mostram materialmente fundadas e fundamentadas de uma forma razoável, objectiva e racional. E, sendo assim, tratam-se de distinções que, conforme se consignou no citado acórdão do Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade não veda. Basta ver, aliás, que já a Lei nº 29/99, de 12 de Maio, que estabeleceu o perdão genérico e a amnistia de pequenas infracções, também previa distinções com base na idade, nomeadamente no seu art. 3º, que estipulava que “Relativamente às infracções praticadas até 25 de Março de 1999, inclusive, a pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos a delinquentes com menos de 21 anos, à data da prática do crime, ou com 70 ou mais anos, em 25 de Março de 1999, será sempre substituída por multa na parte não perdoada, salvo se forem reincidentes ou se se encontrarem em alguma das situações previstas no artigo seguinte”. Por outro lado, também o DL nº 401/82, de 23-09, estabelece um específico regime penal aplicável a jovens delinquentes, definindo o seu âmbito de aplicação àqueles que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter atingido ainda os 21 anos – art. 1º, nº 2, do citado diploma legal. São, pois, variados os casos em que a lei prevê distinções em matéria penal em função da idade sem que se possa falar em violação do princípio da igualdade previsto no art. 13º da C. R. Portuguesa. Aliás, o nº 2 do citado art. 13º estabelece o princípio da proibição da discriminação, citado pelo arguido, em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual, não surgindo a idade neste catálogo – o que permite, por isso, que muitos benefícios sejam atribuídos a vastos grupos de cidadãos em função da sua idade, como sejam descontos para viajar em transportes públicos, taxas de juros reduzidas ou bonificadas em empréstimos bancários, atendimento prioritário a maiores de 65 anos de idade, e tantos outros… Esta “Lei da Amnistia” concede, também, benefícios - neste caso em matéria penal - a jovens até aos 30 anos de idade, benefícios esses que se encontram devidamente fundamentados e justificados de uma forma “razoável, objectiva e racional” e, como tal, não viola o princípio da igualdade consagrado na Constituição da República Portuguesa. Nestes termos, sem necessidade de outras considerações, somos de parecer dever o recurso do arguido ser julgado improcedente, assim se mantendo na íntegra o despacho recorrido. (…)” 6. Não foi apresentada qualquer resposta. 7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal]. * Questão a decidirDo thema decidendum do recurso: Para definir o âmbito do recurso, a doutrina Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V. e a jurisprudência Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1. são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso. A função do tribunal de segunda instância perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito. Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir a questão a seguir concretizada – sem prejuízo de outras de conhecimento oficioso -, que sintetiza as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o seu thema decidendum: - é inconstitucional a restrição contida no art. 2º, nº 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, por violar o princípio da igualdade, por violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, em três dimensões - princípio da igualdade, princípio da proibição da discriminação e proibição do arbítrio -, devendo ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que conceda um perdão parcial da pena aplicada ao condenado? II – FUNDAMENTAÇÃO Para aferir o mérito do recurso, importa começar por recordar alguns factos processuais, com relevo para a decisão:1. O arguido AA nasceu em ../../1955. 2. O mesmo foi condenado nos autos principais pela prática, em coautoria, de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 217.º, nº 1, e 218.º, nº 2, al. a), do Código Penal, cometido entre os anos de 2001 e 2004, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob a condição de, em quatro anos, proceder ao pagamento à assistente/lesada, A..., da quantia de €394,331,64, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos, até integral pagamento. 3. A suspensão da execução da pena foi revogada. Considerações prévias A fiscalização de constitucionalidade no nosso ordenamento jurídico é caracterizado pela incidência normativa, não bastando a simples invocação da violação de um qualquer princípio e/ou norma constitucional, para que se considere colocada uma questão de (in)constitucionalidade cuja apreciação se impõe ao Tribunal. O art. 70º, n.º 1, als. a) a i), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, prevê que o Tribunal Constitucional julga a conformidade ou desconformidade, face à Constituição, de normas jurídicas aplicadas no tribunal a quo, sendo necessário enunciar e individualizar a dimensão normativa do critério de decisão. Consequentemente, o recurso de constitucionalidade de determinada interpretação normativa deverá sempre incidir sobre o critério normativo da decisão, isto é, “uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica”, sendo alheia à impugnação ou simples discordância do ato de julgar, umbilicalmente ligado à singularidade do caso concreto. Daí que, “quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente essa interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido”. Com a Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976 e a consagração do Estado de Direito democrático, a fiscalização da constitucionalidade adquiriu contornos de singularidade, pela conjugação dos poderes de todos os tribunais (art. 204º) – aos quais cabe a primeira palavra em questões de inconstitucionalidade – e do Tribunal Constitucional (art. 280º) – ao qual pertence sempre a última palavra Jorge Miranda, “O Regime de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal”, pág. 1, acedido em https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1119-2440.pdf.. O artigo 204.º/CRP é, pois, o ponto de partida necessário da fiscalização concreta da constitucionalidade (e da legalidade) e significa, antes de mais, que todos os tribunais, seja qual for a sua categoria (art. 209.º), exercem fiscalização – a qual implica «apreciação», e não simplesmente «não aplicação», só podendo e devendo ser conhecida e decidida na medida em que haja um nexo incindível entre ela e a questão principal objeto do processo, entre ela e o feito submetido a julgamento. Tendo a questão de inconstitucionalidade material sido suscitada e delimitada nesses termos e havendo um nexo incindível entre a mesma e a questão que constituiu objeto do despacho recorrido (a aplicabilidade de perdão parcial de pena ao arguido, ao abrigo da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto), importa proceder à sua apreciação por este Tribunal de recurso. * Cumpre, pois, apreciar e decidir.* § 1 - O recorrente AA, nascido em ../../1955, foi condenado pela prática, em coautoria, de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 217.º, nº 1, e 218.º, nº 2, al. a), do Código Penal, cometido entre os anos de 2001 e 2004, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob uma determinada condição.Tal suspensão da execução da pena foi revogada, por decisão transitada em julgado. § 2 - O despacho recorrido teve por objeto a apreciação da aplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto e, por conseguinte, do perdão parcial de pena na mesma previsto, tendo o tribunal “a quo” decidido a sua inaplicabilidade, uma vez que: a) o crime foi cometido entre 2001 e 2004, altura em que o condenado já tinha mais de 45 anos de idade; b) o artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, estatui que “estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º”. Não sendo esse o caso dos autos, decidiu-se que o aqui condenado não beneficia nem da amnistia nem do perdão previstos na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto. § 3 – O recorrente discorda da decisão, arguindo a inconstitucionalidade do artigo 2.º n.º 1, da Lei nº 38/2023, de 2/8, no segmento em que limita a aplicação da lei em causa a ilícitos praticados “…por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos à data da prática do facto…”, por entender que tal viola o disposto no artigo 13º/CRP, no plano do princípio da igualdade, nas vertentes da proibição da discriminação e da proibição do arbítrio. Em consequência do afastamento da restrição etária, o despacho recorrido deverá ser revogado e, em sua substituição, ser aplicado perdão de um ano de prisão à pena de 4 (quatro) anos e 6 (meses) de prisão, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1, da citada Lei. A idade prevista como limite de aplicabilidade da lei de clemência é de tal forma assente na arbitrariedade que nem o conceito de “jovem” assume concordância nos diversos diplomas que ao mesmo se refere (cfr. Portaria 345/2006 de 11.04 (30 anos), Resolução 36/28 de 1981 da Assembleia Geral das Nações Unidas (24 anos), Portaria 98/2022 de 18.2 (29 anos), Portaria 31/2015 de 12-2 (40 anos inclusive), e, por todos, Regime Penal Especial para Jovens previsto na Dec. Lei 401/82, de 23/9 (idade 16 a 21 anos)). § 4 – O Ministério Público, em resposta, pugna pela confirmação do despacho recorrido, por entender, em suma, que a interpretação jurídica vertida no mesmo não contraria o princípio da igualdade e que foi aplicada a legislação. * De jureApreciando. * O despacho recorrido não aplicou o perdão de um ano de prisão à pena exequenda do ora recorrente, pelo facto do condenado ter mais do que trinta anos de idade à data do crime, o que afasta a aplicabilidade da lei de clemência por força da limitação prevista no artigo 2º, nº 1, da Lei nº Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto. Inconformado com tal restrição, o condenado impugna juridicamente o despacho, motivando o seu recurso na inconstitucionalidade material dessa norma jurídica à luz do disposto no artigo 13º/CRP, no plano do princípio da igualdade, nas vertentes da proibição da discriminação e da proibição do arbítrio. Importa, ora, aferir o mérito da tese do recorrente. A norma sub iuditio limita os beneficiários do perdão concedido pelo nº 1 do artigo 3º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto (“Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.”) às pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto. É, assim, uma norma que tem um caráter geral e abstrato, ao definir o âmbito pessoal do perdão a todos os condenados que tenham entre 16 e 30 anos de idade, excluindo, por inerência, todos os demais. É neste plano que o recorrente situa o fundamento jurídico do seu recurso, alegando que tal restrição viola o princípio da igualdade. Em primeiro lugar, importa recordar a legitimidade conferida à Assembleia da República, mediante competência reservada, prevista no artigo 164º, alínea g), da CRP, ao consagrar competir à Assembleia da República "conceder amnistias e perdões genéricos". Tratando-se de matéria de competência reservada da Assembleia da República, incumbe a este órgão de soberania definir os termos em que concede as amnistias e perdões. A propósito desta competência, o acórdão unificador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/2023, de 1 de fevereiro, publicado no Diário da República n.º 23/2023, I - Série, esclarece que “(…) o direito de graça, em que se integra o perdão de penas, consubstancia a "contraface do direito de punir estadual", consubstanciando um caminho (…) para propiciar condições favoráveis (…) ou (…) à socialização do condenado(…)”. Os atos de graça abrangem, assim, a amnistia, o perdão genérico e o perdão individual ou particular, em que se integram o indulto e a comutação(…). A distinção entre as várias medidas de graça efetua-se conforme o ato respeite ao facto praticado ou à pena concretamente aplicada, bem como consoante abranja um caso concreto ou um grupo de situações, em função das características do facto praticado ou do agente (…)”. No caso da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, em causa, esta explicitou no seu artigo 1º que veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, assim se compreendendo o seu âmbito pessoal definido no artigo 2º, nº 1 “Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º”. A norma em causa não viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição, que se limita a assegurar que “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” Este preceito articula-se, perfeitamente, com outra norma jurídica diretamente aplicável no nosso país, enquanto estado-membro da União Europeia (art. 6.º do Tratado da União Europeia) e subscritor do Tratado de Lisboa, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece no seu artigo 20.º (Igualdade perante a lei) que “Todas as pessoas são iguais perante a lei.”, tendo como corolário expresso no artigo 21º o princípio da não discriminação “1. É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.” Ora, o critério de restrição do âmbito pessoal da citada lei de clemência é referente à idade dos condenados à data do(s) respetivo(s) crime(s) e não em razão da sua ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. De resto, constitui entendimento pacífico na jurisprudência No mesmo sentido do decidido no presente aresto, veja-se, a título exemplificativo, a Decisão Sumária desta Relação e Secção de 5 de Janeiro de 2024, proferida no processo n.º 30/21.9SFPRT-B.P1, relatado pelo Desembargador Dr. William Themudo Gilman, o acórdão desta Relação e Secção, de 19 Dezembro de 2023 (processo nº 24/21 .4PEPRT-B.P1), relatado pelo Desembargador Dr. Raúl Cordeiro, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22 de Novembro de 2023 (processo nº 39/07.5TELSB-H.C1), do Desembargador Dr. João Abrunhosa e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18 de Dezembro de 2023 (processo nº 401/12.1TAFAR-E.E1), relatado pelo Desembargador Dr. Jorge Antunes., também, do Tribunal Constitucional Vide, a propósito, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 42/95, relatado pelo Conselheiro Messias Bento, acessível no endereço https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19950042.html. que a exigência constitucional de igualdade só recusa o arbítrio, as soluções materialmente infundadas ou irrazoáveis: neste sentido, o acórdão nº 488/2008 de 07.10.2008, esclarece que “(…) igualdade não é igualitarismo. O Tribunal Constitucional tem uma vasta jurisprudência sobre o princípio da igualdade. “Reflectindo o estado actual da compreensão do princípio da igualdade, tanto na jurisprudência como na doutrina, nacionais e estrangeiras, afirmou-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2003 (publicado no Diário da República 1.ª Série-A, de 17 de Junho de 2003), assumindo em diversos passos da sua fundamentação abundante argumentação de jurisprudência anterior: (…) O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, «razoável, racional e objectivamente fundadas», sob pena de, assim não sucedendo, «estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes (…) (,…) O Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da igualdade impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente diferentes tenham tratamento também diferente. Admitem-se, por conseguinte, diferenciações de tratamento, desde que fundamentadas à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional [cf., nomeadamente, os Acórdãos n.º s 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16.º vol. (1990), pp. 383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente; cf., igualmente, na doutrina, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2.ª ed., 1993, p. 213 e ss., Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6.ª ed., 1993, pp. 564-5, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 1993, p.125 e ss.] (…)”. Por conseguinte, impõe-se à luz de tal critério, aferir se a restrição de âmbito pessoal da citada lei de clemência é, ou não, razoável, racional e objetivamente fundado, ou, por oposição, arbitrária e, nessa medida, materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade. A ratio legis: O legislador introduziu o regime de clemência consagrado na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude e da visita Papal a ela associada e, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 97/XV/1ª que lhe subjaz, encontra-se explicitado que o Governo apresentou à Assembleia da República (publicação Diário da Assembleia da República, II-Série A nº 245, de 19 de Junho de 2023, págs. 348-353) que “A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é um evento marcante a nível mundial, instituído pelo Papa João Paulo II, em 20 de dezembro de 1985, que congrega católicos de todo o mundo. Com enfoque na vertente cultural, na presença e na unidade entre inúmeras nações e culturas diferentes, a JMJ tem como principais protagonistas os jovens. Considerando a realização em Portugal da JMJ em agosto de 2023, que conta com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal, tomando a experiência pretérita de concessão de perdão e amnistia aquando da visita a Portugal do representante máximo da Igreja Católica Apostólica Romana justifica-se adotar medidas de clemência focadas na faixa etária dos destinatários centrais do evento. Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina. Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação.” Encontra-se aí exposto um critério objetivo, geral e abstrato, inspirado num evento nacional de projeção universal, beneficiando com as medidas de clemência os jovens a partir da maioridade penal e até perfazerem 30 anos, por serem os destinatários centrais da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), sendo essa a idade limite do evento. Mais: as razões objetivadas na Proposta de Lei coadunam-se com os fins do direito penal, sendo consabido que o legislador ordinário também tem uma especial preocupação de reinserção social dos jovens, com benefícios nas sanções penais aplicadas – vide o Regime Penal Especial para Jovens (sendo este aplicável aos jovens até aos 21 anos de idade – Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro), no qual está prevista a possibilidade de atenuação especial da pena (artigo 4º do aludido diploma) com esse intuito, tendo em conta a fase da vida em que os beneficiados se encontram e as suas especificidades ao nível da sua personalidade, mundividência e esforço de integração, beneficiando a sua reinserção social, o que reforça a racionalidade jurídica do âmbito subjetivo (pessoal) de aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto. Embora este regime especial para jovens seja aplicável aos jovens até aos 21 anos de idade, por opção do legislador, a circunstância desse limite etário ter subido para os 30 anos para os beneficiários das medidas de clemência previstas não pode ser visto como uma arbitrariedade, uma vez que é esta a idade-limite dos destinatários da JMJ. De resto, a hipótese de restringir as medidas de clemência aos jovens até aos 21 anos de idade, sendo a lei inspirada e motivada pela realização da JMJ, com o seu ideário desenhado para os jovens até aos trinta anos de idade, não seria politicamente justificável. Do exposto resulta claro não ter existido uma decisão de política legislativa arbitrária ao conceder as medidas de clemência penal (perdão de pena e amnistia), apenas, a todos os jovens com idade compreendida entre 16 e 30 anos de idade. Existiu, isso sim, uma decisão política, criticável, como todas as demais, mas em consonância com o texto fundamental. O princípio da igualdade Finalmente, importa ainda sublinhar que no plano do necessário silogismo jurídico, o proclamado “direito à igualdade” não tem existência independente, estando dependente da sua conjugação com outros direitos, pressupondo a sua violação a preterição de algum direito ou de alguma liberdade, com base, precisamente, na violação do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, na vertente de não discriminação.., nas vertentes da proibição da discriminação e da proibição do arbítrio, não se mostra violado. Impõe-se, pois, negar provimento ao recurso. * Pelo exposto, o recurso improcede “in totum”.* Das custas:Sendo negado provimento ao recurso das arguidas, impõe-se a condenação do recorrente no pagamento das custas, nos termos previstos nos artigos 513°, 1, do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais. A taxa de justiça é fixada em 4 (quatro) unidades de conta, nos termos da Tabela III anexa àquele Regulamento, tendo em conta o objeto do recurso. * Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência e por unanimidade os juízes subscritores da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso do arguido AA.* * III – DECISÃO Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 UC (quatro unidades de conta). Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator. Porto, em 3 de Abril de 2024. Jorge Langweg Cláudia Rodrigues Maria dos Prazeres Dias _________________ [1] Parecer subscrito pela Procuradora-Geral Adjunta Dra. Laura Rios. [2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V. [3] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1. [4] Jorge Miranda, “O Regime de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal”, pág. 1, acedido em https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/1119-2440.pdf. [5] Este preceito articula-se, perfeitamente, com outra norma jurídica diretamente aplicável no nosso país, enquanto estado-membro da União Europeia (art. 6.º do Tratado da União Europeia) e subscritor do Tratado de Lisboa, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece no seu artigo 20.º (Igualdade perante a lei) que “Todas as pessoas são iguais perante a lei.”, tendo como corolário expresso no artigo 21º o princípio da não discriminação “1. É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.” [6] No mesmo sentido do decidido no presente aresto, veja-se, a título exemplificativo, a Decisão Sumária desta Relação e Secção de 5 de Janeiro de 2024, proferida no processo n.º 30/21.9SFPRT-B.P1, relatado pelo Desembargador Dr. William Themudo Gilman, o acórdão desta Relação e Secção, de 19 Dezembro de 2023 (processo nº 24/21 .4PEPRT-B.P1), relatado pelo Desembargador Dr. Raúl Cordeiro, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22 de Novembro de 2023 (processo nº 39/07.5TELSB-H.C1), do Desembargador Dr. João Abrunhosa e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18 de Dezembro de 2023 (processo nº 401/12.1TAFAR-E.E1), relatado pelo Desembargador Dr. Jorge Antunes. [7] Vide, a propósito, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 42/95, relatado pelo Conselheiro Messias Bento, acessível no endereço https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19950042.html. [8] Finalmente, importa ainda sublinhar que no plano do necessário silogismo jurídico, o proclamado “direito à igualdade” não tem existência independente, estando dependente da sua conjugação com outros direitos, pressupondo a sua violação a preterição de algum direito ou de alguma liberdade, com base, precisamente, na violação do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, na vertente de não discriminação.. |