Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
277/15.7GCETR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HORÁCIO CORREIA PINTO
Descritores: CRIME DE AMEAÇA
GRAVAÇÃO
CONVERSA TELEFÓNICA
MEIO DE PROVA
Nº do Documento: RP20180627277/15.7GCETR.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 765, FLS.371-385)
Área Temática: .
Sumário: É lícita, e meio de prova permitido, a gravação, realizada com o conhecimento do arguido, da conversa telefónica, através da qual aquele comete o crime de ameaça e injuria.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 277/15.7GCETR.P1
Acordam os juízes que integram esta 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
Relatório.
Em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, procedeu-se a julgamento de:
1. B… (recorrente), filho de C… e de D…, natural da freguesia de …, concelho de Estarreja, nascido a 21/04/1983, solteiro, manobrador de máquinas, titular do CC n.º ……… ….., residente na rua …, nº .., …. - … …, união das freguesias de …, concelho de Estarreja;
2. E…, filho de F… e de G…, natural da freguesia de …, concelho de Cinfães, nascido a 22/10/1977, divorciado, empresário, titular do CC n.º ……… …., residente na rua …, casa .., …. - … ….
O tribunal proferiu o seguinte dispositivo:
a) Absolver o arguido B…, pela prática em 08.11.2015, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p.p. pelo artº 143 nº 1 do CP, e de um crime de dano, p. e p. pelo artº 212 nº 1 do Código Penal;
b) Condenar o arguido, B…, pela prática em 14.06.2015, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artº 153 nº 1 e 155 nº 1 al. a), ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão e de um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181, do Código Penal na pena de 2 (dois) meses de prisão, em cúmulo jurídico:
c) Tudo na pena única de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução durante um ano sujeita ao cumprimento pelo arguido dos seguintes deveres e regras de conduta:
d) Entregar dentro de 6 (seis) meses a quantia de 250€ (duzentos e cinquenta euros) ao Assistente, a título de pagamento parcial da indemnização civil em que infra vai condenado, juntando aos autos o respectivo comprovativo no prazo referido;
e) Não praticar quaisquer crimes dolosos no período da suspensão;
(…)
Da audiência de julgamento apurou-se a seguinte factualidade com relevo para a decisão da causa:
1. No dia 14 de Junho de 2015, pela 17h57m, quando o assistente E… se encontrava na sua residência, sita na rua …, nº .., …, em Estarreja, o arguido B… ligou-lhe através do telemóvel no qual estava inserido o cartão com o número ………., para o seu número ……….. e, após aquele atender e depois de questioná-lo quanto ao facto de ele ser amigo da sua mulher na rede social Facebook e de a ter convidado para tomar café, o arguido vociferou, entre o mais, “você apague-a já já no facebook antes que eu vá à sua procura e parto-o todo ”, “E…, amanhã vou, vou à fábrica, amanhã vou à fábrica saber, se tens a sorte de trabalhar lá amigo, esquece tiro-te a vida fora lá de caminho, que é um instante” e “ se tu tens a felicidade de Tensai amanhã tu estás fodido só com segurança é que tu sais de lá de dentro, ou amanhã ou outro dia, mas podes amanhã vou resolver o teu problema ”.
2. Em consequência dessas afirmações, o assistente ficou atemorizado e com receio de que o arguido, pelo menos no dia seguinte, viesse a concretizar o mal que anunciou e a atentar contra o seu corpo e saúde, ou contra a sua vida.
3. No dia 8 de Novembro de 2015, por volta das 18h30m, no exterior do restaurante H…, sito na rua …, nº …, em Estarreja, o arguido B…, na sequência de uma discussão verbal com o assistente E…, veio a afastar este com um empurrão.
4. O assistente E…, observado em exame médico-legal, apresentava a 11.11.2015 «discreta equimose castanha na pálpebra inferior direita, com 2x0,3cm e equimose castanha violácea na pálpebra superior esquerda, com 2x0,5cm», lesões que demandaram para a cura, directa e necessariamente, um período de 4 dias de doença, com afectação da capacidade de trabalho geral pelo período de 1 dia e com afectação da capacidade de trabalho profissional pelo período de 1 dia.
5. O arguido B… aquando do referido em 1) agiu com o propósito de proferir aqueles dizeres com foros de seriedade, por forma a provocar no assistente um sentimento de medo e de inquietação e de afectá-lo na sua liberdade de determinação, como provocou e afectou, bem sabendo que as expressões que lhe dirigiu eram um meio idóneo e adequado à concretização desses intentos.
6. O arguido B… aquando do referido em 1) actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7. O arguido B… uns tempos antes do referido em 1) começou a mandar SMS e mensagens através da rede social facebook para a companheira do assistente B….
8. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 3), o arguido E… ao ver aí chegar o assistente B… correu na sua direcção tirou uma espécie de soqueira do bolso direito e dirigindo-se a este disse-lhe “seu filho da puta, corno”, “eu mato-te”, após o que foi afastado como referido na parte final do ponto 3)
9. O arguido E… quis e conseguiu assim atingir a integridade moral do assistente B…; aí agindo livre, voluntária e conscientemente bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei penal.
10. Além do referido em 1), e nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo aí referidas, o arguido B…, durante a chamada, chamou diversos impropérios ao assistente E… como: “seu filho da puta”; “óh seu corno do caralho”; “seu boi”; “seu filho da grande puta”; “seu cabrão”; “seu grande corno”.
11. E mesmo depois do assistente E… ter dito ao arguido B… que a chamada estava a ser gravada, este não se inibiu de continuar a proferir os impropérios já referidos, tendo repetido por diversas vezes os insultos ao longo da chamada telefónica.
12. E ainda proferindo expressões como: - “seu cabrão…; és um cabrão que andas aí…; seu filho da puta;… deves ter uns cornos que pareces um veado, óh cabrão de merda”; -“você é um grande filho da puta, é o que você é… Desligue… apaga já o número…, senão … mato-te filho da puta”.
13. Ao proferir as expressões referidas em 10-12, agiu o arguido B… de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito de atentar contra a honra e consideração do assistente E…, bem sabendo que as expressões que lhe dirigiu eram um meio idóneo e adequado à concretização desse intento e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
14. Com a actuação do arguido/ demandado B…, referida em 1)-2), 5)-6) e 10)-13), o Assistente/ demandante E… sentiu vexame e humilhação, vergonha e constrangimento de ser enxovalhado; e sofreu ainda aborrecimentos e incómodos vários com as deslocações a diversos locais ora para apresentar queixa, ora para prestar declarações, ora em deslocações ao escritório de mandatário.
15. O arguido B… vive com a companheira e 4 filhos (duas enteadas com 19 e 17 anos de idade e dois filhos comuns com 10 e 8 anos de idade), em casa arrendada pela qual suportam a renda de €250/mês e ao que acresce ainda o crédito pessoal para aquisição de automóvel cuja prestação mensal ascende ao valor de €300/mês, do qual faltam ainda 8 anos para liquidar.
16. O arguido B… encontra-se desempregado há cerca de 3 meses, não auferindo qualquer subsídio ou prestação social, efectuando biscates na agricultura e para um irmão, com o que aufere cerca de €250/mês; contando ainda o agregado com o vencimento mensal da companheira, operária fabril, no valor de cerca de €500/mês líquidos e abono dos menores, cujo valor desconhece; e ao que acresce ainda o valor do vencimento da enteada mais velha correspondente ao salário mínimo nacional pelo emprego por um mês como operária fabril temporariamente.
17. O arguido B… tem o 7º ano de escolaridade completo.
18. O arguido E… vive com a namorada, há cerca de um ano e meio, em casa arrendada pela qual pagam o valor de €190,00/mês; e tendo recentemente integrado tal agregado um filho desta, maior (com 25 anos de idade) e desempregado, sem auferir qualquer rendimento.
19. O arguido E… é empresário auferindo rendimentos variáveis, tendo quanto ao ano de 2016 declarado o rendimento de €3.500/anual; contando ainda o agregado com o vencimento mensal da namorada, auxiliar de acção médica, no valor de cerca de €530/mês.
20. O arguido E… tem o 9º ano de escolaridade completo.
21. O arguido E… não tem antecedentes criminais conhecidos.
22. O arguido B… foi anteriormente condenado:
- pela prática em 05.01.2000 de um crime de condução de veículo sem carta e um crime de falsificação, pelo que foi condenado por acórdão transitada em julgado a 14.05.2001, respectivamente nas penas de 30 dias e 50 dias de multa à razão diária de 600$00, no PCColectivo nº 22/01, do então Tribunal de Estarreja. Tendo as penas sido declaradas extintas a 06.12.2001 pelo pagamento;
- pela prática em 01.03.2002 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, pelo que foi condenado por sentença transitada em julgado a 10.04.2002 na pena de 120 dias de multa à razão diária de €4,49, no processo sumário nº 84/02.7GCETR, do então 2º juízo do Tribunal de Estarreja. Tendo a pena sido declarada extinta a 28.11.2002 pelo pagamento;
- pela prática em 16.01.2002 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, pelo que foi condenado por sentença transitada em julgado a 20.06.2002 na pena de 4 meses de prisão suspensa pelo período de 2 anos, no processo abreviado n.º 58/02.8GCETR, do então 1.º juízo do Tribunal de Estarreja. Tendo a pena sido englobada no cúmulo do pc. 105/02.3GAETR;
- pela prática em 27.01.2002 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, pelo que foi condenado por sentença transitada em julgado a 07.01.2003 na pena de 4 meses de prisão suspensa pelo período de 1 ano, no PCS nº 176/02.2GTAVR do então 3.º juízo do Tribunal de Ovar. Tendo a pena sido englobada no cúmulo do processo nº 105/02.3GAETR;
- pela prática em 16.02.2002 de um crime de furto, pelo que foi condenado por sentença transitada em julgado a 24.02.2003 na pena de 90 dias de multa à razão diária de € 5,00, no PCS n.º 415/02.0PEAVR, do então 1.º juízo criminal do Tribunal de Aveiro. Tendo a pena sido declarada extinta a 15.12.2003 pelo pagamento;
- pela prática em 17.05.2002 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, pelo que foi condenado por sentença transitada em julgado a 28.04.2003 na pena de 6 meses de prisão suspensa pelo período de 2 anos, no PCS n.º 105/02.3GAETR, do então 1.º juízo do Tribunal de Estarreja. Tendo por sentença de cúmulo jurídico, englobando as penas deste e dos Pc. 58/02.8GCETR e 176/02.2GTAVR, transitada a 22.10.2003 sido aplicada a pena única de 10 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses. Tendo a pena sido posteriormente englobada no cúmulo do processo nº 185/02.1GCETR;
- pela prática em 08.04.2002 de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, pelo que foi condenado por sentença transitada em julgado a 09.07.2003 na pena de 8 meses de prisão suspensa pelo período de 3 anos, no PCS n.º 185/02.1GCETR, do então juízo de instância criminal de Estarreja – Comarca do Baixo Vouga. Tendo por sentença de cúmulo jurídico, englobando as penas deste e dos processos nºs 58/02.8GCETR, 176/02.2GTAVR e 105/02.3GAETR, transitada a 27.11.2003 sido aplicada a pena única de 18 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos. Tendo a pena suspensa sido revogada e determinado o cumprimento de 18 meses de prisão efectiva, cujo cumprimento foi efectuado e declarado extinto pelo cumprimento a 18.01.2010;
- pela prática em 19.01.2005 de um crime de detenção ilegal de arma e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, pelo que foi condenado por sentença transitada em julgado a 18.04.2006 na pena de 8 meses de prisão efectiva, no PCS n.º 19/05.3GCETR, do então 1.º juízo do Tribunal de Estarreja. Tendo por sentença de cúmulo jurídico, englobando as penas deste e do Pc. 82/02.0GCETR, transitada a 07.10.2008, sido aplicada a pena única de 3 anos e 8 meses de prisão suspensa com regime de prova. Tendo a pena sido declarada extinta nos termos do artº 57 do CP, decorrido o prazo da suspensão, em 07.06.2012;
- pela prática em 23.03.2003 de um crime de furto na forma tentada, um crime de resistência e coacção sobre funcionário, três crimes de injúria e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, pelo que foi condenado por acórdão transitado em julgado a 27.03.2007, respectivamente nas penas de 7 meses de prisão, 1 ano de prisão, 90 dias de prisão e 1 ano de prisão, tudo em cúmulo jurídico na sequência do que foi aplicada a pena única de 2 anos e 3 meses de prisão efectiva, confirmada por acórdão da relação de 07.03.2007, no PC Colectivo nº 83/03.1GAETR, do então 1º juízo do Tribunal de Estarreja;
- pela prática em 14.09.2003 de um crime de ofensa à integridade física simples, pelo que foi condenado por sentença transitada em julgado a 20.04.2006, na pena de 8 meses de prisão suspensa por 3 anos, sujeita ao pagamento ao lesado de €250 e acompanhamento pela DGRSP com regime de prova, no PCS n.º 397/03.0GCETR, do então 2.º juízo do Tribunal de Estarreja. Tendo tal pena sido declarada extinta nos termos do art.º 57.º do CP por despacho de 13.01.2009.
Dos factos não provados:
(…)
Motivação
(…)
Assim, desde logo temos que quanto ao descrito em 1), 2), 5)-7) e 10)-13), o Tribunal atentou nas declarações de ambos os arguidos / assistentes, conjugado com o teor da gravação reproduzida em julgamento, auto de transcrição e depoimento da testemunha I…. Desde logo, esta esclareceu as circunstâncias em que o arguido/assistente E… a contactara e como isso incomodara o marido, sendo que todavia, o seu depoimento revelou-se já claramente parcial quanto à descrição por si efectuada do referido telefonema descrevendo que ouviu o assistente E… chamar corno ao seu companheiro B… e a dizer que o ia partir todo mas negando que o companheiro B… tivesse insultado ou ameaçado o E… escudando-se aqui no facto de ter ido entretanto ter com a filha, aliás chegou mesmo a afirmar que quem ligou para o telemóvel do B… foi o E…, facto que diga-se ambos os arguidos referiram ter sido precisamente o inverso. Portanto o depoimento de tal testemunha foi apenas valorado quanto ao descrito em 7), que aliás diga-se sempre resultaria do teor da própria chamada telefónica, percebendo-se do teor da conversa em causa ter sido tal a origem do telefonema.
Depois e quanto à versão do arguido B… de que foi também nessa chamada insultado e ameaçado, tal não encontra respaldo em nenhuma outra prova produzida, apresentando-se o mesmo isolado em tal versão e aliás afigurando-se precisamente que tal versão não se mostra sequer minimamente credível face à demais prova recolhida. Note-se que quanto à questão da gravação e sua admissibilidade nos pronunciamos já conforme acta de 25.05.2017 e conforme entendimento exarado no douto acórdão do douto Tribunal da Relação do Porto de 27.01.2016, proferido no processo nº 1548/12.0TDPRT.P1.
Já para prova do descrito em 3) e 8)-9) atentou-se no teor das declarações dos arguidos conjugado com o teor do depoimento da testemunha J…. Desde logo, temos que importa salientar que a versão do arguido E… de que foi abordado pelo arguido B… e que este lhe desferiu uma cabeçada, murros e pontapés e que inclusive mesmo caído no chão continuou a ser alvo de pontapés pelo B…, bem como que chegou mesmo este a rasgar-lhe as calças e bem assim a partir-lhe os óculos, não encontra confirmação segura e inequívoca em qualquer outro meio de prova. Antes se afigurando inclusive nas suas declarações o arguido/assistente E… terá pecado por manifesto exagero, pois que inclusive veja-se que aquando da queixa relatou apenas murros e pontapés e aquando do exame médico-legal relatou apenas um cabeçada, e em julgamento afinal chega o ponto de além do dano dos óculos invocar que lhe rasgou as calças, ora tais declarações contêm em si um exagero tal na descrição efectuada que no confronto com a demais prova produzida, não encontrando aí um mínimo de confirmação (excepto quanto ao empurrão assumido quer pelo arguido B… quer pela testemunha J…) não permite ao Tribunal descortinar onde é que o arguido/Assistente E… está a falar com verdade e onde é que está a exagerar. Pelo que e na dúvida impõe-se o in dúbio a favor do arguido B… e aqui apenas se poderá atentar no que o próprio assumiu, aliás confirmado pela testemunha J….
Já quanto ao comportamento do arguido E… contra a pessoa do arguido/ assistente B…, temos a versão deste e aqui corroborada pelo depoimento da testemunha E…, que aliás se afigurou imparcial e inclusive referiu que, logo perante o confronto, a primeira coisa que fez foi tirar dali o B… porque já sabia que ia dar para o torto (como que a revelar ter aquele comportamento agressivo, aliás o que resulta do próprio CRC junto).
Depois quanto ao descrito em 4) tal resultou do exame pericial de fls. 104-106 vº.
Finalmente, quanto aos elementos subjectivos, referidos nos factos provados, atente-se que tal resulta igualmente desde logo das presunções ligadas ao princípio da normalidade e das regras gerais de experiência, bem como dos elementos objectivos dados como provados.
Relativamente aos depoimentos das testemunhas K… e L…, os mesmos declararam nada saber quanto aos factos em concreto, não se recordando de um qualquer episódio envolvendo os dois arguidos aqui em causa, pelo que nada acrescentam quanto à prova produzida confirmando-a ou infirmando-a.
Depois para prova do descrito em 14) dos factos provados atentou-se nas regras de experiência comum e bem assim nas declarações de parte do assistente E… e depoimento da testemunha M… (namorada deste), sendo certo que mais uma vez aqui as declarações daquele pecaram pelo manifesto exagero das mesmas e em consequência do que veio a resultar como não provada a factualidade descrita sob alíneas j) a m), desde logo não se afigurando tal minimamente verosímil pois que inclusive após as ameaças continuou a frequentar estabelecimento comercial em Estarreja, também ele frequentado pelo arguido B…, e onde se vieram a cruzar a 08.11.2015; sendo que o próprio arguido/assistente E… afirmou que se mudou para o Porto em Outubro de 2015 (portanto antes inclusive da discussão de 08.11.2015). Acresce que quanto aos alegados trabalhos que perdeu, não foi produzida qualquer prova que sequer indiciasse tal corresponder à verdade e como acima referimos os exageros com que o Assistente eivou as suas declarações não permitem atentar nas mesmas quando não se mostrem estas corroboradas por outros meios de prova, sendo que a testemunha M… se limitou a reproduzir aquilo que lhe era veiculado pelo próprio E…. Assim, e na ausência de outra prova, e por as declarações de E… se encontrarem em muitos aspectos claramente exageradas não se pôde atentar nas mesmas por se desconhecer onde é que estaria a verdade factual e real e onde é que estava o exagero.
O Tribunal atentou ainda quanto às condições sócio-económicas e pessoais dos arguidos, descritas em 16) a 20) dos factos provados, nas declarações prestadas pelos arguidos nesta parte ambas credíveis, até porque não infirmadas por outros meios de prova.
Análise crítica dos elementos documentais juntos aos autos.
Para prova dos antecedentes criminais referidos em 21) e 22) dos factos provados atendi ao teor dos certificados de registo criminal juntos aos autos (fls. 289 e 291-300).
Quanto aos factos não provados os mesmos resultaram da ausência de prova quanto aos mesmos e/ou inclusive da prova contrária produzida.
Mais se consigna quanto aos demais factos alegados e acima não constantes na factualidade provada ou não provada, que os mesmos constituem matéria conclusiva, instrumental, repetida, irrelevante ou de direito, sendo certo que o Tribunal especificadamente sobre os mesmos se debruçou.
Enquadramento jurídico-penal
(…)
Recurso do arguido B….
Conclusões:
1. A condenação de que ora se recorre decorre apenas da existência de uma gravação efectuada pelo próprio arguido/assistente, no seu telemóvel, considerada pelo douto tribunal "a quo" a prova cabal da prática do crime.
2. A gravação efectuada, transcrita e ouvida em Tribunal contém imensas falhas (não é toda ela perceptível), tendo várias partes que são completamente inaudíveis e, portanto, não se encontram sequer transcritas.
3. "A falta ou a falha na gravação da prova pessoal constitui nulidade processual, nos termos do artº 201 nº1 do CPC, e submetida ao regime de arguição do artº 205 do mesmo CPC."-Tal raciocínio deve ser analogicamente aplicado à gravação de telemóvel.
4. Constitui abusiva intromissão na vida privada a gravação de conversas ou contactos telefónicos, sem consentimento do outro interlocutor ou autorização judicial concedida pela forma prevista na lei processual, consentimento esse que deve ser sério, livre e esclarecido.
5. É nula a prova constituída pela mencionada gravação - ilícita - da alegada conversa telefónica que fundamenta a convicção do Tribunal.
6. A gravação de conversas sem o consentimento de um dos interlocutores é ilícita porque atentatória do princípio da reserva da intimidade da vida privada.
7. A simples declaração do ofendido de que iria gravar a chamada telefónica não poderá determinar um consentimento presumido por parte do Arguido, sob pena de total destruição das apertadas regras sobre a obtenção das provas.
8. Admitindo-se que os registos fonográficos podem ser meio de prova só lograrão, todavia, esse estatuto, se demonstrado o consentimento do outro interlocutor na sua obtenção, ou esta tiver sido determinada, na ponderação de outros valores ou interesses comunitariamente superiores segundo o aludido princípio da proporcionalidade, pela autoridade pública competente (também nos termos já aflorados) e sempre sem afronta, nesse caso, sobretudo quanto à sua valoração, do respeito devido à dignidade humana.
9. Não foi efectuado qualquer reconhecimento de voz à aludida gravação que prove a identidade dos intervenientes.
Resposta do MP
(…)
Todavia, cumpre-nos elucidar, ainda que de forma sucinta, o raciocínio que nos permite defender a posição assumida pelo Tribunal a quo.
Nos termos do artigo 125 do Código de Processo Penal serão admitidos todas as provas que não forem proibidos por lei. O artigo 126 estabelece alguns casos em que os meios de obtenção de prova são proibidos. Um dos casos previstos nesse artigo legal é a intromissão, entre outras situações, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, ressalvados os casos previstos na lei (por exemplo a prévia autorização judicial).
Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 167 do Código de Processo Penal, só podem valer como meio de prova, as reproduções de fonográficas, que forem lícitas nos termos da lei penal. Tal opção consagrada na lei de processo justifica-se pelo respeito dos princípios do Estado de Direito, pois apesar do processo penal ter como objectivo máximo a descoberta da verdade material, este não pode ser conseguido a todo preço, implicando que, em regra, só sejam admissíveis meios de prova que não violem os direitos alheios, neste caso concreto, os direitos do arguido.
Torna-se necessário, então, recorrer ao direito penal material. O artigo 199, nº 1, alínea a), do Código Penal prevê pena de prisão até um ano ou pena de multa de 240 dias, a quem gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas. Mas certo é que a lei efectivamente não exige um consentimento expresso, o que de certa forma permite a gravação de conversas em situações que não originem claramente uma presunção de que tal acto não está em conformidade com a vontade da pessoa visada.
No caso em questão o recorrente foi informado que a ligação telefónica ia ser gravada pelo que ao continuar a conversa consentiu, ainda que de forma tácita, nessa gravação. Ao contrário, se tivesse optado por salvaguardar o seu direito à palavra, tinha optado por desligar a chamada.
Todavia, mesmo que a gravação tenha sido produzida em conformidade com o consentimento presumido do recorrido, ainda assim poderá, em abstracto, existir crime no caso da utilização da aludida gravação. Isto é, o titular do direito pode autorizar a gravação, e não autorizar a sua reprodução, mesmo que esta seja feita pelo autor da gravação (artigo 199, nº 1, alínea b)). E é forçoso concluir que, no caso em questão o visado pela gravação, ou seja o recorrente, não tem qualquer interesse em autorizar a reprodução da gravação porquanto isso ser-lhe-ia totalmente prejudicial.
Assim, estaríamos perante uma ilicitude penal que conduziria, necessariamente, à proibição da valoração dessa prova obtida.
Todavia, entendemos que não pode ser assim, já que na presente situação a conduta do assistente aquando da elaboração da gravação foi feita em legítima de defesa (…) porquanto tinha o objectivo de repelir uma agressão, naquele momento, actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos, ou seja a tranquilidade pessoal e a honra. Defendemos o mesmo raciocínio relativamente à reprodução da gravação para efeitos de utilização como prova em processo penal, porquanto tal acção não foi pautada por uma conduta arbitrária mas por um comportamento em legítima defesa ou, no limite em direito de necessidade, de modo a prevenir futuras lesões do seu bem jurídico e de modo a se defender de uma conduta que a si também era imputada, enquanto arguido.
Assim, entendemos não ser proibida a valoração pelo Tribunal a quo desse meio de prova.
No que concerne à inexistência de reconhecimento de voz à gravação que consta dos autos, vício alegado pelo recorrente, cumpre referir que o Tribunal a quo, que ouviu a gravação e ouviu as declarações prestadas por este em audiência de julgamento não teve qualquer dúvida, razão pela qual não teve a necessidade de, no exercício do seu poder instrutório determinar a realização de tal diligência.
Diga-se, ainda, quanto a este aspecto, que nenhum sujeito processual, mormente o recorrente levantou tal questão até porque este confirmou ter ligado para o arguido/assistente B… e que essa chamada telefónica foi gravada (minuto 1:20 das suas declarações sobre os factos prestadas na sessão de julgamento de 15 de Maio de 2017).
Assim, considerando que a gravação que consta dos autos é prova licita valerá então princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 127 do Código de Processo Penal, nos termos do qual: “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
O Tribunal a quo conjugou a gravação sindicada com os outros meios de prova elucidando de forma suficiente o caminho probatório trilhado conducente à condenação do recorrente pelo que, do nosso ponto de vista, a sentença recorrida não merece qualquer censura.
Assim, entendemos não ter existido qualquer violação dos artigos 125, 126 nº 1 e nº 3, e 167, todos do Código de Processo Penal, entendendo-se que, deverá ser mantida a douta decisão recorrida, que condenou o arguido pela prática de um crime de ameaça, previsto e punível pelo artigo 153, nº 1, com a agravação do artigo 155 e de um crime de injúria, previsto e punível pelo artigo 181, nº1, todos do Código Penal, na pena única de 7 (sete) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, mediante as condições de entregar ao assistente, no prazo de 6 (seis) meses, a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) a título de indeminização civil e não praticar quaisquer crimes dolosos no período da suspensão…
Parecer
Confirmou a argumentação desenvolvida na resposta que vai ao encontro da posição desenvolvida na sentença.
Pugna pelo não procedimento do recurso.

Cumpriu-se o artº 417, nº2 do CPP.
Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta à apreciação do mérito.
Mantém-se a regularidade da instância.
Fundamentação e direito.
O recurso tem por objecto central a gravação da conversa telefónica entre o assistente e o ora recorrente B….
Alega o recorrente que a aquisição desta prova, substrato do crime de injúrias e ameaças, é ilegal, porque constitui uma prova proibida.
A exclusividade da gravação, como suporte da conduta criminosa, torna insustentável a condenação.
Acresce que a gravação foi levada a cabo sem autorização do interlocutor, neste caso o ora recorrente. Mesmo que admitida sempre estaria ferida de nulidade por ser imperceptível a audição e não ser possível o reconhecimento de voz.
Na acta de fls 308, com data de 25/05/2017, o MP veio requerer a reprodução da gravação da chamada telefónica em audiência de julgamento, como meio essencial de prova. O arguido ora recorrente declarou opor-se à audição sugerindo a proibição da prova obtida por aquela via.
O tribunal proferiu despacho autorizando a audição daquele meio de prova entendendo que a gravação efectuada pelo assistente era plenamente legal, uma vez que o arguido foi informado da gravação. Para suportar este deferimento citou o Acórdão da RP nº 1548/12.OTDPRT.P1 de 27/01/2016. Já durante a motivação o tribunal voltou a mencionar esta questão da gravação, como decidida, citando de novo aquele acórdão.
O recorrente, além de referir que a prova é inaudível, sustenta que a mesma é proibida, citando o artº 201, nº1 do CPP, pela intromissão na esfera da vida privada, falta de autorização judicial, de reconhecimento de voz e de consentimento expresso. A falta de consentimento só pode operar no respeito pelo princípio da proporcionalidade, ou seja mediante a devida ponderação de valores.
O MP tece algumas considerações de forma fundamentada e sistematizada sobre esta matéria que repisam o citado acórdão mas que sem dúvida são o caminho certo para avaliar esta produção de prova.
A gravação é suficientemente audível para que se possa obter prova a partir desses elementos.
A norma citada do artº 201, nº1 do CPC não está em vigor e não se aplica à presente situação. Além de citar o artº 125 do CPP, recorre ao disposto no artº 126, nº3 do mesmo diploma para salientar alguns meios proibidos de obtenção de prova (nulidade de prova), onde pontifica a intromissão na correspondência e telecomunicações, sem consentimento do respectivo titular, ressalvada, obviamente, a autorização judicial. Por outro lado só podem valer como meio de prova as reproduções fonográficas que não violem os direitos do arguido – artº 167 do CPP. O artº 199, nº 1, alª a) do CP prevê pena de prisão para quem gravar conversas de outra pessoa não destinadas ao público mas, não exige consentimento expresso …
No caso concreto o arguido recorrente foi informado que a conversa ia ser gravada e não tomou qualquer iniciativa para suster a conversa. Coloca-se ainda a questão de estar autorizada a gravação mas não a sua reprodução (art. 199, nº1, alª b) do CP). Acontece que a reprodução foi usada para fins judiciais. Entende o MP que a gravação e sua reprodução judicial funcionam como exercício de legitima defesa ou, no limite, permitem a actuação em estado de necessidade.
A valoração desta prova é plenamente válida.
O reconhecimento de voz foi claro e nunca chegou a ser posto em causa durante a audiência de julgamento. Os intervenientes bem sabiam como tinha decorrido a chamada telefónica.
A prova foi avaliada segundo os critérios do artº 127 do CPP.
Não há qualquer valoração sobre prova proibida.
São estas as posições em confronto.
Vejamos o caso concreto com recurso à matéria dada como provada.
1. No dia 14 de Junho de 2015, pela 17h57m, quando o assistente E… se encontrava na sua residência, sita na rua Professora Cecília Oliveira, nº 10, R/C, em Estarreja, o arguido B… ligou-lhe através do telemóvel no qual estava inserido o cartão com o número ………., para o seu número ……….. e, após aquele atender e depois de questioná-lo quanto ao facto de ele ser amigo da sua mulher na rede social Facebook e de a ter convidado para tomar café, o arguido vociferou, entre o mais, “você apague-a já já no facebook antes que eu vá à sua procura e parto-o todo ”, “E…, amanhã vou, vou à fábrica, amanhã vou à fábrica saber, se tens a sorte de trabalhar lá amigo, esquece tiro-te a vida fora lá de caminho, que é um instante” e “se tu tens a felicidade de … amanhã tu estás fodido só com segurança é que tu sais de lá de dentro, ou amanhã ou outro dia, mas podes amanhã vou resolver o teu problema ”.
10. Além do referido em 1), e nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo aí referidas, o arguido B…, durante a chamada, chamou diversos impropérios ao assistente E… como: “seu filho da puta”; “óh seu corno do caralho”; “seu boi”; “seu filho da grande puta”; “seu cabrão”; “seu grande corno”.
11. E mesmo depois do assistente E… ter dito ao arguido B… que a chamada estava a ser gravada, este não se inibiu de continuar a proferir os impropérios já referidos, tendo repetido por diversas vezes os insultos ao longo da chamada telefónica.
12. E ainda proferindo expressões como: - “seu cabrão…; és um cabrão que andas aí…; seu filho da puta;… deves ter uns cornos que pareces um veado, óh cabrão de merda”; -“você é um grande filho da puta, é o que você é… Desligue… apaga já o número…, senão … mato-te filho da puta”.
Todas estas afirmações foram proferidas via telefónica.
A matéria de facto compreende uma chamada telefónica e respectivos conteúdos, onde se pode ver que o recorrente proferiu palavras injuriosas e ameaças ao assistente E…. O assistente advertiu o arguido que a chamada estava a ser gravada, sugerindo que a utilizaria para fim judicial. A gravação desta prova e o seu valor foram colocados, mediante requerimento do MP que o tribunal deferiu, como acima se disse.
Não estamos perante qualquer alteração – substancial ou não substancial – mas tão só em aferir do valor da gravação telefónica.
Alega-se que o tribunal atendeu a uma prova nula, constituída pela gravação ilícita da referida conversa, por referência aos artºs 125; 126 nº 3 e 167 todos do CPP, devidamente conjugados com os artºs 192, nº 1, alª a) e 199, nº 1, alªs a) e b) do CP. Refuta-se o consentimento presumido por banda do recorrente, demonstrado no objecto do próprio recurso e discordância da admissibilidade da prova na acta de 25/05/2017, fls 308.
Com este quadro, excluído o consentimento, a questão está em saber o valor deste elemento de prova (gravação) e não propriamente a violação da proibição de prova.
O artº 126 nº3 do CPP parece sugerir, por parte do legislador, a adopção da doutrina fruit of the poisonous tree (nulidade da prova) porém, no confronto e análise daquela norma, com os artº 167 do CPP e artº 199 nº1 alªs a) e b) do CP, temos forçosamente de concluir, de acordo com os princípios de aquisição da prova e verdade material, que solução tão radical deve ser rejeitada, procedendo a uma análise casuística que leve em linha de conta critérios estabelecidos pela doutrina da tipicidade ou da ilicitude e das causas de justificação. A este propósito Costa Andrade – Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal – fls 254 (242v/262v), Coimbra Editora, refere situações como: a gravação, por parte da vítima de um crime de extorsão, coacção ou injúrias, das comunicações telefónicas ou das conversas directas face-a-face, mantidas com o agente do crimesobressai um comportamento ilícito ou ao menos eticamente censurável, por parte da pessoa cuja palavra é, sem o seu consentimento gravada. A doutrina e jurisprudência entendem que os autores destas gravações não devem ser criminalmente sancionados. Questão mais complexa é a do tratamento da exclusão da responsabilidade penal, enquanto uns privilegiam critérios e efeitos da tipicidade – redução teleológica da área de tutela da norma incriminatória … outros consideram que só a doutrina da ilicitude e causas de justificação tem virtualidades para dar resposta à situação.
Em qualquer circunstância é inegável a licitude da gravação, meio de se conseguir a realização da justiça penal.
As regras de proibição de prova destinam-se às instâncias formais de controlo – tribunais – de onde resulta o disposto no artº 216 nº 3 do CPP, por aí se disciplinar os limites de interferência na vida privada com objectivo de recolher prova. Quanto às provas obtidas por particulares sobre a tutela da vida privada não há uma regulação penal expressa, basta que não sejam ilícitas nos termos previstos no CP, como decorre do artº 167, nº 1 do CPP. A validade desta prova confina-se pela legislação substantiva, desde que não obtida ilicitamente. No caso concreto a gravação da chamada efectuada pelo assistente, destinada a um círculo definido, mediante aviso, não parece configurar um ilícito penal – inexistência de actividade criminosa. A norma incriminadora prevista no artº 199 do CP, que tutela o direito à preservação da palavra – gravação e reprodução – tem que ser entendida, por parte do assistente, como um comportamento que justifica a ilicitude do acto (Ac do STJ de 28/09/2011 e Ac da RP de 23/10/2013). O STJ é claro ao afirmar que … não se vislumbra qualquer razão pela qual a protecção da vítima e a eficiência da justiça penal tenham de ser postergadas pela protecção da palavra e de imagem que consubstancia práticas criminosas ou da imagem que as retracta. A protecção acaba quando aquilo que se protege configura a prática de um crime.
É simples, a gravação documenta a conversa telefónica, onde o arguido se dirige ao assistente, de forma ilícita, materializando crimes de injúrias e ameaças. Por contraponto a actuação do destinatário exclui a ilicitude da gravação, como forma de se proteger contra a investida criminosa do arguido, num claro exercício de defesa. No caso de gravações telefónicas, mensagens de texto ou filmagens fortuitas há que preservar o direito de autodefesa, tutelando judicialmente a posição da vítima, desde que não se viole o limite imposto pela lei. Como o assistente não comete qualquer crime, longe disso, também não pode ser considerada inválida a prova obtida mediante gravação da comunicação telefónica.
A conduta do assistente está devidamente justificada como forma de se proteger da investida criminosa.
A questão do reconhecimento de voz nunca esteve em causa, quer o arguido quer o assistente, admitiram a chamada telefónica, como bem refere a sentença na sua motivação.
O tribunal não está impedido de valorar esta prova ao abrigo do disposto no artº 127 do CPP.

Não há qualquer nulidade ou inadmissibilidade de prova.
Improcede o recurso.

Acordam os juízes que integram esta 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.
Registe e notifique.

Porto, 27 de Junho de 2018.
Horácio Correia Pinto.
Álvaro Melo.