Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3103/20.1T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUELA MACHADO
Descritores: NULIDADES DE SENTENÇA
REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA
VIOLAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP202404043103/20.1T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também, designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
II - Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um meio a utilizar apenas nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
III - O Decreto-Lei n.º 328/90, de 22 de outubro, dispõe no art. 1.º, nº 1 que “Constitui violação do contrato de fornecimento de energia elétrica qualquer procedimento fraudulento suscetível de falsear a medição da energia elétrica consumida ou da potência tomada, designadamente (…) a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos aparelhos de medida (…)”, estabelecendo uma presunção iuris tantum quando no nº 2 desse mesmo preceito prevê que “Qualquer procedimento fraudulento detetado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia elétrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respetivo consumidor”.
IV - Ocorrendo a violação do contrato de fornecimento de energia elétrica por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza de dois direitos:
a) Interromper o fornecimento de energia elétrica; e
b) Ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dividas ativas do distribuidor.
V - Dos artigos 4.º e 5.º do referido Dec. Lei nº 328/90, de 22-10, resulta, por sua vez, com toda a clareza, que o procedimento aí referido, nomeadamente as notificações a levar a cabo pelo distribuidor, apenas estão previstas para a situação da alínea a) do nº 1 do art. 3.º, ou seja, caso o distribuidor opte por interromper o fornecimento de energia elétrica, e já não quando o distribuidor opte por ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e demais despesas inerentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 3103/20.1T8VNG.P1




Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


I - RELATÓRIO
A..., S.A., (atual denominação social da B..., S.A.) intentou ação declarativa com processo comum contra AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe, a título de indemnização por factos ilícitos, a quantia de em € 7.832,22 (sete mil, oitocentos e trinta e dois euros e vinte e dois cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor, contados desde a data da citação do Réu até efetivo e integral pagamento; ou, se assim não se entender, a pagar-lhe, a título de restituição por enriquecimento sem causa, a quantia de € 7.762,62 (sete mil, setecentos e sessenta e dois euros e sessenta e dois cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor, contados desde a data da citação do Réu até efetivo e integral pagamento.
Para o efeito, alegou, em síntese, que houve adulteração do mecanismo de contagem de eletricidade do contador que liga a rede de distribuição de energia elétrica ao imóvel do réu e que este beneficiou do abastecimento de energia elétrica que não foi pago à autora.

O Réu contestou, arguindo várias exceções e pugnando pela improcedência da ação.

Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foram julgadas improcedentes, nomeadamente, as exceções da ineptidão da petição inicial, de prescrição por efeitos do art. 10.º, nº 1 da Lei nº 23/96, de 26/07, da prescrição por decurso de três anos após a data dos factos em causa, bem como a exceção perentória de pagamento.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu julgar a ação parcialmente procedente, por provada, condenando o réu AA a pagar à autora A..., SA, a quantia de 7.762,62€, acrescida de juros, calculados à taxa legal em vigor, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo do demais peticionado.
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Não se conformando com o assim decidido, veio o réu interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, formulando as seguintes conclusões:
“I.- A douta SENTENÇA tem necessariamente que revogar-se pois consubstancia a única solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso "sub judice", das normas legais e dos princípios jurídicos competentes que melhor infra se expõe.
II.- Ao contrário do dado por provado na sentença aqui em crise o Tribunal a quo violou vários preceitos legais, sendo parcialmente injustas e impertinentes a argumentação e as considerações em que se baseia.
III.- Salvo o devido respeito por melhor opinião, o Recorrente não vislumbra relevância nos argumentos aduzidos pelo Exmo. Senhor Juiz a quo na sua douta fundamentação, em clara violação do art.º 607.º, n.º 4 e 5, 608.º do CPC, bem como, omitiu pronúncia sobre questões que devia apreciar e em que os fundamentos de facto e de direito invocados estão em oposição com a prova carreada nos autos, que, por inerência de violação por parte do Julgador de regras de direito probatório material, impunham decisão diversa, e que como tal inquinam o processado, padecendo o douto despacho saneador sentença de nulidade, nos termos do art.º 615.º, n.º 1 alíneas c) e d) do CPC.
IV.- Por um lado, porque da discussão de matéria de facto e de direito outra deveria ser conclusão da sentença aqui em crise, que permitiria a normal e justa composição do litígio, e,
V.- Por outro lado, porque, erroneamente, se encontram factos dados por provados, que não o deviam ter sido, e, ainda, outros factos que foram dados por não provados e que deveriam ter sido dados por provados, de acordo com as regras de direito probatório material e experiência comum que infra melhor se indicam e que por se encontrarem em contradição notória com prova carreada aos autos e gravada impunham decisão diversa.
VI.- E, em consequência, ao não serem considerados, estamos perante violação do contraditório legal e constitucionalmente consagrado, tendo sido proferida decisão final com preterição de tal princípio, violando dessa forma os mais elementares direitos constitucionalmente consagrados, com sentido e alcance constitucionais por violação dos princípios e das normas contidas nos art.ºs 2.º, 20.º, n.º 1, 4 e 5, e 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa
VII.- Ora, da prova carreada aos autos, seja em sede documental, seja em sede testemunhal, impunham decisão diversa pois desde logo, nunca poderiam ter sido dados por provados os seguintes factos:
9) Chegados ao local, os técnicos da Autora verificaram que o local se encontrava autoligado na portinhola e que o contador tinha shunts na fase 2 e 3 abertos.
10) Tais factos ficaram registados no auto de vistoria lavrado para o efeito na data e local da inspeção e respetivo registo fotográfico;
11) Os factos detetados constituem procedimentos destinados a falsear a medição da energia elétrica consumida e a consumir energia elétrica sem qualquer controlo ao nível de potência possibilitando a sua fruição de forma ilimitada.
12) Nessa medida, beneficiando o réu de 7.762,62€, correspondendo a 46.791 KWH de energia, que não foram pagos à autora.
VIII.- E deveria ter sido incluído nos factos dados por provados: A A. Não cumpriu o dever de informação junto do R. a que estava obrigada nos termos e para os efeitos do art.º 4º e 5.º do decreto lei n.º 328/90 de 22 de Outubro porquanto não deixou auto de inspecção, nem qualquer elemento probatório, nem cumpriu os deveres a que estava obrigada, designadamente da possibilidade de pedir vistoria no prazo de 48 h à Direcção de Energia e Geologia caso não concordasse com o teor do auto de inspecção;
IX.- Ora ponderada a douta fundamentação e motivação da sentença, desde logo impõe-se as seguintes considerações, DA VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL ART.º344.º, N.º 2 DO CC
O documento n.º 3 designado de “Auto de inspecção”, não tem aposto qualquer data de vistoria, e do mesmo consta não só que o cliente não recebeu duplicado do Auto, nem foram chamadas as autoridades;
Bem como das fotografias juntas pela A. e referenciadas na motivação não há qualquer indicação que as mesmas correspondem ao contador do aqui R., nem que seja possível das fotografias, retirar qualquer informação de que tais fotos respeitam ao contador do aqui R..
X.- Aliás tal facto decorre do depoimento da Testemunha da A. BB, seu depoimento, entre as 9:41:01 horas e as 9:56:33 horas (gravada no sistema áudio citius nos 15minutos:13S) a instâncias da mandatária da Ré nos minutos 07:27min em diante, no âmbito do qual chamado a pronunciar-se se as fotos constantes dos autos eram do contador do R., o mesmo não conseguiu identificar qualquer referência que as mesmas pertenciam ao mesmo;
XI.- Por um lado, não há qualquer referência que as fotografias do contador supostamente anexos ao auto pertençam sequer ao contador do aqui R., sendo que as mesmas nem juntas estão na PI com o alegado auto de inspecção, que nem datado está, muito menos das fotos juntas a fls 1, 2 do doc. n.º 3, se pode retirar que a existir a viciação nas mesmas, estas fotografias respeitem o contador do R., como foi provado
XII.- Por outro lado, se não se consegue estabelecer que tais fotografias pertencem ao contador aqui em crise, também não pode ser extrapolado que o aqui R. dele beneficiou, pois que padece tal presunção de ausência fáctica e nexo causal necessária para que pudéssemos fazer funcionar um qualquer silogismo jurídico…
XIII.- Até porque para que tal presunção do art.º 1.º, n.º 2 do Decreto lei n.º 328/90 de 22 de Outubro possa funcionar, a A. também está vinculada aos seguintes deveres:
-dar notícia, em auto suficientemente descritivo, dos elementos que no entender do fornecedor. Constituem prática manipuladora, deturpadora e viciante da medição da energia eléctrica (art.º 2.º, n.º 2 do referenciado Decreto Lei)
-entregar e deixar cópia do auto de ocorrência (art.º 2.º, n.º 3)
-Fornecer os “elementos de prova eventualmente recolhidos” (art.º 2.º, n.º 3)
-Impedir que se processe uma interrupção do fornecimento de energia sem que o consumidor seja notificado, por escrito, do valor presumido do consumo regularmente feito (art.º 4.º, n.º 1); e
-Informar o consumidor dos seus direitos, designadamente o de poder requerer a Direcção Geral de Energia a vistoria prevista no art.º 5.º, n.º2;
XIV.- A este facto acresce que atenta a inversão do ónus da prova, estipula ainda que num caso de procedimento fraudulento, além desta alegação e prova, incumbe à distribuidora igualmente o ónus de alegação e prova de cumprimento do dever de informação ao consumidor do seu direito de requerer à Direcção Geral de Energia uma Contra-Vistoria;
XV.-Desde logo, porque não há como dizer que o aqui R. beneficiou do que quer que seja, porque assente também numa presunção de que depende o dever de informação ao consumidor.
XVI.- Aliás, nesse estribo e entendimento veja-se Ac. da Relação de Guimarães, de 13/01/2022, em que foi Relatora Margarida Almeida Fernandes
I – O nº 2 do art. 1º do Dec.-Lei nº 328/90 de 22 de Outubro prevê uma presunção júris tantum nos termos da qual qualquer procedimento fraudulento detectado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia electrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor, sendo que não se trata propriamente de uma presunção de autoria do procedimento fraudulento, mas uma presunção de responsabilidade perante o distribuidor.
II - No caso de indícios ou suspeita de procedimento fraudulento tem o distribuidor os seguintes deveres: a) dar notícia, em auto suficientemente descritivo, dos elementos que no entender do fornecedor constituem a prática manipuladora, deturpadora e viciante da medição da energia eléctrica (art. 2.º, n.º 2); b) entregar e deixar cópia do auto de ocorrência (art. 2.º, n.º 3); c)) fornecer os “elementos de prova eventualmente recolhidos” (art. 2.º, n.º 3); d) impedir que se processe uma interrupção do fornecimento de energia sem que o consumidor tenha sido notificado, por escrito, do valor presumido do consumo regularmente feito (art. 4.º, n.º 1); e e) informar o consumidor dos seus direitos, designadamente o de poder requerer à Direcção-Geral de Energia a vistoria prevista no artigo 5º nº 2.
III – Num caso de procedimento fraudulento, além desta alegação e prova, incumbe à distribuidora igualmente o ónus de alegação e prova do cumprimento do dever de informação ao consumidor do seu direito de requer à Direcção Geral de Energia uma “contra-vistoria”.
XVII.- Por outro lado, nem sequer é crível que num contrato de duração de mais de 30 anos nunca tenha havido uma qualquer inspecção, em que os seus intervenientes têm 87 e 80 anos, e que foi sempre pontualmente cumprido, diga-se pago, que os mesmos tivessem algum interesse na viciação e manipulação de um contador, que segundo os funcionários da aqui A. Tinham obrigação de descobrir, no âmbito do cumprimento do contrato.
XVIII.- Numa situação que é habitual quando estamos perante um acto de natureza criminal, serem chamadas as autoridades, e tal situação não tem lugar, sem que seja deixado um qualquer duplicado do auto ao aqui R., sem que tenha sido informado de que o R. tinha o direito de requerer uma vistoria ao contador, e nessa medida, impede o aqui R. de poder contrapor a prova carreada aos autos, nos termos previstos no art.º 344.º, n.º 2 do CC
XIX.- As fotografias juntas não permitem sequer estabelecer se se trata do contador do aqui R., e impendia tal prova ao abrigo da distribuição do ónus da prova sobre a A. nos termos e para os efeitos do art.º 342.º do CC ex vi 344.º, n.º 2 do CC.
XX.- É que importa reter que a presunção iuris tantum decorrente do art.º 1.º, n.º 2 do Decreto lei n.º 328/90, é passível de prova em contrário e ouvidas as testemunhas da A. em nenhum momento podemos do seu depoimento retirar ilações e/ou presunções que não estão assentes.
XXI.-Sobretudo quando perguntadas as testemunhas com conhecimento directo dos factos se podem estabelecer que as fotos juntas aos autos tem elementos identificativos que as associem ao contador aqui em apreço, como é o caso… As mesmas dizem que não o podem fazer, designadamente a Testemunha da Autora - BB, que levantou o auto de inspecção;
XXII.- Logo e salvo devido respeito por melhor opinião, o Meritíssimo Juiz ao dar como provados os factos constantes no ponto 9), 10), 11) e 12) na sua motivação violou as regras de distribuição do ónus da prova, previsto art.º 342.º do CC ex vi 344.º n.º 2 do CC, bem como, ao não dar cumprimento ao dever de informação contido no art.ºs 4.º e 5.º n.º 2 do decreto- lei n.º 328/90 de 22 de Outubro
XXIII.- Ora dispõe o art.º 344.º, n.º 2 do CC que “há inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado”, que foi o que aconteceu ao aqui R., vendo-se impossibilitado de pedir uma contra-vistoria.
XXIV.- Ora, nos termos do art.º 662.º, n.º 1 do CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida impuserem decisão diversa;
XXV.- Ora de acordo com o art.º 607.º, n.º 4 do CPC deve o julgador em sede de sentença declarar quais os factos dados por provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo factos apurados as presunções impostas pela lei e pelas regras da experiência.
XXVI.- Ora o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, contudo está vinculado a critérios de racionalidade de lógica, objectivos e assentes nas regras de experiência comum
XXVII.-Aliás nesse estribo o Ac. da Relação de Coimbra de 5/11/2019, in www.dgsi.pt
1.-O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”.
XXVIII.- A presunção do artigo 1.º, n.º 2 do DL 328/90 teria uma ratio válida, como um dos mecanismos atinentes a tentar a quebra de tais procedimentos fraudulentos, caso a A. cumprisse os deveres de informação a que está legalmente acometida, pois que impendia sobre a A. a obrigação de informar o R. que tinha direito para o exercício da sua defesa para em 48 h requerer vistoria à Direcção Geral de Energia.
[Apesar de incorreta, a partir do ponto XXIX, mantem-se a numeração que consta das conclusões de recurso, por estarmos a citar as mesmas]
XXVIX.-A dramática evolução dos sistemas de controlo e o incontestável êxito que se passou a ter no combate a estas práticas fraudulentas, não poderão continuar a arrastar consigo uma presunção que acaba por, supletivamente, fazer o trabalho de quem acusa, sem chegar mesmo a acusar.
XXVX.-Ou seja, na prática e no caso concreto dos presentes autos, estamos perante uma utilização abusiva da presunção pela autora, pois bem sabe a A. que o aqui R. seja pela sua provecta idade, seja pela incapacidade técnica, não sabe sequer verificar alguma alteração ao contador…
XXVXI.- E ao utilizar abusivamente a presunção, sem dar a conhecer o direito de informação a autora está a cercear o seu direito de defesa do consumidor aqui R. e a impedi-lo de efectuar a contra-prova que lhe assiste nos termos e para os efeitos do art.º 344.º, n.º 2 do CC;
XXVXII.- Aliás sufragamos o entendimento da jurisprudência de que não se trata propriamente de uma presunção de autoria do procedimento fraudulento mas uma presunção de uma responsabilidade perante o distribuidor - cfr. Ac. da Relação do Porto de 13/05/2021: em que foi relator Aristides Rodrigues de Almeida, in www.dgsi.pt:
“A distribuidora da energia tem apenas o ónus da prova que o equipamento de contagem foi objecto de intervenção fraudulenta, incumbindo, por sua vez, ao consumidor em face da acima referida presunção legal o ónus da prova do contrário, que tal intervenção não é imputável por ser devida a motivo estranho à sua vontade ou a acto praticado por terceiro”
XXVXIII.- Aliás, o próprio Juiz a quo admite que do conjunto da prova produzida não se pode dar por provado que foi o R. quem efectuou a viciação aqui em desiderato
XXVXIV.- Ora, o Supremo Tribunal de Justiça já teve oportunidade de ser debruçar sobre esta situação, nomeadamente no Acórdão de 10-05-2016, em que foi Relator o Conselheiro Gabriel Catarino (disponível in www.dgsi.pt):
(…)“O DL n.º 328/90, de 22-10, diploma matriz que rege para os casos em que ocorre uma violação dos aparelhos (pontos) de medição/contagem de energia eléctrica, faz impender sobre a entidade fornecedora de energia, deveres inafastáveis e invadeáveis, de que sobressaem: (i) dar notícia, em auto suficientemente descritivo, dos elementos que no entender do fornecedor constituem a prática manipuladora, deturpadora e viciante da medição da energia eléctrica (art. 2.º, n.º 2); (ii) entregar e deixa cópia do auto de ocorrência (art. 2.º, n.º 3); (iii) fornecer os “elementos de prova eventualmente recolhidos” (art. 2.º, n.º 3); (iv) impedir que se processe uma interrupção do fornecimento de energia sem que o consumidor tenha sido notificado, por escrito, do valor presumido do consumo regularmente feito (art. 4.º, n.º 1); e (V) informar (com carácter de obrigatoriedade) o consumidor dos seus direitos, “nomeadamente o de poder requerer à direcção-geral de energia a vistoria prevista no artigo seguinte” (sublinhado nosso).
XXVXV(…).- Os deveres referidos constituem-se como um complexo de valorações e inculcas advenientes de uma ideia de que numa relação entre um particular/consumidor e uma entidade organizada colectiva e empresarialmente para prestar serviços a um lote muito alargado de pessoas, o encargo de fornecer informação sobre o conteúdo do contrato e dos direitos que lhe advém, quando ocorrem distúrbios no programa contratual, incumbe à parte que é a mais forte e àquela que detém um manancial de meios para poder conferir à relação contratual um veio e espelho de transparência, de lisura, equivalência e equilíbrio (relativo) da respectiva posição contratual.
XXVXVI.- (…)O dever de informação ao consumidor/eventual infractor (…) constitui-se como um dever infringível e que não pode ser desculpado ou descurado pela entidade que tem o dever de promover o equilíbrio de uma relação sinalagmática salutífera (sublinhado nosso).
XXVXVII.- Criando na realidade e de forma abusiva, uma situação de desigualdade manifesta, actuando pois a A. em Manifesto abuso de direito, cerceando o direito de defesa do aqui R. de forma intolerável,
XXVXVIII.- Ora, deste confronto entre a presunção legal do DL 328/90, de 22 de Outubro e o Princípio da Igualdade das Partes, por violação do dever de informação que impende sobre a A. resulta numa situação de colisão de direitos. E estando em causa direitos de natureza diferente, aplica-se o regime previsto no n.º 2 do art.º 335.º do CC, a saber: se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.
XXVXViX.- Dúvidas não podem quedar que o direito superior neste caso, aquele que urge salvaguardar, é o direito de defesa do réu, concretizado mediante uma efectiva igualdade das partes durante o processo judicial, afastando, deste modo, uma presunção que aponta para o réu, quando qualquer transeunte o poderá ter feito.
XXVXX.- Pelo que, face ausência de cumprimento do dever de informação por parte da A. e com recurso a critérios do princípio de igualdade das armas, deverá a presunção legal ser afastada, por abusiva e impeditiva de um normal e razoável exercício do direito de defesa do réu.
XXVXXI.- O que expressamente se invoca e requer para todos os devidos e legais efeitos, porquanto ao não o fazer a A. impediu o aqui R. de se defender fazendo prova do contrário, isto é, pedir a contra-vistoria de molde a ver demonstrada a não manipulação do contador, que implicaria a improcedência da acção e absolvição da R. no pagamento da quantia devida, fosse por responsabilidade civil fosse pelas regras do enriquecimento sem causa.
XXVXXII.- A ser verdade o deposto pelas testemunhas CC e DD, resulta sim à evidência que a A. concorreu para o dano que foi alvo, por um lado, pela violação do dever contratual de vistoria e fiscalização dos serviços técnicos que tem ao seu serviço; e por outro lado, ao não ter procedido ao levantamento do contador, como a isso estava obrigada com o corte de energia…. O que por essa via exclui a obrigação a indemnizar nos termos e para os efeitos do art.º 570.º, n.º 2 do CC ex vi 571.º e 572.º do CC
XXVXXIV.-Muito menos poder-se-à imputar tal responsabilidade ao aqui R. quando o mesmo em nada contribuiu para o prejuízo da A., tendo sempre cumprido as obrigações de pagamento da energia consumida enquanto manteve o contrato aqui em desiderato…
XXVXXV.- E ainda, não tendo as fases todas o mesmo consumo, até o valor aferido, está ferido de ininteligibilidade, pois que as fases têm consumos diferentes que podem levar a excesso de valores contabilizados e defeito…
XXVXXVI.- Já o réu foi confrontado com o valor peticionado de € 7.832,22, sem se aferir como chegou aos valores aqui em desiderato … pois que são passíveis de não ter aderência com a realidade, até porque como foi deposto pelas testemunhas DD, o cliente foi sempre pagando enquanto o contrato se manteve…
XXVXVIII.- Que por se tratarem de conclusões que interferem com regras de direito probatório material, sempre imporiam decisão diversa proferida nos presentes autos, e como viciaram a sentença de nulidade nos termos e para os efeitos do art.º 615.º, n.º 1 alíneas c) e d) do CPC, por violação do art.º 342.º, 344.º, n.º 2 , 350.º, n.º 2 do CC ex vi dever de informação contido nos art.ºs 2.º n.º 2, 3, art.º 4.º e 5.º do decreto lei n.º 328/90 de 22 de Outubro, impossibilitando o aqui R. de fazer contra prova que lhe assistia.
XXVVIX.- E, em consequência, ao não serem considerados, estamos perante violação do contraditório legal e constitucionalmente consagrado, tendo sido proferida decisão final com preterição de tal princípio, violando dessa forma os mais elementares direitos constitucionalmente consagrados, com sentido e alcance constitucionais por violação dos princípios e das normas contidas nos art.ºs 2.º, 20.º, n.º 1, 4 e 5, e 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa
XXVXXX.- Há erro notório e contradição insanável na apreciação da prova porquanto há factos carreados nos autos e prova documental que pela sua natureza, estão subtraídas a livre apreciação do julgador, e que evidenciam pelo menos uma contradição insanável entre a prova que dá por produzida nos autos e a decisão que acaba por proferir,
XXVXXXI.- Isto é, não foi atendida a prova documental junta aos autos que evidencia contradições notórias com a prova testemunhal aqui carreada aos autos pela própria A. Pelo que, resultam do processo elementos que são insuscetíveis de serem destruídos por qualquer outra prova…E que se impõe a sua alteração pela Relação,
XXVXXXII.-Aliás nesse estribo veja-se in “Recursos no novo código de processo civil”, de Abrantes Geraldes, pg. 275 e ss, que aqui transcrevem:
“Obviamente, que a modificação da matéria de facto continuará a justificar-se em tais circunstâncias quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova, o que ocorre, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (art.ºs 371.º, n.º 1, 376.º n.º 1, do CC), o considere não provado, relevando para o efeito prova testemunhal produzida ou presunções judiciais.
O mesmo deve acontecer, quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art.º 358.º do CC e art.ºs 484.º, n.º 1 e 463.º do CPC), ou tenha sido desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art.º 574.º, n.º 2 do CPC), optando por se atribuir prevalência à livre convicção formada a partir de outros elementos probatórios (v.g. testemunhas, documento particular sem valor confessório, ou prova pericial). Ou ainda nos casos em que tenha sido provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (v.g. presunção judicial ou depoimento testemunha, nos termos do art.º 351.º e 393.º do CC), situação em que a modificação da decisão da matéria de facto passa pela aplicação ao caso da regra do direito probatório material, art.º 364.º do CC.
Em qualquer destes casos, a Relação limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão, o facto que a 1.ª instância considerou não provado, ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado, alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte.”
XXVXXXVIII.- O que desde logo, obriga o Julgador a incluir na sentença, nos termos e para os efeitos do art.º 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, e a analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; O juiz toma ainda em consideração factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzidas a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência..
Salvo melhor opinião e atento o atrás exposto, deverão V. Exas. reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo esse facto, no sentido de alterar a decisão, revogando a sentença no sentido de proferir sentença absolutória do aqui R., e considerando totalmente improcedente o peticionado pela aqui A.
XXVXXXVIX.- Aliás, a não ser assim, existiria uma clamorosa violação do princípio da proporcionalidade e harmonização de direitos fundamentais conflituantes quando em colisão, nos quais se prevê nos termos do art.º 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que em caso de conflito de direitos fundamentais, obedece sempre ao princípio da concordância prática mediante o qual harmonização legislativa, não poderá ultrapassar o núcleo essencial dos direitos fundamentais em conflito;
XXVXXXX.-Sendo que, recorde-se que o R é a parte mais fraca na presente lide, em nada contribuíram para a presente situação, e correm sério risco, de se ver absolutamente desprotegido, em clara denegação de justiça.”.
Conclui, pedindo a revogação da sentença proferida e a substituição por outra que absolva o réu do pedido.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO

1. Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, as questões a apreciar são as seguintes:
- Se ocorre alguma nulidade da sentença, nomeadamente, por omissão de pronúncia e erro e contradição insanável na apreciação da prova, nos termos previstos nas alíneas c) e d), do nº 1, do art. 615.º do CPC;
- Se foi violado o princípio do contraditório, com violação de direitos constitucionalmente consagrados;
- Se ocorre erro de julgamento, pelo que deve ser alterada a matéria de facto provada e não provada;
- Se deve ser alterada a decisão de direito.
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2. Decisão recorrida
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
“1) A autora exerce, em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia elétrica em alta e média tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão no concelho do Porto.
2) Nessa qualidade de concessionária da rede de distribuição de energia elétrica a autora procede à ligação à rede elétrica pública das instalações de consumo que, para tanto, tenham celebrado os respetivos contratos de fornecimento de energia elétrica com os comercializadores que operam no mercado livre ou no mercado regulado.
3) Os equipamentos de contagem aplicados nos diversos locais de consumo fazem parte integrante da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão de serviço público.
4) A autora efetua habituais rondas de leitura, através de técnicos habilitados a vistoriar contadores, e procede à fiscalização das instalações de consumo, tendo em vista despistar a existência de eventuais ligações abusivas ou manipuladas à rede elétrica.
5) O local de consumo com o n.º ...53, corresponde à instalação de consumo sita na rua ..., ....
6) A referida instalação era abastecida de energia elétrica por força de um contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre o comercializador a operar no mercado livre B..., S.A. e o réu.
7) Tal contrato iniciou os seus efeitos no dia 01/12/1978 e cessou os seus efeitos no dia 24/05/2017, tendo sido o réu a solicitar a cessação.
8) No dia 24/05/2017, no cumprimento da ordem de serviço número ...65 de revisão de corte, a Autora enviou uma equipa técnica ao local de consumo supra, referido.
9) Chegados ao local, os técnicos da Autora verificaram que o local se encontrava autoligado na portinhola e que o contador tinha shunts na fase 2 e 3 abertos.
10) Tais factos ficaram registados no auto de vistoria lavrado para o efeito na data e local da inspeção e respetivo registo fotográfico.
11) Os factos detetados constituem procedimentos destinados a falsear a medição da energia elétrica consumida e a consumir energia elétrica sem qualquer controlo ao nível de potência possibilitando a sua fruição de forma ilimitada.
12) Nessa medida, beneficiando o réu de 7.762,62€, correspondendo a 46.791 KWH de energia, que não foram pagos à autora.
13) A autora enviou ao réu a carta datada de 14/11/2017, na qual dava conta da realização de uma auditoria técnica realizada no dia 24/05/2017, que detetou uma situação irregular de energia elétrica decorrente de atuação indevida no contador, sendo o valor a regularizar de 7.832,22€, solicitando o seu pagamento em 10 dias, tudo conforme termos do documento 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.
14) O contador de eletricidade da rua ..., ..., em ..., está localizado no exterior da habitação, na rua.”.
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O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:
“15) A autora teve um custo de 69,60€ com encargos administrativos com a deteção e tratamento da anomalia acima reportada.
16) Em sequência do detetado na inspeção realizada a 24/05/2017, a autora respondeu à mulher do autor aceitando o pagamento da quantia de 237,41€.”.
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Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação de facto:
“Para além da posição assumida pelas partes nos articulados, em que parte da matéria de facto alegada pela autora era aceite pelo réu, o Tribunal considerou a prova documental, referindo agora especificamente o auto de vistoria e a ordem de serviço BTN juntos como documentos 3 e 2 com a petição inicial, assim como as fotografias que acompanham esses documentos, identificadas naquele articulado como doc. 3, fls. 1 e fls. 2, que aludem à inspeção efetuada ao contador do réu.
Estes documentos foram considerados em conjunto com o depoimento da testemunha BB, que se identificou como eletricista e prestador de serviços à autora, que embora inicialmente referisse que não se recordava da presente situação (o que se acha normal considerando que já decorreram diversos anos desde que teve lugar), depois de ter sido confrontado com o auto de vistoria confirmou o seu teor, dizendo que estava assinado por si, tendo sido o próprio que o elaborou na sequência da deslocação ao local, reportando que esta inspeção teve lugar em ... (ou seja, no auto de vistoria está escrito ... e não ..., conforme pareceu ao réu), mais concretamente na rua ..., ..., ou seja, no local de consumo do contrato celebrado com o réu para fornecimento de eletricidade.
Concretizou a testemunha que as linhas 1 e 2 do contador estavam abertas e que por isso o contador não contabilizava a energia que era consumida em tais linhas, melhor o explicando após lhe ter sido exibida a fotografia junta com o requerimento de 13/05/2020 (aí identificada como doc. n.º 3, fls. 3), que o próprio na altura tirou, referindo-se aos pequenos parafusos existentes na peça de metal que estão colocados para baixo (os ditos shunts), ao contrário da outra linha, em que o parafuso está para cima, não deixando o seu depoimento dúvidas quanto à vistoria efetuada e ao problema detetado, do que disse resultando que alguém terá colocado aqueles dois parafusos nessa posição, o que permitia a passagem de energia naquelas duas linhas sem ser contada.
Neste sentido foi ainda o depoimento prestado por DD, que trabalha para a B..., tendo esta testemunha aludido à inspeção efetuada em maio de 2017 e ao problema detetado, referindo-se à violação do contador em que estavam abertas duas das três linhas, o que permitia que não fosse contabilizada a energia que passava nessas linhas.
Explicou a testemunha que embora o consumo das 3 linhas possa não ser uniforme, a forma que a autora tem de o calcular é de partir de um consumo de 2/3 não contabilizado, considerando que o contador tem 3 linhas e apenas uma é que era contada, ou seja, com base no consumo real contabilizado estabelece o restante.
Assim, com propósito e de forma clara e precisa, explicou esta testemunha que o réu beneficiou do consumo de energia por força da adulteração ao contador, partindo do documento 4 junto com a petição inicial, dizendo que foram consideradas as leituras efetuadas a 26/05/2014 (período mais próximo de 36 meses para trás) a 24/05/2017 (dia da inspeção), ou seja, 332.212 e 308.513, do que resulta a diferença de 23.699.
A seguir, divide esse número pelo número de dias desse período (1.106), o que dá 21,43kWh (aqui arredondado) por dia, para multiplicar por 1.095 (por ser o período de 36 meses que a Diretiva n.º 5/2016, de 26 de Fevereiro, estabelece), atingindo 23.463.
Posteriormente, multiplica por 3 (as três linhas de consumo do contador), certo que desse valor (70.390) retira 1/3 (referente ao consumo de uma linha que o réu pagou), chegando ao consumo final de duas linhas de 46.791, que multiplicado pelo preço do kWH (0,1659€), permite alcançar o montante de 7.762,62€, montante cujo pagamento a autora peticiona, dizendo a testemunha que no documento 5 junto com a petição inicial consta uma espécie de resumo destes cálculos.
O depoimento da testemunha CC, que se identificou como sendo funcionário da autora, foi ainda considerado, aludindo também esta testemunha à viciação do contador, ao facto da energia que passava por duas linhas não ser contabilizada e confirmando também que o consumo das 3 linhas pode ser diferente.
O seu depoimento acabou por ser mais valorado quando fez uma espécie de resumo cronológico deste local de consumo, aludindo à celebração do contrato, ao pedido para corte de eletricidade, à deteção da fraude que estava a ocorrer quando da vistoria para revisão de corte (em 24 de maio de 2017) e à celebração de um novo contrato, com novo titular, que se soube ser a mulher do réu, certo que na vigência deste novo contrato foi detetada nova viciação do contador.
Ora, na verdade, do depoimento de CC e ainda do das testemunhas EE e FF, respetivamente mulher e filha do réu, resultou claro que foi o réu quem solicitou à autora a cessação do fornecimento de energia elétrica (em rigor foi a filha do réu, a pedido dos seus pais), o que na esteira do disposto no artigo 611.º, 1, do CPC, melhor se concretiza e faz constar da matéria de facto, chamando a atenção que se tratam de factos supervenientes que não importam alteração da causa de pedir e cujo apuramento resultou da instrução da causa, tendo tido ambas as partes a oportunidade de livremente os sindicar, percebendo-se que foi exatamente esse pedido que motivou a inspeção ao local realizada em maio de 2017 que apurou da viciação do contador.
Todavia, após ter sido cortado o fornecimento de eletricidade a pedido do réu, para o mesmo local foi celebrado novo contrato, mas agora em nome da testemunha EE, assim o tendo esta e a sua filha o explicado.
Ora, e é precisamente quanto a este segundo contrato, celebrado em nome de EE e não do réu, que se reporta a carta enviada pela B... a 6 de dezembro de 2019 a solicitar o pagamento da quantia de 237,41€, junta pelo réu com a contestação como documento 4, uma vez que também na abrangência deste segundo contrato foi detetada nova viciação do contador, conforme o auto de vistoria de 09/09/2017, o que foi reportado a EE por carta datada de 14/11/2027, constando estes dois documentos do requerimento da autora de 13/09/2020.
Desta forma, face ao teor destes documentos e ao depoimento prestado por CC, cuja confirmação quanto à celebração de um novo contrato de fornecimento de energia em nome de EE foi confirmada por esta e por FF, concluiu o tribunal que a autora não fez qualquer proposta ao réu para que pagasse 237,41€ na sequência da viciação do contador detetada em 24 de maio de 2017, antes sendo este o valor que a autora apurou ser-lhe devido no seguimento do novo contrato celebrado com EE e que a 09/09/2017 se apurou que, tal como no anterior, o contador havia sido viciado.
Na sequência da viciação do contador detetada em 24 de maio de 2017, a autora enviou ao réu a carta datada de 14/11/2017, na qual dava conta da realização de uma auditoria técnica realizada no dia 24/05/2027, que detetou uma situação irregular de energia elétrica decorrente de atuação indevida no contador, conforme o auto de vistoria que seguia em anexo, sendo o valor a regularizar de 7.832,22€, tudo conforme termos do documento 6 junto com a petição inicial, carta que a testemunha FF confirmou que o seu pai recebeu.
As testemunhas EE e FF aludiram ainda aos consumos habituais de eletricidade da rua ..., ..., em ..., que se situavam pelos 400€, a tanto se reportando algumas faturas juntas com a contestação, tendo estas testemunhas e ainda GG, que se identificou como cunhada do réu, confirmado que o contador de eletricidade está no exterior da casa, mais concretamente na rua.
Não se fez prova que a autora tivesse tido um custo de 69,60€ com encargos administrativos com a deteção e tratamento da anomalia acima reportada. Na verdade, não se fez prova alguma sobre esta questão e embora esse valor conste do documento 5 junto com a petição inicial, não se apurou sobre ele nenhum razão de ciência, ficando-se com a ideia que nesse documento consta esse montante como podia constar qualquer outro, chamando a atenção que a vistoria efetuada pela autora foi feita na sequência do pedido de corte de eletricidade efetuado pelo réu, mais concretamente tratando-se de uma inspeção de revisão de corte, o que transmitiu a ideia de se tratar de uma revisão/inspeção que a autora teria sempre de fazer.
O Tribunal considerou a demais prova produzida, designadamente a documental, se bem que dela nada de resulte que mereça menção especial.”.
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3. Decidindo:

3.1. Da nulidade da sentença
Nas conclusões das suas alegações veio o recorrente arguir alegados vícios da decisão recorrida que identifica como nulidades, a saber, a omissão de pronúncia e a oposição entre os fundamentos de facto e de direito, previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, em conjugação com o disposto nos arts. 607.º, nºs 4 e 5 e 608.º, do mesmo diploma legal.
Apreciando:
O artigo 615.º do CPC prevê as causas de nulidade da sentença, dispondo que:
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”.
Posto isto, é unânime considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt).
Ou seja, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também, designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.

a) A omissão de pronúncia prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC
Invocando que não vislumbra relevância nos argumentos aduzidos pelo Exmo. Senhor Juiz a quo na sua fundamentação, em clara violação dos arts. 607.º, n.ºs 4 e 5 e 608.º do CPC, que o Juiz a quo omitiu pronúncia sobre questões que devia apreciar e que os fundamentos de facto e de direito invocados estão em oposição com a prova carreada para os autos, e que, por inerência de violação por parte do Julgador de regras de direito probatório material, impunham decisão diversa, entende o recorrente que a sentença padece de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1 alíneas c) e d) do CPC.
Por um lado, porque da discussão da matéria de facto e de direito outra deveria ser conclusão da sentença recorrida, e, por outro lado, porque, erroneamente, se encontram factos dados por provados, que não o deviam ter sido, e, ainda, outros factos que foram dados por não provados e que deveriam ter sido dados por provados, de acordo com as regras de direito probatório material e experiência comum.
Vejamos:
Como já referido, é nula a sentença, entre outros, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d), do nº 1, do art. 615.º).
Assim, a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas.
Tal como foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2020, Processo 12131/18.6T8LSB.L1.S1 (disponível em dgsi.pt), “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”.
Ora, lida a decisão recorrida, não se vê qual ou quais as questões colocadas pelas partes sobre as quais o Tribunal não se pronunciou, já que houve pronúncia sobre os pedidos formulados pela autora, bem como sobre todas as questões levantadas pelo réu/apelante, sendo, aliás, certo que tal também não resulta das alegações de recurso apresentadas pelo apelante, o qual, quando fala da omissão de pronúncia, se refere à discussão da matéria de facto e de direito que, na sua opinião, deveria levar a outra conclusão da sentença recorrida, sem mencionar expressamente qual a questão sobre a qual foi omitida pronúncia.
Não ocorre, assim, a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

b) Nulidade por oposição entre os fundamentos de facto e de direito, prevista na alínea c), do n.º 1, do art. 615.º do CPC
Entende, o apelante, ainda, que os fundamentos de facto e de direito invocados estão em oposição com a prova carreada nos autos, que, por inerência de violação por parte do Julgador de regras de direito probatório material, impunham decisão diversa.
E mais refere que, erroneamente, se encontram factos dados por provados, que não o deviam ter sido, e, ainda, outros factos que foram dados por não provados e que deveriam ter sido dados por provados, de acordo com as regras de direito probatório material e experiência comum que infra melhor se indicam e que por se encontrarem em contradição notória com prova carreada aos autos e gravada impunham decisão diversa.
O art. 615.º, nº 1, al. c) do CPC, no que para o caso interessa, prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Ou seja, só ocorre contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial quando aqueles conduzirem, de acordo com um raciocínio lógico, a resultado oposto ao que foi decidido, ou seja quando os fundamentos justificam uma decisão precisamente oposta à tomada.
Conforme foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 3157/17.8T8VFX.L1.S1, de 03-03-2021 (disponível em gdsi.pt):
“I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
(…).
III. A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
IV. Verifica-se tal nulidade quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão e não contradição entre os factos provados e a decisão, ou contradições da matéria de facto, que a existirem, configuram eventualmente erro de julgamento.”.
A decisão recorrida, contudo, não apresenta o vício em causa, mostrando uma linha lógica quanto ao raciocínio que levou o Juiz a decidir como fez, pelo que também não ocorre a nulidade da sentença com base neste fundamento.
Assim, sem necessidade de outras considerações, conclui-se que não ocorre a invocada nulidade da sentença.
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3.2. Do erro de julgamento
Nas conclusões de recurso veio o apelante requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação a um conjunto de factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.
O art. 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que o apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto alvo de impugnação, indica a prova a reapreciar, bem como a decisão que sugere, mostrando-se, assim, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão.
Tal como dispõe o nº 1 do art. 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um meio a utilizar apenas nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
No presente processo, como referido, a audiência final processou-se com gravação da prova produzida.
Segundo ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225, e a respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, face ao teor das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Cabe, ainda, referir que neste âmbito da reapreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º do Código Civil.
E é por isso que o art. 607º, nº 4 do CPC impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade provada e não provada, especificando os fundamentos que levaram à convicção quanto a toda a matéria de facto, fundamentação essencial para o Tribunal de Recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de apreciação da prova.

Posto isto, cabe analisar se assiste razão ao apelante, na parte da impugnação da matéria de facto.
Como resulta das respetivas conclusões do recurso, o apelante entende que deve ser alterada a matéria de facto dada como provada nos números 9, 10, 11 e 12 dos factos provados, os quais devem ser considerados como não provados.
Pretende, ainda, que seja aditada à matéria de facto provado um outro facto, com o seguinte teor: “A Autora não cumpriu o dever de informação junto do Réu a que estava obrigada nos termos e para os efeitos do art.º 4.º e 5.º do decreto lei n.º 328/90 de 22 de Outubro, porquanto não deixou auto de inspeção, nem qualquer elemento probatório, nem cumpriu os deveres a que estava obrigada, designadamente da possibilidade de pedir vistoria no prazo de 48 h à Direção de Energia e Geologia caso não concordasse com o teor do auto de inspeção.”.

São os seguintes, os factos dados como provados que o apelante pretende ver considerados como não provados:
9) Chegados ao local, os técnicos da Autora verificaram que o local se encontrava autoligado na portinhola e que o contador tinha shunts na fase 2 e 3 abertos.
10) Tais factos ficaram registados no auto de vistoria lavrado para o efeito na data e local da inspeção e respetivo registo fotográfico.
11) Os factos detetados constituem procedimentos destinados a falsear a medição da energia elétrica consumida e a consumir energia elétrica sem qualquer controlo ao nível de potência possibilitando a sua fruição de forma ilimitada.
12) Nessa medida, beneficiando o réu de 7.762,62€, correspondendo a 46.791 KWH de energia, que não foram pagos à autora.

Diz o recorrente que o tribunal considerou, para dar tais factos por provados, a prova documental, referindo especificamente o auto de vistoria e a ordem de serviço BTN juntos como documentos 3 e 2 com a petição inicial, assim como as fotografias que acompanham tais documentos, identificadas naquele articulado como doc. n.º 3, fls. 1 e fls. 2, que aludem à inspeção efetuada ao contador do réu, considerados em conjunto com o depoimento da Testemunha BB.
E é correta essa afirmação.
Entende, contudo, que foram violadas regras de direito probatório material, pondo em causa o valor probatório do auto de vistoria e das fotografias juntas, que não terão sido confirmadas pela testemunha referida.
Mas sem razão.
Analisada a documentação que consta dos autos e ouvida a prova testemunhal gravada, confirma-se o que consta da fundamentação de facto, na sentença recorrida, que se dá novamente por reproduzida, nomeadamente, o seguinte excerto:
“Para além da posição assumida pelas partes nos articulados, em que parte da matéria de facto alegada pela autora era aceite pelo réu, o Tribunal considerou a prova documental, referindo agora especificamente o auto de vistoria e a ordem de serviço BTN juntos como documentos 3 e 2 com a petição inicial, assim como as fotografias que acompanham esses documentos, identificadas naquele articulado como doc. 3, fls. 1 e fls. 2, que aludem à inspeção efetuada ao contador do réu.
Estes documentos foram considerados em conjunto com o depoimento da testemunha BB, que se identificou como eletricista e prestador de serviços à autora, que embora inicialmente referisse que não se recordava da presente situação (o que se acha normal considerando que já decorreram diversos anos desde que teve lugar), depois de ter sido confrontado com o auto de vistoria confirmou o seu teor, dizendo que estava assinado por si, tendo sido o próprio que o elaborou na sequência da deslocação ao local, reportando que esta inspeção teve lugar em ... (ou seja, no auto de vistoria está escrito ... e não ..., conforme pareceu ao réu), mais concretamente na rua ..., ..., ou seja, no local de consumo do contrato celebrado com o réu para fornecimento de eletricidade.
Concretizou a testemunha que as linhas 1 e 2 do contador estavam abertas e que por isso o contador não contabilizava a energia que era consumida em tais linhas, melhor o explicando após lhe ter sido exibida a fotografia junta com o requerimento de 13/05/2020 (aí identificada como doc. n.º 3, fls. 3), que o próprio na altura tirou, referindo-se aos pequenos parafusos existentes na peça de metal que estão colocados para baixo (os ditos shunts), ao contrário da outra linha, em que o parafuso está para cima, não deixando o seu depoimento dúvidas quanto à vistoria efetuada e ao problema detetado, do que disse resultando que alguém terá colocado aqueles dois parafusos nessa posição, o que permitia a passagem de energia naquelas duas linhas sem ser contada.
Neste sentido foi ainda o depoimento prestado por DD, que trabalha para a B..., tendo esta testemunha aludido à inspeção efetuada em maio de 2017 e ao problema detetado, referindo-se à violação do contador em que estavam abertas duas das três linhas, o que permitia que não fosse contabilizada a energia que passava nessas linhas.
Explicou a testemunha que embora o consumo das 3 linhas possa não ser uniforme, a forma que a autora tem de o calcular é de partir de um consumo de 2/3 não contabilizado, considerando que o contador tem 3 linhas e apenas uma é que era contada, ou seja, com base no consumo real contabilizado estabelece o restante.
Assim, com propósito e de forma clara e precisa, explicou esta testemunha que o réu beneficiou do consumo de energia por força da adulteração ao contador, partindo do documento 4 junto com a petição inicial, dizendo que foram consideradas as leituras efetuadas a 26/05/2014 (período mais próximo de 36 meses para trás) a 24/05/2017 (dia da inspeção), ou seja, 332.212 e 308.513, do que resulta a diferença de 23.699.
A seguir, divide esse número pelo número de dias desse período (1.106), o que dá 21,43kWh (aqui arredondado) por dia, para multiplicar por 1.095 (por ser o período de 36 meses que a Diretiva n.º 5/2016, de 26 de fevereiro, estabelece), atingindo 23.463.
Posteriormente, multiplica por 3 (as três linhas de consumo do contador), certo que desse valor (70.390) retira 1/3 (referente ao consumo de uma linha que o réu pagou), chegando ao consumo final de duas linhas de 46.791, que multiplicado pelo preço do kWH (0,1659€), permite alcançar o montante de 7.762,62€, montante cujo pagamento a autora peticiona, dizendo a testemunha que no documento 5 junto com a petição inicial consta uma espécie de resumo destes cálculos.
O depoimento da testemunha CC, que se identificou como sendo funcionário da autora, foi ainda considerado, aludindo também esta testemunha à viciação do contador, ao facto da energia que passava por duas linhas não ser contabilizada e confirmando também que o consumo das 3 linhas pode ser diferente.
O seu depoimento acabou por ser mais valorado quando fez uma espécie de resumo cronológico deste local de consumo, aludindo à celebração do contrato, ao pedido para corte de eletricidade, à deteção da fraude que estava a ocorrer quando da vistoria para revisão de corte (em 24 de maio de 2017) e à celebração de um novo contrato, com novo titular, que se soube ser a mulher do réu, certo que na vigência deste novo contrato foi detetada nova viciação do contador. (…)”.
Tudo que consta da fundamentação acabada de citar, resulta dos meios de prova que constam dos autos e foram produzidos na audiência de julgamento, pelo que nada foi invocado pelo apelante que imponha decisão diversa quanto aos factos impugnados, sendo certo que, ainda que não tenha sido o réu a proceder à alteração/viciação do contador, não existindo dúvidas de que o contador em causa era o que contava a energia consumida na sua habitação, o mesmo foi o beneficiário dos consumos não contados.
Mantém-se, pois, a matéria fáctica impugnada.

No que diz respeito ao facto que o apelante pretende ver aditado à matéria de facto provado, ou seja, “A Autora não cumpriu o dever de informação junto do Réu a que estava obrigada nos termos e para os efeitos do art.º 4.º e 5.º do decreto lei n.º 328/90 de 22 de Outubro, porquanto não deixou auto de inspeção, nem qualquer elemento probatório, nem cumpriu os deveres a que estava obrigada, designadamente da possibilidade de pedir vistoria no prazo de 48 h à Direção de Energia e Geologia caso não concordasse com o teor do auto de inspeção.”, também não lhe assiste razão.
Desde logo, por uma questão de regras de ónus da prova, era à autora a quem cabia fazer a prova pela positiva de ter procedido à informação em causa, o que não fez.
Por outro lado, o “facto” que o apelante pretende ver aditado, não é um facto, mas antes uma conclusão em termos de direito.
Improcede, deste modo, a impugnação da matéria de facto, na totalidade.
*

3.3. Fundamentação jurídica
Fixada a matéria de facto a considerar (e que já havia sido dada como provada pela 1ª Instância), apreciemos a decisão em termos de direito.
Vejamos o que se decidiu a sentença recorrida:
“A autora exerce, em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia elétrica em alta e média tensão. Nessa qualidade, procede à ligação à rede elétrica pública das instalações de consumo que, para tanto, tenham celebrado os respetivos contratos de fornecimento de energia elétrica com os comercializadores que operam no mercado.
No dia 24.05.2017, a autora enviou uma equipa técnica ao local de consumo com o n.º ...53, cuja instalação era abastecida de energia elétrica por força de um contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre uma entidade comercializadora de energia e a ré.
Nessa altura verificou uma violação do contador, que implicou a execução de uma operação material, designadamente no contador, estando os shunts na fase 2 e 3 abertos, sendo este um procedimento destinado a falsear a medição da energia elétrica, o que permitiu ao réu consumir energia por aquelas duas linhas sem ser contabilizada.
Para efeitos de determinar o consumo de energia elétrica associado ao procedimento fraudulento, e em obediência ao disposto no ponto 31.2.1 da Secção IV, da Directiva n.º 5/2016, de 26 de Fevereiro, da ERSE, caberia ao operador fazer a prova do período de tempo durante o qual este teve lugar. Para esse efeito, pode o operador verificar a eventual ocorrência de variações abruptas no perfil de consumo da instalação e a data da última deslocação à instalação, com acesso ao equipamento de medição.
De todo o modo, o período de tempo apurado ficará condicionado pela data de início do contrato do titular a quem for imputada a responsabilidade pela prática de procedimento fraudulento, se existir contrato, não podendo, em qualquer caso, ser superior a 36 meses.
Assim estando em causa o consumo por 3 linhas na qual o contador apenas contabilizava o consumo de uma dessas linhas, foi elaborado o cálculo para o período de 36 meses, considerando as leituras efetuadas a 26/05/2014 (período mais próximo de 36 meses para trás) a 24/05/2017 (dia da inspeção), ou seja, 332.212 e 308.513, do que resulta a diferença de 23.699.
A seguir, dividiu-se esse número pelo número de dias desse período (1.106), o que dá 21,43kWh (aqui arredondado) por dia, para multiplicar por 1.095 (por ser corresponder ao período de 36 meses), atingindo 23.463.
Multiplicado esse valor por 3 (as três linhas de consumo do contador), atinge-se 70.390, certo que desse valor retira-se 1/3 (referente ao consumo de uma linha que o réu pagou), chegando ao consumo final de duas linhas de 46.791, que multiplicado pelo preço do kWH (0,1659€), permite concluir ter a ré beneficiado de 7.762,62€, correspondente a 46.791KWH de energia que não foram pagos à autora.
Sabe-se que o consumo pelas três linhas pode não ser uniforme, simplesmente não se apurou qual delas poderia consumir mais do que as outras e se assim acontecia sempre, com regularidade ou de forma esporádica, não parecendo que a autora tivesse outra forma de contabilizar a energia que não lhe foi paga senão por este método matemático, que se mostra sempre o mais lógico e mesmo equitativo.
Poderá defender-se com propriedade que a factualidade descrita faz o réu incorrer em responsabilidade civil por factos ilícitos, pois que se preenchem todos os pressupostos deste instituto conforme decorre do artigo 483.º, do Código Civil, se bem que não se pode imputar exatamente ao réu o primeiro destes pressupostos, o facto voluntário, pois que não se apurou quem procedeu à adulteração do mecanismo de contagem.
Será de atentar que não há dúvida que houve um facto voluntário, no sentido de um facto objetivamente controlável ou dominável pela vontade de alguém de mudar os schunts das linhas do contador, fazendo com que a energia passasse, mas o consumo não ser contado, não estando em causa de força maior ou resultante da atuação de circunstâncias fortuitas, estando ou não o contador na rua.
O que não se apurou foi quem praticou tal facto e se o fez por instruções do réu.
Não se sabendo quem o fez, não há dúvida que desse facto o réu beneficiou.
Desta forma, admite-se que poderá ser uma solução a aplicação a esta situação do instituto do enriquecimento sem causa. O artigo 473.º, 1, CC, estabelece o princípio geral de que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
Para que possa existir a obrigação de restituir com fundamento no enriquecimento sem causa, exige-se a verificação simultânea dos seguintes requisitos:
- existência de um enriquecimento
- falta de causa que o justifique
- que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem pretende a restituição (certos autores referem-se ao nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento – Moitinho de Almeida, Enriquecimento sem Causa, pg. 45, cit. in Acórdão do STJ 23/4/98, BMJ 374/370).
Trata-se da obrigação romana de in rem verso: é de admitir nos casos em que o património de alguém se encontrar, sem causa legítima, enriquecido imediatamente à custa do património de outra pessoa e esta última não disponha de acção para a reposição desse seu património (o que a autora chama a natureza subsidiária da obrigação de restituir) seja emergente de responsabilidade contratual ou emergente de responsabilidade aquiliana.
Aliás, como dispõe o artigo 474.º, do CC, não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido qualquer outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à indemnização ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.
O artigo 473.º, 2, do CC, enumera três tipos de situações que são, por definição, integrantes do enriquecimento sem causa, a saber:
- o que for indevidamente recebido;
- o que for recebido por uma causa que deixou de existir;
- o que for recebido em vista de um efeito que se não verificou.
Neste caso concreto, o réu beneficiou de 46.791KWH de energia que não foram pagos à autora, por força da adulteração do mecanismo de contagem do contador elétrico que servia a sua instalação.
Tendo beneficiado dessa energia sem causa justificativa, assim enriquecendo à custa da autora, cabe-lhe agora restituir-lhe aquilo com que injustamente se locupletou, concretamente da quantia de 7.762,62€, que corresponde ao valor daquela energia. (…)”.
Nada temos a apontar ao que consta da decisão acabada de transcrever, que subscrevemos integralmente.

Mas mesmo em relação às várias questões, invocados pelo Apelante, como sejam, a violação do contraditório legal e constitucionalmente consagrado, violação das regras do ónus da prova, face ao não cumprimento dos deveres que incumbiam à autora nos termos dos arts. 2.º, 4.º e 5.º do Dec. Lei nº 328/90, de 22-10, não assiste razão ao apelante.
Aliás, a sentença recorrida pronuncia-se sobre essa questão, nos seguintes termos:
“Aqui chegados cabem dar mais três palavras finais.
A primeira relacionada com a alegação do réu da autora ter incumprido o disposto nos artigos 4.º, do Decreto-Lei n.º 328/90, de 22 de outubro, concretamente não o ter notificado por escrito do valor presumido do consumo irregularmente feito e de o ter informado dos seus direitos, nomeadamente o de poder requerer à Direcção-Geral de Energia a vistoria prevista no artigo 5.º daquele diploma.
Assim parece ter sucedido, na medida em que tampouco a autora invoca ter feito esta notificação, apenas se conhecendo a carta junta como documento 7 com a partição inicial, na qual dá nora da vistoria, anexa esse auto, e solicita o pagamento do valor em falta.
Todavia, a autora também não o tinha de fazer. Conforme se explica no acórdão da Relação de Lisboa de 02/12/2021 (processo n.º 1140/20.5T8LSB.L1-2), consultado em www.dgsi.pt, a quem pertencem as considerações seguintes, “sendo detectado pelo distribuidor do serviço de electricidade um procedimento fraudulento por parte do consumidor, poderá aquele proceder à inspecção da respectiva instalação eléctrica, através de um técnico seu, que lavrará um auto.
Se tal inspecção “concluir pela existência de violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza dos seguintes direitos:
a) Interromper o fornecimento de energia eléctrica, selando a respectiva entrada;
b) Ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dívidas activas do distribuidor.”
Se a opção do distribuidor do serviço for no sentido da interrupção do fornecimento de energia, tal direito mostra-se condicionado ao facto do distribuidor notificar previamente, por escrito, o consumidor do valor presumido do consumo irregularmente feito e de o ter informado dos seus direitos, nomeadamente o de poder requerer à Direcção-Geral de Energia uma vistoria. Confere-se ainda ao consumidor o direito a obstar à interrupção do fornecimento, assumindo, por escrito, perante o distribuidor a responsabilidade pelo pagamento, no prazo que, na falta de acordo, este estabelecer, das verbas que lhe forem devidas.
Nessas situações, o distribuidor tem ainda a obrigação de participar de imediato o facto à Direcção-Geral de Energia, juntando cópia do auto da inspecção realizada, bem como de toda a correspondência trocada com o consumidor. O consumidor, poderá ainda, quando entenda não ter cometido qualquer fraude, requerer à Direcção-Geral de Energia, sem prejuízo do direito de recorrer aos tribunais, a vistoria da instalação eléctrica, a qual será sempre realizada no prazo máximo de 48 horas.
Porém, nas situações em que o distribuidor do serviço opte por não exercer o seu direito a interromper o fornecimento de energia, não lhe é exigível proceder à indicada notificação ao consumidor, por escrito, do valor presumido do consumo irregularmente feito e de o informar dos seus direitos, nomeadamente o de poder requerer à Direcção-Geral de Energia a vistoria prevista no art.º 5.º do Decreto-lei n.º 328/90 de 22 de Outubro.”
Ora, neste caso não estava em causa a possibilidade da interrupção do corte de energia elétrica, esta até já tinha sido cortada a pedido do réu, tratando-se somente de uma vistoria de revisão desse corte, razão pela qual não existia a obrigação de notificar o réu informando-o que poderia pedir uma vistoria à Direcção-Geral de Energia. (…)”.
E concordamos também com esta parte da decisão.
Efetivamente, o Decreto-Lei nº 328/90, de 22 de Outubro, refere no seu preâmbulo que “A medida e controlo dos consumos de energia elétrica e da potência tomada são alvo de práticas fraudulentas assaz generalizadas a nível internacional, visando a redução dos valores faturados, com a consequente fuga ao pagamento dos consumos reais”, mencionando expressamente a viciação dos aparelhos de medição e concluindo que “Parece, pois, indispensável e urgente tomar medidas que sejam adequadas à erradicação de tais práticas e, ao mesmo tempo, permitir que os distribuidores se possam ressarcir do valor dos consumos verificados durante a existência da fraude e das despesas dela emergentes.”.
Nesse sentido, o art. 1.º, nº 1 do referido diploma legal dispõe que “Constitui violação do contrato de fornecimento de energia elétrica qualquer procedimento fraudulento suscetível de falsear a medição da energia elétrica consumida ou da potência tomada, designadamente (…) a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos aparelhos de medida (…)”.
Por sua vez, o nº 2 desse mesmo preceito prevê que “Qualquer procedimento fraudulento detetado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia elétrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respetivo consumidor”.
Os artigos 2.º e 3.º do diploma legal que vimos referindo, estabelecem o procedimento a seguir quando se verifique a prática de qualquer intervenção fraudulenta na instalação elétrica, bem como os direitos que assistem ao distribuidor.
Quanto a estes últimos, resulta do art. 3.º que caso da inspeção prevista no art. 2.º, resulte a violação do contrato de fornecimento de energia elétrica por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza de dois direitos:
a) Interromper o fornecimento de energia elétrica; e
b) Ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dividas ativas do distribuidor.
Dos artigos 4.º e 5.º do referido Dec. Lei nº 328/90, de 22-10, resulta, por sua vez, o seguinte:
- O direito consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º só pode ser exercido depois de o distribuidor ter notificado, por escrito, o consumidor do valor presumido do consumo irregularmente feito e de o ter informado dos seus direitos, nomeadamente o de poder requerer à Direcção-Geral de Energia a vistoria prevista no artigo seguinte – nº 1 do art. 4.º;
- Sempre que o distribuidor use do direito de interromper o fornecimento de energia elétrica, participará de imediato o facto à Direcção-Geral de Energia, juntando cópia do auto referido no n.º 2 do artigo 2.º, bem como toda a correspondência trocada com o consumidor – nº 1 do art. 5.º;
- Sempre que o consumidor entenda não ter cometido qualquer fraude, poderá requerer à Direcção-Geral de Energia, sem prejuízo do direito de recorrer aos tribunais, a vistoria da instalação elétrica, a qual será sempre realizada no prazo máximo de 48 horas – nº 2 do art. 5.º;
- Se, em virtude da vistoria referida no número anterior, a Direcção-Geral de Energia concluir pela inexistência de qualquer procedimento fraudulento, ordenará ao distribuidor o imediato restabelecimento do fornecimento de energia elétrica, tendo, neste caso, o distribuidor o dever de indemnizar o consumidor pelos prejuízos causados – nº 3 do art. 5.º.
Destes preceitos resulta com toda a clareza que o procedimento aí referido, nomeadamente, as notificações a levar a cabo pelo distribuidor, apenas estão previstas para a situação da alínea a) do nº 1 do art. 3.º, ou seja, caso o distribuidor opte por interromper o fornecimento de energia elétrica, e já não quando o distribuidor opte por ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e demais despesas inerentes.
Foi o que aconteceu no caso, em que o distribuidor não procedeu, por iniciativa sua, perante a verificação da viciação do contador, à interrupção do fornecimento da energia elétrica, a qual até tinha sido pedida pelo réu, tendo a autora optado, antes, pelo ressarcimento do valor do consumo não pago.
Não estando a autora obrigada a proceder às notificações referidas, não ocorre também a invocada violação do princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado, como o apelante refere, sendo certo que o mesmo foi notificado por carta enviada pela autora, datada de 14/11/2017, na qual a autora dava conta da realização de uma auditoria técnica realizada no dia 24/05/2017, que detetou uma situação irregular de energia elétrica decorrente de atuação indevida no contador, sendo o valor a regularizar de 7.832,22€, e solicitando o seu pagamento em 10 dias, como consta da matéria de facto provada e nem sequer foi impugnado.

Refere o apelante também que não se verifica a presunção prevista no art. 1.º, nº 2 do Dec. Lei nº 328/90, de 22-10, precisamente porque a autora/recorrida não deu cumprimento aos deveres que lhe incumbiam por força dos arts. 4.º e 5.º desse diploma legal, o que, como vimos, não é o caso na situação dos autos, já que, repetimos, tais deveres apenas se verificam no caso de o distribuidor optar pela interrupção do fornecimento, o que não aconteceu no caso.
Assim, ainda que não se tenha provado concretamente quem agiu viciando o contador, considerando que o mesmo contador se encontra virado para a rua, dúvidas não restam de que se trata do contador referente apenas à habitação do réu, pelo que se presume ser tal comportamento fraudulento imputável ao consumidor, beneficiário da energia não contada, até porque o réu não logrou ilidir a presunção, como se retira da matéria de facto.
No sentido do, agora, decidido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 1140/20.5T8LSB.L1-2, de 02-12-2021, Relator: SOUSA PINTO (disponível em dgsi.pt), onde se diz que:
“1 - Sendo detetado pelo distribuidor do serviço de eletricidade um procedimento fraudulento por parte do consumidor, poderá aquele proceder à inspeção da respetiva instalação elétrica, através de um técnico seu, que lavrará um auto.
2 - Se tal inspeção “concluir pela existência de violação do contrato de fornecimento de energia elétrica por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza dos seguintes direitos:
a) Interromper o fornecimento de energia elétrica, selando a respetiva entrada;
b) Ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dívidas ativas do distribuidor.”
3 - Se a opção do distribuidor do serviço for no sentido da interrupção do fornecimento de energia, tal direito mostra-se condicionado ao facto do distribuidor notificar previamente, por escrito, o consumidor do valor presumido do consumo irregularmente feito e de o ter informado dos seus direitos, nomeadamente o de poder requerer à Direcção-Geral de Energia uma vistoria. Confere-se ainda ao consumidor o direito a obstar à interrupção do fornecimento, assumindo, por escrito, perante o distribuidor a responsabilidade pelo pagamento, no prazo que, na falta de acordo, este estabelecer, das verbas que lhe forem devidas.
4 - Nessas situações, o distribuidor tem ainda a obrigação de participar de imediato o facto à Direcção-Geral de Energia, juntando cópia do auto da inspeção realizada, bem como de toda a correspondência trocada com o consumidor. O consumidor, poderá ainda, quando entenda não ter cometido qualquer fraude, requerer à Direcção-Geral de Energia, sem prejuízo do direito de recorrer aos tribunais, a vistoria da instalação elétrica, a qual será sempre realizada no prazo máximo de 48 horas.
5 – Porém, nas situações em que o distribuidor do serviço opte por não exercer o seu direito a interromper o fornecimento de energia, não lhe é exigível proceder à indicada notificação ao consumidor, por escrito, do valor presumido do consumo irregularmente feito e de o informar dos seus direitos, nomeadamente o de poder requerer à Direcção-Geral de Energia a vistoria prevista no art.º 5.º do Decreto-lei n.º 328/90 de 22 de Outubro.
6 – O legislador prevê claramente dois tipos de situações: uma, manifestamente mais gravosa para o consumidor, que é a que decorre da possibilidade deste poder ficar privado de um bem essencial como é o consumo de energia elétrica, hoje, fulcral para a vivência em sociedade; outra, muito menos grave, de âmbito meramente pecuniário e que implica para o consumidor a obrigação de ressarcir a distribuidora do serviço de energia elétrica dos prejuízos por esta sofridos decorrentes da fraude. Nesta conformidade, só quanto à situação primeiramente referida o legislador impõe a notificação por escrito ao consumidor, com a informação de que poderá pedir outra vistoria à Direcção-Geral de Energia.”
Mais se refere nesse mesmo douto acórdão que “(…) não terá sido por acaso que o legislador previu duas alíneas autónomas, consagrando dois direitos distintos que atribuiu à distribuidora do serviço de energia elétrica; não terá sido também por acaso, que houve uma preocupação especial quanto a esse poder gravoso de interrupção do fornecimento de energia elétrica, estipulando os cuidados a ter ao acioná-lo e os direitos do consumidor perante tal prerrogativa do distribuidor.
Com efeito, os arts. 4.º e 5.º, n.º 1, visam salvaguardar essa situação (não só a necessidade de notificação do consumidor dos direitos a que já aludimos, como também o dever, por parte do distribuidor, de participar de imediato [[3]] à Direção Geral da Energia quando interromper o fornecimento ao consumidor).
Por outro lado, não fica o consumidor impossibilitado de recorrer a tal Direção Geral, pois que o n.º 2 do art. 5.º permite que tal possa ocorrer, mesmo em situações em que não tenha havido interrupção do fornecimento de energia – “Sempre que o consumidor entenda não ter cometido qualquer fraude, poderá requerer à Direcção-Geral de Energia, sem prejuízo do direito de recorrer aos tribunais, a vistoria da instalação elétrica, a qual será sempre realizada no prazo máximo de 48 horas.”
Certo é que, se neste n.º 2 do art.º 5.º se visa abarcar todas as situações em que o consumidor pretende recorrer à aludida Direcção-Geral, por entender não ter cometido qualquer fraude, já no n.º 1 do preceito impõe-se ao distribuidor a obrigação de participar de imediato a interrupção do fornecimento de energia por si operada à Direcção-Geral de Energia, com a junção de cópia do auto de vistoria, bem como toda a correspondência trocada com o consumidor, nas situações em que tal interrupção tenha existido.
É assim para nós claro, repete-se, que o legislador previu duas situações distintas e tratou-as de forma diferenciada, não se nos afigurando possível extrair interpretação distinta da que deixamos exposta. (…)”.
No mesmo sentido, cfr., ainda, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo 1285/22.7T8GDM.P1, de 13-11-2023.
É também este o nosso entendimento, como expressamos supra, pelo que improcede a apelação.
*

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III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Custas a cargo do apelante.




Porto, 2024-04-04

Manuela Machado
António Carneiro da Silva
Paulo Dias da Silva