Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3231/16.8T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
PRAZO
SIMULAÇÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: RP202403193231/16.8T8AVR.P1
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A alínea g) do art.º 696.ºdo CPC permite a revisão de uma sentença transitada em julgado quando se alegue estarmos perante um litígio assente sobre ato simulado das partes.
II – A simulação processual depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
i) a existência de simulação processual bilateral (de autor e réu) na ação em que é proferida a decisão;
ii) que a simulação tenha o propósito e seja causa de um prejuízo para o recorrente; e
iii) que o recorrente seja terceiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Extraordinário de Revisão
Processo n.º 3231/16.8T8AVR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz 1
Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção
Recorrente – Banco 1..., Limited
Recorridos – A..., SA e outros.
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Maria da Luz Seabra
Desemb. Rodrigues Pires

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – A Banco 1... Limited, com sede em ..., ..., ..., Bahamas, interpôs o presente Recurso Extraordinário de Revisão, nos termos dos artigos 696.º e seguintes do C.P.Civil, contra a A..., SA e outros, pedindo que seja declarada a nulidade de todo o Processo Especial de Revitalização intentado pela 1.ª recorrida e cujo Plano de Recuperação e respetiva homologação foi confirmada por acórdão deste Tribunal de 16.05.2017, devidamente transitado em julgado, defendendo, para tanto, que se verifica:
a) a falsidade de documento e de apreciação pelo perito que determinou a condução e conclusão do processo e consequentemente a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida (al. b) art.º 696.º C.P.Civil);
b) ter o processo corrido à revelia, por falta absoluta de intervenção da recorrente porquanto se mostra evidente que faltou a citação/notificação da mesma não tendo a aqui recorrente tido conhecimento do processo por facto que não lhe é imputável (al. e) art.º 696.º C.P.Civil);
c) o litígio foi assente sobre um ato simulado das partes (al. g) art.º 696.º C.P.Civil).
*
Formula a recorrente, para tanto, as seguintes e, manifestamente, prolixas conclusões:
I. A recorrente Banco 1... Limited (doravante requerente/recorrente ou Banco 1...), é uma sociedade comercial, constituída em 2002 em ..., nas Bahamas, matriculada no registo Trade and Companies Register of Bahamas, sob o número ..., pessoa colectiva equiparada número .... (vide doc. 1, doc. 2, doc. 3 e doc. 4).
II. Desde a sua constituição, em 2002, até março de 2018, a sociedade teve a sua sede social, de forma continua e ininterrupta, na seguinte morada: ..., ..., ..., ..., Bahamas. (vide doc. 5).
III. A partir de 28 de março de 2018, a sociedade passou a ter a sua sede social nos escritórios de B... Ltd, ..., ..., ..., ..., ..., Bahamas. (vide doc. 6 e doc. 7).
IV. A recorrente é uma sociedade activa com pleno exercício dos seus direitos e actividade.
V. No dia 26 de Abril de 2012, a requerente/recorrente, na qualidade de mutuante, celebrou com a sociedade A..., S.A. (doravante A...), esta última na qualidade de mutuária, um contrato de mútuo mercantil, nos termos do qual a mutuante, aqui requerente/recorrente emprestou à sociedade mutuária a quantia de EUR 11.669.685,40 (onze milhões, seiscentos e sessenta e nove mil, seiscentos e oitenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos). (vide doc. 8).
VI. Tendo as partes declarado, e feito consignar no referido contrato, que o mútuo é mercantil não tendo características de suprimento.
VII. O mútuo vencia juros à taxa correspondente à Euribor a 1 mês apurada com referência a 2 dias úteis antes do início de cada período de contagem de juros, arrendondada para a milésima do ponto percentual mais próxima e acrescida de um spread de 3%.
VIII. O prazo de mútuo era de 18 anos contados a partir da data da assinatura do contrato a reembolsar conforme cláusula 4 nos termos seguintes (vide doc.8):
- EUR 839,292, 49 até ao dia 27 de agosto de 2012;
- O restante mediante 180 prestações mensais e sucessivas no valor de EUR 60.168,85 sendo que a primeira prestação de capital, vencia-se no dia 27 de abril de 2015 e as restantes até ao dia 27 de cada mês ou no dia útil imediatamente seguinte.
Na data de celebração do contrato, o valor mutuado foi transferido da Banco 1... para a A....
J. No dia 27 de agosto de 2012, a A... pagou à Banco 1... a prestação de amortização no valor de EUR 839.292,49 conforme estipulava o contrato.
K. Não obstante, nem data de vencimento da prestação subsequente - 27 de abril de 2015 nem na data de vencimento das prestações seguintes, a A... nunca mais liquidou as prestações do empréstimo.
L. Sendo a Banco 1... credora da A... desde 27 de abril de 2015, com crédito vencido e não pago.
M. A Banco 1... tem na sua contabilidade um crédito sobre a A... no montante do capital em dívida acrescida dos juros contratualizados.
N. Por sua vez, a A..., tinha na contabilidade e no relatório de contas e de gestão da sua empresa relativa aos anos de exercício de 2012, 2013, 2014 e 2015, devidamente registados como não se tratando nem de “mútuos acionistas nem partes relacionadas” mas outrossim sob a rubrica “outros financiamentos, o crédito da Banco 1... (doc. 11, 12, 13 (vide doc.11 correspondente à página 24 do Anexo às demonstrações financeiras de 31 Dezembro de 2013) (vide doc.12 correspondente à página 44 do Anexo às demonstrações financeiras de 31 Dezembro de 2014) (vide doc.13 correspondente à página 46 e 47 do Anexo às demonstrações financeiras de 31 Dezembro de 2015).
O. O contrato de mútuo mercantil do qual a A... é parte contratante, é documento e facto do seu conhecimento pessoal;
P. No contrato de mútuo mercantil, do qual a A... é parte contratante, consta de forma clara e evidente a identificação do credor Banco 1... nomeadamente a sua sede.
Q. Dois meses antes da data da celebração do mútuo mercantil, mais propriamente no dia 1 de fevereiro de 2012, a Banco 1... celebrou com a sociedade C... – SGPS, S.A. (doravante C...) um contrato de compra e venda de acções tendo por objecto e venda pela Banco 1... à C... de 2.887.121 acções ordinárias, tituladas, ao portador, representativas de aproximadamente 64,87911% do capital social da sociedade A.... (vide doc. 9) O contrato de compra e venda de acções foi executado, tendo a Banco 1... transmitido à C... as 2.887.121 acções ordinárias, tituladas, ao portador, representativas de aproximadamente 64,87911% do capital social da sociedade A.... (vide doc. 10)
T. Pelo menos desde fevereiro de 2012 que a recorrente não tinha quaisquer relações, societária ou outra de natureza especial, com a A... nem exercia qualquer poder de facto sobre a sua devedora, estando tudo perspectivado para a alineação da participação social e a intervenção do novo accionista.
U. Todos os factos acima elencados, os quais encontram-se expressamente reconhecidos nas Demonstrações Financeiras e Relatórios de contas e de gestão da A..., eram, desde a data da sua verificação, do conhecimento pessoal da devedora A....
V. À data em que a A... se apresentou a Processo Especial de Revitalização, que correu os respectivos termos pela Comarca de Aveiro, Instância Central, 1.ª Secção Comércio, J1, processo 3231/16.8T8AVR, o seu principal accionista e titular da maioria do capital social da empresa, era a sociedade D..., Unipessoal, Ld.ª (vide doc. 14 requerimento inicial do PER artigo 16.º)
X. No documento a que alude o artigo 24.º n.º 1 d) do CIRE, sob a epígrafe Identificação dos accionistas junto com o seu requerimento inicial, a A... indicou serem seus accionistas: a sociedade acima identificada e AA. (vide doc. 21)
Z. No anexo às demonstrações financeiras e relatórios de gestão dos exercícios de 2013, consta de forma clara e inequívoca quem são os accionistas da A... e a identidade das partes relacionadas com quem a entidade mantinha e manteve relações comerciais e outras. (doc. 22, páginas 7 e 33 do Anexo às demonstrações financeiras do exercício de 2013 e pág. 16 do relatório de gestão de 2013)
AA. Do elenco das entidades não consta a Banco 1....
BB. No anexo às demonstrações financeiras e relatórios de gestão dos exercícios de 2014, consta de forma clara e inequívoca quem são os accionistas da A... e a identidade das partes relacionadas com quem a entidade mantinha e manteve relações comerciais e outras (vide doc. 23, páginas 15 e 54 e 55 do Relatório e Contas do exercício e demonstrações financeiras do exercício de 2014)
CC. Do elenco das entidades não consta a Banco 1....
DD. No anexo às demonstrações financeiras e relatórios de gestão dos exercícios de 2015, consta de forma clara e inequívoca quem são os accionistas da A... e a identidade das partes relacionadas com quem a entidade mantinha e manteve relações comerciais e outras (vide doc. 24, pág. 16 e 56 do relatório de gestão e contas do exercício de 2015)
EE. Em nenhum lugar ou momento a A... identifica ou associa a Banco 1... como accionista ou parte relacionada nem o seu crédito como crédito accionista ou detido por parte relacionada.
FF. Pelo contrário: 1) tratando-se de um mútuo mercantil; 2) as partes de forma expressa e inequívoca excluíram qualquer possibilidade do mútuo poder ser qualificado de suprimentos; 3) o contexto e finalidade para o qual ele foi celebrado; 4) A... amortizado juros na data de vencimento contratualmente estipulada sem necessidade de interpelação; 5) crédito permanecido na esfera jurídica da Banco 1..., sua única e exclusiva titular, alheio e autónomo a qualquer alienação de participações sociais; 6) Não tendo a Banco 1... qualquer relação de direito ou de facto obre a A...; foi, desde o início aceite, reconhecido e confessado pelas partes tratar-se um crédito comum devido à Banco 1... nos mesmos termos e moldes que créditos de terceiros, não accionistas nem partes relacionadas.
GG. Apesar do conhecimento e reconhecimento declarado e confessado pela A... relativamente aos factos acima identificados, a A..., instruiu o seu requerimento inicial com o mapa dos credores conhecidos ao abrigo do artigo 24.º do CIRE tendo auto-qualificado o crédito da Banco 1..., para efeitos de PER, como crédito accionista e consequentemente subordinado. (vide doc. 15)
HH. Declaração, essa, que sabia ser falsa, que não correspondia nem aos contratos e acordos celebrados entre as partes nem aos registos financeiros e contabilísticos realizados pela própria nas suas contas referentes aos exercícios de 2012, 2013, 2014 e 2015.
II. Quis assim a A... fazer ventilar nos autos do PER que o crédito da Banco 1... contava menos que de todos os restantes da sua lista de credores bem sabendo que de acordo com a lista enviada aos autos nos termos e para efeitos do artigo 24.º CIRE, o crédito da Banco 1... é o segundo maior entre a lista de credores. (vide doc. 15)
JJ. Consciente que estava que ao prestar essa falsa informação e ventilando-a ao Sr. Administrador Judicial, viciaria os termos e a forma com que o crédito da Banco 1... e a própria Banco 1... seria tratada em sede processual e no plano de recuperação da empresa.
LL. Não há dúvidas que o crédito da Banco 1... era conhecido quer pela A... quer pelo administrador judicial porquanto não só o mesmo constava das contas da empresa e da lista de credores apresentada pela devedora como o mesmo é expressamente referenciado no plano de recuperação.
MM. Só que, induzido falsamente pela relação de créditos ou por não ter sido diligente no sentido de apreciar a fonte contratual do crédito da Banco 1... e subsumi-lo correctamente à lei, o Sr. Administrador Judicial, em conjunto com a devedora A..., aceitou e colocou à votação dos credores um plano de recuperação da empresa nos termos do qual o crédito da Banco 1... foi incorrectamente qualificado como subordinado com base em informação falsa produzida pela devedora e não escrutinada pelo Administrador BB.
NN. O resultado da falsidade de informação prestada e documentos apresentados pela A... e não escrutinados pelo Administrador determinou a conclusão do processo com um “Perdão total” do crédito da Banco 1..., bem sabendo a A... e melhor podendo saber o Sr. Administrador da Insolvência que o crédito da Banco 1... tem natureza de crédito comum, devendo ter sido qualificado como tal.
OO. Determinado, assim, uma sentença homologatória do PER – decisão objecto do presente recurso de revisão – baseada em informação falsa produzida pela devedora e não escrutinada pelo Administrador.
PP. Uma decisão judicial que assim violou a lei, porquanto:
d) Em 2012, as partes acordaram que o financiamento não revestiria a natureza de suprimento, pelo contrário, seria um financiamento mercantil em condições ajustadas à situação financeira da mutuária considerando que dois meses tinha sido celebrado um contrato de transmissão de acções;
e) O PER é apresentado no ano de 2016, ou seja, 4 anos volvidos sobre a data da execução do contrato de compra e venda das acções entre a Banco 1... e a C....
f) Desde fevereiro de 2012 que a Banco 1... não é entidade especialmente relacionada com o devedor;
g) O crédito da Banco 1... foi expressamente convencionado e declarado pelas partes não se tratar de suprimento.
h) o crédito da Banco 1... nem a própria Banco 1... se subsume aos artigos 48.º e 49.º do CIRE.
QQ. Assim, nem objetivamente nem subjetivamente o crédito da Banco 1... se subsume aos artigos 48.º e 49.º do CIRE, pelo que jamais poderia ser qualificado de subordinado.
RR. Violou a decisão, objecto do presente recurso de revisão, os artigos 48.º e 49.º do CIRE.
SS. Violação, essa, determinada pela prestação de informação falsa pela A... a qual não foi escrutinada, como lhe competia e seria o seu dever legal, pelo administrador judicial.
TT. Em consequência, a decisão, objecto do presente recurso de revisão, violou o art.º 194.º, do CIRE porquanto o plano de recuperação deve obedecer ao princípio da igualdade dos credores de insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas, o que não era nem é o caso.
UU. O processo especial de revitalização (PER), tem sido qualificado como um “processo híbrido” (negocial e judicial) que assenta primordialmente na recuperação obtida por acordo extrajudicial e formalizada num plano.
VV. Neste contexto, dada a natureza jurídica do plano no PER, quer se adopte a acepção negocial ou a tese dual (negócio processual) a verdade é que assume um papel crucial no paradigma falimentar, a vontade dos credores porque titulares do principal interesse que o direito visa proteger.
XX. Podemos subsumir de forma analógica, uma vez que não se aplicam os termos tradicionais de oposição entre autor e réu, que por “litígio” no âmbito de um PER deve entender-se precisamente a composição do passivo do devedor que se obriga a chamar, pelas vias legais, todos os seus credores conhecidos compondo os termos do litigio de acordo com a sua real situação financeira – para que o objectivo de transacção processual possa cumprir o seu objectivo é necessário chamamento e a intervenção do maior número de credores, ou pelo menos dos mais relevantes visados pela lei, com o objectivo de negociarem as dívidas e de alcançarem um acordo/plano/transacção processual.
ZZ. Portanto o processo especial de revitalização (PER) funciona como um processo pré-insolvência (no sentido de preventivo de uma potencial insolvência), cuja grande vantagem é a possibilidade de o devedor obter um plano de recuperação e realizar uma transacção processual sem ser declarado insolvente e através do qual se reserva aos credores um papel fundamental: o de consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem o PER ou, então, manterem-se irredutíveis e desencadearem a insolvência do devedor.
AAA. Por essa razão, compete ao devedor das obrigações vencidas compor assertivamente o “litígio” identificando inicialmente a sua real situação de passivo e os seus credores, notificando-os e chamando-os à lide quando a lei assim lhe impõe, declarando a natureza dos respectivos créditos e o seu valor para esses mesmos efeitos.
BBB. Por outro lado, o administrador judicial provisório tem o papel de garante da legalidade do processo e no cumprimento do princípio da legalidade e igualdade entre credores garantindo que todos os credores que devessem ser chamados a participar o foram e que a natureza e tipologia dos seus créditos foram devidamente analisados e relacionados.
CCC. Se o devedor, requerente do PER, apresenta factos falsos declarando que determinado crédito tem natureza diversa do que realmente tem por forma a impedir a intervenção e participação desse credor no processo; se se omite de convocar esse credor para participar nessas mesmas negociações, tudo se passando como se esse credor não existisse efectivamente como credor comum e não tivesse direito a participar e a interferir nas negociações e na aprovação do plano.
DDD. Se o administrador judicial provisório, sob a directrizes do devedor, não cumpre o seu papel de garante da legalidade do processo sendo ele o garante dos direitos processuais desses mesmos credores,
EEE. Temos de facto a composição do litígio assente num acto simulado das partes.
FFF. No anexo às demonstrações financeiras e relatórios de gestão dos exercícios de 2012, 2013, 2014 e 2015, consta de forma clara e inequívoca quem são os accionistas da A... e a identidade das partes relacionadas com quem a entidade mantinha e manteve relações comerciais, não se incluindo ali a Banco 1... e que o crédito da Banco 1... é um crédito comum, devido à Banco 1... nos mesmos termos e moldes que créditos de terceiros, não accionistas nem partes relacionadas.
GGG. Apesar do conhecimento e reconhecimento declarado e confessado pela A... relativamente a este facto, o certo é que a A..., instruiu o seu requerimento inicial com o mapa dos credores conhecidos ao abrigo do artigo 24.º do CIRE tendo auto-qualificado o crédito da Banco 1..., para efeitos de PER, como crédito accionista e consequentemente subordinado.
HHH. Qualificação, essa, que ficou espelhada no plano de insolvência, i.e., na transacção processual, com a estatuição de que o crédito da Banco 1... seria sujeito a um perdão total.
III. É financeira e economicamente diverso um crédito comum de cerca 12 milhões de euros, de um crédito subordinado do mesmo valor.
JJJ. É completamente diversa a possibilidade de elaboração ou aprovação de um plano em que esses 12 milhões teriam de ser considerados e teriam de ser pagos como créditos comuns.
KKK. Este plano PER, ao considerar falsamente o crédito da Banco 1... como subordinado está a falsear, de forma intencional, as verdadeiras características e dimensões do passivo da devedora, uma vez que este plano, nestes termos, não tinha nem tem correspondência com as dívidas da devedora conforme inscritas, registadas e contabilizadas nas suas próprias contas financeiras/contabilísticas.
LLL. Ademais quer o devedor quer o administrador de insolvência conseguiram que a Banco 1... não participasse no processo negocial e aprovação final com violação dos art.º 17.º-D, 37.º e 129.º do CIRE que impunham a citação, notificação e comunicação dirigida à Banco 1....
MMM. Assim se procedendo ao longo do processo, falseado os factos e omitindo-se nas comunicações e notificações legalmente previstas, também a devedora desvirtuou a própria aprovação do plano ao desconsiderar a ponderação do voto da própria Banco 1..., que, se tivesse sido chamada a intervir no PER como segunda maior credora da A..., jamais o aprovaria estando o mesmo condenado ao insucesso.
NNN. Com a simulação da composição do litígio, o devedor conseguiu o seu objetivo inicial: fazer o write off total daquela sua dívida para com a Banco 1....
OOO. Em sede de PER o chamamento dos credores, a manifestação da vontade dos mesmos assim como a correta qualificação do seu crédito é o core do processo cujo litígio se desenha nas negociações entre credores e devedor e na perspectiva da aprovação ou não de um plano de recuperação/da conclusão de uma transacção judicial.
PPP. O devedor e administrador judicial provisório, seja porque declararam uma situação financeira distinta da apresentada nas contas da empresa, seja porque não notificaram o devedor Banco 1... excluindo-o do processo, seja porque qualificaram como subordinado um crédito que sabiam ser comum, agiram de forma a comporem um “litigio” não correspondendo à realidade, conseguindo a exclusão de um dos credores principais e a consequente vantagem de propor o seu “write off” e de conseguirem a sua aprovação.
QQQ. Junto ao requerimento inicial da A... nomeadamente na lista de credores junto com o articulado consta de forma expressa a identificação completa da Banco 1... bem como da morada da sua sede social: (vide doc. 15)
RRR. Sabendo-se ser a Banco 1... uma sociedade de direito estrangeiro, com sede social nem ..., Bahamas.
SSS. Nunca, durante todo o tempo em que o PER esteve pendente, a Banco 1... recebeu na sua sede, qualquer correspondência do Sr. BB, com referência ao PER da A... ou qualquer comunicação de outra natureza.
TTT. Nunca, durante todo o tempo em que o PER esteve pendente, a Banco 1... recebeu na sua sede, qualquer correspondência da A..., com referência ao PER ou qualquer comunicação de outra natureza.
UUU. Sendo o crédito da Banco 1... Limited conhecido pelo devedor tanto que foi apresentado e indicado no requerimento inicial, deveria ter sido dado cumprimento ao artigo 17.º D do CIRE ou seja - logo que seja notificada do despacho a que se refere o n.º 4 do artigo anterior, a empresa comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º e a proposta de plano se encontram patentes na secretaria do tribunal, para consulta.
VVV. Mas não foi.
XXX. Sendo o crédito da Banco 1... reconhecido pela A..., nas contas da empresa e na sua própria lista de credores, tratando-se ainda do segundo maior credor da devedora, deveria o administrador BB, ter procedido em conformidade o artigo 129.º do CIRE e ter analisado e relacionado o crédito da Banco 1.... (vide doc. 15).
ZZZ Mas não o fez, o crédito da Banco 1... nem aparece como crédito conhecido. (vide doc. 16).
AAAA. Também o administrador BB deveria ter remetido carta registada para a sede da Banco 1... nos termos a que alude o supra-mencionado preceito.
BBBB. Também não o fez.
CCCC. Consta do processo um rosto de notificação elaborado pelo tribunal, supostamente dirigido à Banco 1... Limited mas que não passa disso mesmo, de um alegado rosto de notificação (vide doc. 26).
DDDD. O rosto de notificação nem sequer tem a menção do país Bahamas ou da ... nem do respectivo código postal (doc.26); não consta do processo qualquer indicação que tal notificação tivesse sido enviada, pelo contrário; por contacto pessoal com a secretaria foi confirmado à mandatária da Banco 1... que tal notificação nunca chegou a ser expedida, o que aliás é comprovado pelo resultado em buscas no site dos CTT (vide doc.27).
EEEE. A Banco 1... desconhecia totalmente da existência e pendência do processo PER e consequentemente nunca interveio no processo.
FFFF. Ficou impedida de reclamar o seu crédito, ficou impedida de impugnar a lista de credores e qualificação do seu crédito, ficou impedida de participar na assembleia de credores nomeadamente na discussão e exercício do seu direito de voto, ficou impedida de recorrer da decisão que homologou o plano de revitalização que “perdoou” o crédito da Banco 1... sem que esta soubesse ou tivesse conhecimento ou pudesse intervir e reagir processualmente no exercício dos seus direitos.
GGGG. Foi tratada de forma desigual entre os credores com créditos da mesma natureza.
HHHH. Foi violado o seu direito à tutela jurisdicional efectiva e ao acesso ao direito, plasmado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.
IIII. Determinava o art.º 37.º, n.º 3 e 4 do CIRE, em vigor à data dos Autos que: “3. 3 - Os cinco maiores credores conhecidos, com exclusão do que tiver sido requerente, são citados nos termos do n.º1 ou por carta registada, consoante tenham ou não residência habitual, sede ou domicílio em Portugal. 4- Os credores conhecidos que tenham residência habitual, domicílio ou sede, em outros Estados-Membros da União Europeia são citados por carta registada, em conformidade com os artigos 40.º e 42.º do Regulamento (CE) n.º 1346/2000, do Conselho, de 29 de maio".
JJJJ. Por outro lado, o n.º 4 do artigo 129.º do CIRE impõe ao administrador de insolvência o dever de avisar pela mesma forma acima referida os credores "com residência habitual, domicílio ou sede, em outros Estados-Membros da União Europeia”.
KKKK. Contudo, o legislador não deixou de acautelar os interesses dos estrangeiros, residentes fora de Portugal e fora da União Europeia. Existem regras gerais aplicáveis à citação. Assim, dispõe o art.º 247.º n.ºs 1 e 2 do CPC (aplicável aos processos de insolvência por remissão do artigo 17.º do CIRE), que quando “o réu resida no estrangeiro, observar-se-á o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais”. Só na “falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais" (cfr. 247.º n.ºs 1 e 2 do CPC).
LLLL. Portugal aprovou e ratificou, a Convenção de Haia de 1965, relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, com publicação no Diário do Governo, de 18 de maio de 1971.
MMMM. O País Bahamas é signatário e parte contratante da Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial desde 17.06.1997 com entrada em vigor em 1.02.1998. (Vide convenção, partes contratantes e signatários no website oficia da própria organização acessível em https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/print/?cid=17 e https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/?cid=17 e vide doc. 29)
NNNN. Aplica-se o art.º 10.º da referida Convenção e a citação terá, obrigatoriamente, de ser acompanhada de um pedido de acordo com a fórmula anexa à Convenção de Haia (cfr. artigo 3.º, 1.º parágrafo da Convenção de Haia).
OOOO. O artigo 9.º n.º 4 do CIRE não se sobrepõe às convenções e tratados internacionais, como a Convenção de Haia, sob pena de violação de normas gerais de Direito Internacional convencional e o princípio da prevalência desse Direito sobre as regras de Direito Interno ordinário.
PPPP. Como decorre do disposto no artigo 8.º n.º 2 da CRP, o Estado Português optou pelo sistema de recepção automática do Direito Internacional Convencional no ordenamento jurídico português, sendo certo que a Convenção de Haia prevalece sobre o citado artigo 9.º n.º 4 do CIRE Vide, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/12/2009, proc. 3/2009-6 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/19/2012, proc. 3327/12.5TBLRA-B.C1 (ambos em dgsi.pt).
QQQQ. Como refere Gomes Canotilho e Vital Moreira, “(O) único meio de fazer cessar a vigência dessas normas na ordem interna será a desvinculação externa", pelo que não tendo, o Estado Português, denunciado a Convenção de Haia, deve o formalismo aí prescrito para as citações/notificações ser observado.
RRRR. Deveria a Banco 1... ter sido citada com vista a reclamar o seu crédito e participar no processo de revitalização como segunda maior credora da A..., como obrigava os artigos art.º 37.º, n.º 3 e 4, n.º 4 do artigo 129.º do CIRE.
SSSS. Citação essa que deveria ter sido realizada e acordo com as regras previstas art.º 247.º n.ºs 1 e 2 do CPC e art.º 10.º da Convenção de Haia de 1965, relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial.
TTTT. Não pode aceitar-se que o legislador do CIRE e consequentemente os presentes autos pretendessem tratar de forma desigual os credores estrangeiros consoante tivessem sede, domicílio ou residência habitual, dentro ou fora da União Europeia dentro ou fora do território nacional.
UUUU. Com violação clamorosa do artigo 20.º e artigo 8.º n.º 2 da CRP.
VVVV. É inexistente e nula a citação da Banco 1... e consequentemente deverá ser proferido despacho que anule o processo, nomeadamente o acordo de credores, desde a data em que a Banco 1... deveria ter sido citada a intervir nos autos.
XXXX. A sentença que homologou o plano de recuperação da A..., transitou em julgado em julho de 2018.
ZZZZ. Até à presente data o plano de recuperação aprovado e homologado por sentença ainda não foi executado.
AAAAA. Por carta registada com aviso de recepção dirigida à sociedade A..., a Banco 1..., através de mandatário constituído para proceder à cobrança voluntária ou coerciva do seu crédito sobre a A..., interpelou esta última entidade para o pagamento voluntário do valor de capital em dívida, vencido, no montante de EUR 10.830.393,00 (dez milhões, oitocentos e trinta mil, trezentos e noventa e três euros) no prazo máximo de 15 dias, sob pena de se esgotarem as soluções negociais e a Banco 1... ver-se obrigada a prosseguir a cobrança pelas vias judiciais. (vide doc. 17, doc. 17A e doc. 17B).
BBBBB. Por carta recebida no dia 14 de dezembro de 2020, a A... informou a mandatária da Banco 1... da existência de um Plano de Recuperação que terá estabelecido o “Perdão Total” do crédito da Banco 1....
CCCCC. Sendo certo que a Banco 1... desconhecia da existência de qualquer PER da A... nem tão pouco interveio ou tomou conhecimento do tal “Perdão” declarado por terceiros desconhecidos relativamente ao crédito de que é legítima titular. (vide doc. 17).
EEEEE. Em 17 de Dezembro de 2020, a mandatária da Banco 1... é notificada de que foi autorizada a consulta ao processo do PER, via Citius, ao artigo 27.º, n.º 4 da Portaria 280/2013. (vide doc. 18), por 10 dias. Ao fim desses 10 dias a mandatária deixou de ter acesso ao processo principal 3231/16.8T8AVR. Durante o mês de janeiro de 2021 a mandatária analisou o processo e em fevereiro de 2021 elaborou e enviou parecer jurídico dirigido aos administradores da Banco 1... dando conhecimento dos factos descobertos nomeadamente da existência do PER e do seu conteúdo. Em 04 de Março de 2021, em reunião de administração da Banco 1... em conjunto com os seus accionistas, o parecer jurídico foi analisado e discutido tendo sido aprovado por unanimidade dos seus membros.
FFFFF. A partir de 22 de janeiro sobreveio a suspensão dos prazos em consequência da Lei n.º 4-B/2021 de 01 de fevereiro de 2021.
GGGGG. No dia 18 de março de 2021 foi solicitado aos autos a emissão de certidão da sentença que pôs termo ao processo 3231/16.8T8AVR com a menção do respectivo trânsito em julgado.
HHHHH. A certidão foi emitida com a seguinte menção (vide doc. 20):
IIIII. Juntamente com a certidão vinha anexo a decisão judicial que teria posto termo ao processo, ou seja, a sentença homologatória do plano de recuperação com a menção do respectivo trânsito em julgado com data de 26.07.2018.
JJJJJ. Não constava daquela certidão qualquer menção a Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
KKKKK. O PER processou-se à absoluta revelia da recorrente.
LLLLL. No dia 19 de março de 2021, a recorrente apresentou o seu recurso extraordinário de revisão junto do Tribunal da Comarca de Aveiro, Instância Central, 1.ª Secção Comércio, J1 processo 3231/16.8T8AVR.
MMMMM. No dia 29 de março de 2021 a recorrente é notificada do despacho do Tribunal de Aveiro solicitando à recorrente que recorrigisse a identificação da sua peça processual no Citius tendo a recorrente no próprio dia 29 de março de 2021 justificado que era o sistema Citius que não permitia a identificação correta do articulado da recorrente. (vide doc. 33A e 33B).
NNNNN. Pela Lei 13-B/2021 de 5 de abril foi estabelecida a cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, regime, esse, que teve início no dia 22 de janeiro de 2021 e termo precisamente no dia 05 de abril de 2021.
OOOOO. No dia 28 de Abril de 2021, o Tribunal profere despacho liminar a admitir o recurso extraordinário de revisão da recorrente dizendo (vide doc. 34): “Uma vez que a recorrente tem legitimidade e está em tempo, admito o recurso pela mesma interposto, que é de revisão [cfr. art.ºs 696.º, als. b), c) e g), 697.º, 698.º e 699.º, todos do CPC]. * Notifique, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 699.º do CPC, a recorrida para, no prazo de 20 dias, recorrer.”
PPPPP. Foram analisados os pressupostos de admissão do recurso extraordinário de revisão, considerou-se estarem os mesmos preenchidos inexistindo quaisquer excepções de que devesse conhecer e que impedissem o prosseguimento dos autos.
QQQQQ. No dia 28 de abril de 2021 e 04 de maio de 2021 a recorrida e o seu mandatário foram notificados do recurso e do despacho liminar que o admitiu. (vide doc. 35A e 35B). Do referido despacho não coube recurso, tendo o mesmo transitado em julgado.
RRRRR. No dia 20 de maio de 2021 a recorrida elabora requerimento aos autos solicitando diligências junto dos CTT nada dizendo ou referindo relativamente à admissão do recurso interposto pela recorrente. O Tribunal tomou conhecimento do requerimento da recorrida no dia 24 de maio de 2021 e pronunciou-se sobre o mesmo indeferindo-o, nada mais declarando ou decidindo. (vide doc.36).
SSSSS. No dia 28 de maio de 2021 a recorrida apresenta as suas contra-alegações do recurso extraordinário de revisão.
TTTTT. No dia 08 de julho de 2021 o Tribunal profere despacho em que declara que por lapso seu admitiu liminarmente o recurso quando não o deveria ter feito, proferindo novo despacho liminar.
UUUUU. Após recurso apresentado pela recorrente no Tribunal da Relação do Porto, o novo despacho liminar é julgado nulo.
VVVVV. No dia 14 de janeiro de 2022 o Tribunal profere despacho de absolvição da recorrente da instância por incompetência hierárquica do Tribunal de Aveiro na medida em que a decisão que terá posto termo ao processo e transitado em julgado foi o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de julho de 2018 – processo 3231/16.8T8AVR.P2. (vide doc.38).
XXXXX. O despacho transitou em julgado no dia 8 de fevereiro de 2022.
ZZZZZ A recorrente requereu, nos termos do artigo 99.º n.º 2 do CPC que os autos fossem remetidos para o Tribunal competente.
AAAAAA. O Tribunal de Aveiro deferiu o requerido. A recorrida invocou a nulidade do referido despacho e opôs-se à remessa dos autos ao que a recorrente respondeu. No dia 15 de março o Tribunal de Aveiro pronunciou-se declarando a nulidade do seu despacho e indeferindo a remessa dos autos. Este despacho ainda não transitou em julgado.
BBBBBB. Não obstante, sabendo-se que o tempo é inexorável em face do disposto no artigo 327.º do CC, tendo legitimidade e oportunidade, a recorrente vem interpor recurso Extraordinário de Revisão no Tribunal da Relação do Porto.
CCCCCC. O presente recurso extraordinário de revisão é apresentado nos termos dos artigos 696.º alíneas b), e) e g) do CPC.

Notificada a recorrida, veio esta responder, pugnando pela improcedência do recurso.
Para tanto, apresentou as seguintes conclusões:
Do indeferimento do recurso com fundamento na alínea g) do art.º 696.º do CPC, por
violação das regras de instrução.
I. Um dos fundamentos invocados pela recorrente para o presente recurso de revisão subsume-se à alínea g) do art.º 696.º, do CPC, isto é, que o litígio assentou sobre ato simulado das partes, para o que seria necessário, por força do disposto no art.º 696.º, n.º 2, do CPC, instruir o presente recurso com certidão da decisão ou do documento em que funda o seu pedido – o que a recorrente não fez.
II. Ora, se se entender que a recorrente imputa o ato simulado à sentença de homologação do plano de recuperação da recorrida em PER, teria a recorrente de juntar aos autos certidão judicial da decisão de homologação do plano de recuperação, o que não fez, pois a certidão junta pela recorrente, emitida em 24.03.2021, encontra-se há muito expirada, não permitindo, por conseguinte, a sua consulta.
III. Sem prescindir, vai impugnada a força probatória da referida certidão, porquanto, não obstante ali se dizer que o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, proferida em 16.02.2017, ocorreu em 26.07.2018, tal não corresponde à verdade.
IV. A sentença de homologação do plano de recuperação, proferida em 16.02.2017, foi objeto de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que a confirmou e, ainda, objeto de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o que foi recusado, por decisão singular notificada às partes no dia 03.11.2017; assim, a sentença de homologação do plano de recuperação transitou em julgado no dia 16.11.2017.
V. Decorre do art.º 371.º, n.º 1, do CC que os juízos do funcionário judicial constantes da certidão judicial, designadamente no que concerne à data do trânsito em julgado da sentença, são matérias sujeita à livre apreciação do Tribunal, porquanto não fazem prova plena.
VI. A recorrente não juntou aos autos certidão (ou cópia) do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 16.05.2017 – decisão a rever –, o qual confirmou a sentença de homologação do plano de recuperação, mas antes do acórdão proferido pela mesma Relação em julho de 2018, o qual se referia, ao invés, a um recurso interposto de um despacho proferido depois do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, e que nenhum efeito produziu sobre a sentença de homologação nem sobre o trânsito em julgado da mesma, já anteriormente ocorrido.
VII. Por requerimento de 06.05.2022, a recorrente alega vir instruir o seu recurso com certidão do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de maio de 2017, mas o código de acesso indicado no seu requerimento está também expirado, não permitindo a consulta de qualquer decisão, cuja cópia a recorrente também não juntou, e tão pouco juntou comprovativos de novos pedidos de certidão judicial.
VIII. Acresce que as alegações da recorrente sugerem que a simulação se fundaria na declaração pela recorrida e pelo Administrador de Insolvência de uma situação financeira diferente da apresentada nas contas da sociedade, no sentido de que o crédito da recorrente seria subordinado, remetendo para a relação de credores junta pela ora recorrida com o requerimento inicial que deu origem ao PER e para o plano de recuperação aprovado e homologado, porém, sem prover pela junção aos autos de certidão judicial dos aludidos documentos que instruíram o PER.
IX. A recorrente não cumpriu os requisitos formais previstos no art.º 698.º, n.º 2, do CPC, o que, por si só, é motivo de indeferimento do recurso nessa parte.
Do indeferimento do recurso com fundamento na alínea g) do art.º 696.º do CPC,
por ineptidão
X. O recurso da recorrente com fundamento na alínea g) do art.º 696.º do CPC deverá ser indeferido, por falta de alegação, ou, pelo menos, ininteligibilidade e contradição da causa de pedir para sustentar a alegada simulação processual.
XI. Não se mostram alegados factos essenciais, como é o caso do conluio entre os simuladores com o objetivo de prejudicar terceiros, e é também total a ausência de alegação de factos referentes ao requisito do dolo, pois que é a própria recorrente que admite que o administrador judicial provisório possa ter laborado em mero erro, com alegada falta de empenho e diligência na verificação e graduação do seu crédito, o que está longe de configurar uma situação de simulação, havendo apenas e tão-só, quando muito, uma equivocada, ainda que legítima, qualificação de um crédito.
XII. Em concreto, no que concerne ao administrador judicial provisório, a recorrente limitou-se a alegar que este não notificou a recorrente para o PER e que não analisou ou avaliou devidamente o crédito da recorrente.
XIII. Diz ainda a recorrente que a recorrida e o administrador judicial provisório falsearam a composição do litígio com a apresentação de um passivo sem correspondência com a realidade, mas em momento algum a recorrente alega factos concretos relacionados com um conluio, nem atribui a conduta que aponta ao administrador judicial provisório a uma combinação/concertação com a recorrida, nem lhe imputa a vontade de obter um resultado ilícito.
XIV. Nada diz a recorrente, ainda, acerca da culpa do administrador judicial provisório, e, aliás, noutros pontos da sua alegação, alega factos manifestamente contraditórios com a verificação dos pressupostos de conluio entre a recorrida e o administrador judicial provisório e, bem assim, de dolo imputável à conduta deste último.
XV. Assim, por faltar à alegação dos factos essenciais da simulação, e por mais alegar factos que lhe seriam contraditórios, deverá o recurso, com esse fundamento, ser indeferido.
Do indeferimento do recurso com fundamento na alínea b) do art.º 696.º do CPC, por falta de verificação dos requisitos legais
XVI. No que concerne ao recurso de revisão com fundamento na alínea b) do art.º 696.º, do CPC, salienta-se que são três os pressupostos cumulativos da admissibilidade de um tal recurso: a) que se alegue a falsidade de documento, de ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros; b) que a sentença cuja revisão se pede tenha sido determinada por alguma das quatro falsidades; c) que a falsidade não tenha sido discutida no processo em que foi proferida a sentença a rever.
XVII. No caso concreto, não se verificam os dois primeiros pressupostos cumulativos: (a) a falsidade invocada não se reporta aos documentos a que alude a alínea b) do art.º 696.º nem aos depoimentos ou declarações ali previstos, (b) nem a decisão a rever foi determinada por qualquer uma das referidas falsidades.
XVIII. Em consequência, deverá o recurso de revisão interposto pela recorrente ao abrigo da alínea b) do art.º 696.º do CPC ser também indeferido, nos termos do 699.º, n.º 1, do CPC.
Da titularidade do crédito
XIX. Sem prescindir, mais deve o presente recurso improceder, porquanto falha a recorrente em provar cabalmente a titularidade do direito (do crédito) que ora opõe à recorrida, impactando, como tal, a legitimidade para a interposição do presente recurso, o que constitui matéria de exceção, que expressamente se invoca.
XX. A recorrente, não obstante venha sugerindo a alegada inscrição do crédito na sua informação contabilística, disso não oferece qualquer evidência.
XXI. Acresce que o crédito sob discussão, noutras instâncias, veio já referenciado a entidades distintas da aqui recorrente: caso, assim, do relatório da comissão parlamentar de inquérito à gestão do Banco 1... e do Banco 1..., na medida em que ali se fazia constar a titularidade do crédito sobre a recorrida, não na esfera jurídica da recorrente, mas já na da Banco 1..., e a assunção da perda do crédito pela Banco 1... sobre a recorrida.
XXII. O comportamento – a sua falta – revelado pela recorrente, refletido na falta absoluta de menção ou sugestão de exercício de qualquer direito associado ao crédito no hiato temporal desde a sua constituição, em 2012, até muito recentemente, em 16.11.2020, quando vem a recorrida pela primeira vez interpelada pela recorrente para pagamento do crédito, num intervalo temporal em que já se teria produzido o incumprimento pela recorrida, depõe em sentido convergente com o facto ora detetado, isto é, de que já não seria afinal ela [a recorrente] a credora da recorrida, e que o seu titular, mesmo na fase que antecedeu a propositura do PER, já havia registado a assunção da perda desse crédito.
XXIII. O que sugere abuso na iniciativa processual ora protagonizada pela recorrente e com elevada probabilidade se deve ao facto de a Banco 1... haver sido declarada insolvente pelas instâncias judiciais no Luxemburgo, sugerindo também, atentos os constrangimentos inerentes em matéria de atuação para a pretensa recuperação deste crédito, e seguramente ao arrepio dos credores ali visados, que a estrutura social da ora Recorrente desempenha aqui a função de um artifício processual para prosseguir o ilícito objetivo de obter um direito que se encontra extinto.
Da extemporaneidade do recurso
XXIV. Nos termos previstos no n.º 2 do art.º 697.º do CPC, para os fundamentos de revisão referentes às alíneas b) e e) do art.º 696.º, o prazo de interposição do recurso de revisão é de 60 dias, contados desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.
XXV. Por outro lado, nos termos daquele art.º 697.º, n.º 3, do CPC, já no que concerne ao recurso de revisão fundado na alínea g) do art.º 696.º, deverá observar-se o prazo legal de dois anos, contados desde o conhecimento da sentença pela recorrente.
XXVI. Os prazos de caducidade em vista encontram-se há muito ultrapassados, sendo os presentes autos de recurso extraordinário de revisão, consequentemente, extemporâneos.
XXVII. Os autos principais do PER iniciaram-se no dia 19.06.2016.
XXVIII. Nos termos do art.º 17.º-D, n.º 1, do CIRE, assim que foi notificada do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, a recorrida, por meio de carta registada, comunicou a todos os seus credores que não haviam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do art.º 17.º-C, inclusive a recorrente, que deu início a negociações com vista à sua revitalização no âmbito desse PER, convidando-os a participar nas mesmas e informando-os que a documentação a que se refere o n.º 1 do art.º 24.º do CIRE, se encontrava disponível na secretaria do tribunal para consulta.
XXIX. Foi nestes termos que, no dia 27.10.2016, a ora recorrida enviou uma carta registada à recorrente, para a morada da sua sede sita em ..., ..., ..., ..., Bahamas.
XXX. A referida morada corresponde à descrita em todos os certificados que a recorrente juntou aos autos, nomeadamente o de abril de 2016, como é a própria a alegar que, desde a sua constituição em 2002, até março de 2018, teve aí a sua sede social, de forma contínua e ininterrupta.
XXXI. É aquela mesma morada que consta do contrato celebrado entre recorrente e recorrida em 26 de abril de 2012, no qual se prevê que todas as comunicações devem ser enviadas por escrito e por correio registado para as respetivas sedes sociais ali indicadas.
XXXII. Indicia-o, desde logo, que face ao incumprimento do acordo de reembolso pela recorrida – logo após o pagamento da primeira prestação, aquando do vencimento da segunda prestação em 27.04.2015 –, jamais a recorrente viria a interpelar a recorrida até novembro de 2020(!), evidenciando mesmo que a recorrente sempre configurara o crédito como suprimentos, seja antes do início do PER, bem sabendo que, atenta a fragilidade económico-financeira da recorrida, esse crédito não lhe podia ser pago, seja no período posterior, ao intuir a sua difícil recuperação.
XXXIII. A recorrida foi interpelada pela recorrente em novembro de 2020 – sendo-lhe reclamadas todas as prestações, incluindo as que ainda não se tinham vencido –, contra a previsão do “contrato de mútuo mercantil”, nos termos da qual se estipulava que a falta de pagamento de qualquer uma das prestações não importaria o vencimento imediato das restantes, fazendo funcionar antes o regime previsto nas cláusulas aplicáveis, precisamente, no caso de a recorrida se ver envolta num processo de insolvência ou equiparado, determinando, nesse caso, a cessação antecipada do contrato e o vencimento das prestações ainda não vencidas, o que demonstra que a recorrente tinha efetivo conhecimento do PER.
XXXIV. E não convence que a recorrente não tivesse conhecimento do PER, atenta a mediatização que este teve na praça pública, então como agora, em parte devido à exposição dos negócios das empresas offshore do Banco 1..., como é caso da recorrente, com estrutura acionista e de administração ligada a Portugal e à família ..., todos intervenientes e interessados e, nalguns casos, visados, pela ampla discussão pública relativa aos negócios do Banco 1..., como era o caso do crédito em presença.
XXXV. A situação creditícia da recorrida mereceu o maior destaque e atenção dos diversos interlocutores, nas diversas etapas do seu trajeto: na fase primitiva à instauração do PER; na fase de tramitação do PER; na fase posterior à aprovação do plano de recuperação.
XXXVI. A recorrente acompanhou, com caráter de proximidade e detidamente, pela sua relevância, materialidade e economicidade, pelo protagonismo e publicidade que lhe vinham associados, pela natureza dos intervenientes convocados pelo tema, aqui invocado contra a recorrida, incluindo, mas sem limitar, o PER tramitado e as incidências aprovadas no plano de recuperação.
XXXVII. Nunca a recorrida recebeu qualquer devolução da carta-convite às negociações e em todos os momentos do seu trajeto, todos os detalhes do desfecho do crédito citações que remeteu à recorrente, para a sua sede social, em 27.10.2016!
XXXVIII. A recorrente teve conhecimento do PER, pelo menos, desde que recebeu a carta-convite às negociações que a recorrida lhe dirigiu em 27.10.2016, sendo esse o momento de início de contagem para interposição do presente recurso de revisão, desde o qual decorreram já tanto o prazo de 60 dias prevenido para os casos de recurso de revisão fundados nas alíneas b) e e) do artigo 696.º do CPC, como o prazo de 2 anos estabelecido para o recurso de revisão fundado na alínea g) do mesmo preceito legal.
XXXIX. O recurso interposto pela recorrente é, pois, extemporâneo.
XL. Sem prescindir: caso se concedesse, por hipótese, adquirido o conhecimento do PER em 17.12.2020, e aí, por hipótese, estabelecido o início do cômputo do prazo de caducidade para a interposição do recurso fundado nas alíneas b) e e) do artigo 696.º do CPC, teríamos por esgotado aquele prazo de 60 dias em 15.02.2021.
XLI. Deduzido o recurso em 22.03.2022, afigura-se que o mesmo é extemporâneo.
XLII. Conjetura-se que a recorrente possa ter pretendido fundar a tempestividade do recurso na hipótese de referir o momento da interposição, não à data do presente recurso, de 22.03.2022, mas antes à apresentação de um outro articulado de recurso de revisão, o qual foi apresentado a juízo em 19.03.2021, para o que não foram observados os requisitos legais.
XLIII. Não é, desde logo, admissível o aproveitamento do efeito interruptivo da caducidade por via da interposição do recurso de revisão de 19.03.2021 com base no disposto no artigo 279.º, n.º 2, do CPC, porquanto inobservada a condição de interposição da segunda demanda no intervalo de 30 dias contados do trânsito em julgado da absolvição da instância decretada na primeira causa.
XLIV. Ora, determinada a absolvição da instância naqueles autos primitivos por despacho notificado em 14.01.2022 e transitado em julgado em 01.02.2022, a apresentação em juízo dos presentes autos, em 22.03.2022, apura-se já posterior ao decurso do referido prazo de 30 dias.
XLV. Nem se justifica o referido efeito de aproveitamento nos quadros da lei civil, nos termos do art.º 332.º, n.º 1 do CC, lido em conjugação como disposto no art.º 327.º, n.º 3, pois, por forma a preencher a referida hipótese legal, necessário seria que o primeiro recurso de revisão interposto, naturalmente, o houvesse sido em tempo.
XLVI. Porém, em 19.03.2021, decorrera já o referido prazo de caducidade de 60 dias, a que fizemos associar o respetivo termo a 15.02.2021.
XLVII. O referido prazo de 60 dias não se suspendeu ou interrompeu por qualquer motivo, nem se verificou uma qualquer situação de justo impedimento, designadamente porque os presentes autos revestem a natureza de um processo urgente e, portanto, não é aplicável qualquer suspensão de prazos determinada pelas férias judiciais.
XLVIII. Por outro lado, também não se aplica a suspensão dos prazos decorrente da Declaração do Estado de Emergência.
XLIX. Com efeito, a alteração à Lei n.º 1-A/2020 produzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, a que recorrente parece apelar, mais não faz do que contemplar um aditamento através da previsão do artigo 6.º-B, cujo teor, com destaque para o respetivo n.º 7, reitera a solução legislativa já contemplada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, não suspendendo nem os prazos nos processos urgentes nem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.
L. Mas mesmo que, por hipótese, se julgasse o prazo de interposição do recurso de revisão abrangido pela suspensão dos prazos nos processos não urgentes decorrentes da Declaração do Estado de Emergência, haveria que percorrer as demais condições legais de aproveitamento do eventual efeito interruptivo da caducidade – designadamente, nos termos do art.º 327.º, n.º 3, do CC, aferir se a decisão de absolvição da instância representará, para o efeito, motivo processual imputável à recorrente, caso em que verá arredada a excecional prerrogativa proporcionada por aquele dispositivo legal.
LI. A decisão de absolvição da instância fundou-se em vício de incompetência jurisdicional, determinado pela inobservância da regra, de inequívoca compreensão, estatuída no art.º 697.º, n.º 1, do CPC, face à circunstância de a recorrente ter interposto o recurso junto desse Juízo de Comércio de Aveiro e já não, como se impunha, neste Tribunal da Relação, que tinha proferido a decisão a rever.
LII. A absolvição da instância assim determinada considera-se integralmente imputável à recorrente, em virtude de comportamento gravemente culposo – ou, no limite, censurável –, seja porquanto a invocada norma de competência não oferece profunda complexidade ou exercício interpretativo, seja, também, porquanto, na oportunidade da preparação da sua pretensão, e por conta da consulta aos autos do PER a que a recorrente declara haver procedido, estaria logo em condições de constatar a dedução de recurso da decisão homologatória do plano de recuperação junto do Tribunal da Relação do Porto – do que, afinal, não poderia deixar de suspeitar, face à data do respetivo trânsito em julgado, de 16.11.2017, já muito posterior à data da decisão de homologação do Juízo de Comércio (16.02.2017).
LIII. No mais, tendo a recorrente percorrido em detalhe os atos praticados em juízo, por forma a examinar o pretenso vício da sua falta de notificação, estranha-se que haja furtado ao seu exame as mais diversas menções à tramitação em recurso que na plataforma eletrónica de acesso já ali se encontravam.
LIV. Eis, pois, que o presente recurso se deverá considerar extemporâneo.
Da análise dos fundamentos do recurso de revisão
Da falsidade de documento ou ato judicial
LV. A recorrente funda o seu recurso de revisão na falsidade de documento, que identifica como correspondendo à relação de credores junta pela recorrida ao requerimento inicial que deu início do PER e ao plano de recuperação aprovado e homologado por sentença transitada em julgado.
LVI. Carece de sentido a falsidade que a recorrente imputa à recorrida no que concerne à classificação do crédito da primeira como “acionista” ou subordinado, seja por referência ao contrato celebrado entre ambas, seja por referência aos documentos contabilísticos da recorrida.
LVII. A classificação dos créditos como garantidos, privilegiados, comuns ou subordinados é uma questão jurídica que não está na disponibilidade das partes definir, pelo que o entendimento de qualquer uma delas sobre o enquadramento legal a dar aos créditos é totalmente irrelevante e não é suscetível de declaração ou confissão, motivo pelo qual a posição que as partes venham a assumir relativamente a essa classificação também não pode integrar o conceito de falsidade.
LVIII. À data do empréstimo, a recorrente era, efetivamente, ainda, acionista da recorrida, pelo que a menção a “crédito acionista” feita pela recorrida na relação de créditos não se encontra ferida de qualquer falsidade, até porque dali não se retira, nem a recorrida alguma vez o afirmou, que a recorrente fosse, ainda, à data da entrada do PER em Tribunal, acionista da recorrida, nem o facto de a recorrente ter deixado de ser acionista da recorrida retira a natureza de crédito acionista decorrente desta sua qualidade aquando da constituição do crédito.
LIX. Os documentos contabilísticos da recorrida são inócuos para a conclusão que a recorrente daí pretende retirar: a realidade acionista mais antiga a que se reportam data do final do exercício de 2012, altura em que a recorrente já não era acionista da recorrida; em momento algum contrariam a circunstância de que, à data da celebração do contrato de suprimentos entre recorrente e recorrida, a primeira era acionista da segunda.
LX. Diz a recorrente que na relação de credores a recorrida auto-qualificou o crédito da recorrente, para efeitos de PER, como crédito acionista e consequentemente subordinado, o que não é exato, porquanto ali apenas foi indicado tratar-se de um empréstimo acionista, nada sendo dito quanto à qualificação do crédito.
LXI. A primeira conclusão da recorrente – de que foi objetivo da recorrida fazer crer que o crédito da recorrente “contava menos que de todos os restantes da sua lista de credores” – sai prejudicada pelo facto de a recorrente não ter reclamado créditos.
LXII. Com efeito, porque apenas têm direito de voto os créditos relacionados na lista de créditos reconhecidos, e lembrando que o administrador judicial provisório não reconheceu, na referida lista, qualquer crédito à recorrente pelo facto de esta não o ter reclamado, significa que nem sequer se coloca a questão do peso maior ou menor do crédito da recorrente para efeitos de votação do plano de recuperação consoante a natureza subordinada ou não do crédito, na medida em que a recorrente tão pouco tinha qualquer direito de voto.
LXIII. Nem pode, por via do recurso de revisão, insurgir-se a recorrente contra o facto de não ter incluído o seu crédito na lista provisória de créditos, pois o meio próprio para a recorrente reagir a tal omissão seria mediante a impugnação da lista provisória no prazo previsto no n.º 3 do art.º 17.º-D do CIRE na redação em vigor.
LXIV. Anote-se o entendimento de que, no PER, o administrador judicial provisório apenas está obrigado a incluir na lista os créditos reclamados.
LXV. Pelo exposto, rejeita-se também parte da segunda conclusão formulada pela recorrente – de que aquela declaração/relação de credores veiculada ao Senhor Administrador Judicial Provisório “viciaria os termos e a forma com que o crédito da Banco 1... e a própria Banco 1... seriam tratada em sede processual (…)” –, desde logo porque o tratamento processual que foi conferido à recorrente teve origem, não na relação de créditos junta pela recorrida no requerimento inicial, mas apenas no facto de a recorrente não ter reclamado créditos e/ou visto o seu crédito relacionado na lista do administrador judicial provisório.
LXVI. Refira-se, ainda, que o facto de a recorrente não estar incluída na lista de créditos reconhecidos a impediu apenas de votar o plano de recuperação e requerer a sua não homologação, e já não de recorrer da sentença, cujo anúncio é publicado no portal citius – o que a recorrente não fez, precludindo o direito de se insurgir contra os vícios procedimentais ou de conteúdo do plano de recuperação sanados pela sentença homologatória.
LXVII. Sem prescindir, sempre se deve considerar que o voto da recorrente – fosse o crédito qualificado como subordinado ou comum – seria totalmente indiferente para o desfecho do resultado da votação do plano de recuperação.
LXVIII. Ainda que o crédito da recorrente tivesse sido reconhecido e o fosse como crédito comum, uma vez que o plano de recuperação da recorrida foi aprovado por 95,47% dos votos, a considerar-se o voto contra da recorrente (14,45%), o plano teria sido aprovado por cerca de 80% dos votos, ou seja, por percentagem superior à necessária para a sua aprovação àquela data (66,66%) e por créditos não subordinados muito superiores a 50%; daí que não se possa conceber a possibilidade de a recorrente, como pretende, revogar os efeitos de um plano de recuperação cuja aprovação nunca teria tido hipótese de influenciar.
LXIX. A segunda parte da segunda conclusão retirada pela recorrente – de que a declaração/relação de credores veiculada ao Senhor Administrador Judicial Provisório “viciaria os termos e a forma com que o crédito da Banco 1... e a própria Banco 1... seriam tratadas em sede processual e no plano de recuperação da empresa” – é também infundada.
LXX. Por força do princípio da igualdade de credores, o plano de recuperação afeta todos os créditos anteriores ao PER, hajam ou não sido reclamados e/ou reconhecidos no processo.
LXXI. A afetação dos créditos pelo plano de recuperação é, assim, independente da classificação que lhe tenha eventualmente sido atribuída pelo administrador judicial provisório na lista provisória de credores, como também não fica dependente da classificação que lhe possa eventualmente ter sido atribuída pelo devedor na relação de credores, sendo certo que, na relação de credores, em princípio, não é indicada a qualificação dos créditos, nem no caso concreto o foi pela recorrida.
LXXII. É hoje pacífico que, no PER, não existe uma sentença de verificação e graduação de créditos, limitando-se o Juiz a decidir sobre as impugnações à lista provisória de créditos, para definição do quórum deliberativo do plano de recuperação.
LXXIII. Significa o exposto que a classificação dos créditos não relacionados e não impugnados, como é o caso, é matéria subtraída à apreciação quer do administrador judicial provisório quer do tribunal.
LXXIV. Por conseguinte, é de afirmar, inversamente às considerações da recorrente, que: (a) o administrador judicial provisório não tinha de analisar e classificar o crédito da recorrente; (b) o administrador judicial provisório não foi encarregado da elaboração do plano de recuperação; (c) o administrador judicial provisório não tem de escrutinar o conteúdo do plano de recuperação, menos ainda no que respeita a qualquer eventual classificação dos créditos ali vertida, e muito menos relativamente a créditos que este não relacionou.
LXXV. A classificação dos créditos, nos termos do art.º 48.º do CIRE, é matéria de direito, que não está na disponibilidade da devedora “confessar” ou “declarar”, daí que não se possa sequer afirmar qualquer falsidade do plano de recuperação pelo facto de ali se ter indicado fazer parte dos credores subordinados a recorrente.
LXXVI. No recurso de revisão baseado na falsidade a que se refere a al. b) do art.º 696.º do CPC, é necessário alegar que a falsidade não corresponde a uma qualquer divergência ou imprecisão entre depoimentos, antes pressupõe que o seu teor tenha sido dolosamente produzido pelos respetivos emitentes contra a realidade por eles conhecida, ou seja, que os mesmos com ele tenham pretendido influir no resultado da ação e, efetivamente, determinado a decisão a rever, o que não foi o caso.
LXXVII. Necessário é concluir inexistir qualquer uma das apontadas falsidades: seja da parte da recorrida, no que concerne à relação de credores/“declaração” dali extraída pela recorrente, seja da parte do administrador judicial provisório, que não atestou sequer (nem tinha de atestar) a classificação do crédito da recorrente ou o seu tratamento no plano de recuperação.
LXXVIII. Impõe-se concluir, também, que, nem os documentos alegadamente falsos apresentados pela recorrida nos autos nem a “apreciação” do administrador judicial provisório foram determinantes para a decisão de homologação do plano de recuperação.
LXXIX. Ora, em sede de recurso de revisão, a lei exige um nexo de causalidade adequada entre a falsidade de documento, de ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros e a decisão a rever.
LXXX. Para efeitos de decisão de homologação ou não homologação do plano de recuperação, o Tribunal limita-se a verificar se o plano incorreu em violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo; o tribunal tem, por exemplo, de aferir se o plano não viola o princípio de igualdade de credores por referência às condições de pagamento previstas para cada classe de credores, mas já não tem – nem tem como –, caso o plano faça a referência a concretos credores, de aferir se esse credor está bem inserido na respetiva categoria (privilegiado, garantido, comum ou subordinado), pois o Tribunal não verifica e gradua os créditos, apenas decide das impugnações com os estritos fins já referidos.
LXXXI. É que, se não fosse assim, o Tribunal teria de ter acesso a todos os elementos de suporte de cada um dos créditos, mesmo dos que não foram reclamados e/ou relacionados, o que não acontece, é manifestamente incomportável, e nem é esse o objetivo.
LXXXII. Estar referido no plano, na parte respeitante aos créditos subordinados, o nome da recorrente é indiferente e, se não estivesse, o Tribunal teria, de igual forma, homologado o plano de recuperação e não era por esse motivo que a recorrente passaria ou deixaria de estar sujeita àquelas condições.
LXXXIII. Assim, a decisão de homologação do plano de recuperação não foi influenciada – muito menos determinada – por qualquer informação falsa veiculada pela recorrida ou pelo administrador judicial provisório.
LXXXIV. E a decisão a rever não viola o artigo 194.º do CIRE, na medida em que, entre as medidas previstas no plano de recuperação para cada uma das classes de credores não é beliscado o princípio da igualdade de credores.
LXXXV. A alegada falsidade em que a recorrente funda o recurso de revisão tão pouco é subsumível à norma invocada.
LXXXVI. Ora, os documentos sinalizados pela recorrente estão excluídos da previsão normativa, na medida em que nenhum deles constitui meio de prova, nomeadamente do crédito da recorrente.
LXXXVII. O meio de reação face a qualquer erro que inquine os ditos documentos (relação de credores e plano de recuperação) não será a impugnação de documentos prevista nos art.ºs 444.º e 446.º do CPC, mas sim a reclamação de créditos/impugnação da lista de créditos reconhecidos e o pedido de não homologação do plano de recuperação/recurso da sentença de não homologação do plano de recuperação.
LXXXVIII. Ao passo que o recurso de revisão com fundamento na falsidade de documentos tem por base a impugnação de documentos nos termos dos art.ºs 444.º e 446.º do CPC que não haja sido feita – e não tivesse de ter sido feita – no processo no momento da apresentação da prova.
LXXXIX. Também não pode a recorrente pretender retirar dos documentos uma “declaração” da recorrida quanto à natureza do crédito para fazer subsumir a pretendida falsidade na segunda parte da alínea b) do art.º 696.º, do CPC, pois a recorrida não é perito ou árbitro, mas sim parte.
XC. Da mesma forma, a previsão legal não contempla qualquer “apreciação” ou juízo técnico do administrador judicial provisório – este não se enquadra também na categoria de perito nem de árbitro, não prestou declarações, não foi testemunha, não realizou qualquer perícia ou vistoria que tenha constituído meio probatório do que quer que seja ou sequer proferiu qualquer decisão, e tampouco seria a sua atuação subsumível ao conceito de “ato judicial”.
XCI. Acresce que o administrador judicial provisório não praticou – desde logo porque não incluiu o crédito da recorrente na lista de créditos reconhecidos –, nem tinha de praticar qualquer ato no que concerne ao crédito da recorrente, uma vez que esta não o reclamou.
XCII. Em face do exposto, falham dois dos pressupostos para que a decisão possa ser objeto de revisão ao abrigo da alínea b) do art.º 696.º, do CPC: (a) a alegação de falsidade de documento, ato judicial, depoimento ou declarações de peritos ou árbitros; e (b) o nexo de causalidade entre a falsidade apurada e o conteúdo da decisão a rever.
Da revelia
XCIII. O regime de revisão fundado no desenvolvimento do processo à revelia do réu, previsto no art.º 696.º, alínea e), do CPC, não pode ser aplicado.
XCIV. Aquele regime está previsto para os processos judiciais de natureza declarativa, nos quais uma determinada realidade factual é submetida à apreciação de um julgador, designadamente, mediante a observação dos princípios do dispositivo e do contraditório, e nos quais é feito observar um efeito cominatório, pleno ou limitado, na falta de impugnação dos factos alegados pelo demandante, tidos como admitidos pelo demandado que não se defende da pretensão que contra ele é deduzida.
XCV. Ora, foi sobretudo atendendo à aplicação do referido efeito cominatório, nos processos judiciais declarativos, que o legislador previu o fundamento de recurso de revisão, desde logo tendo por referência as especialidades de regime que estabeleceu quanto à citação, previstas nos art.ºs 225.º e ss. do CPC.
XCVI. Atenta a natureza do PER, que em muito se distancia do processo declarativo, desde logo quanto ao referido efeito cominatório, que não é aplicável, não lhe podem ser equiparadas, nem as exigências de citação e notificação, nem as consequências relativas à sua falta – e, com efeito, foi o próprio legislador, de forma expressa, atendendo aos interesses e às finalidades aqui envolvidas, a consagrar um regime diverso, muito menos exigente, tanto nas formalidades e garantias exigidas, como na forma de as relevar, caso não verificadas.
XCVII. Atente-se que, no caso, não se verificou tampouco uma qualquer falta de citação ou nulidade da mesma, tendo a secretaria do Tribunal de primeira Instância ido, inclusive, para além da diligência exigível.
XCVIII. Isto porque, no PER, ao contrário do que sucede no processo de insolvência, não há lugar à citação ou notificação dos cinco maiores credores do devedor, não sendo aplicável o disposto no n.º 3 do art.º 37.º, do CIRE – desde logo, porque no PER o devedor não tem de indicar quais são, de entre o universo dos seus credores, os cinco maiores.
XCIX. Por outro lado, a recorrente não tem sede em Estado Membro da União Europeia, motivo pelo qual não é igualmente aplicável o disposto no n.º 4, do art.º 37.º, do CIRE, seguindo, antes, a respetiva citação/notificação a regra prevista no n.º 7 da mesma norma, nos termos da qual “os demais credores e outros interessados são citados por edital, com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede ou na residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal Citius”.
C. Consequentemente, forçoso é concluir que não se verifica qualquer falta de citação da recorrente para os presentes autos, porquanto a sua citação foi realizada, por edital, nos termos legais.
CI. Sem prescindir: o art.º 9.º, n.º 4, do CIRE dispõe que "Com a publicação, no local próprio, dos anúncios requeridos neste Código, acompanhada da afixação de editais, se exigida, respeitante a quaisquer atos, consideram-se citados ou notificados todos os credores, incluindo aqueles para os quais a lei exija formas diversas de comunicação e que não devam já haver-se por citados ou notificados em momento anterior, (…).", isto é, mediante as publicações legais, considera-se sanada qualquer hipotética irregularidade de citação/notificação dos credores.
CII. Daqui decorre também que, mesmo admitida a hipótese de preterição de uma necessária citação/notificação da recorrente por carta registada, nos termos do n.º 3 ou n.º 4, do art.º 37.º, do CIRE, tal irregularidade considerar-se-á sanada em virtude da citação edital de todos os credores, nos termos do n.º 7, da mesma norma, por força do disposto no n.º 4, do art.º 9.º, do mesmo código, subsistindo os atos processuais subsequentes.
CIII. Pelo que não se poderá sequer aqui afirmar com propriedade a revelia absoluta da recorrente, já que, com a publicação, no local próprio, dos anúncios previstos no CIRE, acompanhada da afixação de editais, aliada à natural mediatização do PER da recorrida e aos valores aqui envolvidos, devemos ter como evidente e manifesto que os Acionistas e os Administradores da recorrente, portugueses e com residência em Portugal, tiveram pleno conhecimento dos presentes e dispuseram de todos os meios concedidos por lei para a sua reação.
CIV. Sem prescindir, ainda: mesmo admitida a hipótese de exigência de notificação à recorrente, o enquadramento jurídico de que a recorrente se pretende prevalecer – a Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial (“Convenção”) –, não permite concluir pela verificação de qualquer irregularidade.
CV. A recorrente precipita-se na sugestão de que todo e qualquer expediente de notificação ao abrigo da Convenção seria, forçosamente, acompanhado da fórmula anexa à Convenção, especial formalidade que o Tratado somente entendeu dispensar às notificações realizadas no quadro da comunicação estabelecida entre Autoridades centrais dos Estados Contratantes, para casos de contacto institucional com âmbito de aplicação circunscrito às disposições abrangidas pelos art.ºs 3.º a 6.º da Convenção – e, por conseguinte, não importado para outros procedimentos de notificação admitidos ao abrigo da Convenção, como sejam o previsto no art.º 10.º, e que representa o mecanismo de notificação efetivamente seguido nos autos, como, de resto, o reconhece a recorrente nas Alegações.
CVI. Ora, no que aqui releva, quanto às opções dos Estados Contratantes no domínio das disposições previstas nos art.ºs 8 (2), 10 (a) (b) e (c), 15 (2) e 16 (3) da Convenção, nem as Bahamas nem Portugal declinaram a possibilidade de realização de notificações judiciais por via postal simples.
CVII. Facto é que a própria Convenção, prevenida das dificuldades de transmissão da informação judicial, mas tendo presente a essencial necessidade de compatibilizar a tramitação com a desejável celeridade dos processos, não deixou de vir esclarecer, ex vi §2 do art.º 15.º que: “Pode cada Estado contratante declarar que os seus juízes, obstante as disposições da alínea primeira, podem julgar, embora não tenha sido recebido qualquer certificado da citação ou notificação, ou da entrega, se se reunirem as seguintes condições: a) Ter sido o ato transmitido segundo uma das formas previstas pela presente Convenção; b) Ter decorrido certo prazo desde a data da remessa do ato que o juiz apreciará em cada caso concreto e que não será inferiora seis meses; c)Não ter sido possível obter qualquer certificado, não obstante todas as diligências necessárias feitas junto das autoridades competentes do Estado requerido.”
CVIII. Declaração que Portugal, enquanto Estado contratante, emitiu!
CIX. No mais, de acordo com a posição já exprimida pela própria Conferência de Haia sobre Direito Internacional Privado, é de reconduzir à hipótese da alínea c) do §2 do art.º 15.º a nota de devolução da carta expedida, facto que expressamente entende não consubstanciar obstáculo bastante à adoção de uma decisão pelo Tribunal.
CX. Convenientemente, a recorrente prescindiu de sustentar a iniciativa recursória de revisão nas normas da Convenção que disciplinam a intervenção processual extraordinária dos sujeitos que não tenham logrado conhecer o conteúdo dos autos e deles pretendam posteriormente reagir, por bem saber que as disposições da Convenção não lhe legitimariam tal intervenção.
CXI. Dispõe-se nos §1 e §2 do art.º 16.º: “Todas as vezes que uma petição inicial ou um ato equivalente foi transmitido para o estrangeiro para citação ou notificação, segundo as disposições da presente Convenção, e uma decisão foi proferida contra um demandado que não compareceu, o juiz tem a faculdade de relevar ao demandado o efeito perentório do prazo para recurso se concorrerem as condições seguintes: a) Não ter tido o demandado, sem que tenha havido culpa da sua parte, conhecimento em tempo útil do dito ato para se defender e da decisão para interpor recurso; b) Não parecer e mas possibilidades do demandado desprovidas de qualquer fundamento. / O pedido para a relevação não será atendido se não tiver sido formulado num prazo razoável a contar do momento em que o demandado teve conhecimento da decisão.
CXII. Ora, a recorrente falha, para o efeito, na formalidade aplicada – a qual, nos termos daquela disposição, supõe um pedido de relevação/dispensa dos efeitos do decurso do prazo perentório de recurso [isto é, o prazo de recurso ordinário decorrido], e já não um pedido de revisão/recurso propriamente dito, como o aqui oferecido pela recorrente, o qual sempre se acharia dependente da decisão daquele pedido de relevação –, e, em todo o caso, essa intervenção seria extemporânea.
CXIII. É ver, com efeito, conforme expressamente o admite o §3 daquele artigo 16.º, que Portugal fixou o prazo máximo de dedução do pedido de relevação dos efeitos do decurso do prazo perentório, fixando-o no limite de 1 (um) ano contado a partir da data da decisão, a qual transitou em julgado em 16.11.2017 – donde, por isso, há muito decorrido.
CXIV. Ao que acresce que sempre esbarraria a recorrente na circunstância de se ter ficado a dever a culpa sua o não conhecimento atempado da notificação, uma vez que esta foi expedida para a morada da sede da recorrente e convencionada no contrato celebrado com a recorrida, para não mencionar a óbvia ausência de fundamento das pretensões da recorrente.
CXV. Carece de sentido a invocação, pela recorrente, do regime previsto no art.º 129.º, do CIRE, na medida em que aquela disposição legal não tem, pura e simplesmente, aplicação no PER: o legislador estabeleceu um regime próprio para o PER no que diz respeito à publicidade da lista de créditos reconhecidos, que, à data, se encontrava prevista no art.º 17-D, n.º 3, do CIRE, nos termos do qual era objeto de apresentação na secretaria do tribunal pelo administrador judicial e publicada no Portal Citius pela secretaria, não havendo lugar a qualquer notificação pessoal dos credores.
CXVI. Sem prescindir, ainda: não obstante não ser exigível a citação/notificação dos cinco maiores credores ou dos credores conhecidos, nomeadamente da recorrente, por via de carta registada, o certo é que, nos presentes autos, tal notificação foi, até, expedida pelo Tribunal para a sede social da recorrente, através de carta registada.
CXVII. Da carta de notificação consta, inclusive, o código de barras dos CTT, o que não faria qualquer sentido se a carta não tivesse sido expedida; como também é evidente, se a carta nunca tivesse sido expedida, jamais constaria dos autos, como consta, o envelope de devolução da carta, no qual se leem, inclusive, as inscrições escritas relativas à sua devolução por endereço insuficiente.
CXVIII. Nestes termos, necessário é concluir-se que a notificação da recorrente foi efetivamente expedida pelo Tribunal de primeira Instância, sendo que, se a mesma não foi por rececionada pela recorrente, o que não concedemos, tal se terá devido única e exclusivamente a culpa desta.
CXIX. Sobressai dos documentos juntos pela recorrente que, nos seus documentos oficiais, apesar de a sua sede ter sido sempre (até 2018) a morada indicada pelo Tribunal na carta que lhe dirigiu, umas vezes é-lhe acrescentado o P.O.Box N-....
CXX. Não foi a circunstância de aquele P.O. Box N-... não constar da carta remetida pelo Tribunal à recorrente que determinou que esta não a recebesse, mas sim o facto de não o pretender fazer.
CXXI. Como quer que seja, ainda que tivesse sido esse o motivo, a verdade é que apenas à recorrente seria imputável o não recebimento da carta, porquanto a sua sede social, nos documentos oficiais da empresa, se manteve a mesma, como resulta até do certificado junto pela recorrente datado de 26.04.2016, isto é, por ocasião da expedição da notificação, e, por outro lado, porque a recorrente nunca comunicou à recorrida qualquer alteração da morada que consta do contrato apelidado de “contrato de mútuo mercantil” de 26.04.2012, sendo certo que as partes convencionaram que as comunicações referentes àquele contrato seriam feitas para as moradas ali indicadas.
CXXII. Por fim, ainda sem prescindir: sempre seria de considerar a “relevância negativa da causa virtual”, nos termos da qual se deverá atender ao resultado que se produziria se a decisão do processo não tivesse sido influenciada pela alegada revelia da recorrente.
CXXIII. Ora: ainda que a recorrente tivesse tido notícia do PER, aí visto reconhecido o seu crédito e, até por mera hipótese de raciocínio, este tivesse sido considerado um crédito comum e, por fim, votado desfavoravelmente o plano de recuperação, não seria suscetível de alterar a sua aprovação.
CXXIV. Ponderando os princípios subjacentes à excecionalidade do recurso de revisão, relacionados com a segurança e certeza jurídicas, e, por outro, o resultado da anulação dos atos subsequentes ao despacho de nomeação do administrador judicial provisório no PER, designadamente a aprovação e homologação do plano de recuperação – e, em concreto, o perdão do crédito da recorrente – estes últimos sempre teriam de ceder, permanecendo válida e eficaz a sentença de homologação do plano de recuperação.
Da simulação
CXXV. A al. g) do art.º 696.º, do CPC, prevê o recurso extraordinário de revisão com fundamento em simulação processual, a qual ocorrerá “quando as partes, de comum acordo, criam a aparência de um litígio inexistente para obter uma sentença cujo efeito apenas querem relativamente a terceiros, mas não entre si”.
CXXVI. Esta simulação processual consiste num conluio entre autor e réu no sentido de ser deduzida, por aquele, determinada pretensão para não ser contraditada ou só ficticiamente ser contraditada por este, de modo a obterem, por essa via, uma decisão judicial tendente a prejudicar terceiros.
CXXVII. O recurso de revisão com fundamento em simulação processual depende de uma tríplice condição: a) a existência de simulação processual bilateral (de autor e réu); b) que a simulação tenha o propósito e seja causa de um prejuízo para o recorrente; e c) que o recorrente seja terceiro.
CXXVIII. Revertendo ao caso: não se verifica nenhuma simulação processual.
CXXIX. Um dos pressupostos para se julgar verificada uma situação de simulação processual é que o processo em causa, substantivamente, não tenha sido dirimido por acordo, porquanto apenas as situações de simulação processual, mas já não de simulação substantiva, legitimam a interposição deste tipo de recurso.
CXXX. Ora, no caso concreto, estamos no âmbito de um PER, que se carateriza por um processo de natureza híbrida, essencialmente negocial e extrajudicial, no qual tem primazia a vontade dos credores; o acordo que foi alcançado no âmbito desse processo negocial e extrajudicial do PER, a ter-se tratado de um acordo simulado, o que de forma alguma se concede, sempre se trataria de uma simulação substantiva.
CXXXI. Por outra via, também a natureza subjetiva deste processo –designadamente, quanto à multiplicidade de intervenientes que nele intervêm, à diferente qualidade em que estes intervêm e ao fim que é prosseguido por cada qual – contrasta com uma situação de simulação bilateral.
CXXXII. Acresce que a simulação a que se referem os art.ºs 612.º e 696.º, al. g), do CPC, tem por sujeitos – agentes do ato simulado/conluio – aqueles que figuram como partes na causa; ora, a recorrente imputa o ato simulado à recorrida e ao administrador judicial provisório, que não figura como parte no processo especial de revitalização, antes sendo um dos órgãos da insolvência.
CXXXIII. Na expressão exata do legislador, a simulação haverá de ser protagonizada por quem na parte figura como autor e réu, não podendo, obviamente, a posição processual do administrador judicial provisório em PER ser equiparada à do réu para efeitos do art.º 612.º, do CPC.
CXXXIV. No PER, são partes a devedora, ora recorrida, e os credores: todavia, a total ausência de alegação, por parte da recorrente, sobre a existência de um qualquer pacto simulatório entre as partes participantes no PER, nas quais se incluem os credores que o aprovaram, inviabiliza o efeito pretendido pela recorrente.
CXXXV. Refira-se ainda que, o PER e o processo declarativo comum diferem igualmente no que concerne ao fim que um e outro visam alcançar, isto é, a revitalização de um determinado devedor, por acordo, no primeiro, por contraponto com a decisão de mérito de um Tribunal, de facto e de direito, sobre uma determinada realidade de facto, no segundo.
CXXXVI. Para que se possa falar em ato simulado é necessário o dolo bilateral dos sujeitos conluiados; todavia, é a própria recorrente a admitir que o administrador judicial provisório possa ter laborado em mero erro, o que está longe de configurar uma situação de simulação, havendo apenas e tão-só, quando muito, uma equivocada, ainda que legítima, qualificação de um crédito.
CXXXVII. Não existiu qualquer ato simulado da recorrida e do administrador judicial provisório com o objetivo de excluírem a recorrente do PER e/ou lograrem aprovar um plano de recuperação que contemplasse o perdão dos créditos da recorrente.
CXXXVIII. E a recorrida foi por demais transparente no seu comportamento perante o Tribunal e todos os demais intervenientes do PER, não só pela diligência que imprimiu na sua tramitação, como também pelos elementos que juntou ao PER: e é a própria recorrente que entende ter aqui demonstrado o seu crédito, quer o seu montante quer a sua invocada natureza comum do mesmo, com recurso a documentos que retirou do PER, claro está, fornecidos pela recorrida.
CXXXIX. Na sua fundamentação, a recorrente teria de alegar que a conduta processual dos intervenientes no conluio não teve por finalidade os interesses individuais de cada um dos referidos intervenientes, mas sim o intuito de prejudicar a recorrente, o que implicaria alegar, o que não fez, que a recorrida jamais se encontrou em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, e que o PER apenas teve como finalidade prejudicá-la.
CXL. Como não alegou que o referido acordo, sendo “de fachada”, não viria a ser cumprido pelas respetivas partes, não obstante a sua aprovação e homologação – isto porque, nos termos de uma simulação processual, sempre será necessário alegar que as partes que integram o pacto simulatório não quiseram o acordo para si, mas procuraram apenas prejudicar terceiros.
CXLI. Ora, o plano aprovado foi e tem vindo a ser executado pela recorrida, nos termos em que foi aprovado e homologado.
CXLII. De acordo com a recorrente, o ato simulado que imputa à recorrida e ao administrador judicial provisório consiste em (i) ter sido declarada nos autos uma situação financeira distinta da apresentada nas contas da empresa no que diz respeito à natureza do crédito da recorrente;(ii) a recorrente não ter sido notificada do PER; (iii) ter o crédito da recorrente sido qualificado como subordinado, ao invés de comum.
CXLIII. No que concerne ao referido em (i), a recorrida, na relação de credores que apresentou nos autos, além de ter indicado o crédito da recorrente, não o qualificou, como não lhe competia fazer, não se encontrando a menção a “crédito acionista” feita na relação de credores a propósito do crédito da recorrente em contradição com as contas da empresa, uma vez que as contas da empresa, além de não qualificarem juridicamente créditos, apenas refletem a realidade acionista da empresa a partir do final do exercício de 2012, data em que a recorrente já não era acionista da recorrida, sendo que a perda dessa qualidade não revoga a origem acionista do crédito aquando da sua constituição.
CXLIV. Quanto ao mencionado em (ii), além de a recorrida ter efetivamente sido notificada para o PER, seja por via da carta-convite para as negociações que lhe foi enviada pela recorrida, seja pelo facto de a recorrente ter sido notificada pelo próprio Tribunal, a entender-se ser exigível a notificação pessoal da recorrente para o PER – o que não se concede –, essa notificação compete ao Tribunal, pelo que não se vislumbra em que medida poderia um ato da competência da secretaria judicial ser invocado para sustentar um ato simulado entre a recorrida e o administrador judicial provisório.
CXLV. Sendo certo que as notificações realizadas pela secretaria foram-no com base na relação de créditos junta pela devedora à petição inicial, e não com base na lista provisória de créditos elaborada pelo administrador judicial provisório, para as quais foi irrelevante a natureza dos créditos ali indicados.
CXLVI. Relativamente ao descrito em (iii), não é a devedora que qualifica os créditos, nem a recorrente foi qualificado pelo administrador judicial provisório ou pelo Tribunal.
CXLVII. Muito menos se poderia falar num conluio entre a devedora e o administrador judicial provisório na qualificação do crédito como subordinado porque este não elaborou o plano de recuperação da decorrida onde ali vem mencionado o crédito da decorrente como sendo subordinado, nem é o administrador judicial provisório que homologa o plano de recuperação.
CXLVIII. Impõe-se ainda esclarecer que ao administrador judicial provisório não está cometido qualquer ato de citação/notificação dos credores para o PER, que é incumbência da secretaria do Tribunal, seja por edital, seja pessoalmente, na hipótese de se entender aplicável ao PER a citação pessoal nos termos do art.º 37.º, do CIRE, o que não se concede.
CXLIX. E, por seu turno, a natureza comum ou subordinada dos créditos não tem qualquer influência na sua notificação/citação ou participação no PER, pelo que não se aceita a alegação de que o objetivo visado com a alegada qualificação errónea do crédito da recorrente teria sido o de impedir a sua intervenção e participação no PER, nem se compreenderia o invocado objetivo quando a própria devedora relacionou o crédito da recorrente.
CL. Ao administrador judicial provisório não cabe também fiscalizar a notificação/citação dos credores, nem está, no PER, obrigado a reconhecer os créditos que não hajam sido reclamados nos autos, ainda que relacionados pela devedora.
CLI. Erra a recorrente quando afirma que o perdão total dos créditos carece de autorização/expressa manifestação da vontade do credor afetado, pois esse é, precisamente, um dos efeitos do PER, dependente apenas da vontade da maioria legalmente exigida para a aprovação do plano de recuperação, o qual passará a vincular todos os credores caso homologado pelo Tribunal.
CLII. Carece também de sentido a alegação da recorrente quando faz crer que o objetivo da recorrida com a alegada qualificação errónea do crédito da recorrente como subordinado teria tido como objetivo possibilitar o perdão total do seu crédito, como se não fosse viável num PER obter o perdão de créditos comuns.
CLIII. Demonstrado está também que o plano de recuperação da recorrida sempre teria sido aprovado, porquanto continuaria a reunir a maioria dos votos favoráveis legalmente exigidos.
CLIV. Por fim, o plano de recuperação não se encontra ferido de qualquer violação do princípio da igualdade entre credores, na medida em que as diferentes condições ali previstas assentaram num critério objetivo e justificado – a diferente classe (natureza) dos créditos –, o que em nada resulta prejudicado pela questão suscitada pela recorrente – da alegada natureza comum do seu crédito.
CLV. Em síntese, não só não se encontram preenchidos os pressupostos essenciais à comprovação de qualquer simulação, como se constata um total desfasamento entre a natureza deste fundamento de recurso e o tipo de processo aqui em causa.
Da natureza jurídica do crédito da recorrente
CLVI. Se o contrato de suprimento reúne elementos próprios do negócio de mútuo – a circunstância de alguém emprestar a outrem determinada quantia em dinheiro, contra a sua restituição –, facto é que à sua afirmação se revela necessário, mas bastante, um quid plus, ora de índole subjetiva, ora de caráter objetivo.
CLVII. O contrato de suprimento relaciona dois sujeitos com posições perfeitamente definidas: o sócio/acionista financiador e sociedade financiada.
CLVIII. No caso, no momento genético do contrato, a sua celebração em 26.04.2012, era evidente uma tal relação social entre a recorrente e a recorrida.
CLIX. A essa conclusão não obsta a prévia celebração em 01.02.2012, de um contrato de compra e venda de ações relativas à participação da recorrente no capital social da recorrida (“E...”), na exata medida em que as partes contratantes do E... condicionaram a eficácia do negócio a um conjunto de condições suspensivas cumulativas, paralisando o efeito translativo da compra e venda, permanecendo, por isso, a recorrente, para todos os efeitos, acionista da recorrida.
CLX. E assim permaneceu até 24.07.2012, data em que as partes no E..., depois de sucessivas prorrogações relativas à deadline de verificação das condições suspensivas e algum debate acerca da sua pertinência, vieram formalmente declarar, através do Certificado de Execução, a verificação daquelas condições e, consequentemente, a plena eficácia da transmissão das participações sociais no capital da recorrida.
CLXI. Ora, se a recorrente apenas perdeu a sua qualidade acionista em 24.07.2012, tanto só pode significar que em 26.04.2012, data da formalização do contrato de suprimentos, era a mesma acionista de pleno direito da recorrida!
CLXII. Conclusão, de resto, corroborada expressamente em texto, e por isso pela recorrente, no próprio contrato de suprimento, evidenciando o abuso da sua pretensão, na modalidade venire contra factum proprium.
CLXIII. Por outro lado, também não obsta à sua natureza de suprimento que a recorrente houvesse, posteriormente à sua constituição, alienado as participações no capital social da recorrida, porquanto o facto de um qualquer sujeito, titular de um crédito de suprimentos constituído no momento em que era titular de uma posição social na sociedade, ter transmitido as suas participações em data posterior àquela não é condição bastante para que se possa afirmar que o crédito perde a natureza de suprimentos: termos em que se revela, para efeitos da determinação da qualidade de crédito de suprimentos da recorrente, inócua a circunstância de esta haver alienado a sua participação no capital social da recorrida, com efeitos em 24.07.2012.
CLXIV. Quanto à finalidade subjacente ao financiamento, sublinhe-se que, se o empréstimo realizado pela recorrente tinha em vista, no essencial, a garantia das condições de desenvolvimento da atividade da recorrida, tanto só pode significar que o interesse subjacente àquela contribuição, por parte da recorrente, não é equiparável ao interesse tipicamente reconhecido num contrato de mútuo mercantil, em que o espírito do mutuante se resume à capitalização egoística da quantia mutuada, não lhe assistindo, por definição, qualquer preocupação com o significado que o empréstimo possa ter na vida da mutuária após o reembolso.
CLXV. Diferentemente, o interesse declarado pela recorrente revela que esta se comporta, neste negócio, como verdadeira acionista, como parte que, sendo relacionada com a suposta “mutuária”, tem um interesse especialmente qualificado no sucesso da sua atividade.
CLXVI. Nessa perspetiva, a quantia mutuada operaria como um sucedâneo de uma nova entrada no capital social da recorrida, por forma a debelar as insuficiências de capital da empresa, convergindo, por isso, para a natureza de suprimento deste financiamento.
CLXVII. Ainda nesse sentido, se o empréstimo foi concedido «com condições de financiamento nomeadamente prazo e juros mais adequados à situação económica e financeira da A...», tal facto só serve para corroborar a conclusão de que a recorrente se comportou, no contexto daquele contrato, em termos distintos daqueles em que o faria um terceiro desinteressado na atividade e na performance do negócio da recorrente, acedendo, por essa mesma razão, na adaptação das condições contratuais à situação financeira da sua participada.
CLXVIII. Ponto é que a recorrente não logrou demonstrar ou sequer alegar factos bastantes ao afastamento da presunção de permanência do crédito, mediante demonstração de que o financiamento teria sido concedido com indiferença pela sua qualidade de acionista, como lhe cumpria provar, nos termos do n.º 4 do art.º 243.º do CSC, sob pena de operarem integralmente os efeitos da presunção estabelecida pelo legislador no n.º 2 daquele preceito.
CLXIX. Com efeito, do mesmo modo que o financiamento em causa tinha como propósito enfrentar dificuldades financeiras não momentâneas da recorrida, também as condições de exigibilidade do crédito de reembolso de que a recorrente ficou titular (crédito de suprimentos) compreendiam notas de permanência, de acordo com os elementos interpretativos previstos no n.º 2 do artigo 243.º do CSC.
CLXX. O prazo de reembolso do financiamento ultrapassava largamente o índice de permanência de 1anoprevisto na lei, atingindo um prazo de vencimento de 18 anos!
CLXXI. No que concerne à inscrição do crédito na contabilidade da recorrida, a recorrente pretendeu sugerir que a referida informação evidenciaria uma natureza do crédito distinta da de suprimento, o que não se concebe, porquanto os elementos contabilísticos não possuem um tal valor interpretativo: ao invés, a qualidade jurídica do crédito emerge dos critérios de qualificação adotados para o efeito pelo nosso ordenamento, como sejam a qualidade dos sujeitos intervenientes, as operações abrangidas, a finalidade da contratação e o caráter de permanência do crédito.
CLXXII. Sem prescindir: no Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”), o crédito de suprimentos é levado à rubrica 253 (“Participantes de capital”), a qual se integra na Classe 2 e, por sua vez, no grupo de contas 25, sob a inscrição “Financiamentos obtidos”.
CLXXIII. Nas demonstrações de resultados da recorrida, o crédito é descrito como “Outros financiamentos” e “Outros financiadores” para demarcação de outros ali inscritos, com os quais não se confunde, como sejam os “Financiamentos bancários” ou as “Locações financeiras”; já não, conforme sugerido pela recorrente, para estabelecer qualquer diferença relativamente a mútuos acionistas ou partes relacionadas, que nem sequer foram equacionados como descrição autónoma na contabilidade.
CLXXIV. Pretende, ainda, a recorrente prevalecer-se da disposição convencional que induz a derrogação da qualidade de suprimento ao contrato celebrado entre as partes: porém, não é de aceitar que as Partes num contrato de suprimento possam subtraí-lo à respetiva disciplina legal.
CLXXV. Não podem as Partes convencionar que: (i.) a um determinado negócio, que é materialmente de suprimento, seja atribuída qualificação jurídica distinta; nem sequer, e sobretudo, que (ii.) a um determinado negócio, pela sua materialidade, qualificado de suprimento, não seja aplicável a disciplina jurídica do contrato de suprimento, mas a de um outro tipo contratual.
CLXXVI. Menos ainda assim quando a própria recorrente, noutros negócios conexos ao contrato, como o E... e o Certificado de Execução, não corrobora essa estipulação: ao invés, chega mesmo a qualificar aquele crédito como se tratando de um suprimento!
CLXXVII. E em circunstância alguma uma tal convenção sobre o regime jurídico aplicável ao contrato de suprimento poderia brigar com as regras imperativas fixadas para o tratamento do crédito de suprimentos, como sejam aquelas que o legislador prescreveu no contexto da qualificação de créditos na insolvência, como as vertidas nos art.ºs 48.º e 49.º do CIRE, que atestam o caráter taxativo e imprescindivelmente subordinado do crédito de suprimentos – inderrogável por via convencional –, conforme se extrai do disposto na alínea g) do art.º 48.º do CIRE.
CLXXVIII. Pelo que, também na substância, a pretensão da recorrente carece de qualquer fundamento, devendo, por isso, improceder, na íntegra, o recurso de revisão suscitado.

III – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Ora, visto o teor das alegações da exequente/embargada/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Da alegada extemporaneidade do recurso.
2.ª – Da falsidade de documento ou ato judicial
3.ª – Da alegada revelia da recorrente.
4.ª – Da alegada simulação.
5.ª – Do crédito da recorrente.

Como é sabido e, é entendimento generalizado, o recurso extraordinário de revisão não se qualifica rigorosamente como uma ação. Já Alberto dos Reis, embora à luz do CPC de 1939, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 343, dizia que “a revisão tem carácter híbrido, é um misto de recurso e de ação”. E Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 202, em anotação ao art.º 627.º do C.P.Civil, refere que “os recursos extraordinários são meios de renovação da instância já extinta por julgamento transitado em julgado (…). Tal como acontece com os recursos ordinários, trata-se de incidentes declarativos, mas incidentes póstumos de reabertura da instância (…). No entanto, não estamos perante ações pois têm por objeto uma pretensão de certo efeito jurídico sem valor de caso material autónomo, instrumental da instância reaberta”.
O recurso extraordinário de revisão previsto no art.º 696.º do C.P.Civil, ao contrário do recurso ordinário – que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão –, visa uma decisão judicial (revidenda) já coberta pela autoridade do caso julgado – e a sua substituição por outra que venha a ser proferida, sem a verificação da anomalia que sustentou a impugnação –, pelo que, só é admissível nas situações taxativamente indicadas e de tal modo graves que as exigências da justiça e da verdade sejam suscetíveis de ser clamorosamente abaladas, no conflito com a necessidade de segurança ou de certeza, se estas, com a inerente intangibilidade do caso julgado, prevalecessem.
Segundo Baptista Machado, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, pág. 55, o caso julgado visa proteger a estabilidade da ordem jurídica, ou seja, “uma segurança ordenadora específica e própria a que se pode dar o nome genérico de segurança jurídica. Dada a positivação do direito legislado pelas autoridades competentes e em obediência a procedimentos devidamente regulamentados, dada a mais precisa formulação das regras jurídicas legisladas e a generalidade e abstração destas regras, dada finalmente a garantia conferida ao Direito pelo funcionamento do aparelho judicial e pelo poder coativo do Estado, a estabilidade da vida social, as expectativas em que cada um assenta as suas decisões e os seus planos de vida resultam grandemente reforçadas (…). A segurança é, pois, uma das exigências feitas ao Direito, pelo que, em última análise, representa também uma tarefa ou missão contida na própria ideia de Direito (…). Justiça e segurança acham-se numa relação de tensão dialética (havendo que salientar este ponto: a segurança jurídica como tal é um atributo da juridicidade; de modo que a tensão ou conflito entre justiça material e segurança jurídica é uma tensão dialética permanente e indesvanecível que se situa no interior mesmo da juridicidade)
É a nossa ordem constitucional que reconhece, protege e defende o princípio do caso julgado, como resulta do preceituado no n.º 3 do art.º 282.º da C.R.Portuguesa, alicerçado nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, cfr. art.º 2.º da mesma Lei Fundamental).
Logo, estamos perante um recurso ou mecanismo processual que não pode deixar de ser encarado como um remédio de aplicação extraordinária a uma comprovada ofensa ao primado da justiça, que, de tão gritante, consinta a cedência da certeza e da segurança conferidas pelo princípio do caso julgado.

In casu” a recorrente apresenta-se com os seguintes fundamentos para a peticionada revisão extraordinária da decisão revivenda (acórdão que confirmou a decisão de 1.ª instância que homologou o plano de recuperação da recorrida, aprovado pelos credores da mesma):
a) a falsidade de documento e de apreciação pelo perito que determinou a condução e conclusão do processo e consequentemente a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida - al. b) do art.º 696.º C.P.Civil);
b) ter o processo corrido à revelia, por falta absoluta de intervenção da recorrente porquanto se mostra evidente que faltou a citação/notificação da mesma não tendo a aqui recorrente tido conhecimento do processo por facto que não lhe é imputável - al. e) do art.º 696.º C.P.Civil);
c) o litígio foi assente sobre um ato simulado das partes - al. g) do art.º 696.º C.P.Civil).

1.ªquestão – Da alegada extemporaneidade do recurso.
Preceitua o art.º 697.º n.ºs 2 e 3 do C.P.Civil, no que releva para o presente recurso que:
2 - O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:
(…)
(…)
c) Nos outros casos, desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.
3 - No caso da alínea g) do artigo 696.º, o prazo para a interposição do recurso é de dois anos, contados desde o conhecimento da sentença pelo recorrente, sem prejuízo do prazo de cinco anos previsto no número anterior.

A recorrida começa por defender que o presente recurso de revisão é extemporâneo.
Vejamos.
Considerando os fundamentos invocados pela recorrente, o prazo de interposição tempestiva do recurso de revisão é de 60 dias, contados desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão – als. b) e e) do art.º 696.º do C.P.Civil - e de dois anos, contados desde o conhecimento da sentença pela recorrente – al. g) do mesmo preceito.
A recorrente afirma ter a “sentença que homologou o plano de recuperação da A..., transitado em julgado em Julho de 2018.
Temos assente que o presente recurso de revisão deu entrada em juízo no dia 22.03.2022.
A decisão de 1.ª instância que homologou o plano de recuperação da recorrida é de 16.02.2017. Dessa decisão interpôs recurso de apelação a credora F..., SA que, por acórdão deste Tribunal de 16.05.2017, confirmou a decisão recorrida. A mesma apelante interpôs recurso de revista, mas o STJ decidiu não conhecer do seu objeto.
In casu” é manifesto que à data da interposição do presente recurso ainda não haviam decorrido 5 anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão revivenda.
Mas não está comprovado nos autos o assim alegado pela recorrente, sendo para nós certo que a certidão em que se habilmente se fundamenta contém um manifesto lapso do Sr. Funcionário judicial, pois que evidentemente o mesmo reporta-se ao trânsito em julgado de um outro acórdão desta Relação proferido sobre decisão da 1.ª instância posterior à decisão de homologação do plano de recuperação e seu trânsito, datado de 11.07.2018.
Alega a recorrente (145) que “Por carta recebida no dia 14 de Dezembro de 2020, a A... infirmou a mandatária da Banco 1... da existência de um Plano de Recuperação …”. E mais alega que (147) “Em 17 de Dezembro de 2020, a mandatária da Banco 1... é notificada de que é autorizada a consulta ao processo PER …pelo prazo de 10 dias”.
Perante tais factos, manifesto é de concluir que a recorrente obteve acesso aos documentos constantes do processo PER e, pela sua consulta pode, ou diligentemente, como se lhe requeria que fizesse, podia ter concluído - pela falsidade de documento e de apreciação pelo perito que determinou a condução e conclusão do processo e consequentemente a decisão a rever – ou no dizer da recorrente, no teor da relação de credores junta pela recorrida com o requerimento inicial do PER e o teor do plano de recuperação, aprovado e homologado por sentença, transitada em julgado - não tendo tal a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida e - ter o processo corrido à revelia, por falta absoluta de intervenção da recorrente porquanto se mostra evidente que faltou a citação/notificação da mesma não tendo a aqui recorrente tido conhecimento do processo por facto que não lhe é imputável – pelo que à data da interposição do presente recurso há muito havia decorrido o prazo de 60 dias possibilitador da fundamentação do recurso na previsão das als. b) e e) do art.º 696.º do C.P.Civil.
Mas sempre se dirá que se a recorrente pretender retroagir a data da interposição do recurso que, erradamente em termos de competência absoluta, interpôs no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro em 19 de março de 2021, mesmo nesse caso, à data da entrada em juízo desse recurso, já se havia esgotado o supra referido prazo de 60 dias. Mas mesmo que assim não fosse, se atentarmos que a decisão proferida nesse recurso em 14.01.2022, transitou em julgado em 1.02.2022, pelo que atenta a data de interposição do presente recurso, não pode a recorrente valer-se do preceituado no n.º2 do art.º 279.º do C.P.Civil. Mas, mais se dirá ainda por fim, que não se pode olvidar que o presente recurso de revisão tem a natureza de processo urgente, cfr. art.º 14.º do CIRE, logo, no que concerne, como releva no caso em apreço, ao prazo da sua interposição, não foi decretada por via das várias leis excecionais que vigoraram por força da pandemia COVID19, qualquer suspensão de prazos, cfr. art.º 6.º-B n.º7 da Lei 4-B/2021, de 1.02 “7- Os processos, atos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências (…)”.
Por outro lado e, no que respeita ao prazo de interposição do recurso de revisão com fundamento na previsão da al. g) do art.º 696.º do C.P.Civil, apenas resultando dos autos, por confissão da recorrente, que mesma apenas por carta recebida a 14.12.2020 teve conhecimento do PER em apreço, temos de concluir que relativamente a tal fundamento não se mostrava à data da interposição do presente recurso decorrido o prazo de 2 anos que resulta da lei.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, julga-se o presente recurso de revisão extemporâneo no que concerne aos invocados fundamentos estribados nas als. b) e e) do art.º 696.º do C.P.Civil e, tempestivo relativamente ao pedido com fundamento na previsão da al. g) do mesmo preceito legal.
Fica assim prejudicado o conhecimento das 2.ª e 3.ªs questões acima elencadas.

4.ªquestão – Da alegada simulação.
Por via do presente recurso pretende a recorrente, em suma, que no plano de recuperação da recorrida o seu crédito sobre a mesma, reconhecido e como tal indicado pela recorrida como existente, desde logo, no montante de €12.330.206,28, no seu requerimento inicial do PER em 20.10.2016, e também reconhecido na lista provisória apresentada pelo Sr. AJP nos autos em 22.11.2016, e assim integrado no plano de recuperação junto aos autos em 17.01.2017, o qual sujeito a votação dos credores da recorrida foi aprovado, de onde resulta, além do mais, que o crédito da recorrente tem a natureza de crédito subordinado – crédito de acionista à data da celebração do contrato de mútuo que o originou -, plano, esse, votado favoravelmente nos termos exigidos por lei, e que, além do mais, previa o perdão total dos créditos subordinados e, que assim, consequentemente, foi homologado por sentença judicial de 16.02.2017 – seja agora reconhecido como crédito comum e sujeito ao previsto para tais créditos no dito plano de recuperação.

Ora, preceitua a al. g) do art.º 696.º do C.P.Civil que: “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude”.
E por seu turno dispõe o art.º 612.º do C.P.Civil que: “Quando a conduta das partes ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um ato simulado ou para conseguir um fim proibido por lei, a decisão deve obstar ao objetivo anormal prosseguido pelas partes”.
Segundo Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 695 “Tem lugar a simulação processual quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio inexistente para obter uma sentença cujo efeito apenas querem relativamente a terceiros, mas não entre si. Tem lugar a fraude processual quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio para obter uma sentença cujo efeito pretendem, mas que lesa um direito de terceiro ou viola uma lei imperativa predisposta no interesse geral” e mais adiante refere ainda que “a simulação do litígio, comum a ambas as figuras, passa quase sempre, mediante prévio acordo das partes, entre si conluiadas, pela alegação pelo autor, não contraditada ou ficticiamente contraditada pelo réu, duma versão fáctica não correspondente à realidade”.
Refere-se, além do mais, no Ac. do STJ de 26.10.2022, in www.dgsi.pt que “Para procedência do recurso de revisão, nos termos do art.º 696.º, g), do CPC, são exigíveis fundamentos bem determinados e restritos: a decisão impugnada seja final, isto é, transitada em julgado e que essa decisão ponha termo a um litígio simulado entre demandado e demandante, no sentido de as partes terem usado o processo, não com o fim normal de resolver um litígio, mas e concretamente, para obterem um resultado diferente do aparente do processo.
- A simulação processual ocorre assim quando as partes, de comum acordo, criam a aparência dum litígio inexistente para obter uma sentença cujo efeito apenas querem relativamente a terceiros, mas não entre si, pelo que o conluio das partes traduz-se, em regra, na alegação do autor, não contraditada ou apenas ficticiamente contraditada pelo réu, duma versão fáctica não correspondente à realidade, para obter, uma decisão judicial em prejuízo de terceiro.
- Verifica-se uma situação que se consubstancia em simulação processual, quando o autor interpõe uma ação, não visando dirimir qualquer litígio, mas sim a obtenção de um resultado não alcançado em anteriores lides judiciais em que foram visados aqueles que nelas tinham interesse, como era do seu conhecimento, e na qual a ré, que não tinha qualquer interesse real nos autos, não apresentou contestação, de tal silêncio resultando a confissão dos factos proporcionando a decisão proferida, que lesa o direito de terceiro, recorrente no recurso de revisão”.
Em suma, a procedência do recurso de revisão fundado em simulação processual a que alude a al. g) do art.º 696.º do C.P.Civil depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
i) a existência de simulação processual bilateral (de autor e réu) na ação em que é proferida a decisão;
ii) que a simulação tenha o propósito e seja causa de um prejuízo para o recorrente; e
iii) que o recorrente seja terceiro, cfr. neste sentido Ac. Rel. de Guimarães de 7.03.2019, in www.dgsi.pt
Ora, “in casu” e para tanto, alega a recorrente, em síntese, que:
“Em nenhum lugar ou momento a A... identifica ou associa a Banco 1... como acionista ou parte relacionada nem o seu crédito como crédito acionista ou detido por parte relacionada.
Apesar do conhecimento e reconhecimento declarado e confessado pela A... relativamente aos factos acima identificados, a A..., instruiu o seu requerimento inicial com o mapa dos credores conhecidos ao abrigo do artigo 24.º do CIRE tendo auto-qualificado o crédito da Banco 1..., para efeitos de PER, como crédito acionista e consequentemente subordinado.
Quis assim a A... fazer ventilar nos autos do PER que o crédito da Banco 1... contava menos que de todos os restantes da sua lista de credores bem sabendo que de acordo com a lista enviada aos autos nos termos e para efeitos do artigo 24.º CIRE, o crédito da Banco 1... é o segundo maior entre a lista de credores.
Consciente que estava que ao prestar essa falsa informação e ventilando-a ao Sr. Administrador Judicial, viciaria os termos e a forma com que o crédito da Banco 1... e a própria Banco 1... seria tratada em sede processual e no plano de recuperação da empresa.
Não há dúvidas que o crédito da Banco 1... era conhecido quer pela A... quer pelo administrador judicial porquanto não só o mesmo constava das contas da empresa e da lista de credores apresentada pela devedora como o mesmo é expressamente referenciado no plano de recuperação.
Só que, induzido falsamente pela relação de créditos ou por não ter sido diligente no sentido de apreciar a fonte contratual do crédito da Banco 1... e subsumi-lo corretamente à lei, o Sr. Administrador Judicial, em conjunto com a devedora A..., aceitou e colocou à votação dos credores um plano de recuperação da empresa nos termos do qual o crédito da Banco 1... foi incorretamente qualificado como subordinado com base em informação falsa produzida pela devedora e não escrutinada pelo Administrador BB.
O resultado da falsidade de informação prestada e documentos apresentados pela A... e não escrutinados pelo Administrador determinou a conclusão do processo com um “Perdão total” do crédito da Banco 1..., bem sabendo a A... e melhor podendo saber o Sr. Administrador da Insolvência que o crédito da Banco 1... tem natureza de crédito comum, devendo ter sido qualificado como tal.
Determinado, assim, uma sentença homologatória do PER – decisão objeto do presente recurso de revisão – baseada em informação falsa produzida pela devedora e não escrutinada pelo Administrador.
Se o devedor, requerente do PER, apresenta factos falsos declarando que determinado crédito tem natureza diversa do que realmente tem por forma a impedir a intervenção e participação desse credor no processo; se se omite de convocar esse credor para participar nessas mesmas negociações, tudo se passando como se esse credor não existisse efetivamente como credor comum e não tivesse direito a participar e a interferir nas negociações e na aprovação do plano.
Se o administrador judicial provisório, sob a diretrizes do devedor, não cumpre o seu papel de garante da legalidade do processo sendo ele o garante dos direitos processuais desses mesmos credores,
Temos de facto a composição do litígio assente num ato simulado das partes.
Ademais quer o devedor quer o administrador de insolvência conseguiram que a Banco 1... não participasse no processo negocial e aprovação final com violação dos art.º 17.º-D, 37.º e 129.º do CIRE que impunham a citação, notificação e comunicação dirigida à Banco 1....
Assim se procedendo ao longo do processo, falseado os factos e omitindo-se nas comunicações e notificações legalmente previstas, também a devedora desvirtuou a própria aprovação do plano ao desconsiderar a ponderação do voto da própria Banco 1..., que, se tivesse sido chamada a intervir no PER como segunda maior credora da A..., jamais o aprovaria estando o mesmo condenado ao insucesso.
Com a simulação da composição do litígio, o devedor conseguiu o seu objetivo inicial: fazer o write off total daquela sua dívida para com a Banco 1... (…)”.

Vejamos então.
Como é sabido, o Processo Especial de Revitalização (PER) tem como finalidade permitir ao devedor que esteja numa situação economicamente difícil ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja passível de ser recuperado, negociar com os credores com vista a um acordo que leve a revitalização daquele, cfr. art.º 17.º-A, n.º 1 do CIRE. Ele resulta de uma Proposta de Lei que veio a dar origem à Lei n.º 16/2012, de 20.04, que procedeu à sexta alteração ao CIRE, vindo simplificar formalidades e procedimentos e instituir o processo especial de revitalização (PER) que entrou em vigor trinta dias após a sua publicação.
Em termos de quadro legal genérico, o devedor que emita declaração escrita e assinada onde ateste reunir as condições necessárias para a sua revitalização cfr. art.º 17.º-A, n.º 2 do CIRE e que não se encontre em incumprimento da generalidade das suas obrigações, uma vez que tal situação já consubstanciaria uma situação de insolvência- art.ºs 17.º-A, n.º 1 e 3.º, n.º 1 do CIRE-, pode requerer ao tribunal que for competente para declarar a sua insolvência - art.º 7.º, n.ºs 1 e 2 do CIRE-, que “pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação” acompanhando o requerimento inicial de pelo menos uma “declaração escrita” de um dos seus credores de “encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação”- art.º 17.º-C, do CIRE.
O objetivo primordial é permitir que a empresa numa situação económica difícil possa obter extrajudicialmente, numa primeira fase, aquilo que pretende para evitar a sua insolvência - proteção da capacidade produtiva da empresa, manutenção dos postos de trabalho, suspensão das cobranças de créditos até aprovação de um plano de recuperação e reestruturação da dívida. As negociações terão a duração máxima de 60 dias, prorrogável, em certas condições legalmente estabelecidas, por mais 30. Uma vez aprovado, o plano é homologado pelo juiz competente no prazo de 10 dias e torna-se vinculativo para todos os credores.
Iniciado o PER, consagra-se o chamado período de stand still, ou seja, o processo especial de revitalização obsta à instauração de quaisquer ações para a cobrança de dívidas contra o devedor e faz suspender as ações em curso com idêntica finalidade, que serão extintas assim que o plano de recuperação seja aprovado e homologado, a menos que este preveja coisa diversa, cfr. art.º 17.º-E, n.º 1 do CIRE.
Por outro lado, o juiz nomeia um administrador judicial provisório (AJP), ficando o devedor impedido de praticar atos de especial relevo sem a autorização daquele, cfr. art.º 17.º-E, n.º 2 do CIRE).
Finalmente, sempre se dirá que, as negociações podem concluir-se com a aprovação do plano de recuperação, cfr. art.º 17.º-F do CIRE ou, sem a aprovação deste, cfr. art.º 17.º-F do CIRE. Sendo o plano de recuperação aprovado por unanimidade, deve ser assinado por todos, sendo remetido ao processo, para a homologação ou recusa deste pelo juiz. Se não houver aprovação unânime, o plano é remetido ao tribunal, considerando-se aprovado se reunir o voto de pelo menos 2/3 da totalidade dos votos emitidos.
Ora, como refere Gisela Fonseca in “Natureza Jurídica do Plano de Insolvência”, Direito da Insolvência, Estudos, pág.100 e segs, o plano de revitalização, à semelhança do plano de insolvência, embora com funções distintas, é um acordo, como resulta expressamente da lei, e, segundo a orientação prevalecente, adquire a natureza jurídica de “negócio processual”. Através dele visa-se a adoção de medidas com vista a recuperar o devedor, impedir a sua insolvência. Trata-se, porém, de um contrato especial porque não sujeito ao princípio da eficácia relativa, cfr. art.º 406.º n.º 2 do C.Civil, na medida em que vincula todos os credores, mesmo os que tenham dissentido ou não tenham intervenção no processo.
A sentença homologatória tem por finalidade o controle da legalidade, sendo condição de eficácia do contrato e legitima a vinculação do plano aos credores dissidentes e não intervenientes, conferindo-lhe carácter concursal.
E assim sendo, o PER, dada a sua natureza, não tem por finalidade resolver litígios sobre a existência e amplitude dos créditos, pois a decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, logo não constitui caso julgado fora do processo, visando, no essencial a formação e apreciação do quórum deliberativo.
Como refere Maria do Rosário Epifânio in “Processo Especial de Revitalização”, pág. 14, o PER é um processo híbrido, dado a forte componente extrajudicial “temperado pela intervenção do juiz em momentos chave”. Acrescentando a mesma autora in obra citada a pág. 23 que “o controlo dos pressupostos materiais será feito posteriormente (no despacho de homologação, ou em momento anterior, se o administrador judicial provisório suscitar a questão perante o juiz)”.
Em suma, não pode olvidar-se que este processo – o PER - assume especificidades que exigem alguma cautela no recurso subsidiário às normas e institutos próprios do processo civil.
Vejamos o caso dos autos.
Visto o que acima se deixou consignado quanto aos requisitos cumulativos da simulação processual a que se reporta a al. g) do art.º 696.º do C.P.Civil, desde logo se pode e deve concluir que a recorrente não é terceira relativamente ao PER em apreço. Pois ela, não verdade, é uma credora indicada e reconhecida no processo, e como tal, tecnicamente, abrangida por tudo o que nele se negociou, decidiu e votou, por parte do universo dos credores a recorrida de que ele é, frisando de novo, uma parte real.
Ora, bastaria esta consideração para se concluir como evidente que a pretensão da recorrente não pode proceder.
Mas sempre se dirá ainda, que no dizer da apelante ocorreu simulação entre a recorrida e o AJP, pois que ambos bem sabiam que a recorrente não é acionista da recorrida, e contra as evidências, de comum acordo, decidiram afirmar que tal crédito resultava de um mútuo de um acionista, para consequentemente o qualificarem como crédito subordinado e não crédito comum. Mas, por outro lado, também se não pode olvidar que, contraditoriamente, também alga a recorrente que a qualificação do seu crédito como subordinado resultou da qualificação artimanhosa do mesmo feita pela recorrida que induziu em erro o AJP, o qual também não diligenciou pelo apuramento da verdade.
Ora, se no quadro legal que define o PER – essencialmente um negócio processual - podemos qualificar como uma “parte”, a devedora/requerente e ora recorrida e, por outro lado, também como “parte” o universo dos seus credores, manifestamente não se poderá qualificar como “parte” no PER o AJP, como pretende a recorrente.
Sendo o PER um processo negocial extrajudicial do devedor com os seus credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, dirigido à obtenção de um acordo para a revitalização da empresa, permitindo que esta regularize os seus compromissos para com os seus credores de forma preventiva, isto é, antes de entrar numa situação irreversível de insolvência, o AJP.
A Lei n.º 22/2013, de 26.02, que aprovou o Estatuto do Administrador Judicial, no seu art.º 2º
estabelece que o administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização e do processo especial para acordo de pagamento, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela lei e designa-se administrador judicial provisório, administrador de insolvência ou fiduciário, dependendo das funções que exerce no processo. E segundo o que preceitua o art.º 12.º n.º 1 desse mesmo Estatuto, os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes e, no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados.
Do exposto, considerando o enquadramento legal dado ao AJP jamais o mesmo poderá ser qualificado como “parte”, manifesto é de concluir que o recurso fundamento na previsão da al. g) do art.º 696.º do C.P.Civil não poderá proceder, o que se decide.
Em face da i8mprocedência do recurso, fica prejudicado o conhecimento da última questão acima elencada.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar o presente recurso extraordinário de revisão improcedente.
Custas pela recorrente.

Porto 19.03.2024
Anabela Dias da Silva
Maria da Luz Seabra
Rodrigues Pires