Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA OLÍVIA LOUREIRO | ||
Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO PERMANÊNCIA DOS MENORES COM OS SEUS PAIS EM MEIO PRISIONAL | ||
Nº do Documento: | RP202403189349/21.8T8PRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A limitação da idade até à qual as crianças podem permanecer com os seus pais em estabelecimento prisional decorre de considerações de saúde e de desenvolvimento infantil que ponderam, por um lado, a essencialidade dos vínculos biológicos afetivos nos primeiros anos de vida – nomeadamente assegurando a amamentação, se for o caso -, e, por outro, a necessidade de desenvolvimento integral da criança em ambiente social e familiar alargado; II - A permanência dos menores com os seus pais em meio prisional deve ser dirigida ao estabelecimento de vínculos biológicos quando haja um prognóstico favorável à continuidade dos mesmos fora do ambiente prisional, isto é quando o projeto de vida do pai ou mãe que estejam em cumprimento de pena se afigure como favorável a que, uma vez em liberdade, o seu filho ou filha consigo possa permanecer. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo número 9349/21.8T8PRT-A.P1 Juízo de Família e Menores do Porto, Juiz 3 Sumário da relatora: ……………… ……………… ……………… Relatora: Ana Olívia Loureiro Primeira adjunta: Maria de Fátima Almeida Andrade Segunda adjunta: Anabela Mendes Morais
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório:
II - O recurso. É desta sentença que recorre a mãe da menor, BB, pedindo a sua revogação. Nas conclusões do recurso afirma-se: “1.ª - Em obediência aos princípios orientadores da intervenção tutelar cível é o interesse superior da criança o basilar critério de decisão na fixação do regime de responsabilidades parentais, do qual derivam, e entre os demais sub-princípios legalmente estabelecidos, os princípios do Primado da continuidade das relações psicológicas profundas, da Prevalência da família, da Responsabilidade parental e a Proporcionalidade e atualidade. 2.ª – O “interesse superior da criança” integra o direito da criança de residir com a figura primária de referência, ou seja, o progenitor que promove o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, que tem mais disponibilidade para satisfazer as suas necessidades e que tem com a criança uma relação afectiva mais profunda – que, no caso presente, é a Mãe, ora Recorrente, com quem a criança viveu desde o nascimento, e até à fixação do regime provisório nos presentes autos. 3.ª – Cabendo aos Pais promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos Filhos, e sendo o estabelecimento e manutenção de laços afectivos com os Pais essencial ao desenvolvimento saudável da criança, incluindo o seu bem-estar psicológico e emocional, só em último recurso pode ser justificada a aplicação de uma medida tutelar que aparte a criança do seu núcleo familiar biológico. 4.ª – A douta decisão recorrida, afastando-se dos princípios orientadores que a Lei determina deverem reger a aplicação das medidas tutelares cíveis, decidiu pela confiança da Menor à guarda de terceiras pessoas – que não a Mãe e/ou o Pai – contra a vontade expressa pela Mãe, ora Recorrente, que pretendia e deseja cumprir, na íntegra, com os seus deveres materno-filiais. 5.ª – Nenhuma factualidade tendo sido provada que sustente que a guarda da criança junto da Mãe se mostraria contrária ao interesse superior da criança, a decisão de que ora se recorre assume-se desproporcional, e, entre o mais, violadora dos direitos consagrados pelo número 6 do artigo 36.º, pelo número 1 do artigo 67.º e pelo número 1 do artigo 68.º, todos da Constituição. 6.ª – O superior interesse da Menor, e a salvaguarda do seu bem-estar e do seu são desenvolvimento, é o primordial critério de decisão de regulação das responsabilidades parentais. Se muitas situações existem de alheamento dos Pais e das Mães em relação aos seus deveres parentais, não é, aqui, o caso. Quer o Pai, quer, em particular, a Mãe – ora Recorrente – desejam esta Filha, querem criá-la, cuidando dela, e prover ao seu desenvolvimento integral. Como, aliás, tem a ora Recorrente cuidado do seu Filho HH, nascido a ../../2022, que consigo reside, embora forçadamente apartado da sua irmã germana AA. 7.ª – Tudo o que impõe, na esperada procedência do recurso, seja revogada a douta decisão recorrida, e, consequentemente, determinada a sua substituição por outra que determine a fixação da residência da criança com a Mãe, aqui Recorrente, mais determinando que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da Filha sejam exercidas em comum por ambos os progenitores.” O Ministério Público apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida. III – Questões a resolver:
IV – Fundamentação: Além dos que resultam do histórico do processo que foi sumariado no antecedente relatório, são os seguintes aos factos selecionados com relevo para a decisão pelo Tribunal a quo: Provados: 1. AA nasceu em ../../2021 e é filha de CC e BB; 2. Por despacho de 07/06/2021, proferido no PPP, foi aplicada à criança a medida provisória de acolhimento residencial, a qual foi mantida até ../../2022, data em que foi aplicada à criança a medida de apoio junto de outro familiar, na pessoa dos tios-avós DD e EE, e fixado regime provisório de regulação das responsabilidades parentais; 3. Por despacho de 07/09/2022 foi determinado o arquivamento do PPP; 4. O progenitor mantém historial de consumo de estupefacientes; 5. Por várias vezes agrediu a progenitora física e verbalmente; 6. O irmão uterino da AA, GG, foi retirado à progenitora e entregue aos avós maternos, por existirem suspeitas de acompanhar a mãe e companheiro desta (pai da AA) na compra de estupefacientes; 7. A progenitora recusou integrar comunidade de inserção com a sua filha; 8. Por acórdão proferido em 13/05/2021 (proc. nº 2882/19.3JAPRT, do Juízo Central Criminal de Vila do Conde, J7), já transitado em julgado, os progenitores foram condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, a progenitora na pena de 5 anos e 6 meses e o progenitor na pena de 6 anos e 3 meses por, mediante acordo prévio com o progenitor, a progenitora ter providenciado pela introdução de cocaína no estabelecimento prisional em que o progenitor se encontrava preso preventivamente; 9. Os factos referidos em 8. ocorreram em 13/07/2019, data em que o progenitor se encontrava preso preventivamente no âmbito do proc. nº 1071/18.9PIPRT, por se ter considerado fortemente indicada a prática pelo mesmo de 1 crime de violência doméstica tendo por vítima a progenitora; 10. Os progenitores iniciaram o cumprimento de pena em 02/02/2022; 11. Entre a data de acolhimento da criança e a data de início de cumprimento de pena, a progenitora visitou frequentemente a criança na casa de acolhimento, mostrando-se adequada e interessada em tudo que se relacionava com a mesma; 12. O progenitor deixou de contactar a criança em 18/09/2021, tendo requerido a realização de uma videochamada em 13 de dezembro de 2021, a qual foi autorizada, mas que não chegou a concretizar; 13. Visitou a criança, juntamente com a mãe, em 21 de janeiro de 2022; 14. Os tios-avós da criança, DD e EE, residentes na Alemanha, mostraram-se disponíveis para acolher a criança, por forma a obstar à sua permanência na casa de acolhimento; 15. Vivem na Alemanha há cerca de 4 anos e meio; 16. Ambos têm dois filhos de relações anteriores, maiores de idade, e um filho em comum, o Diogo, de 17 anos; 17. Vivem com dois dos filhos, o Diogo e um filho maior de idade; 18. Na sequência do regime provisório fixado em 04/03/2022, a AA foi residir para a Alemanha com os tios-avós; 19. A AA adaptou-se bem ao seio familiar, demonstrando forte vinculação a todos os seus elementos; 20. Conhece bem os tios-avós; 21. Tem-se desenvolvido de forma normativa e não tem problemas de saúde; 22. A AA está em lista de espera para frequência do jardim de infância; 23. A tia materna abandonou o seu emprego para cuidar da AA; 24. O tio avô é carpinteiro, auferindo o salário líquido mensal de € 2.800,00; 25. Têm despesas mensais com renda, luz, água e telefone no montante de cerca de €1.000,00; 26. Os tios-avós proporcionaram contactos da criança com os progenitores por videochamada, estabelecendo o progenitor contactos mais regulares; 27. O pai mantém contacto com os tios; 28. A mãe nunca fala com os tios nem lhes faz perguntas sobre a criança; 29. Os tios-avós mostram-se preocupados e resistentes em levar a criança ao estabelecimento prisional para visitar os progenitores; 30. Quando se deslocam a Portugal, propiciam o contacto da AA com a família materna; 31. Os avós maternos não mostraram disponibilidade para acolher a AA; 32. A relação disfuncional e violenta dos progenitores, a recusa da progenitora em aceitar o apoio das entidades em matéria de infância e juventude, e a sua fragilidade emocional comprometem a sua capacidade para o exercício das responsabilidades parentais; 33. O irmão da AA, HH, nascido em ../../2022, reside com a mãe no estabelecimento prisional; 34. O pai visita-o uma vez por mês. Factos não provados: 1. Que o irmão da AA, HH, convive um dia por semana com os avós maternos, fora do estabelecimento prisional; 2. Que os avós maternos residem em habitação com 3 quartos, um dos quais se encontra desocupado; e, 3. Que dispõem de rendimentos suficientes para prover ao sustento da criança. *** É o seguinte o regime legal que importa convocar: - Artigos 2º, 7º, número 1, 13º, número 2, 67º, número 1, 68º números 1 e 2 e 69º da Constituição da República Portuguesa de que resulta a consagração de princípios como o da garantia da efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, de respeito pelas convenções internacionais, da igualdade e proibição da discriminação em razão do sexo, de proteção da família como elemento fundamental da sociedade com direito à efetivação das condições que permitam a realização pessoal dos seus membros, da proteção da paternidade e da maternidade na sua “insubstituível ação em relação aos filhos” e do direito das crianças de serem protegidas contra todas as “formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família”. - Artigo 1096º do Código Civil que estatui: “Para efeitos do n.º 2 do artigo anterior, considera-se que o exercício em comum das responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses do filho se: b) Estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças.”. - O artigo 1907º do mesmo Diploma prevê que: “1 - Por acordo ou decisão judicial, ou quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no artigo 1918.º, o filho pode ser confiado à guarda de terceira pessoa. 2 - Quando o filho seja confiado a terceira pessoa, cabem a esta os poderes e deveres dos pais que forem exigidos pelo adequado desempenho das suas funções. 3 - O tribunal decide em que termos são exercidas as responsabilidades parentais na parte não prejudicada pelo disposto no número anterior.”. - O artigo 1918º do Código Civil que prevê que “Quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontre em perigo e não seja caso de inibição do exercício das responsabilidades parentais das responsabilidades parentais, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer das pessoas indicadas no n.º 1 do artigo 1915.º, decretar as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência.”. - Cumpre, ainda, convocar na análise da lei aplicável ao caso, o disposto nos seguintes preceitos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (Lei 141/2005 de 8 de setembro): Artigo 40º, números 1 e 2: “1 - Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela. 2 - É estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interesse desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal.” - Artigo 42º, número 1: “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.” Os conceitos de “interesse da criança” e de “superior interesse da criança” encontram-se ainda no direito internacional em Diplomas aplicáveis em Portugal como sejam a Declaração dos Direitos da Criança, decorrente da Resolução da Assembleia Geral da ONU, de 20-11-1959 – cfr. artigo 7º -, a Convenção Sobre os Direitos da Criança de 26-01-1990 nos seus artigos 9º e 18º, número 1, e a Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança de 25-01-1996 – cfr. artigo 6º. * Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “(…) a garantia de não privação dos filhos é também um direito subjetivo a favor dos pais. As restrições a esse direito estão sob a reserva da lei (pois compete a esta estabelecer os casos em que os filhos poderão ser separados dos pais quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais e sob reserva de decisão judicial. É o Código Civil – artigoº 1915 (inibição do poder paternal) e o artigo 1918º (perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação dos filhos) – que determina os casos em que o tribunal pode confiar os filhos a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação e assistência.”[1]. O “superior interesse da criança”, erigido pelo legislador como critério e fundamento das decisões como a que os autos convoca, é conceito indeterminado que deve, na sua concretização, garantir que a solução encontrada– muitas vezes longe da ideal -, seja a que “(…) melhores garantias dê de assegurar o desenvolvimento físico e psíquico do menor, do seu bem-estar, a sua segurança e a formação da sua personalidade”[2]. É tendo em conta estas duas premissas – decorrentes do cotejo entre o direito da Recorrente a não ser privada do convívio com a sua filha e os direitos da menor a ser protegida contra todas as formas de violência e de ver assegurado o seu desenvolvimento físico e psíquico nas melhores condições possíveis -, que deve ser aferido se a concreta medida sugerida pela Recorrente – de fixação da residência da menor consigo e de exercício das responsabilidades parentais por ambos os pais -, é a que melhor tutela o “interesse superior” da AA. * Ora, os presentes autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais surgiram como consequência de processo de promoção e proteção, com vista a acautelar o risco em que se encontrava a menor, então recém-nascida, em face da violência doméstica a que a sua mãe estava sujeita por ação do seu pai, aos hábitos de consumo de estupefacientes pelos seus progenitores, à prática de crimes por ambos e à circunstância de um outro irmão uterino seu estar já entregue à guarda dos seus avós maternos por incapacidade da sua mãe para assegurar o seu correto desenvolvimento. A menor AA encontra-se, por decisão transitada em julgado e proferida por este Tribunal em 27-06-2022, confiada aos seus tios avós, residentes na Alemanha e EE e DD. Depois de a menor ter passado a residir com estes tios foi determinado o arquivamento do processo de promoção e proteção da menor, por estar cessada a situação de risco em que se encontrava. A mãe da menor não se conformou nunca com a decisão de entrega da menor aos cuidados dos seus tios maternos tendo, ao longo dos autos, alternado quanto às soluções propostas: a de entrega da mesma à guarda aos seus pais (avós materna da menor), a da entrega da menor ao cuidado de uma sua irmã (tia materna da menor) e a da confiança da menor aos seus cuidados, para o que passaria a residir em estabelecimento prisional onde se encontra a cumprir pena de prisão e onde também reside irmão mais novo, entretanto nascido. Alinhou, desde sempre, um discurso crítico em relação à intervenção do tribunal e da segurança social, manifestando a crença de que a sua filha lhe foi retirada sem fundamento, tendo sido privada do seu convívio porque, sustenta, se recusou a ser acolhida com ela em comunidade destinada a vítimas de violência doméstica. Por várias vezes sustentou, ainda, encontrar-se a ser vítima de discriminação por estar a cumprir pena de prisão. Alega receio de perda definitiva de laços com a sua filha, com quem não convive e que teme que venha a deixar de a conhecer. A Recorrente não impugnou a matéria de facto dada por provada na sentença limitando-se a fazer considerações sobre a importância dos vínculos biológicos e sustentando que os mesmos devem prevalecer na situação dos autos, por, defende, reunir condições e ter vontade de cuidar da sua filha. Os autos foram instruídos com todos os elementos que provinham do processo de promoção e proteção que os antecederam e foram feitas todas as diligências cabíveis e necessárias a sustentar a decisão da matéria de facto. Resultou deles que ficou completamente afastada a possibilidade da menor ficar entregue aos cuidados dos seus avós maternos, que não mostraram disponibilidade para tal, ou da sua tia materna, FF, que, tendo, a dado passo, manifestado tal interesse veio a admitir não ter meios que lhe permitissem assumir tal obrigação. Como resulta já do acórdão proferido a 27-06-2022, os autos foram instruídos com abundantes meios de prova, ali detalhadamente enumerados. Dos factos provados resulta que desde o seu nascimento a menor AA ficou sujeita a situação de risco para a sua saúde e desenvolvimento graças à violência doméstica a que estava sujeita a sua mãe, ao facto de ambos os seus pais terem antecedentes criminais e continuarem a sua atividade criminosa, bem como aos seus hábitos de consumo de estupefacientes. Ao contrário do alegado pela Recorrente ao longo dos autos, a decisão de proteção da menor não se destinou a retaliar contra a sua não aceitação da medida de acolhimento em comunidade. Caso a mãe tivesse, em face da negação dessa alternativa, demonstrado capacidade para se afastar do progenitor perpetrador de violência e vontade de ser apoiada para conseguir tal desiderato, bem como alterar os seus hábitos de vida, não teria sido imperativo retirar a menor da sua guarda. Sucede que, mesmo depois da institucionalização da menor, a Recorrente voltou ao convívio com o pai daquela e voltou a ser vítima de agressões por parte dele, bem como voltou a engravidar, tendo o casal um novo filho, que se encontra a residir com a Recorrente no estabelecimento prisional onde nasceu. Mais, a Recorrente tem já entregue à guarda dos seus pais um outro filho, mais velho, que lhe foi retirado por causa da atividade de tráfico de estupefacientes a que a mesma e o seu companheiro se dedicavam. A Recorrente está, entretanto, a cumprir pena de prisão, tal como sucede com o pai da menor por crime de tráfico de estupefacientes perpetrado por ambos durante o cumprimento de pena de prisão pelo pai. Como resulta do acima transcrito artigo 1918º do Código Civil, está previsto pelo legislador que o exercício das responsabilidades parentais deve ser exercido por terceira pessoa quando a “segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontre em perigo”. A proteção dos laços biológicos não prevalece, nestas situações, sobre o direito dos menores a uma família que assegure os seus mais elementares direitos à segurança, ao afeto e ao crescimento equilibrado e saudável. O legislador estabelece de forma clara o critério a seguir no caso de conflito entre os direitos dos pais e os dos menores: o do superior interesse destes últimos. O artigo 69º da Constituição da República Portuguesa obriga o Estado a proteger as crianças contra todas as “(…) formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família”. Desde o seu nascimento e até ao início do cumprimento da pena pela Recorrente, a menor AA encontrar-se-ia, não fosse o seu acolhimento residencial, à mercê da violência que caraterizava a relação entre os seus progenitores e exposta à prática, por ambos os seus pais, de vários crimes. Foi esse risco que determinou a sua institucionalização. Esta, por sua vez, cessou apenas mediante a disponibilidade demonstrada por elementos da família biológica, que para tanto se revelaram capazes, para acolher a menor. Assim se privilegiou a sua relação biológica, em meio familiar, e em contexto favorável ao seu desenvolvimento harmonioso. A Recorrente encontra-se a cumprir pena e tem a seu cargo, no estabelecimento prisional, o irmão mais novo da AA, entretanto ali nascido. Se é certo que enquanto se mantiver o cumprimento da pena por ambos os seus pais a mãe da menor está a salvo de agressões perpetradas pelo pai, também é certo que, nem por isso, a mudança da AA para o estabelecimento prisional se afigura como medida adequada ao seu desenvolvimento já que ali e estaria sujeita a um quotidiano de realidade diferente da normal dinâmica familiar e social. O que AA poderia ganhar com essa alteração – o contacto próximo com a sua mãe e o com o seu irmão -, perderia a outros níveis, nomeadamente por via da abrupta quebra de vínculos emocionais e integração familiar com aqueles que são, há dois anos, as suas referências afetivas. O que iria suceder sem qualquer indício positivo no sentido de que, uma vez cessado o cumprimento da sua pena, a mãe da menor demonstrará competências para o exercício de uma maternidade responsável, que não demonstrou até então, desde logo para com o seu filho mais velho, que também se encontra confiado a outros familiares. Acresce que sequer se mostra viável – além de se afigurar, no caso, manifestamente desadequada -, a alternativa apresentada pela Recorrente. A menor completará três anos de idade em ../../2024. De acordo com o artigo 7º número 1 g) da Lei 115/2009 de 12 de outubro, os reclusos têm direito “(…) manter consigo filho até aos 3 anos de idade ou, excecionalmente, até aos 5 anos, com autorização do outro titular da responsabilidade parental, desde que tal seja considerado do interesse do menor e existam as condições necessárias”. A menor atingirá a prevista idade limite de três anos em menos de dois meses e desconhece-se qualquer fundamento pelo qual poderia equacionar-se a sua permanência excecional com a mãe até aos cinco anos. A permanência dos menores com os seus pais em estabelecimento prisional até aos cinco anos pretende acautelar a continuidade dessa permanência, quando iniciada antes dessa idade, em casos em que a mudança da residência do menor para fora do estabelecimento se mostre desaconselhável dada a relação que já mantém com o progenitor com quem reside e dado o tempo de cumprimento de pena ainda em falta. Tais circunstâncias conjugadas podem justificar, a título absolutamente excecional, que não ocorra essa mudança quando o menor complete os três anos de idade. Cumpre, ainda, assinalar que a permanência dos menores com os seus pais em meio prisional deve ser dirigida ao estabelecimento de vínculos biológicos quando haja um prognóstico favorável à continuidade dos mesmos fora do ambiente prisional, isto é quando o projeto de vida do pai ou mãe que estejam em cumprimento de pena se afigure como favorável a que, uma vez em liberdade, o seu filho ou filha consigo permaneça. Quando, como sucede nos autos, os progenitores não assegurem, uma vez em liberdade, as condições necessárias ao bem-estar do seu filho (dadas as já assinaladas violência doméstica e atividades criminosas dos pais), não há vantagem relevante no estabelecimento desses vínculos que poderão ser quebrados com o fim do cumprimento da pena. A permanência de menores entre os três e os cinco anos em estabelecimento prisional não está prevista para uma situação como seria a dos autos, em que a criança ingressaria no mesmo para ali residir já próxima do limite de idade previsto, ficando sujeita a outra mudança abrupta dentro de, pelo menos, dois anos. Não é acidental a limitação da idade até à qual as crianças podem permanecer com os seus pais em estabelecimento prisional. Decorre de considerações de saúde e desenvolvimento infantil que ponderam, por um lado, a essencialidade dos vínculos biológicos afetivos nos primeiros anos de vida – nomeadamente assegurando a amamentação, se for o caso -, e, por outro, a necessidade de desenvolvimento integral da criança em ambiente social e familiar alargado. A permanência das crianças em estabelecimento prisional sujeita-as a uma limitação de contactos e a um quotidiano muito díspar do que viveriam no exterior do mesmo. Deve o Estado curar para que os efeitos da perda de liberdade dos pais não sejam, também, sentidos pelos seus filhos menores, salvo em casos justificados e, nestes, reduzindo ao máximo os reflexos negativos do encarceramento, o que o legislador fez, nomeadamente com o estabelecimento de um limite de idade de acordo com o qual apenas nos três primeiros anos de vida (e, excecionalmente até aos cinco) se permite a residência de crianças em estabelecimento prisional A permanência de uma criança em contexto prisional constitui limitação ao seu desenvolvimento integral e não pode, por tal, ser alternativa válida quando outras houver que assegurem de forma mais efetiva o seu bem-estar físico-psíquico. Desconhece-se por quanto tempo a mãe da menor, ora Recorrente, cumprirá ainda pena efetiva, sendo a mesma de cinco anos e nove meses e tendo a sua execução sido iniciada apenas em fevereiro de 2022. Aos presentes autos aplicam-se as regras dos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes – cfr. artigo 987º do Código de Processo Civil. Na falta de outras possíveis alternativas para a guarda da menor e tendo em conta a total inviabilidade da medida proposta pela Recorrente - por se tratar de solução que não acautela o superior interesse da menor e por ser legalmente inviável a sua integração em estabelecimento prisional depois dos três anos por inexistir causa para aplicação do regime excecional de permanência para lá dessa idade e até aos cinco anos -, não há que ponderar a aplicação de medida diversa da adotada pelo Tribunal a quo. Decisão que acautelou também direito dos pais da menor com ela contactarem por videochamada, bem como de por ela serem visitados sempre que os seus tios-avós se encontrem em Portugal.
V – Decisão: Nestes termos julga-se a apelação improcedente, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – cfr. artigo 527º do Código de Processo Civil.
* Porto, 18-3-2024. Ana Olívia Loureiro Fátima Andrade Anabela Morais ____________ [1] Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 3ª edição, página 223. [2] Tomé D’Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Qui Iuris, 4ª edição, página 138. |