Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2063/22.9T8VLG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO VILARES FERREIRA
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP202403192063/22.9T8VLG-A.P1
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Na ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias desde a prática pelo exequente dos atos solicitados pelo tribunal visando o aperfeiçoamento da instrução do requerimento executivo, para efeitos de interrupção da prescrição, por aplicação da norma do artigo 323.º, n.º 2, do CCivil (citação ficta), ainda que o exequente não solicite expressamente a citação do executado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO N.º 2063/22.9T8VLG-A.P1
[Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução de Valongo - Juiz 1]


Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjuntos: Rodrigues Pires
Rui Moreira



SUMÁRIO:
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EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Desembargadores da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.

RELATÓRIO

1.

AA e BB, por apenso ao processo de execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, que A... STC, S. A. lhes moveu, vieram deduzir oposição mediante embargos de executado, pedindo que se declare a extinção da execução.

Invocaram, para tanto, em síntese, a prescrição da relação subjacente à livrança dada à execução, correspondente a contrato de mútuo bancário, por apelo ao preceituado no art. 310.º, al. g) do CCivil, resultando por isso o preenchimento abusivo do dito título crédito, que também prescreveu por ter decorrido o prazo previsto no art. 70.º da LULL.

2.

A Exequente/Embargada contestou, defendendo a improcedência da invocada prescrição da relação subjacente, por não se aplicar à mesma o normativo invocado pelos embargantes, nem tão pouco o disposto na al. e) do art. 310.º do CCivil, por a dívida dos autos se ter vencido na totalidade por aplicação do disposto no art. 781.º do CCivil, aplicando-se à mesma o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309.º do mesmo Código; a livrança em questão foi apresentada como mero quirógrafo, e daí a improcedência do demais invocado pelos Embargantes.

3.

Foi prolatado saneador-sentença que, julgando parcialmente procedentes os embargos, determinou a extinção da execução apenas quanto ao Embargante AA.

4.

Não se conformando, a Embargada BB interpôs o presente recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:

A – Vem a presente Alegações de Recurso interposto pela Executada/Embargante, da douta decisão deste Tribunal, que improcedeu, quanto à Executada BB, a exceção perentória de prescrição invocada na Oposição à Execução, mediante Embargos.

B – Salvo o devido respeito por melhor opinião, entende a Recorrente que a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo errou no que concerne ao momento da interrupção da prescrição.

C – A Executada/Embargante não acompanha a decisão sufragada pelo Tribunal a quo.

D – No dia 16 de julho de 2022, entrou na secretaria do tribunal o requerimento executivo, na qual a Recorrida não requereu a citação dos executados.

E – No dia 07 de julho de 2022, o Tribunal “a quo” proferiu despacho liminar a convidar a recorrida a juntar aos autos “a escritura de cessão de créditos referida em 1 do requerimento executivo, exarada em 4 de abril de 2011, uma vez que a que junta, exarada em 13 de outubro de 2011, diz respeita à retificação daquela” e “documentos complementares anexos a cada uma das invocadas escrituras de cessão de créditos que respeite ao crédito dos autos em condições de legibilidade.”

F – No dia 27 de setembro de 2022, a Recorrido juntou os documentos ordenados no despacho liminar datado em 07 de julho de 2022, porém não requereu a citação dos executados.

G – A Executada/Embargante/Recorrente foi citada para a ação executiva, no dia 26 de janeiro de 2023, e, em tempo oportuno, os mesmos deduziram, mediante embargos, Oposição à Execução e Penhora, por exceção perentória de prescrição das obrigações periódicas.

H – Para tanto, alegaram, e para o efeito que, no dia 14/09/2010, os executados/embargantes apresentaram-se à insolvência, tendo sido declarados insolventes por sentença de declaração de insolvência em 7 de outubro de 2010.

I – O processo de insolvência foi encerrado a 27/06/2017, por despacho do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 3, por insuficiência da massa insolvente, tendo o referido despacho transitado em julgado a 18 de julho de 2017.

J – Acresce ainda que, a invocação da prescrição da relação subjacente às obrigações periódicas a que respeita o contrato já estarem prescritas.

L – De acordo com o artigo 310º do CC o prazo de prescrição das dívidas invocadas é de 5 anos: “Prescrevem no prazo de cinco anos: g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.”

M – Estamos perante o pagamento de prestações periódicas, uma vez que ficou acordado o pagamento de um valor mensal, até ao cumprimento da obrigação em dívida, respetivamente 48 prestações mensais e sucessivas de capital e juros.

N – Ora, o terminus desta obrigação pecuniária, bem como a sua resolução contratual datam a 01/10/2012.

O – De notar que, o prazo de prescrição de 5 anos das quotas de amortização do capital, pagáveis com os juros é aplicável a cada uma dessas prestações, e não à dívida global.

P – Assim, os executados deixaram de cumprir com a obrigação pecuniária, vencendo-se as respetivas prestações mensais.

Q – O início do curso da prescrição de cada uma dessas quotas de amortização ocorre na data de vencimento de cada uma delas. O que significa que a primeira prestação vencida e não paga bem como todas as prestações seguintes até à data de 01/10/2012, tendo-se prescrito todas de forma individual. Uma vez que já decorridos os 5 anos de prescrição, para cada uma delas, previstos no artigo 310º do CC.

R – A prescrição da obrigação exequenda interrompeu-se com a reclamação de créditos apresentada no processo de insolvência dos executados e, não tendo aí, a Recorrida obtido qualquer pagamento, reiniciou-se o prazo de prescrição a partir do trânsito em julgado da sentença a partir do trânsito em julgado da decisão de encerramento do processo, ou seja, 18 de julho de 2017, pelo que a prescrição ocorreria em 19 de julho de 2022.

S – Acresce que, por força da L. 1-A/2020 de 19 de março, no artigo 7º nº 3 e L. 16/2020 de 29 de maio, L. 4-B/2021 de 1 de fevereiro e L. 13-B/2021 de 5 de abril os prazos de prescrição estiveram suspensos entre o dia 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020 e entre 22 de janeiro de 2021 e 5 de abril de 2021 suspensão que se computa em 161 dias do que resulta que a prescrição só operaria em 17 de dezembro de 2022.

T – Tendo em conta que a presente execução considera-se intentada em 22 de junho de 2022, conforme o artigo 724º nº 6 al. a) do CPC.

U – Os executados foram citados no dia 26 de janeiro de 2023, nunca antes a exequente requereu a citação dos executados.

V – Assim, a interrupção do prazo de prescrição só poderia dar-se no momento da citação.

X – Em despacho saneador sentença proferido em 10/10/2023, o tribunal “a quo” julgou os presentes embargos de executados parcialmente procedentes e, consequência, extinta a execução deduzida contra AA, na qualidade de avalista, e julgando improcedente contra BB.

Z – Ora, na formulação da sentença, no facto nº 5 o Tribunal “a quo” resulta que “os executados foram citados para os termos da presente execução em 26 de janeiro de 2023”.

AA – Já na fundamentação de direito para justificar a sua decisão, o Tribunal “a quo”, na contagem dos prazos, não considerou a citação dos executados no dia 26 de janeiro de 2023, mas sim 2 de Outubro de 2022 – no 5º dia posterior a 27 de setembro (data do envido dos documentos ordenados).

BB – Dispõe o artigo 323º do Código Civil que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”

CC – Por sua vez, dispõe o nº 2 do artigo 323º do mesmo diploma que “Se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ser requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.

DD – Sucede-se que, após a entrada do requerimento executivo na secretaria, foi proferido, no dia 07/07/2022, despacho liminar, por força do artigo 724º nº 5 do CPC, que ordenava a notificação da Recorrida para, no prazo de 10 dias, juntar documento sob pena de extinção da instância.

EE – A Recorrida, no dia 29/09/2022, enviou o requerimento ao Tribunal “a quo” com os documentos ordenados, porém, no requerimento que junta os documentos, a Recorrida não requereu a citação.

FF – Decorre da fundamentação do Tribunal “a quo” que a interrupção dá-se no dia 2 de outubro, isto é, no 5º dia posterior à entrada do requerimento da secretaria, em virtude do despacho liminar pedir a junção de certos documentos aos autos.

GG – O certo é que a ordenação da junção dos documentos autos não constitui fundamento para recusa do requerimento executivo (al. d) do nº 1 do artigo 725º do Código de Processo Civil), nem tão-pouco de indeferimento liminar do mesmo requerimento, mas apenas e tão-só de convite para junção dos documentos (artigo 726º nº 4 do Código de Processo Civil), já que a hipótese em análise não vem contemplada nos fundamentos de indeferimento liminar do requerimento executivo do nº 2 do artigo 726º do citado diploma legal.

HH – No nº 5 do artigo 724º do Código de Processo Civil diz-nos que na eventualidade da ação executiva prosseguir indevidamente sem a junção em tribunal dos documentos ordenados, pode o executado requerer ao juiz que determine essa junção.

II – Na douta sentença recorrida fez-se incorreta interpretação dos factos e menos acertada aplicação da Lei, designadamente, do art.º 323º do Código Civil e dos artigos 162º e 724º, todos do Código Processo Civil.

KK – Deste modo, o convite para a junção aos autos dos documentos em falta, não se enquadra como uma recusa do requerimento executivo, nem cai na estatuição da norma do artigo 323º nº 2º última parte do Código Civil.

LL – Por outro lado, também não foi requerida pela Recorrida a citação ara o efeito.

MM – Logo, o Tribunal “a quo” não pode considerar, por causa não imputável ao requerente, a interrupção da prescrição logo que decorram os cincos dias já que a exequente nunca requereu a citação dos executados.

NN – Face ao exposto, a prescrição interrompe-se com a citação. No caso em concreto, a prescrição ocorreu no dia 17 de dezembro e a citação ocorreu no dia 26 de janeiro de 2023, pelo que, no momento da citação, estava prescrito o direito de crédito que era a causa de pedir da execução.

7.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, e visto o preceituado nos artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil), a questão que importa apreciar e decidir neste recurso cinge-se em saber se ocorreu a prescrição da obrigação exequenda quanto à Embargante/Apelante.

III.

FUNDAMENTAÇÃO

1.

OS FACTOS

O Tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:

1 – Em 16 de junho de 2022 a exequente interpôs a ação executiva de que estes são apenso indicando como título executivo “Outro título com força executiva” e alegando, na descrição dos factos: [1. (…) o Exequente é titular do Contrato de Mútuo celebrado pelo valor de 19.600€, celebrado com a Executada BB e AA, na qualidade de avalista, em 01/10/2008, tendo o montante sido disponibilizado nessa data - Documento n.º 3 que ora se junta. 2. O empréstimo seria reembolsado em 48 prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, com início em 01/10/2008 e término em 01/10/2012. 3. Para garantia do pagamento dos valores que se mostrassem em dívida ao Banco, foi subscrita e entregue por BB, uma livrança em branco, devidamente avalizada pelos aqui executados AA. 4. Do aludido contrato consta que autoriza o Banco Exequente a preencher o título quanto à data de vencimento, local de pagamento, e ao valor em dívida, que corresponderá aos valores que forem devidos á data da sua utilização. 5. Sucede que, a mutuária utilizou a totalidade do crédito que lhe foi concedido, contudo não cumpriu a mesma o contrato que havia celebrado, tendo incumprido o pagamento das prestações. 6. Face ao incumprimento do referido contrato celebrado na sua totalidade, foi a livrança preenchida pela quantia de 21.020,11€ (Doc. 4). 7. Sucede que, nem na data do seu vencimento, nem posteriormente foi a mesma paga. 8. De acordo com o disposto nos arts. 47º e 77.º da LULL, o subscritor e os avalistas de uma livrança são todos solidariamente responsáveis para com o portador, podendo este accionar uma livrança são todos solidariamente responsáveis para com o portador, podendo este accionar todas estas pessoas, individual ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigam. 9. Por conseguinte, o Exequente é credor dos Executados, da quantia de € 1.590,41, relativa ao capital, acrescida dos respectivos juros de mora, até efectivo e integral pagamento, contados à taxa legal de 4%, que se encontra nesta data em dívida. 10. A livrança em questão, enquanto quirógrafo, é título executivo que serve de base à presente execução, nos termos da alínea c) do art.º 703.º do Cód. Proc. Civil.].

2 – O requerimento executivo veio acompanhado de cópia:

- do contrato de cessão de créditos celebrado entre o Banco 1..., S.A. e Banco 2..., SA em 4 de abril de 2011;

- do contrato de cessão de créditos celebrado entre a Banco 2..., SA e a exequente em 2 de novembro de 2017;

- do contrato de mutuo celebrado entre o Banco 1..., S.A. e a executada BB em 1 de outubro de 2008 e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido; e

- da livrança no valor de € 21.020,11 sendo a data de emissão 2009/08/04 e de vencimento 2009/08/12, constando como beneficiário o Banco 1..., S.A. e como subscritora a executada BB, tendo o executado AA aposto a sua assinatura no verso da referida livrança após a expressão “Bom para aval”.

3 – A exequente pagou a quantia a que alude o art. 724º[1]. n.º 6, al. a) do CPC em 22 de junho de 2022.

4 – Em 27 de setembro de 2022 a exequente juntou aos autos o original da livrança referida em 2.

5 – Os executados foram citados para os termos da presente execução em 26 de janeiro de 2023.

6 – Os executados em 14/09/2010 apresentaram-se à insolvência, tendo sido

declarados insolventes por sentença de declaração de insolvência em 7 de outubro de 2010.

7 – O Banco 1..., S.A. reclamou os seus créditos no processo de insolvência no valor de € 23.759,44.

8 – O processo de insolvência foi encerrado a 27/06/2017, por despacho do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 3, por insuficiência da massa insolvente, tendo o referido despacho transitado em julgado e 18 de julho de 2017.

2.

OS FACTOS E O DIREITO

2.1.

Da questão da prescrição da obrigação exequenda quanto à Embargante/Apelante

Para concluir como o fez, no sentido de que a obrigação exequenda relativamente à Executada BB não prescreveu, e daí a correspondente improcedência dos embargos, a decisão recorrida desenvolveu fundamentação de direito, cujos passos mais significativos passamos a transcrever:

[Sendo pacífico que, em contratos de financiamento como o dos autos, estamos perante uma obrigação “única mas cujo cumprimento, normalmente por conveniência do devedor, se protela no tempo, através de sucessivas prestações, a pagar em datas diferidas, que não têm de ser regulares no tempo, até que o montante da dívida se encontre completamente pago, e não perante uma obrigação periodicamente renovável ‘strictu sensu’; no entanto se o cumprimento dessa obrigação única é efetivado em prestações fracionadas no tempo, como é o caso das prestações mensais sucessivas que constam de um plano de amortização, acordado entre as partes, compostas por uma parte de capital e outra parte pelos juros é aplicável às quotas de amortização do capital o regime da prescrição quinquenal estabelecido na al. e) do art.º 310º do CCiv” – Ac do STJ de 10 de setembro de 2020, pub. in www.dgsi.pt e para o qual, para maiores desenvolvimentos se remete, os entendimentos dividiam-se nas situações de vencimento antecipado de todas as demais prestações, por força do disposto no artº. 781º CC, dispositivo que estipula, para as obrigações pecuniárias liquidáveis em prestações, que “a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”, permitindo ao credor exigir logo todas as prestações, defendendo uns, poucos, que se aplicava o prazo de prescrição ordinário previsto no artº. 309º. do CC e outros que se aplicava o prazo previsto na al. e) do artº. 310º. do CC, mas sobre cada uma das prestações tendo como termo inicial o vencimento dessas mesmas prestações de acordo com o plano de reembolso acordado entre as partes.

Recentemente o Supremo Tribunal de Justiça pôs fim a todas esta controvérsias, estabelecendo, no seu Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº. 6/2022, pub. no DR I Série de 22 de setembro, que "I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas."

Como resulta dos documentos juntos aos autos, a executada obrigou-se a reembolsar o empréstimo concedido em 48 prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a última em 1 de outubro de 2012. Tendo-se apresentado à insolvência, por força do disposto no artº. 91º. nº. 1 do CIRE - “A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva” – venceram-se, ipso iure, as dívidas dos executados.

Aplicando a jurisprudência fixada pelo STJ, temos que a partir de 7 de outubro de 2010 estava a exequente em condições de exercer o direito, direito esse que exerceu, porquanto reclamou os seus créditos no processo de insolvência dos executados.

Como decorre do disposto no nº. 1 do artº. 323º. do C.C., a prescrição interrompe-se “pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o Tribunal seja incompetente”, começando a correr novo prazo, igual ao primeiro, e quando a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, a partir do trânsito em julgado de decisão que puser termo ao processo, ou logo após o ato interruptivo se a instância terminar por desistência, absolvição da instância ou for considerada deserta – v. artºs 326º. e 327º. do CC.

Do exposto resulta que a prescrição da obrigação exequenda interrompeu-se com a reclamação de créditos apresentada no processo de insolvência dos executados e, não tendo aí a exequente obtido qualquer pagamento, reiniciou-se o prazo de prescrição a partir do trânsito em julgado da decisão de encerramento do processo, ou seja, 18 de julho de 2017, pelo que a prescrição ocorreria em 19 de julho de 2022.

Acresce que por força da L. 1-A/2020 de 19 de março – cfr. artº. 7º. nº. 3 – e L. 16/2020 de 29 de maio, L. 4-B/2021 de 1 de fevereiro e L. 13-B/2021 de 5 de abril os prazos de prescrição estiveram suspensos entre o dia 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020 e entre 22 de janeiro de 2021 e 5 de abril de 2021 suspensão que se computa em 161 dias do que resulta que a prescrição só operaria em 17 de dezembro de 2022.

Tendo em conta que a execução de que estes autos são apenso se considera interposta em 22 de junho de 2022 – cfr. artº. 724º. nº. 6 al. a) do CPC – e que os executados foram citados em 26 de janeiro de 2023, cumpre decidir se se verifica ou não a prescrição da obrigação exequenda.

Como já referimos em cima, e resulta do nº. 1 do artº. 323º. do CC, a prescrição interrompe-se pela citação.

Dispõe por sua vez o nº. 2 deste dispositivo legal que “Se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ser requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.

Daqui resulta que para ocorrer a interrupção da prescrição tem o requerente de requerer a citação com a antecedência de cinco dias, verificando-se, então, interrompida mesmo que, por causa que lhe não seja imputável, não ocorrer dentro desse prazo.

A jurisprudência sempre tem entendido que, para quem pretenda beneficiar da interrupção da prescrição facultada pelo n.º 2 do art. 323º do CC, terá de requerer a citação até cinco dias antes do termo de tal prazo e que a demora na citação não lhe seja imputável – Por todos, Ac. STJ de 11 de junho de 2000, BMJ, 499, pág. 287.

Donde que, como explica AC. do STJ de 10-04-2002, www.dgsi.pt, quem pretenda beneficiar do n.º 2 do art. 323º do CC tem de cumprir duas condições: requerer a citação antes de cinco dias do termo do prazo prescricional; e evitar que o eventual retardamento da citação lhe seja imputável. E se a citação se não realizar dentro daqueles cinco dias por razões de índole processual, de custas ou de orgânica judiciária, tal facto não pode ser imputado ao requerente – Ac. STJ de 21.01-03, CJ, Tomo I, pág. 48.

Resultando do referido nº. 2 do artº. 323º. ser necessário que se demonstre a existência de um nexo objetivo de causalidade entre o comportamento processual do requerente, após a apresentação do requerimento inicial, e o facto da citação ter sido concretizada para além do 5.º dia após a apresentação daquele, tal não se verifica no caso dos autos.

Na verdade, o exequente apresentou o requerimento executivo em 16 de junho de 2022 e, por isso, com uma antecedência bastante superior aos referidos cinco dias. Ocorre que, só procedeu ao pagamento da quantia referida no artº. 724º. nº. 6 al. a) do CPC em 22 de junho, pelo que a execução só se considera interposta no referido dia 22 de junho, ainda assim com antecedência bastante superior aos referidos cinco dias. E estando, por força do disposto no artº. 724º. nº. 5 do CPC, obrigado a juntar aos autos o original do título dado à execução, só o tendo feito, após convite do Tribunal nesse sentido, em 27 de setembro de 2022, fê-lo, ainda assim, muito tempo antes da verificação da prescrição.

Do exposto resulta que não é imputável à exequente o atraso na citação para além do 5º dia posterior a 27 de setembro de 2022, tendo-se a prescrição por interrompida em 2 de outubro de 2022 e, por isso, muito antes da data de 17 de dezembro de 2022, tendo que improceder a invocada prescrição].

A Apelante, aceitando o entendimento da decisão recorrida, no sentido de que o prazo de prescrição em curso do direito da Exequente se esgotaria a 17 de dezembro de 2022, acaba por dissentir da solução a que chegou a Exma. Juíza de Direito, por entender que o dito prazo não se interrompeu por qualquer causa, já que a Exequente/Apelada em momento algum requereu a sua citação, levando a que, no dia 26 de janeiro de 2023, data em que teve lugar a sua citação, nenhum prazo havia para interromper.

Sendo de meridiana simplicidade, a questão controvertida só pode resolver-se no sentido afirmado pelo Tribunal recorrido.

Em primeiro lugar, importa esclarecer a Apelante que não é rigoroso sequer afirmar que a Exequente não requereu a citação dos Executados para os termos da execução.

O que se poderá dizer, com rigor, é que a Exequente não requereu expressa e especificamente a citação dos Executados. Mas, tendo apresentado requerimento executivo, requerendo a tramitação de execução sob a forma de processo ordinário, é claro que implicitamente requereu a citação dos Executados, porquanto a regular tramitação processual integra, enquanto ato verdadeiramente essencial, a “citação” (cf. art. 726.º, n.º 6, do CPCivil). Dito de outro modo, o ato de citação no âmbito do processo em questão é determinado oficiosamente pelo juiz, dependendo apenas da verificação de condições para o processo prosseguir.

No caso, o processo passou a reunir “condições para prosseguir”, nomeadamente com a determinação da citação dos Executados, quando a Exequente deu cabal cumprimento ao que lhe foi solicitado pelo tribunal, apresentando os elementos documentais em falta no dia 27 de setembro de 2022.

Ora, não tendo a citação dos Executados ocorrido nos cinco dias subsequentes a 27.09.2022, é forçoso concluir que tal omissão não pode ser imputada à Exequente, pelo que, por aplicação da norma inserta no n.º 2 do art. 323.º do CCivil, o prazo de prescrição que se encontrava em curso, e que apenas se esgotaria no dia 17 de dezembro de 2022, interrompeu-se no dia 2 de outubro de 2022, como muito bem se deixou assinalado na decisão recorrida.

Impõe-se, pois, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida, que consideramos solidamente fundamentada.

2.2.

Das custas do recurso

Tendo dado causa às custas do recurso, a Apelante constituiu-se na obrigação de as suportar (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil, e 1.º, n.º 1, do RCProcessuais).

IV

DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, julgamos improcedente o recurso e, em consequência, decidimos:


a) Manter a decisão recorrida;

b) Condenar a Apelante no pagamento das custas do recurso.


***


Porto, 19 de março de 2024
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Rodrigues Pires
Rui Moreira

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[1] E não “726.º”, como, por manifesto lapso de escrita, se fez constar na sentença.