Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DA LUZ SEABRA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATO DE SEGURO COBERTURAS FACULTATIVAS | ||
Nº do Documento: | RP20240305158/21.5T8GDM.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Acionado pela segurada o contrato de seguro com a cobertura facultativa de Furto ou Roubo, incumbe-lhe o ónus de prova da ocorrência do sinistro, todavia, não lhe é exigível a demonstração segura e inequívoca do furto, bastando-lhe a prova de factos indiciários que revelem uma possibilidade razoável desse furto ter ocorrido, não contrariados suficientemente pela seguradora. II - Incumbindo à segurada provar o furto, como facto constitutivo do direito indemnizatório que pretende exercer, bastará à seguradora apresentar contraprova que torne esse facto duvidoso- não lhe incumbindo a prova do contrário- porém, se a seguradora pretender excluir a sua responsabilidade por entender que o furto foi levado a cabo pela própria segurada, incumbe-lhe a prova dessa exclusão da cobertura, consubstanciando um facto impeditivo da procedência da pretensão da segurada. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 158/21.5T8GDM.P1- APELAÇÃO ** Sumário (elaborado pela Relatora): ………………………………………… ………………………………………… ………………………………………… ** I. RELATÓRIO: 1. A... Unipessoal, Lda intentou ação declarativa de condenação com processo comum, contra Companhia de Seguros B..., SA, actualmente C..., SA, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe as seguintes quantias: A) a quantia de €25.408,06 correspondente ao valor do veículo automóvel de marca Renault, matrícula ..-XJ-..; B) a quantia de €167,00 a título de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano contados desde 2.07.2020 a 2.09.2020, bem como dos juros vincendos sobre o capital de €25.408,06 e calculados à mesma taxa legal anual, até efectivo pagamento; C) a quantia de €3.000,00 a título de indemnização pela privação do uso do veículo matrícula ..-XJ-.. de marca Renault. Como fundamento da referida pretensão alegou a autora em síntese que, é proprietária do referido veículo automóvel, dedicando-se ao transporte ocasional de passageiros em veículo ligeiro, tendo celebrado com a Ré um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel que englobava a cobertura de furto ou roubo, sem franquia, com o capital à data de €25.408,06 titulado pela apólice nº ...72. Entre o dia 30.06.2020 e 2.07.2020 o veículo seguro, que havia sido estacionado na via pública num lugar destinado a aparcamento, perto da residência do legal representante da autora, desapareceu, o que foi constatado por aquele quando a ele se dirigiu no dia 2.07 pelas 8h, tendo feito a competente participação policial nessa mesma ocasião, a qual apesar de ter sido enviada aos serviços do MP o inquérito foi arquivado por falta de identificação do autor do crime. Tendo o legal representante da autora participado o sinistro à Ré, esta em 6.11.2020 declinou a responsabilidade pelo pagamento do sinistro participado, alegando a existência de irregularidades que a levaram a concluir que o sinistro não teria ocorrido conforme a autora participara. Pretende a autora que a ré pague o valor do capital seguro pela cobertura do risco de furto, não tendo sido recuperado ou sequer localizado o veículo seguro até à presente data, acrescido dos juros de mora porque a Ré tinha um prazo de 60 dias desde a participação para pagar a indemnização, não o tendo feito, estando em mora desde 2.09.2020, bem como o dano de se ter visto privada do uso do seu veículo para o exercício da actividade a que se dedica pelo menos pelo prazo de 60 dias em que a ré tinha obrigação de pagar. 2. A Ré deduziu contestação, sustentando que o capital do seguro para a cobertura de furto ou roubo era à data do sinistro de €24.970,53, mas que o seu valor venal não era superior a €18.000,00 (situação de sobresseguro) pelo que a indemnização sempre estaria limitada a este último valor, que o alegado prejuízo invocado pela autora não está garantido pelo contrato de seguro, que sobre o veículo seguro existe uma reserva de propriedade a favor de terceiro não sendo a autora a dona do veículo à data do sinistro, que determinou uma averiguação que não permitiu concluir pela ocorrência do furto do referido veículo nos termos participados, apontando incongruências insuperáveis que determinam que a sua verificação seja não menos que inverosímil, em face da tentativa de venda da empresa incluindo dos dois veículos, entre os quais o veículo em questão nestes autos, a situação económico-financeira muito difícil da autora e do legal representante desta, não sendo a narrativa do sócio-gerente da autora nada consistente, concluindo que incumbia à autora a prova do alegado furto do veículo.
3. A Autora apresentou resposta à contestação, concluindo como na pi, a qual foi admitida enquanto exercício do contraditório.
4. Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, não tendo sido objecto de reclamação. * II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO: O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1] * As questões a decidir no presente recurso são as seguintes: 1ª Questão-Nulidade da sentença. 2ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto. 3ªQuestão- Responsabilidade da Apelada pelo pagamento das importâncias reclamadas pela Apelante ao abrigo do contrato de seguro com cobertura de furto. ** III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: 1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1. Encontra-se registado em nome da autora o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Renault, Modelo ..., matrícula ..-XJ-.. – cfr. documento 1 junto com a petição inicial e documento 25 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 2.A autora é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte ocasional de passageiros em veículo ligeiro. 3. A ré é uma sociedade seguradora que exerce a sua atividade de seguros e resseguros, explorando diversos ramos de seguros. 4. No exercício dessa atividade de seguros a ré celebrou com a autora, em 17/04/2019, um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel - Geral – RC, do veículo marca Renault, Modelo ..., matrícula ..-XJ-.., titulado pela apólice n.º ...72, com a cobertura obrigatória (perante terceiros), – cfr. documentos 2 e 3 juntos com a petição inicial e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 5. Tendo ainda contratado a cobertura do seguro, com um capital seguro de 33.968,00 €, sem franquia, na eventualidade de “furto ou roubo”, capital esse que a partir de 17/04/2020 passou para o valor de 25.408,06 € - cfr. documento 3 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 6. No dia 2/07/2020 o legal representante da autora participou o desaparecimento da referida viatura no Posto Territorial da GNR ..., tendo sido elaborado o respectivo auto de denúncia – cfr. documento 4 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 7. O Ministério público encerrou o inquérito, por arquivamento, em suma, com os seguintes fundamentos – cfr. certidão junta aos autos m 27/01/2023: “(…) Ora, não foram indicados suspeitos em concreto, testemunhas presenciais dos factos ou outros elementos de prova. Por outro lado, ao local não compareceu qualquer equipa da Unidade de Polícia Técnica da P.S.P. por inexistência no mesmo de quaisquer indícios ou vestígios visíveis susceptíveis de conduzir à identificação do suspeito. Assim, apesar das diligências encetadas pelas autoridades policiais, não foi possível apurar a identidade do autor dos factos e não se vislumbra a utilidade de realização de novas diligências no sentido de se apurar tal autoria que, desta forma, permanece desconhecida. Razão pela qual, determino o arquivamento dos autos, nos termos do artigo 277.º n.º 2 do Código de Processo Penal, sem prejuízo da sua reabertura, no caso de surgirem novos elementos de prova (artigo 279.º n.º 1 do Código de Processo Penal).” 8. O legal representante da autora participou o sinistro à ré em 2/07/2020 – cfr. documento 2 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 9. Em 06/11/2020 a ré remeteu à autora a missiva na qual declinou a responsabilidade pelo pagamento do sinistro participado, alegando a existência de um conjunto de irregularidades que levaram a concluir que o sinistro não teria ocorrido como a autora o participou – cfr. documento 5 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 10. O valor comercial da viatura correspondia àquele que pela ré foi fixado nas condições particulares da apólice n.º ...72, cfr. carta de renovação de 07/03/2020, ou seja, 25.408,06 € - cfr. documento 3 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 11. A ré alterou a sua designação social de Companhia de Seguros B..., S.A. para C..., S.A. - cfr. certidão permanente com código de acesso: ...80, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 12. A ré celebrou com a autora, a pedido desta, um contrato de seguro do ramo AUTOMÓVEL, titulado pela apólice n.º ...72, tendo por objecto o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca Renault, Modelo ..., versão ..., com a matrícula ..-XJ-.. (doravante designado apenas por XJ), - cfr. Condições Particulares, Especiais e Gerais da Apólice juntas com a contestação como documentos 1 e 1-A e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 13. Esse contrato de seguro teve início 17/04/2019, tendo sido celebrado pelo período de um ano, com possibilidade de renovação nos anos seguintes, encontrando-se em vigor à data dos factos em apreço nos autos. 14. Aquando da celebração do sobredito contrato, a autora subscreveu a Condição Especial intitulada “Furto ou Roubo”, subordinada ao regime previsto e estabelecido na respectiva Condição Especial da Apólice, ficando assim garantidos, até ao capital contratado “…o ressarcimento dos danos causados ao veículo seguro por furto ou roubo, quer estes se traduzam no desaparecimento, na destruição ou deterioração do veículo e/ou dos seus componentes, quer na subtração de peças fixas e indispensáveis à sua utilização.” – cfr. Cláusula 2ª da Condição Especial intitulada “Furto ou Roubo”, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 15. Nesse sentido foi expressamente acordado com a autora que, para efeitos da presente Condição Especial se considera: “FURTO OU ROUBO: O desaparecimento, destruição ou deterioração do veículo por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentados ou consumados).” – cfr. Cláusula 1ª da Condição Especial intitulada “Furto ou Roubo”. 16. A autora e a ré acordaram, bem assim, expressamente que, para além das exclusões previstas nas cláusulas 5.ª e 40.ª das Condições Gerais da Apólice, “…não ficam garantidas ao abrigo da presente Condição Especial as seguintes situações” – cfr. Cláusula 3ª da Condição Especial intitulada “Furto ou Roubo”: “a) Danos que consistam em lucros cessantes, perda de benefícios ou de resultados para o Tomador do Seguro e/ou Segurado em consequência de privações de uso, gastos de substituição ou depreciação do veículo seguro; b) Furto ou roubo cometido por pessoas que coabitem ou dependam economicamente do Tomador do Seguro/Segurado, pessoas que se encontram ao seu serviço, ou por quem, em geral, aqueles sejam civilmente responsáveis; c) Danos diretamente produzidos por lama ou alcatrão ou outros materiais utilizados na construção das vias; d) Danos causados em extras, tal como definido na cláusula 38.ª, incluindo o teto de abrir, quando os mesmos não forem devidamente valorizados e identificados nas Condições Particulares; e) Danos em capotas de lona.” 17. Foi também expressamente acordado com a autora que para além das exclusões previstas na Cláusula 3.ª da sobredita Condição Especial, o contrato também não garantirá ao abrigo da cobertura facultativa intitulada “Furto ou Roubo” “…danos causados intencionalmente pelo Tomador do Seguro, Segurado, pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis ou às quais tenham confiado a guarda ou utilização do veículo seguro…”, nem tão pouco “…lucros cessantes ou perdas de benefícios ou resultados advindos ao Tomador do Seguro ou ao Segurado em virtude de privação de uso, gastos de substituição ou depreciação do veículo seguro ou provenientes de depreciação, desgaste ou consumo naturais…”. – cfr. Cláusula 40ª, números 1 b) e 2 d) das Condições Gerais da Apólice. 18. Mais acordaram a autora e a ré o seguinte, quanto às condições de funcionamento desta cobertura – cfr. Cláusula 4ª das Condição Especial intitulada “Furto ou Roubo”: “1. Ocorrendo furto ou roubo, e querendo o Segurado usar dos direitos que a presente Condição Especial lhe confere, deverá apresentar assim que possível queixa às autoridades competentes e promover as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veículo e dos autores do crime. 2. Ocorrendo furto ou roubo que dê origem ao desaparecimento do veículo, o Segurador obriga-se ao pagamento da indemnização devida, decorridos que sejam sessenta (60) dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente, se ao fim desse período não tiver sido encontrado.” 19. No que tange as coberturas facultativas, foi também acordado com a autora, nos termos estabelecidos na Cláusula 38.ª das Condições Gerais da Apólice, que para efeitos do presente Contrato se entende por: “VEÍCULO SEGURO: O veículo automóvel abrangido pela presente Apólice de seguro Automóvel e como tal designado nas Condições Particulares; VALOR EM NOVO: Preço total de venda ao público, incluindo encargos legais e impostos, do veículo seguro, em estado novo, na data de registo da primeira matrícula, inscrita no respectivo livrete; VALOR DE SUBSTITUIÇÃO EM NOVO: Preço total de venda ao público, incluindo encargos legais e impostos, do veículo seguro em novo, na data do sinistro. Caso o veículo seguro já não seja comercializado nessa data, considerar-se-á o preço do veículo de características análogas mais aproximadas; VALOR DE SUBSTITUIÇÃO: Valor necessário à aquisição de outro veículo, de características iguais às do veículo seguro, ou de características análogas, se aquele já não for comercializado, tendo sempre em conta nessa avaliação a idade, o uso e o estado de conservação do veículo sinistrado; IDADE DO VEÍCULO: O número de meses ou anos contados da data de registo da primeira matrícula inscrita no livrete, considerando para o efeito qualquer fração de mês como um mês completo; VALOR VENAL: Valor de venda do veículo seguro imediatamente antes da ocorrência de um sinistro; EXTRAS: Componentes ou equipamentos não integrados de origem no veículo seguro, devidamente identificados e valorizados pelo Tomador do Seguro, nomeadamente: - Todos os equipamentos ou componentes incorporados no veículo por decisão do adquirente e em data posterior à sua saída de fábrica; - Quaisquer letras, desenhos, emblemas, dísticos alegóricos, reclamos ou propaganda, pintados, apostos ou fixados no veículo seguro. Locais de Guarda do Veículo: Locais onde o veículo seguro pernoita e que para efeitos do presente Contrato serão os Concelhos de residência do Tomador do Seguro e/ou do Condutor indicados nas Condições Particulares.” 20. Por seu turno, nos termos estabelecidos na Cláusula 42.ª das Condições Gerais da Apólice, a autora e a ré acordaram igualmente que: “1. Com exceção das coberturas com capitais próprios, a determinação dos valores seguros para cada cobertura facultativa contratada, devidamente identificados nas Condições Particulares, será da responsabilidade do Tomador do Seguro e/ou do Segurado. 2. Salvo estipulação em contrário nas Condições Particulares, o valor seguro para as coberturas previstas nas alíneas b), c), d), g) e h) do n.º 1. da cláusula 39.ª corresponde ao valor atual do veículo no momento do início da produção de efeitos do contrato, ou das suas alterações, podendo ser determinado de acordo com uma das seguintes formas: a) Por indicação do respetivo valor em novo, tal como definido na cláusula 38ª, deduzido, se o veículo for usado, do coeficiente de desvalorização constante na tabela de desvalorização aplicável ao veículo e prevista nas Condições Particulares; b) Por estipulação entre as partes de outro critério de determinação de valor seguro. 3. Salvo estipulação em contrário prevista nas Condições Particulares, o valor dos extras seguros indicado pelo Segurado no momento da celebração do contrato, deverá corresponder ao respetivo valor em novo.” 21. Do mesmo modo e como previsto na Cláusula 43.ª das Condições Gerais da Apólice, mostra-se estabelecido no âmbito do sobredito contrato de seguro que: “1. Após a determinação do valor seguro nos termos da cláusula anterior, e salvo se outro regime de desvalorização for acordado e expresso nas Condições Particulares, o valor do veículo seguro para efeitos de determinação do montante a indemnizar em caso de perda total, será, nos meses e anuidades seguintes aos da celebração do contrato, automática e sucessivamente alterado de acordo com a tabela de desvalorização aplicável. 2. Se no mesmo contrato de seguro, conjuntamente com o veículo estiver garantido um reboque, a menos que em sentido contrário seja acordado e expresso nas Condições Particulares, as regras de desvalorização aplicáveis serão autónomas, aplicando-se em relação a cada objeto seguro as respetivas tabelas identificadas nas Condições Particulares. 3. Salvo estipulação em contrário nas Condições Particulares, o valor seguro dos extras, será, nos meses e anuidades seguintes aos da celebração do contrato, automática e sucessivamente alterado de acordo com os fatores de desvalorização aplicados ao veículo seguro.” 22. Para efeitos da cobertura facultativa de “Furto ou Roubo”, o capital do objecto seguro, na anuidade do contrato de seguro em curso e que tinha tido o seu início em 17.04.2020, estava fixado na quantia de 25.408,06€. 23. Foi acordado com a autora que os capitais seguros referentes às coberturas de “Danos Próprios” directamente associadas ao veículo seguro, nomeadamente a Condição Especial de “Furto ou Roubo”, sofreriam, desde o início da vigência dessas coberturas, uma desvalorização mensal e anual, de acordo com a referida tabela de desvalorização constante das Condições Particulares da Apólice, de acordo com qual e atenta a data alegada do furto (entre 30.06.2020 e 02.07.2020), o capital do seguro para a cobertura intitulada de “Furto ou Roubo” prevista no contrato era, à data do alegado sinistro, de 24.970,53 €. 24. O representante legal da autora indicou, em diversos documentos, os seguintes locais de consumação do alegado furto: a. no auto de notícia indicou que a viatura estaria estacionada à porta da sua residência, sita na Rua ..., União de Freguesias de Gondomar (..., ... e ...); b. na declaração amigável/participação do sinistro mencionou no topo, como local do acidente, a Rua ..., ... e no desenho do croqui e na descrição pormenorizada do acidente indicou que a viatura estaria estacionada frente ao n.º 917 da mesma rua. 25. O local onde o XJ estaria estacionado fica situado numa zona habitacional, numa zona destinada especificamente ao aparcamento de viaturas, perpendicularmente à faixa de rodagem – cfr. fotografias juntas com a contestação como documentos 3 a 7 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 26. A Rua ... descreve, ali naquele ponto, uma recta, com mais de 100 metros de extensão, com uma faixa de rodagem larga, com cerca de 8 metros de largura, com boa visibilidade, superior a 50 metros – cfr. fotografias juntas com a contestação como documentos 3 a 7 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 27. Naquela zona fundamentalmente habitacional, toda composta por moradias (ou andares de moradia) de rés-do-chão e andar, todas as portas de acesso às diversas habitações e/ou estabelecimentos de comércio ali existentes, bem como as respectivas janelas estão voltadas para o local onde o XJ estaria estacionado – cfr. fotografias juntas com a contestação como documentos 3 a 7 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 28. O local está dotado de iluminação pública que, à data dos factos, se encontrava em funcionamento e que de noite ilumina toda aquela zona. 29. A autora destinava o veículo XJ ao denominado transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE). 30. Assim sucedia igualmente com o veículo de matrícula ..-XU-.., também este propriedade da autora. 31. Portugal viveu consecutivamente em estado de emergência e de calamidade, bem como em confinamento obrigatório, pelo menos entre 13 de Março e 31 de Maio de 2020, o que afectou nomeadamente o turismo e também as diversas formas de transportes de passageiros, plataformas de TVDE incluídas. 32. O veículo XJ deixou de efectuar serviço para a plataforma UBER, pelo menos desde o dia 27.10.2019, tendo sido transportado em 31.10.2019, por força de uma avaria, para a Renault Gondomar. 33. Nessa altura foi feita a leitura do quadrante (conta-quilómetros) do XJ e este apontava 57.430 Kms percorridos. 34. No seguimento da participação do sinistro apresentada à ré, o representante legal da autora entregou duas chaves do veículo XJ a um averiguador mandatado pela ré e este, de posse delas e devidamente autorizado por aquele representante legal para esse efeito, fez verificar os respectivos registos num concessionário da marca do veículo (Renault) – cfr. documentos 11 e 12 juntos com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 35. Da análise das referidas chaves, efectuada no dia 08.07.2020, foi possível concluir que: a. a chave indicada pelo representante legal da autora como correspondendo àquela de reserva registava uma indicação de 13.810 Kms – cfr. documento 13 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido; b. a outra chave, aquela que, segundo o sócio-gerente da autora, era a usada até ao alegado desaparecimento do veículo XJ, ostentava no quadrante a indicação de terem sido percorridos 59.762 Kms – cfr. documento 13 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido; 36. O último serviço prestado e registado na plataforma UBER com o veículo XJ tem data de 27.10.2019 – cfr. documento 14 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 37. A autora celebrou um contrato de crédito com reserva de propriedade com a Banco 1... – Sucursal em Portugal referente ao XJ nos termos do qual estava vinculada a um pagamento mensal de 441,52 € - cfr. documento 18 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 38. A autora requereu a concessão de uma moratória à indicada instituição financeira no âmbito do contrato de crédito com reserva de propriedade nº. ...01 relativo àquele veículo XJ, tendo o respectivo aditamento contratual sido celebrado pelas partes no dia 28.04.2020 e vigorando a moratória até 30.09.2020 - cfr. documento 19 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 39. Nessa data, o valor de capital em dívida de tal contrato de crédito em que foi concedida moratória requerida pela autora era de 20.595,98€. 40. Em 12 de Fevereiro de 2020, a esposa ou companheira do sócio-gerente da autora, DD, na rede social Facebook, colocou à venda o já mencionado veículo de matrícula ..-XU-.. - cfr. documento 20 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 41. O representante legal da autora, em publicação do dia 20 Junho de 2020, colocou à venda na plataforma OLX a própria empresa autora pelo preço de 500.00€ - cfr. documento 20 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 42. Aquela venda incluía os dois veículos afectos à atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE), embora com os respectivos encargos - cfr. documento 21 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 43. Em 7 de Agosto de 2020, o mesmo sócio-gerente da empresa autora publicitou e colocou à venda o veículo de matrícula ..-XU-.., mais uma vez na plataforma OLX, pelo preço de 19.000 € - cfr. documento 22 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 44. E apenas 4 dias depois, ou seja, no dia 11 de Agosto de 2020, aquele representante legal da autora voltou a colocar à venda o indicado veículo de matrícula ..-XU-.., na mesma plataforma de vendas (OLX), mas agora com um desconto de 500 € relativamente ao preço “inicial”, fixando então como preço para a concretização do eventual negócio a quantia de 18.500 € - cfr. documento 23 junto com a contestação e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos: 45. No dia 30/06/2020, cerca das 12 horas, o legal representante da Autora estacionou o supra identificado veículo automóvel de marca Renault, Modelo ..., matrícula ..-XJ-.. , na Rua ... , na União de freguesias de Gondomar (...), ... e .... Sucede que 46. No dia seguinte, ou seja, no dia 01/07/2020, a referida viatura não foi utilizada pelo legal representante daquela, até porque era o dia de folga daquele e não teve necessidade de a utilizar. 47. No dia 02/07/2020 quando o legal representante da autora regressou ao local onde havia estacionado a viatura supra identificada, cerca das 08,00 horas, desse mesmo dia, aquele constatou que a mesma tinha desaparecido. 48. Ao chegar ao local onde havia estacionado a viatura acima identificada e verificando que a mesma ali não estava, e que em lugar desta estava estacionada a viatura do seu vizinho, o legal representante da autora contactou esse seu vizinho, o qual lhe referiu que quando havia estacionado a sua viatura naquele local, ali já não estava a viatura da autora. 49. A “saúde” financeira da sociedade não era a melhor já no ano de 2019, antes mesmo da situação pandémica, dos estados de emergência e calamidade, bem como do período de confinamento, pois que já então apresentava uma avaliação de crédito muito negativa, com um risco elevado, com capitais próprios negativos e ainda com um resultado, também ele, claramente negativo. 50. Por isso, e à data em que pretensamente ocorreu o sinistro em discussão nos autos, o valor venal do XJ não era superior a 18.000,00 €. ** IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA. 1ª Questão- Nulidade da sentença. Sob as Conclusões 75 a 80 a Apelante alega que a sentença recorrida padece da nulidade prevista no art. 615º nº 1 al. c) e d) do CPC, porém fá-lo de uma forma verdadeiramente confusa, designadamente na Conclusão 75, considerando que a decisão está “em contrário com os fundamentos”, insurgindo-se basicamente com a valoração que o tribunal fez da prova produzida, revelando verdadeiro inconformismo por o tribunal ter considerado provados os pontos 1, 4, 5, 6, 7, 8, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 32, 33, 34, 35 e 36 e mesmo assim ter entendido que a Apelante não logrou fazer o ónus de prova do direito que invoca, julgando improcedente a ação. Efectivamente esse inconformismo revela-se claramente na Conclusão 79, na qual afirma a Apelante que, “analisada a prova produzida em sede de audiência de julgamento, em especial do depoimento de parte do seu legal representante, das testemunhas AA, DD e EE e a contrario sensu as testemunhas BB e CC, verifica-se que a aqui recorrente, além de ter ilidido os fundamentos de exclusão em que a recorrida se suporta para não lhe pagar o sinistro, também faz prova da ocorrência do furto da viatura de sua propriedade.” Considera a Apelante que a sentença é nula como resulta do art. 615º nº 1 al. c) do CPC por o tribunal a quo ter violado os arts. 342º, 762º nº 1 e 406º todos do CC. Resulta, pois, evidente da leitura destas conclusões que não estamos perante qualquer nulidade da sentença, mormente aquelas mencionadas no art. 615º do CPC de que a Apelante se socorreu, estamos sim perante inconformismo com a decisão sobre a matéria de facto prolatada pelo tribunal recorrido e a invocação de erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da questão decidenda, erros esses, quer de facto quer de direito, que a Apelante suscita nas demais conclusões de recurso e devem ser apreciados em sede própria de impugnação da decisão sobre a matéria de facto e de julgamento de mérito, não consubstanciando qualquer das nulidades taxativamente previstas no art. 615º do CPC. Sendo o elenco das alíneas do n.º 1 do art. 615º do CPC, um elenco taxativo [2], só nas hipóteses ali expressamente consignadas se coloca a hipótese de nulidade da sentença. A esse propósito, a Apelante invocou as nulidades da sentença consagradas no mencionado art. 615º nº 1 al. c) e d) do CPC, cujo teor, para o que aqui importa, é o seguinte: “É nula a sentença quando: c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conhecça de questões de que não podia tomar conhecimento. (…)” Sobre esta última nulidade prevista na alínea d) a Apelante nada alegou que permita considerá-la, não estando suscitada a omissão de pronúncia ou o excesso de pronúncia sobre qualquer questão concreta vertida na sentença recorrida. Já a nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, al. c) do CPC, tem a ver com uma contradição lógica entre a fundamentação jurídica e a decisão. Como refere nesta matéria J. Lebre de Freitas, “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade de sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada conclusão jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. “[3] Ora, da própria argumentação que a Apelante invocou para sustentar esta nulidade da sentença, como acima afloramos, resulta inegável a sua improcedência, porquanto nela não se vislumbra a invocação de contradição nos próprios termos da sentença, entre a sua fundamentação e a decisão propriamente dita. No caso dos autos, a sentença proferida está em linha com a fundamentação jurídica que dela consta, que absolveu a Apelada dos pedidos formulados pela Apelante por ter concluído que a Apelante não havia logrado provar o facto essencial para a procedência das suas pretensões- que o veículo havia sido furtado- tal como resulta dos factos a esse propósito considerados não provados. O Juiz a quo concluiu, na decisão final proferida, no mesmo sentido seguido no seu raciocínio explanado na fundamentação, porquanto entendeu, (mal ou bem, não interessa para a decisão da nulidade) que os factos apurados não permitiam a procedência da ação e este seu entendimento ficou expresso na fundamentação. Se a Apelante entende, como o diz expressamente, que os factos estão mal julgados e que a decisão final devia ter sido outra, designadamente que devia ter sido condenada a aqui Apelada, tal constituirá fundamento para a reapreciação desses segmentos decisórios por eventual erro de julgamento, que a aqui Apelante também suscitou, sendo essa a sede própria para a sua apreciação. Saber se houve erro quanto aos factos dados como não provados, ou se a conclusão a que chegou o tribunal está errada, consubstancia, quando muito, a apreciação de um eventual erro de julgamento e não a apreciação da nulidade prevista no art. 615º nº 1 al. c) do CPC. [4] As partes têm direito a entender que, quer o raciocínio seguido pelo Juiz a quo, quer os fundamentos jurídicos vertidos na sentença recorrida não foram convincentes ou sequer esgrimidos de forma consistente, com apreciação sustentada de todos os factos dados como provados, de forma a convencer as partes da solução encontrada, mas essa discordância não se confunde com a nulidade da sentença por contradição lógica entre a fundamentação e a decisão. O acerto da decisão é uma questão que não contende com a nulidade da sentença, mas com o seu mérito. [5] Improcedem, assim, as apontadas nulidades da sentença. * 2ª Questão-Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[6] Analisadas as conclusões deste recurso, que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, concluímos que tais ónus de impugnação da matéria de facto foram suficientemente cumpridos pela Apelante, ao fazer constar das conclusões de recurso, os factos impugnados, a decisão alternativa e os meios de prova constantes do processo, que em seu entender, sustentam a pretendida alteração da decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, fazendo constar , para além das transcrições, as passagens concretas das gravações dos depoimentos em que funda este recurso. Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Importa, pois, apurar se foi produzida prova cabal e consistente que imponha decisão diferente da que foi tomada pelo tribunal a quo, sobre os factos mencionados pela Apelante nas Conclusões 2 e 6. A esse propósito alegou a Apelante que pretende ver alterados os pontos 45, 46, 47 e 48 dos factos não provados, sustentando que devem considerar-se provados. A redação de tais factos impugnados é a seguinte: “45. No dia 30/06/2020, cerca das 12 horas, o legal representante da Autora estacionou o supra identificado veículo automóvel de marca Renault, Modelo ..., matrícula ..-XJ-.. , na Rua ... , na União de freguesias de Gondomar (...), ... e .... Sucede que 46. No dia seguinte, ou seja, no dia 01/07/2020, a referida viatura não foi utilizada pelo legal representante daquela, até porque era o dia de folga daquele e não teve necessidade de a utilizar. 47. No dia 02/07/2020 quando o legal representante da autora regressou ao local onde havia estacionado a viatura supra identificada, cerca das 08,00 horas, desse mesmo dia, aquele constatou que a mesma tinha desaparecido. 48. Ao chegar ao local onde havia estacionado a viatura acima identificada e verificando que a mesma ali não estava, e que em lugar desta estava estacionada a viatura do seu vizinho, o legal representante da autora contactou esse seu vizinho, o qual lhe referiu que quando havia estacionado a sua viatura naquele local, ali já não estava a viatura da autora.” Referiu a Apelante que o tribunal a quo entendeu que era à Apelante que incumbia o ónus de prova de que o seu veículo foi furtado do local em que se encontrava e nunca mais apareceu e, embora concorde que era a ela que incumbia a prova do facto essencial de que dependia a responsabilidade contratual da Apelada, o tribunal não podia ter deixado de valorar que à Apelada incumbia o ónus da prova das circunstâncias que conduziam à exclusão do contrato de seguro, incumbindo à Apelada demonstrar que o furto participado pela Apelante não ocorreu, prova que não logrou fazer. Socorreu-se a Apelante das declarações do seu legal representante FF, da testemunha DD companheira daquele, e de EE vizinho daqueles, conjugadas com a prova documental junta aos autos, designadamente a participação de furto feito à GNR na data em que o legal representante chegou ao local onde havia deixado a viatura e não a encontrou, o teor da peritagem às chaves feita a 22.02.2022, concluindo que resulta desses meios de prova que a viatura desapareceu, sendo que o depoimento do perito averiguador BB não é suficiente para concluir que o furto não ocorreu, não sendo razoável e violando as regras da experiência nesta matéria a fundamentação que o tribunal a quo deu para julgar como não provados os referidos pontos de facto 45 a 48. Entende a Apelante que, guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o ónus de prova da Apelante no sentido de provar que a sua viatura desapareceu foi feito, até porque a versão da Apelada de que os factos não ocorreram da forma que lhe foi participada não foi demonstrada pelas testemunhas que arrolou BB e CC, as quais não lograram pôr em causa, de uma forma decisiva e válida, a prova credível produzida pela Apelante. Reiterou que o tribunal a quo não cuidou de analisar devidamente a prova produzida pela Apelante da ocorrência do furto da sua viatura e valorá-la à luz da distribuição do ónus de prova, pois o furto de viatura é normalmente difícil de provar, não impondo a jurisprudência uma prova directa do furto, bastando a apresentação da respectiva queixa junto das entidades policiais e elementos probatórios coadjuvantes que permitam formular um juízo de verosimilhança relativamente a essa queixa, enquanto que à Apelada impunha-se a prova efectiva de que os factos que lhe foram participados e o relatado no auto de notícia não ocorreram da forma como ali constam, o que não foi feito por parte da Apelada. Embora a argumentação da Apelante se centre muito nas regras do ónus de prova, acaba por concordar com a distribuição das regras do ónus de prova defendida na sentença recorrida e vertida na motivação nela exarada, designadamente quando incidiu sobre os factos essenciais vertidos nos pontos de facto aqui impugnados, afigurando-se-nos que a discórdia da Apelante incide mais no grau de exigência de prova que o tribunal entendeu ser necessário para considerar provado o sinistro (furto). Vejamos o que ficou exarado na motivação a propósito dessa matéria de facto impugnada: “Os factos essenciais da causa de pedir não ficaram, todavia, demonstrados. Na verdade, não se provou que: - No dia 30/06/2020, cerca das 12 horas, o legal representante da Autora estacionou o supra identificado veículo automóvel de marca Renault, Modelo ..., matrícula ..-XJ-.. , na Rua ... , na União de freguesias de Gondomar (...), ... e .... Sucede que - No dia seguinte, ou seja, no dia 01/07/2020, a referida viatura não foi utilizada pelo legal representante daquela, até porque era o dia de folga daquele e não teve necessidade de a utilizar. - No dia 02/07/2020 quando o legal representante da autora regressou ao local onde havia estacionado a viatura supra identificada, cerca das 08,00 horas, desse mesmo di , aquele constatou que a mesma tinha desaparecido. - Ao chegar ao local onde havia estacionado a viatura acima identificada e verificando que a mesma ali não estava, e que em lugar desta estava estacionada a viatura do seu vizinho, o legal representante da autora contactou esse seu vizinho, o qual lhe referiu que quando havia estacionado a sua viatura naquele local, ali já não estava a viatura da autora. Importa considerar, antes de mais, que nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil: “1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. 2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. 3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.” Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil, “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”. Assim, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, sem prejuízo de melhor entendimento, cabia à autora a alegação dos factos constitutivos do seu direito: que o seu veículo, segurado na ré, foi furtado (desapareceu por acção de terceiro) do local onde estava estacionado e não mais apareceu. E cabia à ré alegar e provar, se essa era a sua desconfiança, qualquer causa susceptível de integrar alguma exclusão do contrato de seguro. Sem nos determos exageradamente sobre as várias afirmações, em diversos documentos, sobre se o veículo estaria estacionado em frente ao número 907 ou 917 e se isso significa – ou não - estar à porta de casa, pormenor a que o Tribunal não atribui excessiva importância, admitindo que a menção no topo da declaração amigável seja um manifesto lapso revelável pelo próprio desenho do croqui e que se possa considerar que, estando em frente ao número 917 o veículo estaria “à porta de casa”, de tão curtas que são as distâncias, a verdade é que a autora não logrou a prova dos supra referidos factos essenciais, pois relativamente aos mesmos a única prova que foi produzida foi o depoimento da testemunha EE, à qual o Tribunal não atribuiu credibilidade. Na verdade, não pode o Tribunal, nestes casos, ser tão exigente com o segurado de forma a que o onere com a prova exacta de como o furto ocorreu, factualidade que o segurado muitas vezes não tem como conhecer. Mas há o mínimo de prova que o segurado – neste caso a autora – tem de assegurar e que, neste caso, era que o veículo tinha sido efectivamente estacionado na data, hora e local alegados e que ali permaneceu até à ocorrência do alegado furto. A autora nem sequer sabe ao certo afirmar quando teria ocorrido o furto naquele espaço de 44h, o que também introduz acrescida fragilidade à sua alegação, na medida em que estando estacionado à porta de casa, nem o autor nem a sua companheira se aperceberam do desaparecimento do veículo durante um tão significativo período de tempo. E nenhuma prova se fez de que o veículo ali efectivamente estava e ali permaneceu. Não sendo credível, conforme se explicou, o depoimento da testemunha EE, a prova não se faria senão através de um acto de fé relativamente à alegação da autora, que seria jurídica e processualmente inadmissível. Acresce que não foram alegadas nem sujeitas a produção de prova quaisquer circunstâncias que revelassem que a autora diligenciou por procurar e encontrar o seu veículo alegadamente furtado. A única coisa que resulta dos autos é que o representante legal da autora apresentou queixa e nada mais: no processo de inquérito absolutamente nada foi feito, a autora não se constituiu assistente nem requereu qualquer diligência de recolha de prova, como a procura de vestígios no local, a procura de câmaras de vigilância nas redondezas que pudessem ter captado o veículo a sair daquele local, a solicitação de dados às concessionárias das autoestradas, a fim de apurar se o veículo teria passado por portagens ou pórticos, tudo diligências para as quais o representante legal da autora, atenta a sua profissão, estaria particularmente sensibilizado. Por fim, ao contrário dos vários documentos nos autos que demonstram que o representante legal da autora e a sua mulher fizeram uso activo das redes sociais para a realização de vários negócios, não foram juntos quaisquer documentos que comprovassem esse mesmo uso, como seria de esperar, para divulgação do furto junto de familiares e amigos através das redes sociais, com fotografias que ajudassem à sua identificação a quem com o veículo se pudesse cruzar. Todas estas circunstâncias, aliadas à ausência total de prova credível, votam a versão da autora a uma fragilidade tal que a afasta ostensivamente da possibilidade de poder ser considerada provada. “ Afigura-se-nos que, as reservas manifestadas pelo juiz a quo para afastar a prova produzida pela Apelante, à qual a mesma fez alusão neste recurso, impõem efectivamente um grau de prova tal sobre o segurado que para além de se afastarem das regras da experiência e do senso comum, levado a este extremo conduzirão ao efeito pernicioso de com base nesse rigor probatório poder ser extremamente rara (para não dizermos nula) a demonstração de um furto de veículo, infelizmente cada vez mais comum. Será muito improvável que um qualquer cidadão, proprietário de veículo automóvel que habitualmente estaciona na via pública e que por isso mesmo agindo cautelosamente celebra um seguro que cubra o risco de furto, no caso de o mesmo desaparecer (por ação de terceiro não autorizado), consiga fazer prova directa do furto. O tribunal a quo na motivação relativa aos pontos de facto ora impugnados escreveu expressamente que “autora não logrou a prova dos supra referidos factos essenciais, pois relativamente aos mesmos a única prova que foi produzida foi o depoimento da testemunha EE, à qual o Tribunal não atribuiu credibilidade.” Tendo-se procedido à audição integral dos depoimentos gravados e análise da prova documental junta aos autos, acompanhamos as reservas verbalizadas na referida motivação sobre o depoimento da testemunha EE, não sendo crível que um mero vizinho possa afiançar, com a certeza que esta testemunhou transmitiu em julgamento, ter visto o Sr FF estacionar no dia 30.06 pelas 12h o veículo Renault ... de matrícula XJ, em frente à sua porta ( nº 917) e depois o tenha voltado a ver sobressaltado no dia 2.07 pelas 8h a dizer que lhe tinham furtado esse veículo, afirmando sem hesitações que foi aquele veículo que esteve durante todo aquele tempo à sua porta de casa, causando estranheza a invulgaridade de precisar os dias e as horas ( apenas se tendo enganado no ano civil), mas mais do que isso saber que foi o veículo de matrícula XJ e não o de matrícula XU também pertencente à autora e ali estacionado com regularidade, quando ambos os veículos são da mesma marca, modelo e cor. Deste modo arredamos também esta testemunha, não lhe conferindo credibilidade bastante para confirmar as declarações que foram prestadas pelo legal representante da Apelante/Autora nesse sentido. Porém, contrariamente ao referido pelo tribunal a quo, entendemos que sobre aqueles mesmos factos outra prova foi produzida, designadamente documental, por depoimento de parte (que deverá ser devidamente valorado pelo tribunal mesmo na parte em que não traduza confissão) e pela testemunha DD, embora sopesando o interesse que esta última possa evidenciar no depoimento por ser companheira do legal representante da autora. Esta última testemunha, apesar do relacionamento que tem com o legal representante da Apelante, prestou um depoimento que se nos afigurou credível, coerente e consistente, tendo esclarecido que o veículo de matrícula XJ era usado no dia-a-dia pelo companheiro, ela não conduz, afirmou que não viu o companheiro a estacionar o veículo porque não estava em casa, estava a trabalhar, foi ele que lhe disse depois que estacionara perto de casa, afirmou não ter visto o carro estacionado durante o período temporal mencionado na participação policial (o que não causa estranheza uma vez que não o podia utilizar por não saber conduzir) admitindo tais factos quando podia bem ter a tentação de afirmar ter visto o companheiro estacionar ou ter visto o carro ali estacionado, por forma a dar força e consistência ao depoimento do companheiro, sabendo que fora levantada a dúvida pela seguradora sobre se o furto havia ou não ocorrido. Esta testemunha afirmou ainda que no dia 1.07 o companheiro estava de folga e terá ficado em casa com o filho de ambos que tinha 8 meses enquanto ela foi trabalhar, assim justificando o facto de não terem dado conta do desaparecimento do veículo mais cedo, o que também em si nada tem de extraordinário. Foi peremptória em afirmar que na manhã do dia seguinte ( 2.07) quando saíram os três de casa, preparando-se o companheiro para lhe dar boleia, levar o filho à ama e ir trabalhar, viu-o à “nora”, aflito porque o carro desaparecera e que ela própria lhe perguntou se tinha a certeza de ter estacionado naquele lugar, ao que ele lhe respondeu afirmativamente. Para além deste depoimento, temos a participação imediata do desaparecimento do veículo feita pelo legal representante da Apelante à GNR, posto onde trabalhava, documento esse que se mostra junto aos autos e foi confirmado e esclarecido pela testemunha AA que o elaborou, bem como a declaração de participação efectuada à seguradora, aqui Apelada, cuja descrição no essencial coincidem. Também não devemos afastar sem mais o depoimento do legal representante da Apelante, quando só ele pode esclarecer os factos que antecederam o desaparecimento, porque foi ele próprio o último a conduzir o referido veículo e o estacionou onde diz que o fez (tenha ou não testemunhas que o tenham visto lá estacionar) sob pena de estarmos a coarctar completamente à segurada o mínimo de prova que se lhe impõe produzir acerca do circunstancialismo em que terá ocorrido o desaparecimento, já que ninguém assistiu ao furto, como ocorre em quase todas essas situações. Relativamente ao depoimento do legal representante da Apelante- FF-, foi prestado de forma calma, colaborante, sem evasivas nem reparos que indiciassem subterfúgios, esclareceu onde e quando estacionou a viatura, a razão pela qual só se apercebeu do seu desaparecimento cerca de 1 dia e meio depois (lapso temporal perfeitamente razoável para quem estava de folga e não precisou de utilizar o veículo) e as participações que de imediato fez. Nem lhe é exigível, à luz das regras da experiência a que podemos e devemos lançar mão nestes casos de prova difícil, que não estando obrigado a utilizar o veículo diariamente, nem a fixar com pormenor milimétrico em que ponto preciso da via pública o estacionara uma vez que o fará com regularidade (apesar de a diferença quanto ao número de porta nem sequer ter sido relevado, e bem, pelo tribunal, tratando-se de um preciosismo dada a curta distância que separava o nº 907 do nº 917), só quando dele necessitou e não o encontrou tenha participado o sinistro às autoridades competentes não fornecendo um dia exacto para a ocorrência (porque o desconhecia como é natural) mas localizando no tempo o último dia em que o utilizou e o dia em que se apercebeu do seu desaparecimento. Também esclareceu devidamente a razão pela qual o veículo apresentava tão poucos quilómetros entre Outubro de 2019 e a última vez que a chave terá sido usada (quilometragem que foi aferida também por perícia na Renault, que nada pode esclarecer quanto à última data em que terá sido utilizada), que explicou de forma consistente a avaria que aquele veículo sofreu (confirmada pela própria Renault) e as razões que o levaram a decidir repará-lo apenas em Março numa oficina de uma pessoa conhecida, assim como o facto de não ter na sua posse factura desse serviço. Quanto a este aspecto, apesar das dúvidas que os peritos averiguadores BB e CC deixaram no ar sobre se a reparação teria sido efectuada, face à ausência de factura comprovativa e ao valor que o legal representante afirmou ter pago ser manifestamente insuficiente face ao orçamento dado pela Renault, certo é que o veículo foi de reboque para a oficina (tendo sido rebocado pela assistência em viagem como referiram) e terá sido entretanto utilizado até que desapareceu, pois que na perícia das chaves entre a data da entrada na oficina da Renault e a última utilização da chave havia percorrido mais de 2000km. Salienta-se que o legal representante da Apelante também não deixou de responder às questões sobre as razões que o fizeram colocar à venda a empresa, um apartamento e o outro veículo da Apelante e, se por um lado se pode colocar dúvidas sobre se a Apelante e o seu legal representante não estariam a passar por dificuldades económicas tais que justificassem “fazer desaparecer” o veículo para receber o valor do capital seguro pela cobertura de furto face aos anúncios de venda referenciados nos autos, por outro lado parece-nos inverosímil que quem premedite fazer desaparecer o veículo adote tal comportamento sabendo que o furto vai ser averiguado (como foi pelos serviços do MP e pela seguradora) e sabendo que um historial de publicidade de dificuldades económicas podera ser usado contra si para ser recusado o pagamento do seguro, para mais sendo o legal representante da Apelante, enquanto militar da GNR, conhecedor dos procedimentos implementados pelas seguradoras neste tipo de participações por furto. Estamos em crer, à luz das regras da experiência, que aquele comportamento não permite só por si criar dúvidas sustentadas sobre a ocorrência efectiva do furto, porque o mais provável é que se o legal representante da Apelante quisesse realmente simular um furto, colocando inclusive em causa toda uma carreira profissional, não teria publicitado aquelas vendas, teria tido o cuidado de adotar um comportamento anterior que não levantasse o tipo de suspeitas que a aqui apelada levantou. Cremos que para se fazer uma correcta ponderação da prova neste tipo de casos impõe-se apreciar a verosimilhança dos factos demonstrados pela prova apresentada pela Apelante- necessariamente indirecta e com as eventuais fragilidades que a mesma importa- por contraponto aos fundamentos aduzidos pela Apelada para se recusar a assumir a responsabilidade pelo desaparecimento do veículo, com a respectiva demonstração através de prova por si apresentada. Não bastará à Apelada manter-se na posição confortável de afirmar que a segurada não provou o furto, pois que lhe incumbirá demonstrar factualidade bastante para tornar duvidosa a verificação do sinistro, não sendo para o efeito suficientes meras suspeitas veladas de que o desaparecimento não se deu como relatado pela segurada. Como bem se refere na sentença recorrida “cabia à autora a alegação dos factos constitutivos do seu direito: que o seu veículo, segurado na ré, foi furtado (desapareceu por acção de terceiro) do local onde estava estacionado e não mais apareceu; também cabia à ré alegar e provar, se essa era a sua desconfiança, qualquer causa susceptível de integrar alguma exclusão do contrato de seguro”, e acrescentamos que consubstanciava uma exclusão de responsabilidade, cuja prova incumbia à seguradora, enquanto facto impeditivo do direito exercido pela segurada, nomeadamente a que consta da cláusula 3ª mencionada no ponto 17 dos factos provados- danos causados intencionalmente pelo tomador do seguro. Se, tal como se diz na sentença recorrida “o mínimo de prova que o segurado – neste caso a autora – tem de assegurar e que, neste caso, era que o veículo tinha sido efectivamente estacionado na data, hora e local alegados e que ali permaneceu até à ocorrência do alegado furto”, afigura-se-nos que essa prova foi feita, tendo o segurado assegurado que o estacionou em determinado dia e local e no momento em que teve necessidade de o utilizar constatou o seu desaparecimento, não tendo o referido veículo sido localizado até ao momento, depoimento articulado com a participação desse desaparecimento às autoridades policiais e, que no essencial foi corroborado pela testemunha DD, sem que as testemunhas BB e CC tenham trazido aos autos elementos consistentes que tornassem duvidosa a versão apresentada pela segurada, como acima escalpelizamos. Conforme resulta do depoimento do legal representante da Apelante- FF- articulado com a companheira com quem vive-DD- o veículo foi por aquele estacionado na via pública próximo da sua residência no dia 30.06.2020, não foi necessário utilizá-lo no dia seguinte porque estava de folga e quando voltou ao local onde o deixara estacionado, menos de 48 horas depois, constatou que ali já não estava, tinha desaparecido, ocasião em que fez a participação policial às entidades a quem competem as diligências de averiguação e busca, decorreu inquérito nos serviços de MP e, malgrado as diligências efectuadas por tais entidades o veículo não foi recuperado tendo sido arquivado o inquérito não devido a dúvidas sobre a verificação de um furto, ou suspeitas que não se verificara qualquer desaparecimento, mas porque não foi possível identificar o autor desse desaparecimento. Estes factos estão indiciariamente comprovados documentalmente nos autos e os depoimentos do legal representante da apelante e da sua companheira assumiram consistência e coerência bastante, à luz das regras da experiência comum neste tipo de situações, revelando a concertação global desta prova uma probabilidade razoável e séria de ter ocorrido um furto, prova essa que não foi suficientemente contrariada por outro meio de prova, designadamente pelos depoimentos dos peritos averiguadores do sinistro. Não ficou demonstrado que a Apelante tenha tido qualquer intervenção no desaparecimento do veículo seguro, ou que conheça o seu paradeiro, nem resultaram provados factos que permitam concluir pela probabilidade séria de isso ter sucedido, estando demonstrado que o veículo desapareceu de forma ilícita. Em abono desta posição quanto ao grau de exigência de prova neste tipo de sinistros, o Ac STJ de 28.02.2023 decidiu que “quando num contrato de seguro se inclui entre os riscos por ele cobertos a prática de um determinado crime ( v.g. furto, roubo, etc) muito embora seja ao tomador do seguro/segurado que cumpra demonstrar a ocorrência do correspondente sinistro, todavia, não lhe é exigível que faça uma prova segura/inequívoca dos factos integrantes desse ilícito criminal, (…) bastando tão só que resultem apurados factos indiciários, não contrariados, que revelem uma possibilidade razoável/séria desse crime ter ocorrido”[7] Ou, como também consta do Ac STJ de 27.10.2022, “sendo suficiente que se apurem factos indiciários que revelem uma possibilidade razoável do crime ter ocorrido, sem que estejam demonstrados quaisquer factos que suscitem a dúvida sobre a sua verificação.”[8] Neste último aresto dá-se conta de inúmeros outros acórdãos, alguns desta Relação do Porto, que defendem este standard probatório neste tipo de sinistros, como é o caso do Ac RP de 10.01.2019, proferido no Proc. Nº 1521/17 (Relator: Rodrigues Pires) e de 10.01.2022, proferido no Proc. Nº 6509/18 (Relator: Pedro Damião e Cunha). Na senda daquela posição, já subscrevemos (a aqui Relatora e o aqui 2º Adjunto) no Ac RP de 8.11.2022 (Relator Fernando Vilares Ferreira), que “porque o evento “furto de veículo”, enquanto risco coberto por contrato de seguro de danos, se assume como elemento constitutivo do direito de indemnização do autor, sobre este impende o respectivo ónus de prova, nos termos do preceituado no art. 342º nº 1 do CCivil. Ainda assim, não é de exigir ao autor, tomador do seguro, prova concludente no sentido da verificação dos elementos típicos que integram o crime de furto (…) bastando para o efeito prova indireta e indiciária (de primeira aparência), que pode passar pela apresentação de denúncia às autoridades policiais, em conjugação com outros elementos de prova coadjuvantes que possam conduzir à formulação de um juízo de verosimilhança relativamente àquela denúncia, não contrariado de forma relevante pelos elementos trazidos à lide pela seguradora”.[9] Pelas razões acima expostas, considera-se ter sido feita prova bastante, ainda que indirecta e indiciária, dos pontos 45 (com a correcção do número de porta que passa de 907 para 917), 46 e 47 os quais se eliminam dos factos não provados, transitando para os factos provados com igual numeração: 45. No dia 30/06/2020, cerca das 12 horas, o legal representante da Autora estacionou o supra identificado veículo automóvel de marca Renault, Modelo ..., matrícula ..-XJ-.. , na Rua ... , na União de freguesias de Gondomar (...), ... e .... 46. No dia seguinte, ou seja, no dia 01/07/2020, a referida viatura não foi utilizada pelo legal representante daquela, até porque era o dia de folga daquele e não teve necessidade de a utilizar. 47. No dia 02/07/2020 quando o legal representante da autora regressou ao local onde havia estacionado a viatura supra identificada, cerca das 08,00 horas, desse mesmo dia, aquele constatou que a mesma tinha desaparecido. Relativamente ao ponto 48 dos factos não provados mantém-se no elenco dos factos não provados por total ausência de prova, quer porque o legal representante da Apelante nada disse a esse respeito, quer porque a referida testemunha FF, para além da falta de credibilidade apontada, afirmou inclusivamente que no dia 2.07 no lugar onde estivera estacionado o veículo da autora estava um espaço vazio. Deste modo, procede em parte este segmento recursivo, nos moldes acima referenciados. * 3ªQuestão- Responsabilidade da Apelada pelo pagamento das importâncias reclamadas pela Apelante ao abrigo do contrato de seguro com cobertura de furto. A Apelante demonstrou ter celebrado com a Apelada um contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória do ramo automóvel, com coberturas facultativas de danos próprios, figurando como tomadora do seguro/segurada a Apelante, com data início de 17.04.2019, titulado pela apólice nº ...72, cuja cópia se mostra junta aos autos, nos termos e com a abrangência constante das respectivas condições gerais, especiais e particulares, que se encontrava em vigor à data dos factos em apreço nestes autos. Entre as coberturas de seguro contratadas para o veículo marca Renault, Modelo ..., de matrícula ..-XJ-.. registado em nome da Apelante, encontra-se a de furto ou roubo, com um capital seguro de €33.968,00 sem franquia, constando das condições especiais que o capital seguro estava sujeito a desvalorização, conforme tabela constante das condições particulares, capital esse que a partir de 17.04.2020 passou para o valor de €25.408,06. Nos termos da referida apólice, de entre as coberturas contratadas, importa para os presentes autos a cobertura de “furto ou roubo”, constando da Cláusula 2ª da Condição Especial assim intitulada, que ficavam assim garantidos, até ao capital contratado “… o ressarcimento dos danos causados ao veículo seguro por furto ou roubo, quer estes se traduzam no desaparecimento, na destruição ou deterioração do veículo e/ou dos seus componentes, quer na subtração de peças fixas e indispensáveis á sua utilização”. Nesse sentido foi expressamente acordado com a Apelante, na Cláusula 1ª que, para efeitos da referida Condição Especial se considerava “FURTO OU ROUBO: o desaparecimento, destruição, ou deterioração do veículo por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentados ou consumados). Abrangendo o referido contrato de seguro, que é do tipo a que vulgarmente se costuma apelidar de “seguro contra todos os riscos”, o risco de furto ou roubo, foi objecto de cobertura facultativa contratada pela Apelante e aceite pela Apelada esse risco adicional mediante a verificação das condições gerais e especiais formalizadas no contrato junto aos autos. A esse contrato há que aplicar, no que respeita à obrigação de indemnizar, as regras da responsabilidade civil contratual. Nos termos do art.11º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo DL nº 72/2008 de 16/4), “o contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção e os decorrentes da lei geral.” O contrato de seguro deve ser formalizado pelo segurador num instrumento que constituirá a apólice de seguro e esta deve enunciar, nomeadamente, e em geral, todo o conteúdo do acordado pelas partes, nomeadamente as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis.(arts. 32º e 37º do referido RJCS) . O contrato de seguro não está agora sujeito a forma especial, mas o segurador está obrigado a formalizar o contrato antes celebrado, através do consenso de vontades, num instrumento escrito, que se designa de apólice – cfr. art. 32º do RGCS. Deste modo, conforme também já se referiu, corporizando a apólice o contrato celebrado entre as partes e sendo ela fiel reprodução do acordado entre as mesmas, o contrato de seguro não deixará de regular-se pelas estipulações da respectiva apólice, sem prejuízo das limitações (absolutas e relativas ) previstas na lei – cfr. anterior art. 427º do Código Comercial e, hoje, os arts. 11º a 15º do RJCS. Assim, a resolução de qualquer litígio no âmbito de um determinado contrato de seguro supõe a análise da respectiva apólice, enquanto expressão da vontade negocial das partes, vontade essa que o tribunal terá que interpretar, designadamente para decidir se o sinistro ocorrido se mostra previsto/coberto pelo contrato de seguro em apreço e, por consequência, é devida a prestação a cargo da seguradora. O seguro visa proporcionar ao segurado uma adequada tutela contra a ocorrência de determinados eventos futuros e incertos, e essa possibilidade de sinistro é que constituirá o risco segurável, pelo que, a exacta determinação do risco tem de constituir um dos pontos fulcrais da negociação entre as partes, até porque é em relação a ele que se estabelece o montante do prémio, assegurando o equilíbrio e o sinalagma da relação contratual. Para aferição do conteúdo do contrato, torna-se necessário atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice, e para determinar o âmbito do seguro é ainda necessário ter em conta as estipulações negociais que visam delimitar ou excluir certo tipo de riscos. Pedro Romano Martinez já escrevia que “o âmbito do dever de indemnizar, além de ser limitado ou excluído em certos casos, pode ser fixado por regras contratuais. Neste domínio, impera a autonomia privada, pelo que, por acordo, a determinação do âmbito do risco assumido e do valor a indemnizar pode assumir variados contornos. Relativamente ao conteúdo do contrato é usual distinguirem-se as “ condições gerais”– constituem o grupo essencial das cláusulas que regulam o contrato, definindo o tipo de seguro acordado -, as “ condições especiais “ – cláusulas que concretizam as cláusulas gerais, delimitando o tipo de seguro, nomeadamente excluindo certos aspectos do risco assumido pela seguradora –e as “condições particulares” – que se reportam à identificação do segurado (por norma, o tomador do seguro) e ao objecto do seguro. (…) Há que distinguir as cláusulas de exclusão da responsabilidade daquelas outras que delimitam o objecto do contrato. Por via de regra, nas condições gerais e especiais de apólices de seguro não se exclui a responsabilidade da seguradora, pois delimita-se o âmbito do risco coberto pelo contrato de seguro. Pode afirmar-se, parafraseando Pinto Monteiro (Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil, p.117), que “trata-se, neste caso, de cláusulas destinadas a definir o objecto do contrato, precisando o seu conteúdo e extensão, ao abrigo da liberdade contratual, na sua vertente de liberdade de modelação (art. 405º). Não estamos, pois, perante uma cláusula de irresponsabilidade (ainda que impropriamente se empregue, muitas vezes, essa expressão) quando o escopo das partes é precisar o conteúdo da prestação ou balizar os limites da relação contratual, mediante o afastamento expresso de certa obrigação.”[10] A esse propósito ficou provado que a Apelante e a Apelada acordaram, expressamente que, para além das exclusões previstas nas cláusulas 5.ª e 40.ª das Condições Gerais da Apólice, “…não ficam garantidas ao abrigo da presente Condição Especial as seguintes situações” – cfr. Cláusula 3ª da Condição Especial intitulada “Furto ou Roubo”: “a) Danos que consistam em lucros cessantes, perda de benefícios ou de resultados para o Tomador do Seguro e/ou Segurado em consequência de privações de uso, gastos de substituição ou depreciação do veículo seguro; b) Furto ou roubo cometido por pessoas que coabitem ou dependam economicamente do Tomador do Seguro/Segurado, pessoas que se encontram ao seu serviço, ou por quem, em geral, aqueles sejam civilmente responsáveis; c) Danos diretamente produzidos por lama ou alcatrão ou outros materiais utilizados na construção das vias; d) Danos causados em extras, tal como definido na cláusula 38.ª, incluindo o teto de abrir, quando os mesmos não forem devidamente valorizados e identificados nas Condições Particulares; e) Danos em capotas de lona.” Foi também expressamente acordado com a autora que para além das exclusões previstas na Cláusula 3.ª da sobredita Condição Especial, o contrato também não garantirá ao abrigo da cobertura facultativa intitulada “Furto ou Roubo” “…danos causados intencionalmente pelo Tomador do Seguro, Segurado, pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis ou às quais tenham confiado a guarda ou utilização do veículo seguro…”, nem tão pouco “…lucros cessantes ou perdas de benefícios ou resultados advindos ao Tomador do Seguro ou ao Segurado em virtude de privação de uso, gastos de substituição ou depreciação do veículo seguro ou provenientes de depreciação, desgaste ou consumo naturais…”. – cfr. Cláusula 40ª, números 1 b) e 2 d) das Condições Gerais da Apólice. Tal como ficou decidido na sentença recorrida, “ importa considerar, antes de mais, que nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil: “1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. 2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. 3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.” Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil, “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”. Assim, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, sem prejuízo de melhor entendimento, cabia à autora a alegação dos factos constitutivos do seu direito: que o seu veículo, segurado na ré, foi furtado (desapareceu por acção de terceiro) do local onde estava estacionado e não mais apareceu. E cabia à ré alegar e provar, se essa era a sua desconfiança, qualquer causa susceptível de integrar alguma exclusão do contrato de seguro.” Não há dúvidas que era à Apelante que cabia provar o furto, como facto constitutivo do direito que aqui pretende exercer, e nesse caso bastava à Apelada apresentar contraprova que tornasse esse facto duvidoso- não lhe incumbindo a prova do contrário- porém, se a intenção da Apelada era, como tudo indica, excluir a sua responsabilidade por entender que o furto foi levado a cabo pela própria segurada, já lhe incumbia tal prova pois que de uma exclusão da cobertura se tratava, consubstanciando um facto impeditivo da procedência da pretensão da Apelante. O sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato.(art. 99º do RJCS). A propósito das circunstâncias em que ocorreu o sinistro cuja ressarcibilidade a Apelante exige da Apelada, ficou apurado nestes autos ( após a decisão de alteração da decisão sobre a matéria de facto levada a cabo nesta instância) que no dia 30.06.2020, cerca das 12 horas, o legal representante da Apelante estacionou o supra identificado veículo automóvel de marca Renault, Modelo ..., matrícula ..-XJ-.. , na Rua ..., na União de freguesias de Gondomar (...), ... e ..., não tendo utilizado a referida viatura no dia seguinte, ou seja, no dia 1.07.2020, porque era o dia de folga daquele e não teve necessidade de a utilizar, sendo que, no dia 2.07.2020 quando regressou ao local onde havia estacionado a viatura supra identificada, cerca das 08,00 horas, desse mesmo dia, aquele constatou que a mesma tinha desaparecido. Nesse mesmo dia 2.07.2020 o legal representante da Apelante participou o desaparecimento da referida viatura no Posto Territorial da GNR ..., tendo sido elaborado o respectivo auto de denúncia, assim como participou o sinistro à Apelada nesse mesmo dia. Naquele período temporal em que o desaparecimento do veículo ocorreu, o invocado contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória do ramo seguro automóvel estava em vigor com a alegada Coberturas Facultativa de Furto ou Roubo. Sendo assim, tendo-se consubstanciado o sinistro no desaparecimento do veículo seguro, e não tendo sido o mesmo entretanto localizado, tem de se concluir que o sinistro em causa está coberto pelo contrato de seguro facultativo de danos celebrado com a Apelada, incluindo-se na cobertura especial de Furto. Foi acordado com a Apelante que os capitais seguros referentes às coberturas de “Danos Próprios” directamente associadas ao veículo seguro, nomeadamente a Condição Especial de “Furto ou Roubo”, sofreriam, desde o início da vigência dessas coberturas, uma desvalorização mensal e anual, de acordo com a referida tabela de desvalorização constante das Condições Particulares da Apólice, pelo que, atenta a data alegada do furto (entre 30.06.2020 e 02.07.2020), o capital do seguro para a cobertura intitulada de “Furto ou Roubo” prevista no contrato era, à data do alegado sinistro, de 24.970,53 €. Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente. (art. 1º RJCS). Verificado o sinistro, está a Apelada obrigada a pagar à segurada Apelante aquela importância a título de capital seguro para a cobertura de furto. Mais acordaram a autora e a ré o seguinte, quanto às condições de funcionamento desta cobertura – cfr. Cláusula 4ª das Condição Especial intitulada “Furto ou Roubo”: “1. Ocorrendo furto ou roubo, e querendo o Segurado usar dos direitos que a presente Condição Especial lhe confere, deverá apresentar assim que possível queixa às autoridades competentes e promover as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veículo e dos autores do crime. 2. Ocorrendo furto ou roubo que dê origem ao desaparecimento do veículo, o Segurador obriga-se ao pagamento da indemnização devida, decorridos que sejam sessenta (60) dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente, se ao fim desse período não tiver sido encontrado.” Uma vez que conforme contratualizado na Cláusula 4ª ocorrendo furto ou roubo que dê origem ao desaparecimento do veículo, a Apelada obrigou-se ao pagamento da indemnização devida, decorridos que fossem sessenta (60) dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente, se ao fim desse período não tivesse sido encontrado, à importância do capital seguro acrescem os juros de mora, à taxa legal, desde 2.09.2020 até integral pagamento. Peticionou ainda a Apelante um valor de €3000,00 pela privação do uso do veículo, porém, a cobertura desse dano para além de não ter sido contratualizada, consta expressamente excluída da Cláusula 3ª da Condição Especial intitulada “Furto ou Roubo”, segunda a qual não são garantidos danos que consistam em lucros cessantes, perda de benefícios ou de resultados para o Tomador do Seguro e/ou Segurado em consequência de privações de uso do veículo seguro. Segundo o disposto no art. 130º nº 1 e 3 do RJCS, no seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro. No seguro de coisas, o segurador apenas responde pelo valor de privação de uso do bem resultante do sinistro se assim for convencionado, o que não ocorreu no caso em apreço, não tendo a Apelante direito à peticionada importância a título de privação do uso do veículo. Segundo o art.43º nº 1 e 2 do RJCS o segurado deve ter um interesse digno de protecção legal relativamente ao risco coberto, sendo que no seguro de danos, o interesse respeita à conservação ou à integridade da coisa, direito ou património seguros, interesse esse que a Apelante tem, enquanto possuidora do veículo em questão, registado em seu nome, embora com reserva de propriedade a favor da entidade financiadora, sendo a Apelante a segurada a quem a Apelada se obrigou a pagar o capital seguro em caso de furto ou roubo. Deste modo, na procedência parcial dos argumentos recursivos nos moldes acima referidos, impõe-se revogar parcialmente a sentença recorrida. ** V. DECISÃO: Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Apelante, revogando-se a sentença recorrida no sentido de julgar-se a acção parcialmente procedente, condenando-se a Apelada a pagar à Apelante a importância de €24.970,53 acrescida de juros de mora à taxa legal desde 2.09.2020 até integral pagamento, absolvendo-se a Apelada do restante pedido deduzido pela Apelante. Custas a cargo da Apelante e Apelada, na proporção do respectivo decaimento. Notifique. Porto, 5 de Março de 2024 Maria da Luz Seabra Anabela Miranda Alberto Paiva Taveira (O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico) _________________________________ [1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93. [2] A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 686. [3] José Lebre de Freitas, CPC Anotado, 2º volume, 3ª edição, pág. 736-737. Vide, ainda, no mesmo sentido, AC RP de 29.06.2015, AC RP de 1.06.2015 ou, ainda, AC RG de 14.05.2015, todos www.dgsi.pt. [4] Neste sentido, entre outros, Ac STJ de 30.11.2021, Proc. Nº 760/19.5 T8PVZ.P1.S1 e Ac STJ de 16.11.2021, Proc. Nº 2534/17.9T8STR.E2.S1, www.dgsi.pt [5]) Vide, neste sentido, ainda, A. VARELA, ob. cit., pág. 690. [6] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência [7] Proc. Nº 215/20.5T8GMR.G1.S1, www.dgsi.pt [8] Proc. Nº 2939/19.0T8STR.E1.S1, www.dgsi.pt [9] Proc. Nº 2842/20.1T8STS.P1, www.dgsi.pt [10] Direito dos Seguros, p.82, 94 e 95. |