Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1382/06.6GAMAI.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO LOURENÇO
Descritores: HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO
PERSEGUIÇÃO POLÍTICA
USO DE ARMA DE FOGO
PRINCÍPIOS DA NECESSIDADE E DA PROPORCIONALIDADE
NEGLIGÊNCIA
Nº do Documento: RP201310301382/06.6GAMAI.P2
Data do Acordão: 10/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - Viola os princípios da necessidade e proporcionalidade, estabelecidos no artº 2º do D. L. 457/99 de 5.11, a actuação do agente de autoridade que recorre ao uso de uma pistola-metralhadora na perseguição a uma viatura que desobedeceu a uma ordem da paragem e a cerca de 15 a 20 metros a atinge com 5 tiros na parte traseira (dos 6 disparados), vindo a matar um dos ocupantes e a ferir outro gravemente.
II - O recurso a arma de fogo só é permitido em caso de absoluta necessidade, como medida extrema, quando outros meios menos perigosos se mostrem ineficazes e desde que proporcionado às circunstâncias concretas.
III - Estando apenas em causa a falta de uso do cinto de segurança dos ocupantes, não havendo quaisquer suspeitas da prática de crimes graves, nem sendo a viatura alvo de apreensão, é inadequado o pedido de reforços de mais agentes para perseguir os fugitivos, bem como o uso de armamento do tipo referido contra aquele tipo de veículo.
IV - A fuga de um cidadão à entidade policial nas circunstâncias em que ocorreu no caso dos autos, não justificava o recurso a meios “pesados”, tendo em conta o fim e interesse público que devem nortear os objectivos das forças de segurança, (cfr. artº 266º nº 1 e 272º da CRP).
V - Age com culpa consciente e negligência grosseira o soldado da GNR que, a cerca de 15 a 20 metros de distância de um Peugeot 106, a 60 km/h, dispara contra esta viatura 6 tiros de pistola-metralhadora, atingindo-a com 5 deles, vindo a causar a morte de um ocupante e a ferir outro gravemente, ambos no banco traseiro.
VI - A negligência é um juízo de censura ao agente por não ter agido de outro modo, conforme podia e devia. O traço fundamental situa-se, pois na omissão de um dever objectivo de cuidado ou diligência (não ter o agente usado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento). Necessário ainda se torna que a produção do evento seja previsível (uma previsibilidade determinada de acordo com as regras da experiência comum, ou de certo tipo profissional de pessoas – neste caso forças policiais) e só a omissão desse dever impeça a sua previsão ou a justa previsão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1382/06.6GAMAI.P2

Acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Secção
Criminal do Tribunal da Relação do Porto,

RELATÓRIO
No âmbito do processo nº 1382/06.6GAMAI, que correu termos na 4ª Vara Criminal do Porto em processo comum colectivo, foram os arguidos B….. e C….., julgados, tendo sido proferida a seguinte decisão:
- «Pelo exposto acordam os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo em:
a) Absolver o arguido B..... da prática, como autor material e em concurso real, de um crime de homicídio simples, na modalidade de dolo eventual, na forma consumada, de um crime de homicídio simples, na modalidade de dolo eventual, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131º, nº 1, 22º, 23º do cód. penal;
b) Absolver o arguido C..... da prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo 347º do cód. penal;
c) Condenar o arguido C..... pela prática, como autor material e em concurso real, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, nº 1, alíneas a) e b) do cód. penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;
d) Condenar o arguido B..... pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelos arts e 143º, nº 1 do cód. penal, na pena de cento e vinte (120) dias de multa, à taxa diária de sete euros e cinquenta cêntimos (7,50 €), num total de novecentos euros (900,00 €);
e) Fixam a taxa de justiça em 6 Ucs e 4 Ucs e condenar, respectivamente, cada um dos arguidos C.....e B..... no seu pagamento, montantes acrescidos de 1%, nos termos e por força do art. 13º, nº 3 do D. L. 423/91 de 30/10;
f) Condenam os arguidos pelos encargos do processo, nos termos do artigo 514º, nº 1 do cód. proc. penal;
g) Fixam a procuradoria em ½ da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 95º, nº 1 do CCJ.
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Inconformado com a decisão, veio o Ministério Público a recorrer nos termos de fls. 2850 a 2914, tendo apresentado as seguintes conclusões:
«1. No douto Acórdão de fls. 2739 e ss., o Tribunal decidiu, além do mais, absolver o arguido B....., dos crimes de homicídio, na forma consumada de D....., e na forma tentada de E…., por considerar “como lícita a conduta do arguido B..... quando efectuou nos disparos em causa nos autos pelo que, sem ilicitude, não se verifica o tipo objectivo dos crimes de homicídio, pelos quais vinha acusado, concluindo que; “assim sendo entendemos que a conduta do arguido B..... tem cobertura legal, tendo em conta o disposto nos citados artºs 3º, nº 2, b), nº 4, e 4º, nº 1, do DL 457/99, tendo sido ainda proporcional às circunstâncias concretas do caso em análise”.
2. O arguido B..... é soldado da GNR e os disparos em causa foram efectuados na sequência de uma perseguição policial ao veículo no qual seguiam os ofendidos.
3. O Ministério Público não se conformando com tal decisão vem dela interpor recurso, que incidirá sobre a matéria de direito, sem prejuízo de, ao abrigo do disposto no artº 410º, nº 2, al. c), do cód. proc. penal, se impugnar, por erro notório na apreciação da prova, os factos não provados sob os nºs 14, 16, 17 e 18.
4. Importa começar por apreciar o conteúdo e limites das medidas de polícia à luz da Constituição (artº 266º e 272º), porquanto a Constituição, hoje, determina tanto a posição jurídica do Estado (e da Administração) quanto a dos cidadãos: não há poder daquele nem direitos destes que não tenham o seu fundamento na Constituição.
5. O princípio da proporcionalidade ou da “proibição do excesso”, tem vindo a adquirir uma importância crescente enquanto parâmetro de actuação do Estado e da Administração. Tem três exigências fundamentais que simultaneamente o definem no seu enunciado básico: - A idoneidade, a necessidade e o equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito.
6. A posição do eventual destinatário das medidas de polícia é acautelada nos termos gerais dos princípios da actividade administrativa consignados no artº 266º, nº 1, da Constituição; prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
7. São medidas de polícia as que a lei previr e as mesmas não devem “ser utilizadas para além do estritamente necessário” O equilíbrio exige que os custos da medida administrativa do ponto de vista dos direitos e interesses legítimos dos particulares não sejam excessivos face aos benefícios que se visam alcançar para o interesse público.
8. O artº 272º da Constituição, que se apresenta como norma não perceptiva, remete claramente para o legislador ordinário a definição concreta do direito – no que concerne às medidas de polícia e à prevenção de crimes -, contudo impõe limitações à acção estadual, dispondo que as medidas de polícias são apenas as previstas na lei e que a prevenção de crimes só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
9. As medidas de polícia, estão assim sujeitas ao princípio da tipicidade e, por outro lado, têm de ser concretizadas com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. A gravidade dos perigos ou a importância dos bens em risco não justificam quaisquer desvios quanto aos princípios da actuação policial – é esta a teleologia do nº 3, do artº 272º da Constituição.
10. A utilização de armas de fogo pelas autoridades policiais deverá pois ser efectuada no respeito pelos direitos constitucionalmente protegidos dos cidadãos, com sujeição ao princípio da tipicidade e no respeito pelo princípio da proporcionalidade ou da “proibição do excesso”, concretizado na idoneidade, necessidade e equilíbrio ou proporcionalidade, em sentido estrito.
11. A interpretação do Dec. Lei 457/99 de 05/11 deverá pois ser feita de acordo e com as limitações impostas pelos art.ºs 262º, nº 2 e 272º da Constituição, nos termos referidos.
12. Aliás, no preâmbulo do aludido diploma, refere-se que os órgãos e agentes administrativos devem actuar com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da necessidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé e que os agentes da função policial só podem empregar a força quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu dever.
13. O artº 2º do citado diploma, sob a epígrafe princípios da necessidade e proporcionalidade, estabelece que o recurso a arma de fogo só é permitido em caso de absoluta necessidade, como medida extrema, quando outros meios menos perigosos se mostrem ineficazes, e desde que proporcionado às circunstâncias.
14. Entende o Prof. Figueiredo Dias, que o DL 457/99 enuncia correctamente os princípios que devem reger esta matéria e define o quadro em que estes princípios devem concretizar-se, impondo fortes limitações ao uso de armas de fogo quer quanto às situações em que ele é permitido, quer quanto aos procedimentos a adoptar.
Assim, o “recurso a arma de fogo só é permitido em caso de absoluta necessidade, como medida extrema, quando outros meios menos perigosos se mostrem ineficazes, e desde que proporcionado às circunstâncias” (art.º 2.º-1); só sendo de admitir o seu uso contra pessoas quando tal se revele necessário para repelir agressões que constituam um perigo eminente de morte ou ofensa grave que ameace vidas humanas, artº 3º 2 - (cfr. Direito Penal, Parte Geral, T 1, C Editora, 2004, 407).
15. Esta mais recente posição de Figueiredo Dias, posterior à publicação do DL 457/99, revela que deverá ser considerada desactualizada a posição do mesmo autor, publicada no Comentário Conimbricense, Tomo I, § 39, 19, anterior à publicação daquele Dec. Lei, posição esta que foi citada e serviu de fundamento ao douto Acórdão recorrido, na qual não se realça a exigência dos princípios da necessidade e proporcionalidade para considerar justificado o recurso a arma de fogo pelos OPC.
16. O Prof. Taipa de Carvalho entende que o recurso a arma de fogo (art.º 3.º, n.º 1) caracteriza-se pelo respectivo disparo não poder ser dirigido contra pessoas, i. é, não poder conter o risco de atingir mortalmente ou lesar gravemente a integridade física da pessoa visada. E, quanto à segunda modalidade, na utilização de armas de fogo - o recurso a arma de fogo contra pessoas – considera que as al.s b) e c) descrevem situações que configuram uma espécie de legítima defesa preventiva, mas que, juridicamente, devem ser qualificadas como direito de necessidade defensiva, uma vez que não se trata de agressões actuais, mas sim de ameaças sérias para vidas humanas, cujo impedimento de concretização não é possível senão através de uma acção prévia (à efectiva agressão) de defesa.
17. Considera que a al. b) permite o uso de arma de fogo contra pessoas, quando a urgência de “prevenir a prática de crime particularmente grave que ameace vidas humanas” não puder ser neutralizada através do “recurso a armas de fogo”, isto é não puder ser neutralizada através de disparos de dissuasão, que levem à rendição do agente ameaçador.
18. O legislador do DL 457/99, estabeleceu inequivocamente que, apesar da acção de defesa ser necessária, i. é indispensável para impedir a agressão, esta acção só está justificada quando houver uma proporcionalidade qualitativa entre os bens. Ou seja, só está justificada a acção de defesa (necessária para repelir a agressão), que se traduza num risco sério de morte ou de lesão corporal grave do agressor, quando o bem objecto da agressão for a vida ou a integridade física essencial.
19. Por sua vez o n.º 4 do art.º 3.º dispõe que “o recurso a arma de fogo só é permitido se for manifestamente improvável que além do visado ou visados, alguma outra pessoa venha a ser atingida”.
20. O arguido B..... quando utilizou a arma de fogo sabia que no veículo, além do condutor, circulava, pelo menos, mais um passageiro, no lugar do “pendura”. Deveria ter ponderado na possibilidade de este passageiro vir a ser atingido, tanto mais que os disparos foram, como ficou provado, dirigidos ao lado direito do Peugeot, onde seguia o referido passageiro (cfr. facto provado nº 18). Passageiro este que não estava indiciado pela prática de qualquer ilícito criminal.
21. Importa considerar que, de acordo com a matéria considerada provada, os disparos foram efectuados a uma distância de cerca de 15 metros do veículo Peugeot, os quatro primeiros, e a cerca de 15 a 20 metros, os dois últimos (factos 36 e 38). Foi utilizada uma pistola-metralhadora marca “Famae”, modelo SAF, calibre 9 mm (facto 33).
22. Considerando a curta distância a que os tiros foram disparados e as características da arma utilizada fácil é de concluir que a carroçaria do veículo não seria apta a deter as balas e que estas percorreriam, como percorreram, o interior do veículo.
23. Sendo certo ter ficado provado que os disparos foram dirigidos ao pneu traseiro direito da viatura em fuga (factos 36 e 38), a verdade é que nenhum dos pneus da viatura foi atingido. O Peugeot foi atingido, na sua traseira, por cinco tiros, como resulta dos vestígios nele encontrados, ao nível da chapa e do pára-choques, sendo que três deles apresentam continuidade para o interior do veículo (factos 52, 53 e 54).
24. Sobre os locais do Peugeot atingidos pelos disparos é elucidativa a perícia efectuada pela Polícia Judiciária, a fls. 343 e ss. – relatório de reconstituição e das observações efectuadas na viatura baleada da marca Peugeot -, através da qual é permitido concluir, que o Peugeot foi atingido na chapa da sua traseira, por cinco tiros, quatro dos quais bem acima do pára-choques, sendo que três deles atingiram o Peugeot já na parte superior da chapa, junto ao vidro traseiro e apenas um atingiu o para-choques.
25. Através das fotos de fls. 358 a 361 é possível verificar os locais em que o Peugeot foi atingido pelos disparos do arguido B..... e, também, a trajectória dos projécteis no interior do Peugeot. As fotos de fls. 361 revelam essas trajectórias sendo evidente que três dos projécteis atingiram o banco traseiro do Peugeot, quer do lado esquerdo quer do lado direito, e a uma altura média entre a base das costas do banco e a sua parte superior.
26. É patente, face às referidas trajectórias, que esses projécteis, se mostrariam aptos a atingir o passageiro que circulava no lugar de “pendura”, facto que era do conhecimento do arguido B..... (facto 18 dos factos provados) se não tivessem sido detidos pelos corpos dos ofendidos que circulavam no banco traseiro.
27. O único crime então indiciado era a condução perigosa de veículo rodoviário imputável, unicamente, ao condutor do Peugeot. Mostra-se que os disparos efectuados pelo arguido B..... foram feitos em circunstâncias em que não era manifestamente improvável que outros, além do visado, viessem a ser atingidos, violando assim claramente a previsão do artº 3º, nº 4, do DL 457/99.
28. A prática do crime, de condução perigosa de veículo, é susceptível de criar um sério perigo para a vida e de lesões graves, de seres humanos, designadamente quando o veículo seja conduzido durante o dia, com velocidade elevada, pelas ruas e passeios de uma cidade, pelas quais circulam inúmeros veículos e peões.
29. Diferentemente, nas circunstâncias concretas ora em apreciação, em que a perseguição teve lugar durante a noite, depois das 01H00, e considerando que os disparos foram efectuados num local onde então não circulavam pessoas ou veículos, não se vislumbra qualquer perigo eminente (contra a vida ou integridade física essencial do polícia ou de terceiros) que importasse acautelar.
30. Temos assim de considerar que, nas circunstâncias concretas e no momento em que os disparos foram efectuados, o crime de condução perigosa de veículo Peugeot, não se apresentava como particularmente grave nem ameaçava vidas humanas ou a integridade física essencial do polícia ou de terceiros.
31. Contudo, exige-se que o perigo seja eminente e que os bens jurídicos ameaçados sejam a vida ou ofensa grave da integridade física. Não se verificando esse pressuposto da proporcionalidade qualitativa dos bens (objecto da agressão e objecto da acção de defesa), a acção e defesa que se traduza na morte ou lesão corporal grave do agressor, é considerada ilícita (crime de homicídio ou de ofensas corporais graves).
32. Os disparos efectuados pelo arguido B..... não se revelavam, nem revelaram, idóneos, necessários e proporcionais, pelo contrário, revelavam-se e revelaram-se excessivos, face aos benefícios que se visaram alcançar para o interesse público.
33. Mostra-se assim que o arguido B....., ao efectuar os disparos contra o Peugeot violou os princípios da necessidade e proporcionalidade, que regulam o recurso a arma de fogo pelos OPC, porquanto o fez em momento em que se não verificava perigo eminente da prática de crime particularmente grave, que ameaçasse vidas humanas, e sem respeito pelos direitos liberdades e garantias dos cidadãos, violando assim a previsão dos art.s 2º e 3º, nº 2, al. b), do DL 457/99, de 05/11, com referência aos art.ºs 266º e 272º da Constituição.
34. Acresce, que o arguido B..... Carvalho efectuou os disparos, que dirigiu contra o Peugeot, com grave negligência e falta de cuidado, uma vez que os direccionou contra o pneu traseiro direito e veio a atingir apenas a carroçaria do veículo, e em locais elevados, conforme referido.
35. Foi considerado provado o arguido B..... desconhecia que circulavam, no banco de trás do Peugeot, os ofendidos D..... e E….. (facto 18). É pois de concluir que o arguido B..... não terá representado a possibilidade de atingir estes ofendidos, cuja presença no Peugeot desconhecia, pelo que, por falta do elemento intelectual, deverá considerar-se excluído o dolo.
36. O tipo de ilícito negligente é formado pela acção violadora do dever objectivo de cuidado (desvalor da acção) e pela ocorrência do resultado típico (desvalor do resultado). Sendo que a culpa negligente revela-se na atitude ético-pessoal de descuido ou leviandade do agente perante o bem jurídico lesado ou posto em perigo pela respectiva acção ilícita negligente. Sendo pressupostos da culpa negligente; a previsibilidade subjectiva do perigo e a possibilidade de o agente ter cumprido o dever objectivo de cuidado.
37. A imputação efectiva do resultado à acção negligente pressupõe que se possa afirmar, com razoável probabilidade, que o resultado ocorrido ter-se-ia evitado (i. e, não se teria produzido) se o agente tivesse procedido com o cuidado objectivamente exigível.
38. O arguido B....., usou a arma de fogo, contra Peugeot, fora das condições legais para o efeito, violando as normas legais que regulam o uso de armas de fogo em acção policial, designadamente, os artºs 2º e 3º, nº 2, al. b), e nº 4, do DL 457/99, conforme supra referido.
39. Fê-lo com grave negligência e falta de cuidado, uma vez que, alegadamente, direccionou os seis disparos que efectuou contra o pneu traseiro direito e veio a atingir apenas a carroçaria do veículo, e em locais elevados, conforme referido. Revelou uma atitude de descuido ou leviandade, perante os bens jurídicos lesados.
40. Mostra-se claramente que o resultado, a morte e ofensa na integridade física dos ofendidos D..... e E…., não teria ocorrido se o arguido tivesse agido com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, abstendo-se de utilizar a arma de fogo, nas circunstâncias em que a utilizou, uma vez que era previsível a situação de perigo, quer porque sabia que no veículo circulava o “pendura” quer porque não controlou a direcção dos projécteis e estes atingiram a carroçaria do veículo ao invés dos pneus.
41. Entende-se que o arguido B....., actuou na situação de negligência, inconsciente (artº 15º, al. b), do cód. penal), relativamente à morte e ofensa na integridade física dos ofendidos D..... e E…..
42. Do erro notório na apreciação da prova. Verifica-se erro notório quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.
43. Entende-se que existe contradição entre os factos considerados provados sob os n.ºs 18, 33, 34, 36, 38, 39, 41 a 47, 58 a 61 e 63 e os factos considerados não provados sob os nºs 14, 16, 17 e 18, pelo que expressamente se impugna o julgamento dos aludidos factos considerados não provados.
44. Com a prática dos factos descritos no douto Acórdão ora recorrido, arguido B..... incorreu, no que respeita aos ofendidos:
- D....., na prática de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelo art.º 137º, nº 1, do cód. penal; e, - E…., na prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência p. e p. pelo artº 148º, nº 1, do cód. penal.
45. Considerando, o grau de ilicitude, a gravidade das consequências da conduta do arguido, a intensidade da negligência e os motivos que determinaram a conduta do arguido – o cumprimento dos seus deveres de polícia -, entende-se que o arguido deverá ser condenado em pena de prisão de medida não superior a 2 anos.
46. O Acórdão ora recorrido violou o disposto nos artº 266º e 272º da Constituição, bem como, os artº 2º e 3º, nº 2, al. a) e nº 4, do DL 457/99, de 05/11, interpretando as referidas normas no sentido de que os OPC podem usar armas de fogo contra o condutor e passageiros de um veículo automóvel, pela prática de um crime de condução perigosa, imputável ao respectivo condutor, sem que se verifique um perigo eminente de morte ou ofensa grave que ameace vidas humanas e, sem que seja manifestamente improvável que, além do visado, alguma outra pessoa venha a ser atingida.
47. Porém tais normas deverão ser interpretadas no sentido de só ser admitido o uso de arma de fogo contra pessoas quando tal se revele necessário para repelir agressões que constituam um perigo eminente de morte ou ofensa grave que ameace vidas humanas e desde que seja manifestamente improvável que, além do visado, alguma outra pessoa venha a ser atingida.
Assim, alterando a decisão recorrida nos termos expostos, se fará a devida Justiça».
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O recorrido, B....., respondeu ao recorrente nos termos de fls. 2985 a 2988, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do acórdão recorrido, tendo em síntese concluído que:
- «A perseguição durou dezasseis (16) longos quilómetros e o condutor do veículo em fuga e acólitos ameaçaram vidas humanas e não respeitaram os mais essenciais direitos dos cidadãos.
- A conduta do recorrente foi cuidada e obediente aos ditames legais e da prudência. Todas as normas foram respeitadas.
- E se o dolo se considerou afastado e se se deve continuar a considerar afastado, como sustenta o Digmº Magistrado recorrente, face à inexistência do seu elemento intelectual, em todas as suas formas no que respeita à morte e à ofensa na integridade física dos ofendidos,
- Identicamente a culpa negligente está e esteve afastada. O arguido agiu com o cuidado devido e objectivamente exigível e de que era capaz.
- Não ocorre assim qualquer razão ou motivo para se alterar o decidido no douto acórdão recorrido, tanto mais que não há qualquer erro, notório ou não, na apreciação da prova nem qualquer contradição entre factos provados e/ou não provados.
Pelo que deverá ser mantido integralmente o douto acórdão recorrido, assim se fazendo Sã Justiça».
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Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o Douto Parecer de fls. 3033 a 3049, defendendo a improcedência do recurso na sua totalidade e a confirmação do acórdão recorrido.
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O recurso foi tempestivo, legítimo e correctamente admitido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTOS

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, extraídas pelo recorrente da respectiva motivação[1], que no caso “sub judice” se circunscrevem aos seguintes itens:
- Erro notório na apreciação da prova quanto aos factos dados como não provados sob os nº 14, 16, 17 e 18.
- Contradição entre os factos dados como provados sob os nº 18, 33, 34, 36, 38, 39, 41 a 47, 58 a 61, 63 e os factos dados como não provados sob os nºs 14, 16, 17 e 18.

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FACTOS PROVADOS
O Tribunal “a quo” deu como provados os seguintes factos:
A. Factos Provados (consignando-se que será devidamente destacadas os factos que tiverem resultado da presente audiência de julgamento):
1. No dia 3 de Outubro de 2006, cerca da 01 hora, os soldados da GNR F….. e G….., a exercer funções no Posto Territorial da Maia, encontravam-se de serviço de patrulha às ocorrências, circulando no veículo automóvel jeep, da marca “Nissan”, modelo “Patrol”, devidamente caracterizado, que estava afecto aquele órgão de polícia criminal e em cujo interior se encontravam;
2. Na zona abrangida pelo cruzamento das Guardeiras, em Moreira da Maia, comarca da Maia, avistaram o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca “Peugeot”, modelo “106XN”, de cor vermelha, com a matrícula ..-..-DJ, conduzido pelo arguido E…..;
3. Veículo este que, não obstante não ser da sua propriedade, estava na posse do arguido E…. há cerca de dois a três meses, sendo o seu único condutor desde então;
4. Alguns metros à frente, quando este veículo automóvel de marca e modelo “Peugeot 106” veio a suster a marcha e ficou parado em virtude da sinalização luminosa ali existente, que naquele momento era vermelha, no seu interior seguiam, para além do condutor, outros três indivíduos, do sexo masculino, de nomes D....., H….. e E….., sem que todos eles fizessem uso dos respectivos cintos de segurança instalados naquele veículo automóvel;
5. Perante tal circunstância, o soldado F….. procedeu à abordagem da referida viatura automóvel de marca e modelo “Peugeot 106”, tendo para o efeito saído do interior do veículo policial em que seguia, após o mesmo se ter imobilizado lateralmente e uns metros à frente daquele veículo automóvel de matrícula ..-..-DJ;
6. O referido soldado F..... dirigiu-se àquele veículo automóvel, dando indicações para o arguido E…., que se encontrava ao volante do mesmo, no sentido daquele proceder ao estacionamento do veículo automóvel junto da berma, de forma a poder ser devidamente fiscalizado;
7. O arguido E…., que se encontrava ao volante do veículo automóvel da marca e modelo “Peugeot 106” decidiu não acatar tal ordem, legítima e dimanada de autoridade competente para tal, pondo o veículo automóvel que tripulava em andamento e colocando-se em fuga, no que teve o acordo e apoio dos restantes ocupantes do veículo, posição que todos mantiveram até à imobilização do veículo onde seguiam;
8. Animado do propósito de se colocar em fuga, o arguido E…. colocou em andamento a viatura que conduzia quando o guarda F….. se encontrava junto do jeep distribuído à GNR, mas no seu exterior;
9. Tendo-se apercebido que o referido veículo de marca “Peugeot” iniciara a marcha, e quando se encontrava prestes a entrar na viatura da GNR, o soldado F…. saltou para dentro da mesma dizendo ao condutor, o soldado G…., para o colocar em movimento, o que aquele fez;
10. Acto contínuo, o arguido E…. passou por detrás do referido jeep e invertendo o sentido de marcha àquela viatura automóvel que tripulava, rumou no sentido desta cidade do Porto;
11. O comportamento assumido pelo arguido E…. foi interpretado pelo guarda F….., da GNR como uma tentativa de atropelamento a si, presumindo que o veículo avançara na sua direcção;
12. Razão porque, de imediato, para além de lhe moverem perseguição, lançaram um alerta, via rádio, à rede da GNR, informando do comportamento do condutor do referido veículo dando conta que tinha tentado atropelar, na sua fuga, um militar da GNR bem como forneceram todos os elementos identificativos do veículo automóvel em fuga, nomeadamente marca, cor e matrícula, solicitando o apoio de outros militares de outros postos;
13. O jeep onde se faziam transportar os dois soldados da GNR, acima identificados, perseguiu o referido veículo automóvel de marca e modelo “Peugeot 106”, durante vários quilómetros, sensivelmente 12 quilómetros, quer pelo interior de localidades, como por outras vias rodoviárias, imprimindo, o condutor da viatura automóvel de matrícula ..-..-DJ velocidade superior aos limites legalmente estabelecidos, entre os 100 a 140 kms/h, sendo certo que o condutor do referido jeep distribuído à GNR, o soldado G..... imprimiu, também ele, velocidade superior à legalmente permitida com vista a lograr a interceptação do veiculo automóvel em fuga;
14. A perseguição, que se iniciou na zona abrangida pelo Cruzamento das Guardeiras, em Moreira da Maia, continuou por mais quilómetros, tendo as duas referidas viaturas, a dado momento, passado a circular na A28, no sentido Póvoa do Varzim/Porto, cidade onde deram entrada pela Rotunda denominada dos “Produtos Estrela”, sendo que em duas ocasiões, o condutor do veículo de marca e modelo “Peugeot 106” efectuou manobras de travagem acentuada e de forma repentina, tendo dado causa ao eminente despiste, em duas ocasiões, do jeep distribuído à GNR, uma delas junto ao Aeroporto do Porto, em Pedras Rubras e outra junto à Rotunda conhecida como dos “Produtos Estrela;
15. Logo após a Rotunda dos Produtos Estrela, mais precisamente desde a Rua da Preciosa que o veículo automóvel em fuga, o de marca e modelo “Peugeot 106” passou a ser perseguido por uma outra viatura da GNR, da marca “Nissan”, modelo “Almera”, devidamente caracterizada, com a matrícula GNR L-…., atribuída ao Posto Territorial de Matosinhos daquela corporação policial;
16. Viatura essa que, entretanto, viera auxiliar na perseguição à referida viatura em fuga, sendo a sua tripulação composta pelo soldado I….., que a conduzia e pelo soldado B....., aqui arguido;
17. Na referida zona foi esta última viatura policial que, por ser mais rápida, ocupou o lugar de dianteiro na perseguição ao veículo automóvel em fuga, após ter conseguido ultrapassar o jeep distribuído àquela entidade policial, conduzido pelo soldado G....., sendo depois seguida por aquele jeep;
18. Desde esse momento até que se veio a imobilizar a viatura automóvel de marca e modelo ”Peugeot 106”, a tripulação que compunha a viatura da GNR, da marca “Nissan, modelo “Almera”, devidamente caracterizada, com a matrícula GNR-L-…., composta pelo seu condutor, o soldado I…. e o aqui arguido B..... deram conta de que no seu interior seguiam o respectivo condutor e o ocupante no lugar do pendura;
19. Todas as três referidas viaturas foram tripuladas em velocidade superior aos limites estipulados na lei, nas diversas artérias desta cidade, nomeadamente na Rua da Preciosa, entrando de seguida na Avenida Antunes Guimarães, donde seguiram pela Rua de Sagres e pela Rua de Fez, onde o veículo automóvel perseguido mudou de direcção, a fim de passar a circular na Rua de Pinho Leal, sempre seguido de perto, variando entre os 80 a 200 metros, pela viatura da GNR da marca “Nissan”, modelo “Almera”, devidamente caracterizada, com a matrícula GNR L-…., sendo certo que os condutores dos veículos automóveis distribuídos à GNR o faziam com vista a lograr a interceptação do veiculo automóvel em fuga;
20. O condutor da viatura de marca e modelo “Peugeot 106” com a matricula ..-..-DJ, o aqui arguido C..... desobedeceu diversas vezes à sinalização luminosa, nomeadamente a instalada no cruzamento formado pela Avenida da Boavista com a Avenida Antunes Guimarães, sendo certo que no referido cruzamento tal sinalização também não foi acatada pelo condutor da viatura da GNR de marca e modelo “Nissan Almera”, mas que o fez apenas após se ter certificado que tal não acarretava perigo para os demais utentes da via e seguindo com os sinais luminosos de emergência accionados, tal como acontecia, desde o momento em que tomara a dianteira na perseguição ao referido veículo automóvel de marca e modelo “Peugeot 106” e, tendo sempre, por desiderato a interceptação do veiculo automóvel em fuga;
21. Quando circulavam na Av. Antunes Guimarães, nesta cidade, e mediando uma distancia de cerca de 80 a 100 metros entre as viaturas de marca e modelo “Peugeot 106”, com a matricula ..-..-DJ e a de marca e modelo “Nissan Almera”, o aqui arguido B..... solicitou ao seu colega F…., que tripulava aquele veiculo militar para que tentasse aproximar-se mais da viatura em fuga, visto que dera conta que o individuo que seguia ao lado do condutor havia arremessado um objecto pela janela;
22. Antes, quando circulavam na Rua da Preciosa, nesta cidade, artéria esta que apresenta uma inclinação, seguindo as viaturas de marca e modelo “Peugeot 106” com a matrícula ..-..-DJ e a da marca “Nissan”, modelo “Almera”, devidamente caracterizada, com a matrícula GNR L-…., no sentido descendente, o arguido C....., que então efectuava a condução do veículo que tripulava pela hemifaixa contrária ao sentido de transito em que seguia, decidiu, efectuar uma travagem brusca, razão porque o condutor do veiculo automóvel distribuído à GNR da marca e modelo “Nissan Almera” teve de efectuar uma manobra de recurso, chegando a subir o passeio, de forma a evitar a colisão entre os veículos; (correcção constante da decisão do Tribunal da Relação do Porto).
23. No decurso da referida perseguição, e quando as três citadas viaturas percorreram as referidas artérias, desde a zona abrangida pelo Cruzamento das Guardeiras e já quando percorriam varias artérias desta cidade, do modo referido, todos os elementos da GNR, quer os que se encontravam no jeep de marca e modelo “Nissan Patrol”, devidamente caracterizado, quer os que se encontravam no veículo de marca e modelo da marca “Nissan”, modelo “Almera”, devidamente caracterizada, com a matrícula GNR L-…., foram emitindo várias mensagens sonoras ordenando ao condutor do veiculo ao fuga que o imobilizasse, ordem esta que nunca foi aceite pelo arguido C....., que conduzia tal viatura;
24. E mesmo quando o veículo da marca “Nissan”, modelo “Almera”, devidamente caracterizada, com a matrícula GNR L-…. tomara a dianteira na perseguição ao veículo de marca e modelo “Peugeot 106”, o arguido B....., pelo menos em quatro ocasiões, com recurso ao sistema sonoro disponível no veículo em que seguia, ordenou “Senhor Condutor, encoste o carro”;
25. Quando circulavam pela Avenida Antunes Guimarães o condutor do “Peugeot” chegou a circular pela metade esquerda da faixa de rodagem, o que obrigou, pelo menos, um condutor cujo veículo circulava em sentido contrário, a desviar-se da sua mão de trânsito a fim de evitarem o embate com aquele “Peugeot”; (declarações do arguido B.....).
26. Então, de imediato, o arguido B..... efectuou novo aviso com recurso ao megafone instalado na viatura automóvel em que seguia, dizendo agora “Se não pararem, vou disparar!”;
27. Após uns segundos daquele ultimo alerta, em que o arguido B..... verificou que o condutor de tal viatura automóvel de marca e modelo “Peugeot 106” com a matrícula ..-..-DJ não a imobilizava, e porque entendeu que o condutor do veículo em fuga apenas imobilizaria o veículo se fosse obrigado a tal decidiu fazer parar aquela viatura através do recurso ao uso de uma das armas de fogo que lhe estava distribuída;
28. Antes, porém, o arguido B..... efectuou novo aviso com recurso ao megafone instalado na viatura automóvel em que seguia, dizendo agora “Se não pararem, vou disparar!”;
29. Naquele momento o único veículo da GNR que se encontrava próximo do local era o jeep Nissan Patrol, que circulava atrás do veículo onde seguia o arguido B....., o que era do conhecimento deste e do seu colega;
30. O arguido não tinha conhecimento sobre a posição de veículos da PSP embora soubesse que tinha sido pedido a colaboração deste força policial;
31. Uma vez que as comunicações das duas forças policiais em causa são efectuadas através de canais diferentes, não tendo os elementos de uma das forças acesso ao conteúdo das comunicações da outra;
32. A colocação de barreiras, na estrada, por parte das forças policiais para fazer imobilizar um veículo não estava disponível, na situação em concreto, sendo, de todo o modo, de muito difícil execução em caso de perseguição em meio urbano;
33. Em consequência de todos estes factos o arguido B..... decidiu, portanto, fazer uso, para esse efeito, da pistola-metralhadora de marca “Famae”, modelo SAF, de calibre 9mm, com três apoios e mecanismos próprios de segurança, pronta a usar em sistema de automático e semi-automático, distribuída ao serviço nocturno da patrulha; (decisão do Tribunal da Relação do Porto).
34. Este arguido, o arguido B....., que seguia no lugar frontal direito da viatura de marca e modelo “Nissan Almera”, e quando os veículos seguiam pela Rua Pinho Leal, colocou-se junto à janela, com a parte superior do tronco inclinada para o exterior, empunhando a referida pistola, cujos apoios colocou na porta do veículo em que seguia e ajustou ao seu ombro de forma a melhorar a pontaria, colocando-a no modo semi-automático;
35. Imediatamente antes de disparar, e quando circulavam pela Rua Pinho Leal o condutor do “Peugeot” chegou a circular pela metade esquerda da faixa de rodagem, o que obrigou um condutor cujo veículo circulava em sentido contrário, a desviar-se da sua mão de trânsito a fim de evitarem o embate com aquele “Peugeot”; (declarações do arguido B.....)
36. Após alguns segundos de espera, e quando o veiculo de marca e modelo “Nissan Almera” se encontrava mais para a esquerda, tendo por referencia o eixo central do veiculo de marca e modelo “Peugeot 106” de matricula ..-..-DJ, e a uma distancia de cerca de 15 metros do mesmo, o arguido B..... efectuou quatro disparos dirigidos ao pneu direito traseiro da viatura em fuga, em modo semi-automático;
37. Não obstante tais disparos, as duas viaturas continuaram a sua marcha, no sentido descendente, onde faz uma curva até a uma zona plana, prosseguindo em recta;
38. Vindo, nesse local, e com o mesmo objectivo de suster a marcha da viatura em fuga e encontrando-se na mesma posição, isto é colocado à janela da viatura policial, o arguido B..... efectuou mais dois disparos, dirigidos ao pneu direito traseiro, quando os referidos veículos se encontravam a uma distancia de cerca de 15 a 20 metros, tendo, então, a viatura em fuga se vindo a imobilizar junto do prédio com o número de polícia 359, alguns metros mais à frente;
39. Os tiros efectuados pelo arguido B..... e descritos nos factos 30 e 32 foram disparados, quer no primeiro quer no segundo momento, de forma rápida; (decisão do Tribunal da Relação do Porto)
40. Em qualquer dos momentos em que o arguido B..... efectivou os disparos com a referida arma de fogo, o veículo automóvel em que seguia, o de marca e modelo “Nissan Almera” seguia a uma velocidade de cerca de 60 kms/h;
41. Como consequência necessária e directa desses disparos, um dos ocupantes da viatura em fuga, que seguia no lado direito do banco traseiro, o D..... acabou por ser atingido, no tórax, por dois projécteis, sendo um de trás para diante e outro de trás para diante, da esquerda para a direita e ligeiramente de cima para baixo;
42. Projécteis esses lhe causaram as seguintes lesões traumáticas torácicas:
- No tórax: solução de continuidade superficial localizada ligeiramente abaixo e à esquerda do mamilo direito com catorze milímetros de comprimento, inserida numa área de escoriação de vinte e cinco por treze milímetros de maiores dimensões; solução de continuidade de forma arredondada localizada na região inter-escapular, um centímetro à esquerda da linha média torácica e sete centímetros abaixo da extremidade inferior da apófise espinhosa da sétima vértebra cervical, com dez e meio milímetros de diâmetro com orla de contusão com cinco milímetros de largura e dezanove milímetros de diâmetro-orifício de entrada de projéctil de arma de fogo; solução de continuidade de forma elíptica localizada à esquerda da região external, doze milímetros à esquerda da linha média torácica, com dez por sete milímetros de maiores diâmetros, com orla de contusão com quatro milímetros de largura e quinze milímetros de diâmetro-orifício de saída de projéctil de arma de fogo; solução de continuidade de forma elíptica localizada ao nível do oitavo espaço intercostal esquerdo, vinte e um centímetros à esquerda da linha media torácica anterior na linha axilar posterior esquerda, com onze por seis milímetros de maiores dimensões, com orla de contusão com cinco milímetros de largura e vinte e um por catorze milímetros de maiores diâmetros-orifício de entrada de projéctil de arma de fogo; livores cadavéricos nas partes posteriores;
- Nas paredes do tórax: enfisema subcutâneo na face lateral do hemitorax esquerdo; trajecto de projéctil de arma de fogo, destruindo das laminas laterais esquerdas da quinta vértebra dorsal, com infiltração sanguínea; perfuração a este nível da pleura parietal nas faces posterior e anterior da cavidade pleural esquerda com infiltração sanguínea; orifício de passagem de projéctil de arma de fogo junto da articulação da segunda costela esquerda com o externo com projecção de esquírolas ósseas para o exterior da cavidade torácica com infiltração sanguínea; infiltração sanguínea nos músculos subjacentes ao orifício de entrada; trajecto de passagem de projéctil de arma de fogo fracturando a sétima costela do hemitorax esquerdo, arco médio, com projecção de esquírolas ósseas para o interior da cavidade torácica e laceração da pleural parietal, com infiltração sanguínea; trajecto de passagem de projéctil de arma de fogo fracturando a articulação entre a sétima e a oitava costelas do hemitorax esquerdo, junto ao externo, com projecção de esquírolas cartilaginosas para o exterior da cavidade torácica e laceração da pleura parietal, com infiltração sanguínea;
- Pulmão esquerdo: atelectasia; trajecto de projéctil de arma de fogo com orifícios de entrada e de saída no lobo superior, com direcção de trás para diante, com infiltração sanguínea; trajecto de projéctil de arma de fogo, com orifícios de entrada e de saída no lobo inferior, com direcção de trás para diante, da esquerda para a direita e ligeiramente de cima para baixo e com infiltração sanguínea;
- Ráquis/paredes: trajecto de projéctil de arma de fogo de trás para diante, fracturando as laminas laterais da quinta vértebra dorsal, à esquerda, sem atingir o corpo vertebral, com infiltração sanguínea;
37. Lesões estas que lhe determinaram, como efeito necessário, a sua morte;
38. Igualmente e consequência dos disparos efectuados, E….., que seguia no lado esquerdo do banco traseiro, acabou por ser atingido, por um dos projécteis disparados, na zona abdominal;
39. Projéctil esse que lhe causou traumatismo abdominal, apresentando orifício de entrada a nível do Hip direito/flanco direito e orifício de saída ao nível da região lombar direita bem como outro orifício de entrada a nível da face anterior da coxa direita, tendo sido submetido a laparatomia exploradora para exclusão de lesão intra abdominal, que revelou hematoma do retroperitoneu direito e hematoma do pólo inferior do rim direito sem outra lesões da cavidade intra abdominal;
40. Lesões essas que lhe determinaram, como consequência necessária e directa, quarenta e cinco dias de doença, com afectação da capacidade para o trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional, bem como as seguintes sequelas:
- No abdómen: cicatriz abdominal infra-umbilical mediana com 20 centímetros de comprimento; oito cicatrizes com orientação horizontal, perpendiculares à anterior, correspondentes a inserção de agrafes; cicatriz correspondente a orifício de saída de projéctil na região do flanco direito/fossa ilíaca direita com dois centímetros de diâmetro; cicatriz correspondente a local de inserção de dreno na região da fossa ilíaca direita com um centímetro de diâmetro;
- Na região lombar superior direita: cicatriz correspondente a orifício de entrada de projéctil com um vírgula cinco centímetros de diâmetro;
- No membro inferior direito: cicatriz correspondente a orifício de entrada na face anterior do terceiro proximal da coxa com dois centímetros de diâmetro; cicatriz correspondendo a local de retirada de projéctil na face posterior da coxa com três vezes dois centímetros;
41. No dia 3 de Outubro de 2006, pelas 2h29, o referido H…. foi assistido no Hospital Geral de Santo António, apresentando queixa de dor ao nível da face, tendo tido alta clínica para o domicilio pela 3h31 desse mesmo dia, lesões essas que lhe determinaram, como consequência necessária e directa, incapacidade para o trabalho por período que não foi possível determinar;
42. Após a imobilização da viatura em fuga de marca e modelo “Peugeot 106”, o arguido B....., e com o uso de uma arma de fogo que empunhava, e sem qualquer razão aparente, agrediu na face o H…., um dos outros ocupantes do veículo em fuga, tendo-lhe causado as lesões referidas em 45 dos factos assentes; (decisão do Tribunal da Relação do Porto).
43. O arguido B....., ao actuar nos moldes descritos em 46, agiu de forma consciente e voluntária, sabendo que a sua conduta era proibida por lei; (decisão do Tribunal da Relação do Porto).
44. Todas as seis cápsulas foram deflagradas pela pistola automática – metralhadora da marca “Famae”, modelo SAF, de calibre 9 mm Parabellum, com o número de série A–04232, de origem chilena, que se encontrava em boas condições de funcionamento, e que o arguido B..... empunhou;
45. Bem como os dois projécteis e o projéctil correspondente ao fragmento de blindagem;
46. A viatura da marca “Peugeot”, modelo “106 XN”, de matrícula ..-..-DJ, apresenta na sua zona traseira cinco vestígios compatíveis com acção e resultado de projécteis de arma de fogo e o vidro da porta lateral traseira direita fracturado;
47. Os vestígios compatíveis com a acção de projécteis de arma de fogo situavam-se na zona da porta traseira, ao nível da chapa e do pára-choques e com inclinações e direcções aproximadamente constantes;
48. As trajectórias dos projécteis que provocaram os vestígios acima descritos revelam todas inclinação descendente e direcção da esquerda para a direita, tendo como referência o eixo central longitudinal e o chão, da viatura, sendo que as trajectórias referenciadas por A, C e D apresentam continuidade para o interior do habitáculo;
49. trajectória do vestígio B terminou na parte interior do fecho da porta traseira e a trajectória do vestígio E perfurou o pára-choques terminou no pneumático de reserva que se encontrava no seu alojamento, por debaixo da mala traseira, que se apresentava perfurado e sem pressão;
50. No interior do veículo foram encontrados os objectos que estão examinados a fls. 224, cujo teor se dá como reproduzido;
51. Na Avenida Antunes Guimarães, nesta cidade, no passeio em frente ao portão de entrada da moradia com o nº 989, no dia 3/10/2006, após a imobilização do veículo em fuga, por indicação dos soldados I….. e do aqui arguido B....., foi encontrada e apreendida por elementos da Policia Judiciaria uma pistola originalmente de alarme adaptada para deflagrar munições de calibre 6,35mm;
52. A viatura da marca Peugeot, modelo 106 XN, de matrícula ..-..-DJ foi atingida por cinco disparos de arma de fogo, dos quais três tiveram continuidade para o interior do habitáculo da mesma;
53. Os vestígios compatíveis com a acção de projécteis de arma de fogo situavam-se na zona da porta traseira, ao nível da chapa e do para-choques e com inclinações e direcções aproximadamente constantes;
54. As trajectórias dos projécteis que provocaram os vestígios acima descritos revelam todas inclinação descendente e direcção da esquerda para a direita, tendo como referência o eixo central longitudinal e o chão, da viatura, sendo que as trajectórias referenciadas por A, C e D apresentam continuidade para o interior do habitáculo;
55. A trajectória do vestígio B terminou na parte interior do fecho da porta traseira e a trajectória do vestígio E perfurou o para-choques terminou no pneumático de reserva que se encontrava no seu alojamento, por debaixo da mala traseira, que se apresentava perfurado e sem pressão;
56. No interior do veículo foram encontrados os objectos que estão examinados a fls. 224, cujo teor se dá como reproduzido;
57. Na Avenida Antunes Guimarães, nesta cidade, no passeio em frente ao portão de entrada da moradia com o nº 989, no dia 3/10/2006, após a imobilização do veiculo em fuga, por indicação dos soldados I…… e do aqui arguido B....., foi encontrada e apreendida por elementos da Policia Judiciaria uma pistola originalmente de alarme adaptada para deflagrar munições de calibre 6,35mm;
58. A viatura da marca Peugeot, modelo 106 XN, de matrícula ..-..-DJ foi atingida por cinco disparos de arma de fogo, dos quais três tiveram continuidade para o interior do habitáculo da mesma;
59.O arguido B..... tinha perfeito conhecimento sobre o recurso à utilização de armas de fogo, conhecia as características técnicas da arma de fogo que lhe estava distribuída pela corporação policial a que pertence;
60. Sabia igualmente das possíveis consequências que poderiam advir da utilização de tal arma de fogo;
61. No momento em que efectivou os disparos, o arguido B..... não foi confrontado com nenhuma arma de fogo, que tivesse sido empunhada pelo arguido C....., nem nenhum dos seus acompanhantes, nem estava a ser ofendido corporalmente ou ameaçado na sua integridade física;
62. O arguido B..... é tido como bom profissional pelos seus superiores hierárquicos e camaradas, conhecido por ter bom comportamento profissional e pessoal, ser honesto e íntegro, sendo bem classificado por superiores hierárquicos directos e de Grupo e a sua conduta profissional tem sido objecto de louvores;
63. O arguido B..... serviu no Exercito Português, após ter cumprido o Serviço Militar Obrigatório, tendo aí, para além do exercício normal no Curso de Praças da GNR, o treino com armas de fogo com características idênticas à pistola-metralhadora “Famae”;
64. O arguido B....., em virtude dos factos em discussão, teve acompanhamento psicossocial, tendo vivenciado stress, ansiedade e mau-estar, sentimentos próprios e habituais para uma situação de tal natureza, mas não necessitou de apoio clínico;
65. O arguido B..... foi sujeito a procedimento disciplinar em virtude dos factos em discussão que segue termos junto do IGAI;
66. O arguido C..... agiu voluntária e conscientemente e ao conduzir da forma descrita, bem sabia que não estava em condições de o fazer e que violava grosseiramente as regras de trânsito legalmente previstas, criando um perigo para a vida e integridade física de outros, bem sabendo que a sua conduta para além de proibida e punida por lei era censurável;
67. O arguido C..... agiu de forma voluntária e consciente ao não acatar a ordem que lhe fora dada por entidade policial, bem sabia que tal ordem era legítima e provinha de autoridade para tal;
68. O arguido C.....:
● Cresceu junto do agregado familiar de origem, formado pelos progenitores e dois irmãos uterinos, caracterizado por uma situação económica modesta.
● As dinâmicas familiares eram marcadas pela conflitualidade, a que não eram alheios os consumos excessivos de álcool pelo progenitor, situação que veio a culminar com a separação do casal em 2001.
● Ao nível escolar, C..... tem um percurso marcado pela indisciplina, absentismo e desmotivação, tendo, por volta dos 13 anos, abandonado o sistema de ensino, concluindo o 2º ciclo.
● Sensivelmente aos 14 anos, C..... iniciou o consumo de haxixe e de drogas sintéticas (LSD, ecstasy) integrando uma rede relacional formada por indivíduos negativamente conotados, adoptando neste contexto uma conduta anti-social, traduzida em comportamentos desviantes que visavam, preferencialmente, a obtenção de bens materiais, num crescente que espoletou a intervenção das instâncias formais de controlo social, no âmbito Tutela Educativo e, mais tarde, Penal.
● Aos 16 anos, C..... foi preso preventivamente e posteriormente condenado, pelo crime de tráfico de estupefacientes, em 3 anos e 6 meses de prisão efectiva, no decurso da qual de desvinculou dos consumos de estupefacientes.
● Após o cumprimento de 2/3 da pena, o arguido foi colocado em liberdade condicional, em 06.03.2003, medida que decorreu com registo pouco colaborante, assumindo o arguido uma postura reactiva à intervenção destes Serviços e com dificuldades em aderir às directrizes técnicas, mantendo uma imagem negativa no meio de residencial.
● Em 10.04.2004 a pena foi dada como extinta.
● Acresce ainda referir que entre os anos de 2004 e 2005, o arguido foi condenado pela prática de crimes de condução sem habilitação legal.
● No período a que se reportam os factos constantes do presente processo, C..... residia com a então companheira, em Gondomar, desde 2004, altura em que deixou o agregado da progenitora, a residir no Bairro do Cerco, na cidade do Porto.
● Neste período, C..... desenvolveu trabalhos pontuais, como empregado de armazém, numa fábrica de fármacos, bem como nas áreas da restauração e construção civil, registando longos períodos de inatividade, fazendo depender a sua subsistência do apoio da companheira, empregada num estabelecimento comercial de vestuário.
● A rede de social de C..... era, segundo o próprio, formada por indivíduos com vidas estruturadas, das relações sociais da companheira, junto dos quais ocupava os seus tempos livres, frequentando jardins e parques, ou com a prática de desporto (futebol).
● Acresce referir que o arguido, nesta fase, habilitou-se a licença legal para a condução de veículos rodoviários.
● Em 2007, a relação conjugal terminou, e nessa sequência o arguido regressou a casa da progenitora, permanecendo em situação de inatividade laboral.
● C..... foi preso no Estabelecimento Prisional do Porto em 19.09.2008, onde manteve uma conduta genericamente adaptada ao disciplinado.
● Ao nível ocupacional, o arguido frequentou um curso profissional de máquinas e ferramentas, que lhe daria equivalência ao 3º ciclo, mas que não concluiu porque veio transferido para o Estabelecimento Prisional Regional de Vale de Sousa, em 31.01.2011.
● Neste novo contexto, o condenado desistiu da escola, alegadamente pela instabilidade psico-emocional decorrente dos problemas de saúde da mãe e da morte do pai, tendo solicitado acompanhamento nas valências de psiquiatria e psicologia, realizando terapêutica farmacológica para a ansiedade.
● Destaque ainda para o registo de 3 sanções disciplinares, decorridas entre Dezembro de 2011 e Maio de 2012, num total de 22 dias de permanência obrigatória no alojamento e 6 dias de internamento em cela disciplinar.
● Presentemente, C..... encontra-se ocupado, exercendo tarefas de faxina.
● No exterior, C..... dispõe do apoio da progenitora, que embora apresente um estado de saúde fragilizado, na sequência de vários AVC’s sofridos, manifesta-se disponível para o acolher e apoiar, considerando que este se irá constituir como um suporto na prestação de cuidados de saúde e vigilância de que carece.
● O arguido beneficiou de saída administrativa, concedida pelo Estabelecimento Prisional, para visitar a progenitora, por quem manifesta forte vinculação afectiva e preocupação.
● C..... cumpre presentemente, à ordem do processo nº 418/08.0PAMAI da 4ª Vara Criminal do Porto, uma pena de 7 anos e 3 meses, pela prática dos crimes de roubo qualificado e sequestro.
● Relativamente ao seu percurso, C..... apresenta capacidade de avaliar as consequências que o estilo de vida por si protagonizado, tiveram quer para si, quer para a sua família, reconhecendo a ilicitude do mesmo.
69. Já o arguido B.....:
● o arguido cresceu no seio da sua família de origem, constituída pelos pais e 5 irmãos;
● iniciou os estudos com a idade normal tendo-os abandonado aos 16 anos, quando tinha completado o 6º ano de escolaridade;
● posteriormente, aos 23 anos, voltou a estudar à noite, acabando por completar o 12º ano;
● trabalhou, entre os 17 e os 19 anos, numa empresa de transitários, altura em que ingressou nas Forças Armadas;
● Aí frequentou curso de operações especiais, tendo estado em Lamego e em Santa Margarida;
● No âmbito das forças armadas cumpriu duas missões no exterior, de 6 meses cada, uma nos Balcãs (integrado em força da Nato), no ano de 2000 e, em 2003, em Timor (integrado em força da ONU);
● Em 2004 ingressou na GNR, para a Brigada Territorial, depois de concluir com boa classificação o curso de praças;
● Aos 27 anos inicia relação de facto da qual nasceu uma filha, actualmente com 6 anos de idade;
● O arguido vive com a companheira e a filha em apartamento próprio;
● Exerce funções no posto territorial de …. da GNR, sendo considerado pelos superiores e colegas um guarda responsável, com bom relacionamento com os demais;
● No meio onde vive é bem considerado;
● Dedica-se ainda ao desporto, como actividade regular, praticando triatlo, sendo mesmo atleta federado, pelo Clube de Desporto do Município de …..;
● Na época balnear, e em regime de voluntariado, é nadador salvador nas praias de ……;
● A pendência do presente processo, e o seu reinício, têm sido factor de perturbação psicológica, com recurso, num passado recente, a apoio psicológico;
● Tem apoio da família, colegas e hierarquias;
70. O arguido B..... não apresenta condenações anteriores;
71. O arguido C..... apresenta as seguintes condenações anteriores:
● No âmbito do processo comum colectivo 122/01, da 3ª Vara Criminal do Porto, e por acórdão de 31 de Outubro de 2001, transitada em julgado em 13 de Dezembro de 2001, foi condenado na pena de prisão de 3 anos e 6 meses de prisão (especialmente atenuada, nos termos do artigo 4º do DL 401/82, de 23 de Setembro) pela prática, em Outubro de 2000, de um crime de tráfico de estupefacientes. Por despacho de 30 de Abril de 2004 foi declarada extinta a pena, pelo cumprimento, com efeitos a 10 de Abril de 2004;
● No âmbito do processo abreviado 233/06.6TPPRT, do 3º juízo do Tribunal de Pequena Instância criminal do Porto, e por sentença de 20 de Abril de 2006, transitada em julgado em 20 de Abril de 2006, foi o arguido condenado na pena de admoestação pela prática, em 19 de Julho de 2005, de um crime de condução sem habilitação legal.
● No âmbito do processo comum singular 173/05.6SLPRT, do 2º juízo, 3ª secção, dos juízos criminais do Porto, e por sentença de 25 de Janeiro de 2007, transitada em julgado em 9 de Fevereiro de 2007, foi o arguido condenado na pena de 30 dias de multa pela prática, em 1 de Abril de 2005, de um crime de condução sem habilitação legal. Tal pena foi declarada extinta, pelo pagamento, por despacho de 11 de Maio de 2007;
● No âmbito do processo comum singular 1234/04.6GDGDM, do 2º juízo criminal da Comarca de Gondomar, e por sentença de 8 de Fevereiro de 2007, transitada em julgado em 6 de Março de 2007, foi o arguido condenado na pena de 120 dias de multa pela prática, em 10 de Novembro de 2004, de um crime de condução sem habilitação legal. Tal pena foi declarada extinta, pelo pagamento, por despacho de 5 de Setembro de 2008;
● No âmbito do processo comum colectivo 418/08.0PAMAI, da 4ª Vara Criminal do Porto, e por acórdão de 22 de Julho de 2010, transitada em julgado em 21 de Julho de 2011, foi condenado na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão pela prática, em 25 de Junho de 2008, de um crime de sequestro e de um crime de roubo qualificado.
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B. Factos Não Provados
1. O não acatamento da ordem, aludida em 6) dos factos provados se tenha ficado a dever à circunstância da abordagem policial não ter sido efectuada de acordo com os normativos procedimentais expressamente enunciados no Manual de Operações em uso na GNR;
2. Que, nesse momento, quando o arguido C..... fez arrancar o veículo que conduzia, o tenha direcionado para o Jeep distribuído à GNR e, nomeadamente para o guarda F….;
3. No alerta via rádio, referido nos factos provados, foi referido que no interior do veiculo automóvel de marca e modelo “Peugeot 106” de cor vermelha seguiam quatro indivíduos de sexo masculino, nem que os mesmos circulavam sem cinto de segurança;
4. No alerta via rádio, referido nos factos provados, não foi referido que no interior do veículo automóvel de marca e modelo “Peugeot 106” de cor vermelha seguiam quatro indivíduos de sexo masculino, nem que os mesmos circulavam sem cinto de segurança;
5. Que os militares que compunham a patrulha do Posto Territorial de …., os soldados I…. e o B....., aqui arguido, no decurso da perseguição aludida nos factos provados, tenham tido conhecimento de que no interior da viatura seguiam, para além do condutor e do passageiro que seguia na parte da frente do veiculo, dois ocupantes na parte traseira do veiculo em fuga, o de marca e modelo “Peugeot 106”;
6. Que os militares que compunham a patrulha do Posto Territorial de …., os soldados I…. e o B....., aqui arguido, no decurso da perseguição aludida nos factos provados, não tenham tido conhecimento de que no interior da viatura seguiam, para além do condutor e do passageiro que seguia na parte da frente do veiculo, dois ocupantes na parte traseira do veiculo em fuga, o de marca e modelo “Peugeot 106”;
7. Os condutores dos veículos de marca e modelos “Peugeot 106”, Nissan Patrol” e “Nissan Almera” tenham imprimido velocidades manifestamente excessivas para os viaturas automóveis em que circulavam;
8. Nas circunstâncias referidas nos factos provados os condutores das viaturas de marcas “Nissan Patrol” e Nissan Almera” tenham posto em risco não só em risco as suas próprias vidas mas também a vida de terceiros em manifesto desrespeito pelas normas de segurança na condução previstas e estabelecidas legalmente;
9. Nas circunstâncias referidas nos factos provados, os veículos de marcas e modelos “Peugeot 106”, Nissan Almera” e “Nissan Patrol” seguissem em “alta velocidade”;
10. Nas circunstâncias mencionadas em 20) dos factos provados o condutor do veículo de marca e modelo “Nissan Patrol” tenha desobedecido à sinalização luminosa instalada no cruzamento formado pela Avenida da Boavista com a Avenida Antunes Guimarães;
11. Nas circunstâncias mencionadas em 20) dos factos provados o condutor do veículo de marca e modelo “Nissan Almera”, em virtude de ter desobedecido à sinalização luminosa instalada no cruzamento formado pela Avenida da Boavista com a Avenida Antunes Guimarães, tenha posto em risco a própria vida e a de terceiros;
12. Nas circunstâncias mencionadas em 1) a 25) dos factos provados os ocupantes da viatura em fuga nunca tenham denotado qualquer atitude ofensiva para os militares da GNR que os perseguiam;
13. A decisão referida em 27) dos factos provados foi tomada pelo arguido B..... apesar de saber que ambas as viaturas circulavam a uma velocidade manifestamente exagerada que não lhe permitia o uso mais seguro e adequado de armas de fogo, que dentro da viatura em fuga seguiam vários indivíduos e que a sua formação de tiro poderia não ser a suficiente para realizar, com um mínimo de segurança, esta sua decisão;
14. O arguido B..... actuou ciente de que com grande probabilidade punha em risco a vida e integridade física do condutor e demais ocupantes daquela viatura;
15. O arguido B..... se absteve de utilizar qualquer outro dos meios coercivos menos perigosos, tendo optado unicamente pelo uso da arma de fogo, concretamente a pistola-metralhadora de marca “Famae”, modelo “SAF”;
16. O arguido B....., ao efectuar os disparos, tenha agido de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era, para além de censurável, punida por lei;
17. Com a sua conduta o arguido B..... Carvalho violou os princípios mais elementares de prudência, pois toda a gente tem conhecimento, por força das regras gerais da experiência, que é perigoso apontar uma arma de fogo a alguém e, ainda por cima, utilizar a mesma para agredir quem quer que seja, por se confiar ligeiramente que a mesma não disparará, bem sabendo que a mesma não se encontrava em posição de segurança;
18. O arguido B..... mediante os disparos efectuados na direcção dos ocupantes do veículo automóvel em fuga, com a utilização da arma de fogo identificada nos autos, sabia que poderia tirar a vida e ofender corporalmente os mesmos ou a algum dos ocupantes, como veio a acontecer, sabendo que dispunha de meio idóneo para concretizar esse desiderato e conformou-se com tal resultado;
19. Que as travagens efectuadas pelo arguido C……, e descritas nos factos assentes 14 e 22, tivessem como objectivo impedir a acção dos guardas da GNR e causar o despiste das viaturas policiais que perseguiam aquele; (decisão do Tribunal da Relação do Porto).
20. Que o despiste do “Nissan Patrol” junto à denominada “Rotunda dos Produtos Estrela” tenha ocorrido devido a travagem efectuada pelo arguido C..... enquanto conduzia o veículo “Peugeot”; (decisão do Tribunal da Relação do Porto).
21. Que os factos praticados pelo arguido C..... tenham obstado a que fosse praticado um acto relativo ao exercício das funções dos militares da GNR que o interpelaram;
22. Que o arguido B..... tenha optado por utilizar a pistola-metralhadora descrita no facto assente 28 por se lhe afigurar a mais segura e já não a de uso pessoal que lhe estava distribuída para o serviço, também de calibre 9mm, de marca “Walther”, por ter cerca de 40 anos e não estar em boas condições de funcionamento; (decisão do Tribunal da Relação do Porto).
23. Que o arguido B..... tenha efectuado “um tiro para o ar” antes de efectuar os disparos na direcção do veículo em fuga; (decisão do Tribunal da Relação do Porto).
24. Que, antes de o arguido B..... ter efectuado os disparos, estivessem nas imediações do local veículos da PSP, nomeadamente com possibilidade de interceptarem o veículo em fuga;
25. Que o abalroamento de viatura em fuga, por parte de veículo policial, seja uma técnica aconselhada em situações semelhantes;
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Fundamentação:
Das questões a reapreciar por força da decisão do Tribunal da Relação do Porto foram relevantes os seguintes meios de prova:
● Começando pela primeira abordagem da GNR, no Cruzamento das Guardeiras, na Maia, e sobre esta matéria o arguido C..... referiu que seguia na faixa do meio da estrada, sendo que existiam três faixas de rodagem. O jeep da GNR passou pela sua esquerda tendo parado um pouco mais à frente, tendo atravessado o carro para a sua direita. Nessa altura faz inversão de marcha passando por detrás do veículo da GNR, embora com alguma distância. Não viu nenhum elemento da GNR fora do carro nem ouviu nenhuma ordem destes. Confrontado com as fotografias de fls. 343 (foto 1), 344 (foto 2), confirma que correspondem às suas posições na altura dos factos.
● Relativamente às restantes questões, nomeadamente no que se refere à perseguição efectuada pelo veículo da GNR (o Nissan Almera) o arguido C..... referiu que era fácil ver que iam duas pessoas na parte de trás. Inicialmente os vidros estavam embaciados e, depois, deixaram de o estar, pelo que julga que algum dos ocupantes terá aberto os vidros. Não se apercebeu dos colegas que seguiam atrás se terem baixado e não se recorda de ter pedido aos amigos que seguiam atrás para se baixaram ou se encostassem às portas, para poder ver melhor pelo espelho retrovisor e para que a GNR não os visse. O falecido Vítor teria cerca de 1,85 m, pelo que seria facilmente visto de fora, até porque a parte de trás estava livre de objectos. Os amigos que seguiam atrás, no carro, é que iam dizendo qual a posição das viaturas da GNR. Durante a perseguição não se recorda, num momento inicial, de ter havido qualquer indicação por parte dos elementos policiais para o mandarem parar. Mais à frente, quando o Nissan se encontrava a cerca de 3 metros, apercebeu-se de indicações dos elementos policiais que o perseguiam para que parasse o carro. No mais não houve qualquer aviso prévio dos disparos. Acha que se o condutor do veículo da GNR (Almera) quisesse, tinha conseguido abalroá-lo. Mas a perseguição foi feita quase sempre em cidade tendo os seus amigos dito que tal veículo tinha iniciado a perseguição junto da Rotunda dos Produtos Estrela. Havia algum trânsito pelas vias em que circulou embora não fosse intenso. Quando foram os disparos não sabe a que distância estaria o veículo da GNR. De qualquer forma, quando o carro se imobilizou, o veículo da GNR chegou logo. Passado pouco tempo chegaram outros veículos da PSP. Confrontado com as fotografias de fls. 348 (n.º 10 e 11) referiu não ter tido percepção do trajecto que o veículo da GNR seguiu durante a perseguição. Já quanto a fls. 70 e 71 refere que a posição do amigo Vítor não era aquela ali que se encontra uma vez que estava com a cabeça encostada aos vidros laterais da porta traseira, lado direito.
● Também o arguido B..... afirmou que, pela rádio, ouviram o pedido de auxílio numa perseguição, por parte da patrulha da Maia. Nessa comunicação foi dito que tinha havido uma tentativa de atropelamento, tendo sido indicado o modelo e a matrícula do carro. Na comunicação não foi feita referência ao número de ocupantes, seguindo as informações que os colegas iam transmitindo. Visualizaram o veículo na zona da Rotunda dos Produtos Estrela, e tomam a dianteira na perseguição, na Rua da Preciosa. A perseguição é feita sempre em zona citadina, Na Avenida Antunes Guimarães tentaram ultrapassá-lo e imobilizá-lo à sua frente o que não foi possível pelo facto de o condutor do Peugeot se ter colocado na sua frente. A seguir ao cruzamento da Avenida da Boavista com a Avenida Dr. Antunes Guimarães e porque o Peugeot ia provocando um acidente, decidiram que o tinham de parar, mesmo que com o recurso a arma de fogo Os tiros foram feitos da direita para a esquerda, e de cima para baixo, tentando atingir o pneu direito traseiro. No que se refere a meios de imobilização, nas ordens que têm, é a seguinte a ordem de tentar imobilizar o veículo em fuga: ordem verbal, luzes de emergência, se estiverem duas viaturas envolvidas tentar imobilizar a viatura em fuga cortando a sua marcha; utilização de armas de fogo. Esta opção teve a ver com o receio de que fosse provocado, pela viatura em fuga, um acidente grave (acidentes que, por pouco, não aconteceram anteriormente) e com receio dos comportamentos dos ocupantes do mesmo. A arma utilizada é recente. Contudo tinham pouco treino com a arma. Não sabe exactamente o que terá acontecido para que as balas não tenham atingido o pneu do veículo. A arma que lhe estava adstrita não funcionava, o que era do conhecimento dos superiores, tendo indicação para a usar, apesar desse facto. Explicou depois que estava em causa o extractor danificado pelo que apenas era possível efectuar um disparo. De qualquer forma esta arma pessoal apenas deve ser utilizada a pé.
● Não se apercebeu da existência de dois ocupantes na parte de atrás do veículo, desde logo porque os vidros de trás estavam embaciados. Se tivesse tido noção de que iram dois ocupantes na parte de trás do veículo não tinha disparado pois havia um risco sério de as balas atingirem a parte de trás dos veículos. A opção foi dos dois.
● Sabia que no veículo perseguido seguia um outro ocupante (pelo facto de ter sido lançado um objecto para fora do carro, ao lado do condutor, tendo-se apercebido, apenas nessa altura, que existia um outro elemento na viatura.;
● As munições utilizadas são “derrubantes”, o que quer dizer que perdem força com o impacto. Durante a perseguição apercebeu-se de ter sido atirado para fora do carro perseguido um objecto que entendeu ser uma arma de fogo (pela janela do “pendura”). Diz que é uma arma de fogo pela silhueta do objecto. Quanto ao objecto atirado do veículo pode dizer que foi encontrado por elementos da PJ, no local onde o tinha visto a cair, uma arma. Na altura dos disparos o único veículo policial em perseguição era o deles. Tinham pedido auxílio à PSP mas, como os canais de comunicação são diferentes, não sabia se estava algum veículo da PSP próximo do local. Também não procurou saber, antes de efectuar os disparos, se estaria algum veículo da PSP próximo do local. Confrontado com as fotografias de fls. 85 (foto 50) referiu, desde logo, não saber a que velocidade seguia a viatura.
● Quando efectua os disparos foi procurando adaptar a mira ao alvo que pretendia à medida que disparava.
● Abriu a porta de trás porque, quando se abeirou do veículo, apercebeu-se da existência de um vulto na parte de trás. O “pendura”, mal saiu do carro, deitou-se ao chão, pelo que não entendeu ser necessário imobilizar o tal elemento. Para além disso, ouviu as vozes dos dois ocupantes da frente a dizer que estavam pessoas atrás.
● Confrontado com as fotografias de fls. 70 e 71, explica que as mesmas foram tiradas já depois de o corpo ter sido mexido uma vez que, quando abriu a porta, a vítima estava encostada à porta.
● Ainda no que se refere a técnicas de imobilização de veículos em Portugal explica que não se usa o “abalroamento” nem a colocação de pregos na via.
● O assistente E….. circulava no Peugeot. O jeep parou um pouco mais à frente e, com as luzes ligadas, parou na faixa de rodagem onde estavam parados. Fizeram inversão de marcha para fugirem não estando ninguém fora do jeep. Quando se apercebeu da presença do Almera, já a chegar ao Porto, este estava encostado à sua viatura e, logo depois, apercebeu-se de um dos guardas pendurado na porta, a disparar. Via pelo vidro de trás que, apesar de estar um pouco embaciado, dada para ver para fora. Não existiam encostos para a cabeça pelo que entende quem, quem ia de fora, podia vê-los. Das janelas do carro apenas a do “pendura” estava um pouco aberta o que acontecia desde o início da perseguição. Nunca se baixaram nos bancos tendo estado sempre sentados. Quando foi atingido estava ligeiramente inclinado para um dos lados, com a cabeça encostada no apoio da porta do seu lado, pois estava a atender um telefonema. Acha que, apesar dessa sua posição, era visível a quem estava de fora. Não foi atirada nenhuma arma pela janela sendo que, por outro lado, apenas atiraram “charros” pela janela fora, o que aconteceu na via rápida. Seguia no referido veículo no banco traseiro, por detrás do condutor. Logo após terem parado o carro chegou o jeep da GNR. Até chegarem outros veículos policiais (PSP e PJ) ainda duraram cerca de 8 a 10 minutos.
● Já a testemunha H….. afirmou que circulava também no interior do veículo conduzido pelo arguido C…., seguindo ao seu lado. Confirma que, no cruzamento das Guardeiras, Maia, quando estavam parados no semáforo, surgiu um jeep da GNR, pelo seu lado esquerdo, tendo dado ordem de paragem. Nessa altura tomaram todas a decisão de inverter a marcha e fugir. Nenhum dos guardas estavam fora do carro quando tal aconteceu. Fugiram porque estavam alcoolizados e o carro não tinha seguro ou inspecção. Relatou depois que foram sempre em fuga até chegarem à Rotunda dos Produtos Estrela, altura em que foram interceptados pelo “Nissan Almera”, que iniciou a perseguição. Aí fugiram pela Rua da Preciosa, Avenida Dr. Antunes Guimarães, até ao Liceu Garcia de Orta. Durante a perseguição o carro da GNR ia sempre “colado” ao carro onde seguia. Seguiam a cerca de 100/110 km/h. No cruzamento da Av. Antunes Guimarães e a Av. da Boavista acha que passaram o sinal verde. Os amigos que seguiam atrás iam a ver o que se passava na rectaguarda dando indicações. Nenhum desses amigos se baixou durante a perseguição. Quanto a si atirou pela janela fora um maço de tabaco e uma pedra e “haxixe”, acabando por dizer não ter a certeza do local onde tal aconteceu. Refere depois que, para quem estivesse nos veículos da GNR em perseguição, era possível ver o número de pessoas que seguiam na viatura em fuga. Depois refere que os vidros do carro, nomeadamente da parte de trás, iam limpos. Não se apercebeu de tentativas de ultrapassagem por parte do veículo da GNR. No que se refere ao estado do tempo foi um dia chuvoso, embora não saiba se, no momento da perseguição, estava a chover.
● F….., guarda da GNR, presta serviço no Posto da Maia. Seguia no jeep na GNR que, no cruzamento das guardeiras, interceptou o veículo que veio a fugir. Nesse cruzamento, e porque estavam parados no sinal vermelho, o veículo policial imobilizou-se no lado esquerdo do veículo em causa, um pouco mais à frente. Saiu do jeep e ficou junto à porta deste veículo, tendo dado ordem ao condutor do veículo para imobilizar o mesmo. Quando virou costas apercebeu-se de um barulho de pneus da outra viatura, tendo vindo na sua direcção. Disse depois que não sabe se iria na sua direcção ou do jeep. Nessa altura entrou para dentro do jeep e o seu colega avançou com esta viatura. Nessa altura o referido veículo acabou por passar por detrás do veículo da GNR. Não viu a manobra em concreto do outro veículo. Não sabe explicar como não foi atingido. Nesse momento apenas se apercebeu da presença de duas pessoas no carro (do lado da frente), tendo ficado com a ideia que estaria alguém na parte de trás. Estava escuro e os vidros estavam com muitas gotículas pelo que não se via bem o que se passava no seu interior. Durante a perseguição não conseguiu confirmar a presença de outros indivíduos na parte de trás da viatura em fuga. Durante a perseguição, e mais concretamente após o aparecimento do “Nissan Almera”, ficou sempre mais atrás. Confrontado com o teor do auto de notícia de fls. 190 e seguintes refere que apenas fez referência a 4 indivíduos pelo facto de o auto ter sido redigido após os factos, numa altura em que tinha conhecimento desse facto. Ainda no que se refere à perseguição o jeep foi sempre com os “rotativos” ligados”, com as sirenes em funcionamento, tendo dado ordens verbais de paragem através do altifalante. Sempre que visualizou o “Nissan Almera” este levava os “rotativos” ligados, bem como com as sirenes. Das indicações que têm do comando apenas devem utilizar armas de fogo quando a acção do veículo em fuga coloca em causa a integridade física ou a vida de terceiros.
● G..... é guarda da GNR sendo o condutor do jeep que interceptou o veículo conduzido pelo arguido C….., na zona das Guardeiras, na Maia. ia com o colega F….. que decidiu abordar aquela viatura. Não se apercebeu de quantas pessoas seguiam naquela viatura nem o colega lhe fez referência ao número de ocupantes da viatura em causa. Quando pararam o colega saiu do jeep e, depois, viu o colega a saltar para dentro do jeep tendo nessa altura, arrancado. Não se recorda se o colega sabia, durante a perseguição, se estavam 4 indivíduos no carro. Não visualizou os termos da perseguição do Nissan Almera pois ficaram bastante atrás;
A testemunha J….. afirmou que se apercebeu do som de 4 “balázios”. Logo de seguida viu dois carros a descer a rua, a grande velocidade, tendo visto um dos elementos da GNR de fora do carro. Nessa altura estava na rua, junto a um prédio onde prestava serviço de vigilância. Em face dos factos dados como assentes o seu depoimento não teve relevância.
Já K….., Coronel da GNR e, na altura dos factos, era superior hierárquico do arguido B...... Relativamente ao teor das comunicações via rádio, não existia (como não existe) qualquer gravação das mesmas. No mais explicou o código de conduta que é transmitido aos guardas da GNR: o uso de arma de fogo é o último meio a ser utilizado em termos de imobilização de veículos. São as seguintes as regras indicadas: o veículo policial tem de se colocar atrás do veículo perseguido; devem ser utilizados os sinais luminosos e sonoros que os veículos policiais têm. Antes do disparos o veículo tem de estar atrás, mais à esquerda, devendo ser a arma apontada para o pneu traseiro do lado direito. Este procedimento está descrito nos manuais de ensino à distância que são facultados aos elementos policiais. Antes disso deve ser efectuado disparo para o ar. No que se refere a imobilizar o veículo em causa através de “toque” ou despistagem diz que, em último caso, poderão actuar desta forma. Confirma que entre a GNR e a PSP não existem comunicações conjuntas, razão pela qual os elementos da GNR não ouvem as comunicações dos agentes da PSP, sendo o inverso também verdadeiro. Quanto ao exacto circunstancialismo da perseguição, nomeadamente no que se refere à presença de outros veículos policiais na zona, não sabe responder. Por fim, e quanto ao funcionamento da arma pessoal do elemento da GNR diz que, por regra, nenhum elemento desta força deve andar com arma de fogo a funcionar. Não existem regras no sentido de dar prioridade a um tipo de arma em detrimento de outro. No caso dos autos a pistola - metralhadora, porque pode ser usada como pistola, tem a mesma função da pistola de uso pessoal dos elementos da GNR. Ao longo do período em que esteve em funções como comandante do destacamento territorial foram muito poucas as situações de utilização de armas de fogo, por elementos da GNR, em perseguição automóvel. No que se refere aos factos relacionados com a abordagem da GNR do cruzamento das Guardeiras, diz não ter tido conhecimento dos mesmos por via directa. Confrontado com o teor do documento de fls. 851 e 852 não se recorda de o ter lido nem sabe se foi facultado aos elementos da GNR. Não era hábito a utilização do veículo da GNR para despistar o veículo em fuga, não sendo conhecedor de nenhuma situação desse género.
A testemunha I….., guarda da GNR que conduzia o veículo “Nissan Almera”, ….., explicou que recebeu a comunicação a informar de um veículo em fuga, da zona da Maia, e que tinha tentado atropelar um dos elementos da GNR. Foi dito que era um “Peugeot”, 205, vermelha, com indivíduos no seu interior, não tendo sido concretizado o número de ocupantes. No mais explicou que, durante a perseguição, o veículo da GNR foi sempre com as luzes de emergência ligados, com os sinais sonoros em funcionamento, seguindo sempre a cerca de 10, 20 metros do veículo em fuga. Para além disso o colega D…. ainda deu ordem de paragem através do altifalante. Durante a perseguição apenas se apercebeu da presença de dois indivíduos, na parte da frente do veículo. Viu-o quando se iniciou a perseguição, tendo visto pelo vidro traseiro. Justifica o facto de não ter visto qualquer indivíduo na parte detrás do veículo pelo facto de os mesmos se encontrarem deitados na direcção das respectivas portas, conforme se apercebeu quando o veículo se imobilizou. Tentaram ultrapassar o veículo mas não conseguiram pelas manobras que este efectuou. Nessa altura chegou a estar muito próximo do veículo em fuga. Os disparos foram efectuados porque o colega D….. o decidiu não tendo comentado consigo a sua intenção. Na perseguição apenas tiveram conhecimento da presença, na sua rectaguarda, de outro veículo da GNR. Foi a sua primeira perseguição automóvel. No que se refere à velocidade atingida pelos veículos, durante a perseguição, chegaram a atingir mais de 100km/h. Por fim referiu que, após a imobilização do veículo, e passado pouco tempo (talvez 2, 3 minutos chegaram outros veículos policiais;
A testemunha L….. é Capitão da GNR sendo que, à data dos factos, era o comandante do Destacamento Territorial de …... Não se recorda dos termos exactos em que se deu a intervenção policial sendo que, de qualquer forma, tudo o que sabe foi-lhe transmitido por terceiros, e após a perseguição e o disparo. No que se refere ao sistema de comunicações da GNR as mesmas estão em canal aberto, mas apenas para as patrulhas da mesma força policial, Não sabe se, no momento em causa, estavam na proximidade outros veículos policiais. Sabe que não está nos manuais a utilização do próprio veículo policial no sentido de fazer despistar o veículo em fuga, embora, numa situação concreta, tal pode vir a revelar-se adequado. Confrontado com o documento de fls. 778 e seguintes afirma que conhece o seu teor, nomeadamente no que se refere ao ponto 3 de págs. 25 do mesmo. Relativamente a avarias das armas pessoais refere que o que está previsto é a substituição da arma avariada por uma outra funcional. Relativamente à possibilidade de utilização de diferentes armas de fogo a arma utilizada é mais fiável e mais certa pelo facto de ter o cano mais comprido e ser usada com as duas mãos. São raras as situações de utilização de armas de fogo em perseguição automóvel. Sabe que arma utilizada foi retirada às forças policiais por determinação superior, não sabendo os motivos.
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Analisando a prova produzida cumpre dizer o seguinte:
► no que se refere ao ponto 6.1 da decisão de reenvio cumpre dizer que relevante foi, desde logo, o depoimento do guarda da GNR D…. o qual, depois de descrever a abordagem que efectuou ao veículo conduzido pelo arguido, afirmou que ficou convencido que o mesmo viria na sua direcção, embora acabasse por dizer não saber se, efectivamente, o veículo em causa avançou ou não na sua direcção ou mesmo da do veículo policial.
► A grande divergência entre o seu depoimento e o dos ocupantes do veículo conduzido pelo arguido estava relacionado com o facto de aquele ter (ou não) saído da viatura da GNR. Ora pareceu-nos o depoimento desta testemunha imparcial e isento (pelo menos nesta parte), conforme se retira da sua declaração no sentido de não saber qual foi a trajectória exacta do veículo conduzido pelo arguido, em contraponto com os depoimentos do arguido C….., e dos demais ocupantes do veículo “Peugeot” que revelaram um claro sentimento “anti-polícia” que condicionou todas as suas declarações.
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No que se refere aos factos dados como não provado, e relacionados com o (des)conhecimento, pelo arguido B....., da existência de ocupantes no banco traseiro do veículo em fuga, cumpre dizer que o Tribunal não conseguiu ultrapassar a dúvida que surgiu.
As declarações de arguidos e os depoimentos das testemunhas que intervieram na perseguição em causa nos autos foram de teor oposto mantendo, cada qual, as suas versões, apesar das várias perguntas formuladas pelos diferentes sujeitos processuais.
Assim de um lado temos os ocupantes do veículo em fuga e, do outro, os elementos da GNR.
Ora aqueles primeiros, para além de serem partes interessadas nos autos (o ofendido H…., o assistente E.....e o arguido C….) revelaram, ao longo dos seus depoimentos, o já por nós denominado sentimento “anti-polícia”, com constantes considerações depreciativas em relação aos agentes de autoridade em causa. Viu-se, depois, a sua determinação e preocupação em dizer que o arguido B..... tinha de ter visto os dois ocupantes no banco traseiro do veículo, preocupando-se em que as suas declarações não pusessem em causa esta sua conclusão.
Pelo outro lado temos, desde logo, a sensação que os guardas da GNR que participaram nos factos procuraram manter posições que protegessem a posição do seu colega (o arguido B.....).
Por outro lado, e apesar da explicação dada pelos autores dos respectivos auto de notícia e aditamento, não deixa de levantar dúvidas às declarações dos elementos da GNR o facto de fazerem referência ao facto de, logo no início de tais elementos do processo, circularem no veículo em fuga 4 elementos.
De qualquer forma, e como já dissemos, a justificação dada pelos subscritores de tais elementos tem sentido não sendo, por isso de afastar,
Não podemos deixar de relevar o facto de ser de noite, estar tempo de chuva, e de estarem 4 ocupantes no veículo em fuga, de pequenas dimensões. Assim a versão do arguido B....., segundo a qual não era possível ver para dentro do veículo, pelo facto de os vidros do veículo estarem embaciados, não é de afastar, sendo que mesmo o assistente E.....afirmou que os vidros estavam com gotículas e com a visibilidade um pouco reduzida. Também o arguido C.....confirmou a possibilidade de, pelo menos em determinado momento, os vidros do veículo em fuga terem estado embaciados.
Mas, conforme se vê, não é possível avançarmos para uma conclusão sem dúvidas razoáveis e sérias, até porque as duas “versões” acabam por ter consistência (conforme procurámos demonstrar) não sendo possível ultrapassar esta dúvida.
Está aqui em causa o princípio in dubio pro reo sobre o qual se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Dezembro de 2005, em www.dgsi.pt, que“ este princípio é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.”
Sobre este mesmo princípio escreveu o Prof. Cavaleiro de Ferreira, em “Curso de Processo Penal II”, reimpressão da Universidade Católica, 1981, a pág. 310, que “ no caso de incerteza sobre os factos se presuma a inocência, que não a culpabilidade (…) a incerteza dos factos determina uma decisão favorável ao arguido.”
Também no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Dezembro de 2009, em www.dgsi.pt, escreveu-se a este propósito o seguinte:
“Ensina o Prof. Figueiredo Dias, sobre o princípio in dubio que o recorrente invoca a seu favor:
«À luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova — não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) — tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo» (Direito Processual Penal, reimpressão, 1984 p. 213).
A dúvida que fundamenta o apelo ao princípio in dubio pro reo não é qualquer dúvida, devendo ser insanável, razoável e objectivável.
Em primeiro lugar, deverá ser insanável, pressupondo, por conseguinte, que houve todo o empenho no esclarecimento dos factos, sem que tenha sido possível ultrapassar o estado de incerteza.
Deverá ser razoável, ou seja, impõe-se que se trate de uma dúvida racional e argumentada.
Finalmente, deverá ser objectivável, ou seja, é necessário que possa ser justificada perante terceiros, o que exclui dúvidas arbitrárias ou fundadas em meras conjecturas e suposições.”
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Em consequência, não sendo possível ultrapassar esta dúvida, pelas razões já descritas, torna-se imperioso decidir em favor do arguido não considerando provado o seu conhecimento sobre o número de ocupantes do veículo em fuga (mas também não considerado provada a sua versão, no que a este propósito diz respeito).
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Por fim, e no que se refere à questão dos meios alternativos para fazer imobilizar o veículo em fuga, o Tribunal baseou a sua convicção com os depoimentos dos elementos da GNR que prestaram depoimento, nomeadamente com os, à data, superiores hierárquicos do arguido B....., os quais descreveram as técnicas policiais aconselhadas à data dos factos constando, nomeadamente, do documento junto em sede de instrução pelo arguido, o qual era, à partida, do conhecimento dos elementos da GNR. Sobre esta matéria não houve qualquer contradição entre os vários meios de prova merecendo os depoimentos daqueles credibilidade, porque relataram os factos de forma isenta, objectiva, aparentando não serem os mesmos influenciados pelo facto de um dos arguidos ser membro da mesma força policial.
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Quanto ao mais, e na parte não objecto da audiência de julgamento ora realizada, cumpre reproduzir a fundamentação do acórdão anteriormente proferido anteriormente uma vez que, nessa parte, o acórdão do Tribunal da Relação manteve a decisão anterior.
Por força do estatuído no art. 127º do Código Processo Penal, «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
Nesta sede, como vimos, rege o principio da livre apreciação da prova, significando este principio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes de valor a atribuir à prova e, por outra banda, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal
Como defende o Prof. Germano Marques da Silva[2] «a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão».
Dissertando sobre a questão em apreço o Prof. Figueiredo Dias[3] afirma que “não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável ou incontrolável – e portanto arbitraria – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem na verdade esta discricionariedade (como já dissemos tem toda a discricionariedade jurídica) os seus limites que não podem licitamente ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material”, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo”.
O mesmo se afirma em diversos arestos dos Tribunais Superiores[4], onde se alinha que “não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na formação do juízo de valoração do julgador com o mero arbítrio: a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjectiva ou emotiva e, por isso, há-de ser fundamentada, racionalmente objectivada e logicamente motivada, de forma a susceptibilizar o controlo”.
É num outro aresto[5] que dito de uma outra forma fica assente a forma como se há-de expandir este fundamental principio do processo penal, ficando aí explanado que “tudo vale por dizer que o principio da livre apreciação da prova não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e do “in dubio pro reo”.
Com efeito é consabido que a concretização do direito penal material, a averiguação da existência de um crime e a determinação das consequências jurídicas deste, alcançam-se através de um procedimento – o processo penal – que podemos definir como sendo um complexo de actos juridicamente ordenado de tratamento e obtenção de informação, que se estrutura e desenvolve sob a responsabilidade de titulares de poderes públicos e serve para a preparação da tomada de decisões, com a particularidade de aqui se tratar de uma decisão jurisdicional, sendo que os procedimentos constituem sistemas de interacção entre os poderes públicos e os cidadãos – definição geral de procedimento adiantada pelo Prof. Gomes Canotilho[6].
Procedimento subjacente ao qual, para além de outros, está o principio da descoberta da verdade material, como um dos seus postulados.
A esse propósito, e radicando nesse principio, Castanheira Neves[7] afirma que a liberdade concedida ao juiz é a “liberdade para a objectividade, não é uma liberdade meramente intuitiva, mas aquela que se concede e assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, uma verdade que se comunique e imponha aos outros”.
Esse mesmo entendimento vem sido sufragado pelo Tribunal Constitucional, passando-se a citar, pela impressividade[8] que “o julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo. Quando no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, se prescreve que a fundamentação da sentença consta da "enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal" exige-se, claramente, não só a motivação e o controlo da prova - podendo embora discutir-se qual o grau e a dimensão em que estes se traduzem - como também se acentua o carácter racional que esta há-de revestir.
A consequência mais relevante da aceitação destes limites, no caso de serem eles infringidos, será o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com base no fundamento a que se reporta o artigo 410º do mesmo diploma.
Como bem assinala Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, Coimbra, 1988, pp. 227 e ss., "a mais importante inovação introduzida pelo Código nesta matéria [a da livre apreciação da prova] consiste, precisamente, na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo de modo a permitir-se um efectivo controle da sua motivação".
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Para a formação da sua convicção o Tribunal procedeu ao exame de todas as provas produzidas em audiência de julgamento bem como os documentos e relatórios periciais juntos aos autos, tendo-os tido em consideração após uma analise global, conjugada e critica dos ditos meios de prova.
Tendo sempre presente os princípios e regras legais atrás citadas, os modos da obtenção de prova e a força probatória que lhes é legalmente conferida, formou a sua convicção de forma livre e à luz das regras de experiência comum, tendo sempre em conta que tais regras não comportam uma apreciação arbitraria nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre e indubitavelmente, de se reconduzir objectiva e fundadamente às provas validamente produzidas e examinadas em audiência de julgamento.
Teve, assim, em consideração os seguintes meios probatórios:
- as declarações do perito M…., que confirmou na integra as conclusões do relatório pericial de fls. 341 a 362;
- as declarações do perito N…., que confirmou na integra as conclusões do relatório pericial de fls. 341 a 362;
- as declarações do perito O….., que confirmou na integra as conclusões do relatório de autopsia de fls. 457 a 464 e o relatório preliminar de autopsia de fls. 259 a 282 e bem assim que vistas as fotos 28 e 29, 24 e 26, 31 e 32 e 36 identificou como sendo os locais de entrada e saída, respectivamente, dos projecteis A e B e que tendo em conta a altura da vitima – 1,79 metros – e as lesões produzidas com a saída do projéctil B é provável que a posição em que o mesmo está fotografado a fls. 20, pelo mesmo no que respeita ao tronco e membros, seja aquela em que se encontrava quando foi atingido; tendo, contudo, esclarecido que era, ainda, possível que tivesse a sua cabeça voltada para um dos lados ou flectida para a frente tal como o tronco, ainda este que ligeiramente;
- a informação de serviço de fls. 2 a 8, no que tange à localização e posterior apreensão de uma pistola originalmente de alarme adaptada para deflagrar munições de calibre 6,35mm;
- o auto de apreensão de fls. 9, no que concerne ao numero de armas e respectivas características cuja apreensão foi levada a cabo no dia 3 de Outubro de 2006;
- o auto de noticia de fls. 21, no que tange à identidade dos elementos da patrulha do Posto Territorial da Maia que procedeu à abordagem do veiculo, as características do veiculo, ao local da abordagem e à conduta assumida pelo condutor de tal veiculo e quanto ao pedido de auxilio a outras patrulhas e ao trajecto desenvolvimento durante a fuga e subsequente perseguição e o momento em que interveio a patrulha do Posto Territorial de Matosinhos;
- os fotogramas de fls. 37 a 52, no que concerne à marca, modelo, matricula e cor do veiculo conduzido pelo arguido C....., o local onde se encontravam dispostos os bens que ali se foram encontrados e o local de entrada dos projecteis de arma de fogo;
- os fotogramas de fls. 61 a 65, no que tange às características do local onde se deu a imobilização do veiculo e o local onde foram encontrados alguns invólucros de projecteis;
- os fotogramas de fls. 70 a 80, no que concerne ao modo como foi encontrado cadáver a vitima D…., os locais de entrada e saída dos dois projecteis de arma de fogo que o atingiram e bem assim a circunstancia de ter sido quebrado o vidro da porta traseira do lado direito do veiculo de marca “Peugeot”;
- os fotogramas de fls. 85 a 88, no que concerne aos locais onde vieram a ser encontrados os invólucros dos projecteis e a pistola originalmente de alarme adaptada para deflagrar munições de calibre 6,35mm;
- os fotogramas de fls. 89 e 90, no que atende às características da pistola originalmente de alarme adaptada para deflagrar munições de calibre 6,35mm;
- o aditamento ao auto de fls. 118, no que concerne ao trajecto desenvolvido pela patrulha do Posto Territorial de Matosinhos na perseguição encetada ao veiculo de marca “Peugeot”, a forma como a mesma se foi desenvolvendo, os meios utilizados para o efeito, as manobras efectuadas durante a condução pelo condutor do veiculo em fuga e a forma como foram feitos os disparos pelo aqui arguido B..... e a abordagem aos ocupantes da viatura após a respectiva imobilização;
- o auto de exame de fls. 212, no que respeita ao estado em que se encontrava a viatura de marca e modelo “Peugeot 106”, de cor vermelha, com a matricula ..-..-DJ, a disposição dos objectos aí encontrados e os locais em que se encontravam as perfurações causadas pela entrada dos projecteis;
- o auto de exame de fls. 224, no que respeita às características dos bens e objectos encontrados no interior do veiculo automóvel de marca e modelo “Peugeot 106”;
- o auto de reconstituição dos factos de fls. 313, no que concerne ao trajecto seguido na perseguição, a formação das patrulhas, a identificação dos veículos automóveis envolvidos na fuga e perseguição, a duração da mesma, as manobras levadas a cabo pelo condutor do veiculo em fuga e bem assim a forma como foi feito uso da arma de fogo pelo arguido B.....;
- os registos clínicos de fls. 318 a 334, no que respeita à situação clínica em que se encontrava o assistente E….. no dia 3/10/2006 e bem assim o respectivo diagnostico e actos médicos a que foi sujeito;
- o relatório pericial de fls. 341 a 362, no que concerne às observações efectuadas na viatura de marca e modelo “Peugeot 106”, mais concretamente quantos aos vestígios e respectivo numero aí encontrados compatíveis com a acção de projecteis de arma de fogo, respectivos orifícios, trajectórias e continuidade para a mala e habitáculo interior;
- o auto de denúncia de fls. 402, no que concerne à data da apresentação da queixa por banda de H….. e contra quatro indivíduos que não identificou;
- a perícia de avaliação do dano corporal relativamente a H….. de fls. 410 a 413, quanto às lesões por ele apresentadas;
- o relatório de autopsia de fls. 457 a 464 conjugado com o teor do relatório preliminar e fotogramas de fls. 259 a 282, no que atende às lesões encontradas e à causa da morte de D….;
- a certidão de assento de nascimento de fls. 552, no que tange ao averbamento do óbito de D….;
- a perícia de avaliação do dano corporal relativamente a E….. de fls. 618 a 621, quanto às lesões e sequelas pelo mesmo apresentadas bem como quanto ao período de incapacidade determinado por tais lesões;
- o exame de balística de fls. 627 a 639 no que respeita às características das armas examinadas e respectivas condições de funcionamento e bem assim no que respeita à certeza de que as cápsulas suspeitas tenham sido deflagradas pela pistola automática “Famae” e bem como provável que os projecteis tenham sido provavelmente disparados por tal arma;
- o relatório de exame de fls. 723 a 725 no que respeita à presença de resíduos de partículas de chumbo, antimónio e bário nas mãos, rosto e mangas do casaco do arguido B..... recolhidas no dia 3 de Outubro de 2006, compatível com um disparo de arma de fogo;
- o relatório de fls. 727 a 729 no que respeita à ausência de resíduos de partículas de chumbo, antimónio e bário nas mãos e braços de C....., E….. e H…..;
- a informação de serviço de fls. 993 a 996, no que tange às características da viatura de marca e modelo “Peugeot 106” de matricula ..-..-DJ;
- o manual de operação e manutenção da pistola-metralhadora de marca “Famae” de fls. 1259, no que tange às respectivas características.”
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DO DIREITO
Como atrás aludimos, os recursos são delimitados pelas conclusões, extraídas da respectiva motivação. No caso concreto, o recorrente veio invocar por um lado o “erro notório na apreciação da prova” quanto aos factos dados como “não provados” sob os nº 14, 16, 17 e 18 e “contradição entre estes e os factos dados como provados” sob os nº 18, 33, 34, 36, 38, 39, 41 a 47, 58 a 61, 63.
Com efeito, não obstante o reenvio do processo para novo julgamento, em anterior recurso decidido por este tribunal, com delimitação objectiva e clara das questões a clarificar, parece-nos que nem todas terão sido compreendidas na sua verdadeira dimensão pelo Tribunal recorrido e alguns factos ficaram mesmo na penumbra.
Fica-nos a dúvida ou pelo menos será difícil aceitar que os agentes Policiais que durante vários quilómetros perseguiram o veículo fugitivo, um pequeno carro da marca Peugeot 106, se apercebessem apenas, que iam duas pessoas à frente e não tivessem visto os ocupantes do banco traseiro. Á luz das regras de experiência comum é muito pouco provável que não se tivessem apercebido da presença dos dois ocupantes (vítimas) no banco de trás, atento o longo percurso realizado e o tipo de viatura perseguida. Todavia, aceita-se à luz do princípio da livre apreciação da prova, (artº 127º do cód. procº penal) pelo menos um resquício de dúvida, para que o Tribunal recorrido tenha decidido dar tal facto como “não provado”, (facto 18), pese embora as consequências sejam totalmente diferentes em termos de impacto jurídico, entre o conhecer ou não a presença das vítimas no banco traseiro.
A dúvida apenas se aceita, porque a viatura da GNR de onde foram disparados os tiros, foi a segunda, que veio em auxílio da primeira, que mandara parar o Peugeot 106 e não a primeira que os mandou parar[9].
O que se discute agora, tendo em conta o recurso interposto é matéria de natureza jurídica e os erros invocados têm a ver com o texto da sentença e não com a impugnação da matéria de facto propriamente dita.
O acórdão recorrido, não obstante as alterações efectuadas na sequência do anterior recurso, acaba por decidir de forma idêntica e quanto a nós, salvo o devido respeito, reiterando os mesmos erros de interpretação fáctico-jurídica.
O Ministério Público/recorrente, considera haver “erro notório na apreciação da prova” nos seguintes factos dados como “não provados”:
“14. O arguido B..... actuou ciente de que com grande probabilidade punha em risco a vida e integridade física do condutor e demais ocupantes daquela viatura;
(…)
16. O arguido B....., ao efectuar os disparos, tenha agido de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era, para além de censurável, punida por lei;
17.Com a sua conduta o arguido B..... violou os princípios mais elementares de prudência, pois toda a gente tem conhecimento, por força das regras gerais da experiência, que é perigoso apontar uma arma de fogo a alguém e, ainda por cima, utilizar a mesma para agredir quem quer que seja, por se confiar ligeiramente que a mesma não disparará, bem sabendo que a mesma não se encontrava em posição de segurança;
18. O arguido B..... mediante os disparos efectuados na direcção dos ocupantes do veículo automóvel em fuga, com a utilização da arma de fogo identificada nos autos, sabia que poderia tirar a vida e ofender corporalmente os mesmos ou a algum dos ocupantes, como veio a acontecer, sabendo que dispunha de meio idóneo para concretizar esse desiderato e conformou-se com tal resultado”;
Esta matéria factual encerra em si mesma algum subjectivismo e como acontece em quase todos os crimes, o elemento subjectivo é muitas vezes deduzido do contexto da factualidade objectiva provada, em face das regras de experiência comum na perspectiva do homem médio em geral.
O acórdão ora recorrido, tal como o anterior, parece ter confundido a legitimidade das forças policiais para utilizar a arma de serviço, (regulamentada pelo D. L. 457/99 de 05.11), com a (i)licitude da conduta. Tal decorre da conclusão a que chegou ao escrever-se no acórdão:
- “(…) como lícita a conduta do arguido B..... quando efectuou nos disparos em causa nos autos pelo que, sem ilicitude, não se verifica o tipo objectivo dos crimes de homicídio, pelos quais vinha acusado”.
Mais acentuou ainda ao referir expressamente:
- “(…) assim sendo entendemos que a conduta do arguido B..... tem cobertura legal, tendo em conta o disposto nos citados artºs 3º, nº 2, b), nº 4, e 4º, nº 1, do DL 457/99, tendo sido ainda proporcional às circunstâncias concretas do caso em análise”.
A perfilhar-se um entendimento simplista desta natureza, estava aberta a porta para que as forças policiais tivessem cobertura legal para disparar indiscriminadamente em situações como a dos autos, sem que a culpa nunca fosse apurada, pois que a ela não se chegaria sequer, porque o acto seria (segundo aquele raciocínio) considerado lícito. É inaceitável esta tese.
Para se avaliar o elemento subjectivo dos crimes imputados pela acusação e que o Tribunal recorrido deu como não provados importa analisar a tal factualidade objectiva provada e o contexto da ocorrência.
No caso concreto, estamos perante uma situação de desobediência a uma ordem de paragem da autoridade a um condutor, porque (segundo o próprio agente policial) “ao pararem num sinal vermelho repararam que nem todos os ocupantes levavam cinto de segurança” – facto provado sob o nº 4.
A partir daí desencadeia-se uma perseguição, vindo outro veículo da GNR em auxílio do primeiro, tripulado por I (condutor) e o arguido B...... Após percorrerem vários quilómetros sem suster a marcha da viatura foi dado como provado que:
- “33. Em consequência de todos estes factos o arguido B..... decidiu, portanto, fazer uso, para esse efeito, da pistola-metralhadora de marca “Famae”, modelo SAF, de calibre 9mm, com três apoios e mecanismos próprios de segurança, (…).
- 34. O arguido B....., seguia no lugar frontal direito da viatura de marca e modelo “Nissan Almera”, e quando os veículos seguiam pela Rua Pinho Leal, colocou-se junto à janela, com a parte superior do tronco inclinada para o exterior, empunhando a referida pistola, cujos apoios colocou na porta do veículo em que seguia e ajustou ao seu ombro de forma a melhorar a pontaria, colocando-a no modo semi-automático;
- 35. Imediatamente antes de disparar, e quando circulavam pela Rua Pinho Leal o condutor do “Peugeot” chegou a circular pela metade esquerda da faixa de rodagem, o que obrigou um condutor cujo veículo circulava em sentido contrário, a desviar-se da sua mão de trânsito a fim de evitarem o embate com aquele “Peugeot”; (declarações do arguido B.....)
- 36. Após alguns segundos de espera, e quando o veículo de marca e modelo “Nissan Almera” se encontrava mais para a esquerda, tendo por referencia o eixo central do veículo de marca e modelo “Peugeot 106” de matricula ..-..-DJ, e a uma distancia de cerca de 15 metros do mesmo, o arguido B..... efectuou quatro disparos dirigidos ao pneu direito traseiro da viatura em fuga, em modo semi-automático;
- 37. Não obstante tais disparos, as duas viaturas continuaram a sua marcha, no sentido descendente, onde faz uma curva até a uma zona plana, prosseguindo em recta;
- 38. Vindo, nesse local, e com o mesmo objectivo de suster a marcha da viatura em fuga e encontrando-se na mesma posição, isto é colocado à janela da viatura policial, o arguido B..... efectuou mais dois disparos, dirigidos ao pneu direito traseiro, quando os referidos veículos se encontravam a uma distancia de cerca de 15 a 20 metros, tendo, então, a viatura em fuga se vindo a imobilizar junto do prédio com o número de polícia 359, alguns metros mais à frente;
- 39. Os tiros efectuados pelo arguido B..... e descritos nos factos 30 e 32 foram disparados, quer no primeiro quer no segundo momento, de forma rápida; (decisão do Tribunal da Relação do Porto)
- 40. Em qualquer dos momentos em que o arguido B..... efectivou os disparos com a referida arma de fogo, o veiculo automóvel em que seguia, o de marca e modelo “Nissan Almera” seguia a uma velocidade de cerca de 60 kms/h”;
- 41. Como consequência necessária e directa desses disparos, um dos ocupantes da viatura em fuga, que seguia no lado direito do banco traseiro, o D..... acabou por ser atingido, no tórax, por dois projécteis, sendo um de trás para diante e outro de trás para diante, da esquerda para a direita e ligeiramente de cima para baixo; (…) 43. Lesões que lhe determinaram como efeito necessário a sua morte.
- 44. Igualmente e consequência dos disparos efectuados, E….., que seguia no lado esquerdo do banco traseiro, acabou por ser atingido, por um dos projécteis disparados, na zona abdominal;
- 45. Projéctil esse que lhe causou traumatismo abdominal, apresentando orifício de entrada a nível do Hip direito/flanco direito e orifício de saída ao nível da região lombar direita bem como outro orifício de entrada a nível da face anterior da coxa direita, tendo sido submetido a laparatomia exploradora para exclusão de lesão intra abdominal, que revelou hematoma do retroperitoneu direito e hematoma do pólo inferior do rim direito sem outra lesões da cavidade intra abdominal;
- 46. Lesões essas que lhe determinaram, como consequência necessária e directa, quarenta e cinco dias de doença, com afectação da capacidade para o trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional, (…).”
A pergunta que se coloca é em primeiro lugar a de saber se a situação criada pelo condutor do Peugeot 106, C....., ao desobedecer a uma ordem de paragem das autoridades, devidamente legitimadas para o fazerem, justificaria uma reacção destas por parte das mesmas, tendo em conta que não estava em causa uma situação de crimes de elevada gravidade, nem a busca ou captura de indivíduo procurado ou fugido à justiça, sobre o qual impendessem mandados de detenção.
A resposta parece-nos óbvia. Embora o recurso ao uso de armas de fogo seja lícito em situações especiais, a situação concreta revelou um excesso, que violou os princípios da necessidade e proporcionalidade, estabelecidos no artº 2º do D. L. 457/99 de 5.11, pois o recurso a arma de fogo só é permitido em caso de absoluta necessidade, como medida extrema, quando outros meios menos perigosos se mostrem ineficazes, e desde que proporcionado às circunstâncias[10].
Há portanto fortes limitações ao uso de armas de fogo quer quanto às situações em que ele é permitido, quer quanto aos procedimentos a adoptar.
Ao contrário da interpretação feita pelo Tribunal “a quo” quanto à licitude da conduta, importa salientar que o artº 3º do citado Decreto-Lei, é bem específico ao consagrar expressamente o seguinte:
«1. No respeito dos princípios constantes do artigo anterior e sem prejuízo do disposto no nº 2 do presente artigo, é permitido o recurso a arma de fogo:
a) Para repelir agressão actual e ilícita dirigida contra o próprio agente da autoridade ou contra terceiros;
b) Para efectuar a captura ou impedir a fuga de pessoa suspeita de haver cometido crime punível com pena de prisão superior a três anos ou que faça uso ou disponha de armas de fogo, armas brancas ou engenhos ou substâncias explosivas, radioactivas ou próprias para a fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes;
c) Para efectuar a prisão de pessoa evadida ou objecto de mandado de detenção ou para impedir a fuga de pessoa regularmente presa ou detida;
d) Para libertar reféns ou pessoas raptadas ou sequestradas;
e) Para suster ou impedir grave atentado contra instalações do Estado ou de utilidade pública ou social ou contra aeronave, navio, comboio, veículo de transporte colectivo de passageiros ou veículo de transporte de bens perigosos;
f) Para vencer a resistência violenta à execução de um serviço no exercício das suas funções e manter a autoridade depois de ter feito aos resistentes intimação inequívoca de obediência e após esgotados todos os outros meios possíveis para o conseguir;
g) Para abate de animais que façam perigar pessoas ou bens ou que, gravemente feridos, não possam com êxito ser imediatamente assistidos;
h) Como meio de alarme ou pedido de socorro, numa situação de emergência, quando outros meios não possam ser utilizados com a mesma finalidade;
i) Quando a manutenção da ordem pública assim o exija ou os superiores do agente, com a mesma finalidade, assim o determinem.
2. O recurso a arma de fogo contra pessoas só é permitido desde que, cumulativamente, a respectiva finalidade não possa ser alcançada através do recurso a arma de fogo, nos termos do nº 1 do presente artigo, e se verifique uma das circunstâncias a seguir taxativamente enumeradas:
a) Para repelir a agressão actual ilícita dirigida contra o agente ou terceiros, se houver perigo iminente de morte ou ofensa grave à integridade
física;
b) Para prevenir a prática de crime particularmente grave que ameace vidas humanas;
c) Para proceder à detenção de pessoa que represente essa ameaça e que resista à autoridade ou impedir a sua fuga.
3. Sempre que não seja permitido o recurso a arma de fogo, ninguém pode ser objecto de intimidação através de tiro de arma de fogo.
4. O recurso a arma de fogo só é permitido se for manifestamente improvável que, além do visado ou visados, alguma outra pessoa venha a ser atingida».
Ainda que se possa entender que o recurso à arma de fogo foi feito ao abrigo do disposto no nº 1 al. f), a verdade é que, ainda assim, a situação foi manifestamente desproporcionada e feita sem a mínima observância do dever de cuidado que no caso concreto se impunha, a que estava obrigado o arguido B..... e de que era capaz, não tendo sequer, como podia e devia previsto a morte da vítima e as ofensas noutra.
A situação que nem sequer foi abordada no acórdão recorrido, mas é aqui fundamental, prende-se com o tipo de arma utilizada, a distância e circunstâncias em que o foi. Não estamos perante uma simples pistola, o arguido utilizou uma pistola-metralhadora “Famae” de calibre 9 mm, disparada a cerca de 15 a 20 metros da viatura, viatura esta, que é de pequenas dimensões (com pouca distância entre a traseira e os ocupantes, incluindo os do banco da frente – vidé fotos) e alguma fragilidade, o que face ao elevado poder de perfuração e alcance da arma utilizada, incomparavelmente maior que o de uma pistola normal, pela experiência profissional, o treino de tiro que possuía e demais conhecimentos em geral ministrados aos soldados da GNR[11] na sua formação, impunha-se ao arguido um especial dever de cuidado, podendo e devendo prever que 6 tiros disparados naquelas circunstâncias, com o carro em andamento a 60 km/h e a 15/20 metros do veículo atingido, eram susceptíveis de por em perigo as vidas humanas (incluindo nos bancos dianteiros) dos que nele seguiam, como de facto se comprovou.
Por outro lado, não estando em causa um crime de elevada gravidade, nem nenhuma das principais situações enumeradas no artº 3º do D.L. 457/99 supra citado, não se justificava o aparato criado, com reforço de viaturas e uso de pistola-metralhadora. A fuga de um cidadão à entidade policial nas circunstâncias em que ocorreu não justificava o recurso a meios “pesados” para a sua detenção, que afinal se revelaram bem mais graves do que se as autoridades, simplesmente tivessem posto de parte a perseguição e se limitassem a levantar o respectivo auto de notícia fazendo assim o infractor responder igualmente perante a Justiça.
Aliás, os únicos crimes então indiciados, até ao momento em que foi ordenada a paragem e o arguido C..... desrespeitou, pondo-se em fuga, eram apenas o de desobediência (artº 348º do cód. penal) e na sequência deste o de condução perigosa, (artº 291º do cód. penal) – [sendo que esta era de perigosidade relativa, dado que a ocorrência deu-se por volta da 01H00 da madrugada e a circulação de pessoas e viaturas era escassa].
Também é nossa convicção de que, provavelmente, o uso de arma mais ligeira em vez de pistola-metralhadora não teria feito as vítimas que fez. O meio empregue foi desproporcional, pois não se provou que nenhum dos ocupantes, estivesse armado ou enfrentasse as forças policiais a tiro e nem sequer resulta claro que quisessem atropelar qualquer agente de autoridade, pois o que se provou a este propósito foi que, “o comportamento assumido pelo arguido C..... foi interpretado pelo guarda Coelho, da GNR como uma tentativa de atropelamento a si, presumindo que o veículo avançara na sua direcção– facto 11.
Ficou provado que os disparos foram dirigidos ao pneu traseiro direito da viatura em fuga (factos 36 e 38), mas a verdade é que nenhum dos pneus da viatura foi atingido. O Peugeot foi atingido, na sua traseira, por cinco tiros, como resulta dos vestígios nele encontrados, ao nível da chapa e do pára-choques, sendo que três deles apresentam continuidade para o interior do veículo (factos 52, 53 e 54).
De acordo com o relatório pericial da Polícia Judiciária, que inclusive fez a reconstituição, a fls. 343 e seguintes, concluiu-se, que o Peugeot foi atingido na chapa da sua traseira, por cinco tiros, quatro dos quais bem acima do pára-choques, sendo que três deles atingiram o Peugeot já na parte superior da chapa, junto ao vidro traseiro, e apenas um atingiu o pára-choques.
A vítima mortal foi atingida por dois tiros e o companheiro que seguia ao seu lado, por um.
As fotos de fls. 358 a 361 permitem verificar os locais em que o Peugeot foi atingido pelos disparos do arguido B..... e, também, a trajectória dos projécteis no interior do Peugeot. As fotos de fls. 361 revelam essas trajectórias sendo evidente que três dos projécteis atingiram o banco traseiro do Peugeot, quer do lado esquerdo quer do lado direito, e a uma altura média entre a base das costas do banco e a sua parte superior.
Considerando o poder de perfuração e alcance da pistola-metralhadora utilizada, o tipo de viatura visada e trajectória dos 3 tiros que penetraram no interior, caso não existissem vítimas no banco de trás, as balas atingiriam muito provavelmente com gravidade os ocupantes dos bancos dianteiros.
Os factos provados, objectivamente, revelam uma total impossibilidade de afastamento de um juízo de censura à conduta do arguido B...... Aliás, todo o seu procedimento, se dúvidas pode suscitar, é se a sua conduta integra um dolo eventual (artº 14º nº 3 do cód. penal) ou uma negligência consciente, (artº 15º al. b) do cód. penal). Por razões de segurança jurídica e apenas porque não se provou que o mesmo soubesse que no banco traseiro iam as vítimas, não deve a sua actuação ser subsumida a uma conduta dolosa (eventual), mas sim à negligente.
Aliás, mesmo de acordo com a matéria de facto provada sob os nº 59, 60, 61 e 63, não vemos como pôde o Tribunal “a quo” afastar a conduta negligente do arguido!
Vejamos:
- «58. A viatura da marca Peugeot, modelo 106 XN, de matrícula ..-..-DJ foi atingida por cinco disparos de arma de fogo, dos quais três tiveram continuidade para o interior do habitáculo da mesma;
- 59. O arguido B..... tinha perfeito conhecimento sobre o recurso à utilização de armas de fogo, conhecia as características técnicas da arma de fogo que lhe estava distribuída pela corporação policial a que pertence;
- 60. Sabia igualmente das possíveis consequências que poderiam advir da utilização de tal arma de fogo;
– 61. No momento em que efectivou os disparos, o arguido B..... não foi confrontado com nenhuma arma de fogo, que tivesse sido empunhada pelo arguido C....., nem nenhum dos seus acompanhantes, nem estava a ser ofendido corporalmente ou ameaçado na sua integridade física;
(…)
– 63. O arguido B..... serviu no Exercito Português, após ter cumprido o Serviço Militar Obrigatório, tendo aí, para além do exercício normal no Curso de Praças da GNR, o treino com armas de fogo com características idênticas à pistola-metralhadora “Famae”;

Refira-se que o D. L. 457/99 de 5/11, tem subjacente a preocupação de explicitar e desenvolver condicionantes ao uso de armas de fogo inerentes aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstas e “enfatizar especialmente a necessidade de salvaguardar a vida humana até ao extremo possível, através da concretização de exigências acrescidas e mais restritivas, de recurso a arma de fogo contra pessoas”, (lê-se no preâmbulo).
Tal diploma veio impor princípios e regras à utilização de armas de fogo por parte das forças de segurança e salvaguardar, por outro lado, “o próprio agente na acção policial, que, com um quadro mais claro de procedimentos, vê facilitada a adopção, em cada momento crítico, do comportamento adequado ao desempenho da sua missão”, (cfr. preâmbulo), realizando essa uniformização que visa aumentar a eficácia da acção policial e induzir, consequentemente, um reforço da relação de confiança das polícias com os cidadãos.
A conduta do arguido B....., não se mostra excluída por qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que, a decisão recorrida errou ao absolver o arguido nos termos e fundamentos apresentados no acórdão.
Não se verificou qualquer pressuposto de proporcionalidade qualitativa dos bens (objecto da agressão e objecto da acção de defesa), nem quantitativa, em termos de uso de meios, tendo em conta que os “fugitivos” nem sequer estavam armados ou alguma vez fizeram ameaças desse tipo, (como já acima salientámos). A reacção das forças da GNR foi inadequada, sendo injustificado o recurso a armas do porte da utilizada, tendo em conta o fim e interesse público que devem nortear os objectivos das forças de segurança, (cfr. artº 266º nº 1 e 272º da CRP).
Os princípios da proporcionalidade e da necessidade, que regulam o recurso a arma de fogo pelas forças policiais, foram claramente violados.
Nos termos do artº 15º do cód. penal:
- «Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas actuar sem se conformar com essa realização; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.»
A morte e ofensa na integridade física dos ofendidos D..... e E…., seriam evitados se o arguido tivesse agido com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, abstendo-se de utilizar a arma de fogo, nas circunstâncias em que a utilizou, uma vez que era previsível a situação de perigo, quer porque sabia que no veículo circulavam pelo menos duas pessoas, (condutor e pendura) quer porque não controlou a direcção dos projécteis, quer ainda porque a arma utilizada foi claramente desproporcionada contra a uma viatura daquele tipo.
É manifesta a razão do recorrente ao alegar o erro notório na apreciação da prova e a contradição entre factos provados e não provados, tendo o acórdão recorrido violado o disposto no artº 410º nº 2 al. b) e c) do cód. procº penal.
«Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que está notoriamente errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando de um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (…)”, - cfr. Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 740, em anotação ao artigo 410º.
Como bem salientou o Ac. do Tribunal Constitucional 198/2004 de 24/03/2004, D.R. II Série, de 02/06/2004 - «a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de quaisquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. De outra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.»[12]
O acórdão recorrido violou ainda o disposto nos artº 2º e 3º do D.L. 457/99 de 5/11 e artº 266º nº 1 e 272º nº 2 e 3 ambos da CRP.
Por consequência devem ser suprimidos dos factos dados como não provados” os assinalados sob os nº 14, 16 e 17, que passarão para os factos provados com a seguinte redacção e numeração:
72. O arguido B..... sabia que a sua actuação punha em risco a vida e integridade física do condutor e demais ocupantes daquela viatura, confiando no entanto que tal não aconteceria.
73. O arguido B....., ao efectuar os disparos, agiu com inobservância do dever de cuidado a que no caso concreto estava obrigado e de que era capaz, violando os elementares princípios de segurança e prudência que o caso exigia.
O item 18 dos factos “não provados”, porquanto articula o dolo eventual, deverá manter-se nos factos não provados, tal como vem articulado, pois não colide com a prova da negligência.
A negligência é um juízo de censura ao agente por não ter agido de outro modo, conforme podia e devia. O traço fundamental situa-se, pois na omissão de um dever objectivo de cuidado ou diligência (não ter o agente usado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento).
Necessário ainda se torna que a produção do evento seja previsível (uma previsibilidade determinada de acordo com as regras da experiência dos homens, ou de certo tipo profissional de homens – neste caso forças policiais) e só a omissão desse dever impeça a sua previsão ou a justa previsão.
Beleza dos Santos (R.L.J. 67/162, 70/225) sustentava que a par dos deveres concretos havia um dever geral de atenção, de cuidado, de previdências quanto ao «respeito pelos interesses alheios».
Mas como se determina esse dever geral? Não havendo disposição que o defina deverá irá buscar-se à sua razão de ser que é a razão social. Para saber se, em tais condições, é culposa uma conduta, deve-se aferir a mesma pelo conceito social sobre as condições de razoabilidade em que o agente procedeu, consideradas as circunstâncias da pessoa, do tempo, do modo e do lugar.
E uma questão inevitável se coloca: - segundo o conceito das pessoas medianamente prudentes, era razoável que o soldado da GNR procedesse de outro modo para respeito dos interesses alheios? Se o era, então a conduta é negligente. Caso contrário, se o não era, usou da conduta que usaria qualquer pessoa medianamente prudente em condições iguais e a conduta não seria culposa, (cfr. neste sentido Prof. Cavaleiro Ferreira in “Cód. Penal”. nota II, 87 e Prof. Figueiredo Dias in “O problema da consciência da ilicitude em direito penal” pág. 127).
Quando a realização de um facto for representada como uma consequência possível da conduta, haverá dolo se o agente actua conformando-se com aquela realização. Assim, na conformação ou não conformação com o resultado é que reside a diferença entre o dolo eventual e a negligência consciente.
No respeitante à negligência inconsciente, “a Lei, para evitar a produção de resultados antijurídicos, proíbe a prática de condutas idóneas para os produzirem, querendo que eles sejam representados pelo agente; ou permite tais condutas, mas rodeadas dos necessários cuidados, para que os eventos típicos se não realizem. Esta permissão de condutas perigosas é geralmente devida a imperativos do desenvolvimento científico, técnico ou económico. É o caso dos meios de transporte, das armas, da electricidade, etc., meios em si perigosos, mas cujo uso é permitido mediante cuidados adequados a evitar desastres pessoais e danos. Quando estes cuidados são acatados, o risco esbate-se; na omissão dos mesmos se radica o fundamento da negligência inconsciente” (cfr. Maia Gonçalves, Cod. Penal, pág. 593).
«A negligência ou mera culpa consiste na omissão da diligência que era exigível ao agente, mas pode assumir diversas formas, em função da intensidade ou grau da ilicitude ou da culpa. Assim, diz-se que há negligência consciente quando o agente previu a verificação do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria acreditou na sua não verificação, e só por isso não tomou as providências necessárias para o evitar. E diz-se que há negligência inconsciente quando o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se tivesse usado da diligência devida.»
«Segundo outra terminologia, a negligência (culpa em sentido restrito) pode ser levíssima, leve ou grave. Será levíssima quando o agente tenha omitido os deveres de cuidado que só uma pessoa excepcionalmente diligente e prudente teria observado; será leve quando o agente deixar de observar os deveres de cuidado que uma pessoa normalmente diligente teria adoptado; será grave quando tiverem sido omitidos os deveres de cuidado que só uma pessoa especialmente descuidada e incauta deixaria de respeitar», (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.2007, disponível in www.dgsi.pt.)
No caso em apreço estamos perante uma negligência consciente, nos termos previstos no artº 15º al. a) do cód. penal, porquanto o arguido B..... não procedeu com o cuidado a que nas circunstâncias descritas, estava obrigado e de que era capaz. Representou como possível que atingisse os ocupantes da viatura (matando ou ferindo), mas ainda assim disparou 6 tiros de pistola-metralhadora, confiando que não os atingiria.
A negligência inconsciente é aqui de afastar pois tal implicava que o arguido não chegasse sequer a representar como possível o resultado da sua conduta, o que na situação descrita era de todo improvável.
Mesmo que se considerasse negligência inconsciente não deixaria de ser uma negligência grave e/ou grosseira.
Conforme se defendeu no acórdão do STJ:
1. A negligência grosseira não excluiu a negligência inconsciente que consiste em não se chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.
2. A negligência grosseira acompanhada da negligência inconsciente significa um menor grau de culpa em relação à simples negligência grosseira». Ac. do STJ, de 06/05/93, proc. nº 44236.
Mas a situação analisada enquadra claramente a previsão do artº 15º al. a) do cód. penal, sendo em nosso entendimento uma negligência grosseira, porquanto estamos perante um comportamento que ultrapassou claramente a simples falta de cuidado, que segundo as circunstâncias estava obrigado, evidenciando uma conduta insensata, irreflectida e esquecendo elementares precauções exigidas pela prudência de quem utiliza armas e as direcciona contra um automóvel em circulação (a 60 km/h e a 15/20 metros de distância) com passageiros lá dentro.
A conduta do arguido B..... integra assim a autoria material de um homicídio por negligência, p. e p. pelo artº 137º nº 2 do cód. penal, cometido na pessoa da vítima D….. e um crime de ofensas à integridade física por negligência, p. e p. pelo artº 148º nº 1 do cód. penal, uma vez que todos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes em referência se encontram indubitavelmente verificados.
Em situação relacionada com os disparos mortais de um agente da GNR se pronunciou o acórdão do STJ de 27/05/93, proc. nº 43559[13]:
- «A negligência grosseira a que alude o artº 137º, nº 2 do cód. penal é uma negligência qualificada que consiste num comportamento de clara irreflexão ou ligeireza, ou na falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das cautelas aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos actos correntes da vida. Consiste no esquecimento das precauções exigidas pela mais vulgar prudência, ou na omissão das precauções ou cautelas mais elementares.»
Não obstante estarmos perante a verificação de vícios do artº 410º nº 2, al. b) e c) do cód. procº penal, nada obsta que seja proferida decisão por parte do tribunal “ad quem”, por dispor de todos os elementos para o efeito.
*
Importa agora determinar a medida concreta das penas parcelares e do consequente cúmulo jurídico, face ao circunstancialismo factual provado.
As seguintes circunstâncias atenuantes devem ser consideradas:
- O arguido mostra-se socialmente bem inserido, vivendo com a mulher e filha de 6 anos de idade em apartamento próprio;
- Não possui antecedentes criminais;
- Possui o 12º ano de escolaridade;
- Trabalhou, entre os 17 e os 19 anos, numa empresa de transitários, altura em que ingressou nas Forças Armadas, aí frequentou curso de operações especiais, tendo estado em Lamego e em Santa Margarida;
- No âmbito das forças armadas cumpriu duas missões no exterior, de 6 meses cada, uma nos Balcãs (integrado em força da Nato), no ano de 2000 e, em 2003, em Timor (integrado em força da ONU);
- Em 2004 ingressou na GNR, para a Brigada Territorial, depois de concluir com boa classificação o curso de praças;
- Exerce funções no posto territorial de Leça da GNR, sendo considerado pelos superiores e colegas um guarda responsável, com bom relacionamento com os demais;
- No meio onde vive é bem considerado;
- Na época balnear, e em regime de voluntariado, é nadador salvador nas praias de …..;
- Tem apoio da família, colegas e hierarquias;
Como agravantes importa destacar:
- O grau de ilicitude dos factos (médio) e a elevada intensidade da negligência (grave e grosseira);
- As consequências trágicas da conduta, traduzidas na morte de um jovem, que por sinal nem tinha cometido qualquer infracção, já que a desobediência à ordem de paragem era imputável ao condutor.
- A ausência de um motivo realmente sério e grave para se utilizar uma pistola-metralhadora assente na porta lateral, com o carro em andamento, contra outra viatura igualmente em andamento, ambas na ordem dos 60 km/k.
Estas as circunstâncias mais relevantes a ter em conta e como se vê e que permitem determinar a pena concreta a aplicar por cada um dos crimes.
O homicídio por negligência p. e p. pelo artº 137º nº 2 do cód. penal, é abstractamente punido com pena de prisão até 5 anos.
Por sua vez as ofensas à integridade física por negligência p. e p. pelo artº 148º nº 1 do cód. penal, são punidas com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
No caso deste último crime considerando a gravidade da culpa e ilicitude dos factos, é de excluir a opção pela pena de multa por a mesma não realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, antes se devendo optar por uma pena de prisão cumulada com a do crime de homicídio por negligência.
A pena de multa deverá ser reservada para situações de pequena gravidade e não para casos em que a censurabilidade das condutas é de molde a causar perturbação social e a exigir uma punição com pena de prisão, pois só assim se acautelam as necessidades de prevenção geral e especial.
A medida concreta da pena é uma operação complexa porque se trata de converter em magnitudes penais factos, em traduzir os critérios legais de fixação da pena, numa certa quantidade dela[14].
Ela deve ser aferida nos termos do artº 71º do cód. penal, em função da culpa do arguido, tendo em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de ilícito, deponham a seu favor ou contra si.
Com efeito, na determinação da medida da pena, esta tem como primeira referência a culpa e funcionando depois num segundo momento, mas ao mesmo nível, a prevenção. No tocante à culpa, os factos ilícitos são decisivos e devem ser valorados em função do seu efeito externo; a prevenção constitui um fim e deve relevar para a determinação da medida da pena em função da maior ou menor exigência do ponto de vista preventivo.
Na graduação da pena concreta, deve o julgador relevar a sua própria intuição assessorada pelas regras da experiência comum, face ao caso concreto em análise, o critério de uniformidade seguido em situações idênticas e as tendências jurisprudenciais, ponderadas as circunstâncias agravantes e atenuantes provadas; todavia, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Conjugando o disposto nos arts 40º e 70º do cód. penal resulta que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e o reforço da consciência jurídica comunitária na validade da norma infringida (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
No caso dos autos, todos os factores salientados, mormente a gravidade da sua conduta, a intensidade da negligência e grau de ilicitude, bem como a gravidade das suas consequências, temos por adequado fixar a pena de prisão quanto ao crime de homicídio em 2 anos e 8 meses e em relação ao crime de ofensa à integridade física negligente em 7 meses.
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares nos termos do artº 77º do cód. penal, ao arguido B..... deverá ser aplicada uma pena única de prisão de 3 anos de prisão.
Não obstante a condenação do arguido B..... por outro crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º nº 1 do cód. penal, na pessoa de H….., (em pena de multa) uma vez que decorre de outro contexto totalmente diferente dos disparos efectuados e porque não foi objecto de recurso, deve a pena manter-se inalterada, embora entre no cúmulo jurídico, mantendo a sua individualidade por ser de natureza diferente, (artº 77º nº 3 do cód. penal).
Deverá a pena de prisão ser efectiva ou suspensa na sua execução? Em conformidade com o disposto no artigo 50º do cód. penal:
- “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Sob o ponto de vista formal exige-se que a pena aplicada não exceda cinco anos – o que é o caso.
Já sob o ponto de vista substancial, impõe-se que a verificação de condições atinentes à personalidade do arguido, às suas condições de vida, conduta anterior e posterior aos factos, permitam ao tribunal convictamente concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Suspender a execução da respectiva pena, não pode ser vista como um “acto de clemência”, mas sim como uma forma mais eficaz e adequada de ressocializar e reabilitar o condenado. A análise e ponderação de todos estes factores, deve reportar-se sempre ao momento da decisão e não ao momento da prática dos crimes.
A decisão de suspender a pena de prisão assenta numa prognose social favorável ao arguido ou seja, a esperança de que este sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime ou acto susceptível de o enquadrar. O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa[15].
Convém salientar a propósito do artº 50º do cód. penal, que na redacção original desta norma, a de 1982, referia-se que o julgador “pode suspender” e não “suspende”,[16] (como actualmente) e apesar de parecer um pequeno detalhe, na realidade não o é. Da actual redacção se conclui claramente, que o legislador pretendeu dar-lhe uma vinculação que até à data não tinha, fazendo recair sobre o julgador a obrigatoriedade de apreciar os respectivos pressupostos e justificar porque aplica ou não tal medida, dando primazia à sua aplicação, preterindo a prisão efectiva, face às consequências que desta possam advir. No entanto, a sua aplicação não é automática, carece da verificação objectiva dos pressupostos que a lei consagra. Não há propriamente um dever de suspender, mas sim um poder vinculado de decretar a suspensão (Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, C. P. anotado e comentado, pág. 178).
Ou por outras palavras: “trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena de prisão, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos” – Maia Gonçalves, C.P. Português, 18ª edição, pág. 215.
Segundo a douta opinião do prof. Figueiredo Dias[17], a suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artº 50º do cód. penal, é “a mais importante das penas de substituição, por dispor de mais largo âmbito”.
Da norma citada decorre com clareza que um dos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão é a circunstância de a simples censura do facto e a ameaça da pena realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. “É a chamada prognose favorável do comportamento futuro do arguido, que o tribunal retirará da personalidade do agente e das circunstâncias do facto submetido a julgamento”[18].
Conforme decidiu o Acórdão do S.T.J.[19], é preciso que a “suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspectiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado; por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal”.
No caso concreto, estamos perante uma situação que em tudo aconselha a suspensão da execução da pena, não obstante as consequências gravosas da conduta, traduzidas no resultado morte de uma pessoa e ferimentos noutra, que, (quiçá por sorte) sobreviveu.
Como é sabido, no tocante à privação da liberdade, mais concretamente de aplicação da pena de prisão efectiva, esta só é admissível quando se mostrar indispensável, isto é, quando o desiderato que visa prosseguir não puder ser obtido de outra forma menos gravosa (princípio da necessidade ou da exigibilidade), quando se revelar o meio adequado para alcançar os fins ou finalidades que a lei penal visa com a sua cominação (princípio da adequação ou da idoneidade) e quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido (princípio da proporcionalidade ou da racionalidade)[20].
A opção pela suspensão da execução da pena de prisão, parece-nos satisfazer no caso concreto as finalidades da punição e a mais adequada ressocialização do condenado, visando o evitar de situações futuras similares e uma maior auto responsabilidade e prudência no manejo de armas.
O recurso é assim de proceder.
*
*
DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e decidem:
a) Suprimir dos factos “não provados” os itens sob os nº 14, 16 e 17, os quais passarão para os factos provados com a redacção acima descrita e sob os nº 72 e 73.
b) Condenar o arguido B..... como autor material e em concurso efectivo, por um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artº 137º nº 2 do cód. penal, cometido na pessoa de D....., na pena de dois (2) anos e oito (8) meses de prisão;
c) Condenar ainda o mesmo arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artº 148º nº 1 do cód. penal, cometido na pessoa de E…., na pena de oito (8) meses de prisão.
d) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, nos termos do artº 77º do cód. penal, incluindo o crime de ofensa à integridade física simples, na pessoa de H…., condenar o arguido B..... na pena única de 3 anos de prisão e 120 dias de multa, à taxa diária de 7,50 € (sete euros e cinquenta cêntimos) o que perfaz a multa global de 900 € (novecentos euros).
e) Suspender a execução da pena de prisão pelo período de três (3) anos, nos termos do artº 50º nº 5 do cód. penal.
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Sem custas.
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Porto 30 de Outubro de 2013
Augusto Lourenço[21]
Moreira Ramos
_________________
[1] - Cfr. Ac. STJ de 19/6/1996, BMJ 458, 98.
[2] - Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 111.
[3] - Direito Processual Penal, Vol. I., 1974, Coimbra, pág. 202.
[4] - Acórdão do STJ, 21/10/1999, proc. nº 1191/98, 33, SASTJ, nº 27.
[5] - Acórdão do TRP de 19/04/2006, publicado no sítio daquele tribunal.
[6] - Tópicos de um Curso de Mestrado sobre Direitos Fundamentais, Procedimento, Processo e Organização, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXVI, Coimbra, 1990.
[7] - Sumários de Processo Criminal, 1967/68, pág. 50.
[8] - Acórdão do TC nº 542/97, publicado no sitio daquele tribunal.
[9] - A 1ª viatura, Jeep Nissan Patrol, tripulada pelos Guardas José Teixeira Coelho e Hélder Marques Pereira, necessariamente sabiam da existência dos 4 passageiros, já que em declarações o próprio disse que “ao pararem no sinal vermelho se apercebeu que nem todos levavam o cinto de segurança”, (facto nº 4). E de seguida o Guarda F..... saiu da viatura e abordou o condutor C.....Coutinho, dando-lhe indicação para parar. (factos 5 e 6). Pelo menos estes agentes sabiam que eram 4 os ocupantes.
[10] - Veja-se a redacção do artº 2º do DL 457/99:
-« 1. O recurso a arma de fogo só é permitido em caso de absoluta necessidade, como medida extrema, quando outros meios menos perigosos se mostrem ineficazes, e desde que proporcionado às circunstâncias.
- 2. Em tal caso, o agente deve esforçar-se por reduzir ao mínimo as lesões e danos e respeitar e preservar a vida humana».
[11] - Tanto mais que se provou que o arguido B..... Carvalho era um perfeito conhecedor das potencialidades da arma FAMAE:
“O arguido B..... Carvalho serviu no Exercito Português, após ter cumprido o Serviço Militar Obrigatório, tendo aí, para além do exercício normal no Curso de Praças da GNR, o treino com armas de fogo com características idênticas à pistola-metralhadora “Famae” – Facto 63.
[12] - Cfr. Tribunal Constitucional in www.tribunalconstitucional.pt/acordaos.
[13] - Citado por Simas Santos e Leal Henriques in “Jurisprudência Penal”, pág. 47.
[14] - Cfr. Ac. STJ de 06.02.2013 disponível in www.dgsi.pt/stj
[15] - Neste sentido cfr. Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal” Parte I, pág. 1153.
[16] - Para além de ter subido o limite de 3 para 5 anos, em relação à possibilidade de suspensão.
[17] - In “Direito Penal II”, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 337.
[18] - Ac. Relação do Porto de 14.10.2009 in site DGSI.
[19] - Ac. STJ de 18/02/08, Proc. 2837/08 acessível em http://www.dgsi.jstj.
[20] - Cfr. Ac. STJ de 07.04.2010 in Proc. nº 113/04.0GFLLE.E1.S1 - 3ª Secção - Cons. Oliveira Mendes (relator).
[21] - Elaborado e revisto pelo relator, sendo da sua responsabilidade a não aplicação do “acordo ortográfico”.