Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11524/23.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL
Nº do Documento: RP2024040411524/23.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A procedência da acção de execução específica pressupõe que as partes tenham celebrado um contrato-promessa válido e eficaz, que o promissário possa exigir judicialmente o cumprimento da prestação prometida, que o promitente esteja numa situação de incumprimento da sua obrigação e que esse incumprimento lhe seja imputável e não traduza uma situação de impossibilidade definitiva da prestação.
II - Ainda que o promitente não esteja em mora no cumprimento da sua obrigação, a acção de execução específica deve ser julgada procedente se no momento da celebração do contrato-promessa ele entregou ao promissário uma procuração irrevogável conferindo-lhe poderes especiais para em sua representação celebrar o contrato prometido quando entendesse.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2024:11524.23.1T8PRT.P1
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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:
A..., S.A., sociedade comercial com o NIPC ... e sede em Vila Real, instaurou acção judicial contra B..., Lda., sociedade comercial com o NIPC ... e sede em ..., Cinfães, deduzindo contra esta os seguintes pedidos:
A) ser proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da ré enquanto promitente-vendedora do imóvel sito na Rua ..., n.º ... e ..., Porto, inscrito na matriz respectiva com o artigo nº ... e;
B) registada a propriedade do autor sob o imóvel referido na Conservatória do Registo Predial do Porto sob a descrição nº ... transferindo a propriedade deste para a autora.
Para fundamentar o seu pedido alegou em súmula, que celebrou com a ré um contrato-promessa de compra e venda do imóvel indicado pertencente à ré, tendo efectuado, nas condições previstas no contrato, o pagamento da totalidade do preço acordado, apesar do que o contrato prometido continua sem ser celebrado tendo a ré a vontade firme de não o celebrar.
A ré foi citada e apresentou contestação, defendendo a improcedência da acção e alegando para o efeito que não está verificada a mora ou incumprimento da sua parte uma vez que nunca foi notificada, interpelada ou contactada sobre a marcação da escritura, que a autora recebeu da ré aquando da celebração do contrato promessa uma procuração irrevogável conferindo-lhe poderes para outorgar a escritura de compra e venda quando assim pretendesse. Na oportunidade impugnou parte dos factos alegados pela autora.
Findos os articulados e ouvidas as partes sobre essa possibilidade foi proferido saneador sentença, tendo a acção sido julgada «procedente» e «substituindo a declaração de vontade da ré ..., declarar celebrado o contrato de compra e venda entre esta, como vendedora, e a autora..., como comprador, pelo preço de 350.000,00 euros ..., já integralmente pago, declarando transferido para a autora, o direito de propriedade sobre o ... imóvel urbano sito na Rua ..., números ... e ..., ... Porto, inscrito na matriz respectiva com o artigo nº ... e registado na Conservatória do Registo Predial do Porto sob a descrição nº ..., correspondente a casa ... área coberta de 105,45 m2 e área descoberta de 57 m2».
Do assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
A. Entendendo o Mmo. Juiz a quo que o estado dos autos permitia-lhe desde logo conhecer do mérito da causa, tendo proferido sentença, esta é absolutamente omissa quanto aos factos não provados, violando assim o estatuído no n.º 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil.
B. A douta sentença está ferida de nulidade, nos termos do artigo 615.º n.º 1 alíneas b), c) e d) do CPC. Por outro lado,
C. A douta sentença entende que estamos perante um contrato promessa de compra e venda referente a um imóvel e que “O promitente fiel ao contrato-promessa pode recorrer à execução específica do mesmo (a produção coactiva do resultado em espécie devida pelo promitente faltoso) quando, não obstante a mora ou a recusa expressa do outro contraente em cumprir, mantenha ainda interesse na prestação e esta seja possível.”
D. Sendo a mora e/ou recusa a cumprir factos nucleares para a procedência ou improcedência da pretensão da acção, dos factos dados como provados nada ali consta sobre tal matéria.
E. Mas, na fundamentação, escreveu-se: “(…) apesar de considerarmos que autora poderia ter recorrido a outros meios, que não judiciais, pois que mesmo que se considere que houve mora da ré (com a pendência da acção executiva e penhora do imóvel), tal mora não se converteu em incumprimento definitivo, uma vez que a prestação continuava (e, continua actualmente) a ser possível e a autora não interpelou a rés para cumprir em prazo razoável, efectuando a interpelação admonitória prevista no art. 808 do Código Civil.”
F. Impunha-se, pois, que o Tribunal se pronunciasse quanto à existência, ou não de mora, por parte da Ré e não o fazendo, ocorre omissão de pronúncia que conduz à nulidade da sentença.
G. Na fundamentação consagra-se que “podendo efectivamente a autora interpelar para cumprimento marcando a respectiva escritura pública (ou fazendo uso da procuração com poderes especiais que a ré diz ter-lhe outorgado).”
H. Ora, a interpelação da Ré para cumprimento e a existência de uma procuração irrevogável a favor da Autora, que lhe permitia averbar a propriedade do prédio a seu favor e, nessa medida cumprir o contrato prometido são, pois, questões essenciais.
I. Assim, dar como provada a interpelação, recusa em cumprir e existência de procuração irrevogável são questões essenciais, sobre as quais o Tribunal se deveria ter pronunciado e sem o que nunca poderia chegar à conclusão a que chegou, por ausência de factos que suportem as conclusões a que chegou.
J. A sentença é, pois, nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. Acresce que,
K. Existiu erro de julgamento por parte do tribunal “a quo” escrevendo: “Cremos, face ao acima referido e atendendo às circunstâncias que envolveram o imóvel (processo executivo), que estará legitimada para fazer uso desta acção.”
L. Conclusão que surge no anteriormente escrito: “Alega a autora que o “atraso” na outorga do contrato prometido se deve à ré, que permitiu que o bem prometido vender tenha sido penhorado e estado em processo de venda executiva (processo executivo que, afirmam as partes, se mostra findo pela pagamento, mantendo-se o direito de propriedade registado em nome da ré).”
M. Atento o alegado no artigo 7.º da Petição inicial, os documentos n.º 1 e 4, juntos com a mesma e o alegado no artigo 9.º da mesma petição inicial, a própria Autora alega que foi quem contraiu o mútuo junto da Banco 1..., que deixou de o cumprir, razão pela qual aquela entidade lhe moveu – à Autora – uma execução para pagamento de quantia certa, no âmbito da qual o imóvel foi penhorado e esteve para venda.
N. O tribunal considerou, erradamente que a penhora e a venda judicial eram responsabilidade da Ré, quando a penhora e venda judicial ocorrem por única responsabilidade da Autora.
O. Falando assim a fundamentação e conclusão de que “Cremos, face ao acima referido e atendendo às circunstâncias que envolveram o imóvel (processo executivo), que estará legitimada para fazer uso desta acção.”
P. A Sentença incorre, portanto, num erro que inquina toda a fundamentação e decisão. Por outro lado,
Q. Existe Contradição entre a fundamentação e o segmento decisório, atendendo a que o Contrato Promessa junto com a Petição Inicial como doc 1, (Cláusula Quinta n.º 2) estabelece que a escritura de compra e venda, “será celebrada/o em local a definir, na cidade do Porto, o que terá de ocorrer até ao dia 31 de Julho de 2016.” e que o Ponto 3 da referida clausula, estabelece que, “a marcação de data, hora e local para a escritura, (…), será efectuada pela Segunda Outorgante [a aqui Autora], ou por quem esta indique, através de carta registada com aviso de recepção a enviar á Primeira Outorgante [a aqui Ré], com uma antecedência nunca inferior a 8 dias”.
R. A celebração do mútuo, entre a Autora e a Banco 1... ocorre em 05/09/2016 – 2 meses após a data prevista para a escritura e o processo executivo, movido pela Banco 1... contra a Autora – não a Ré – com n.º 5221/20.7T8PRT – vide doc 2 junto com a petição inicial –surge 4 anos após a data limite para a Autora agendar a escritura pública.
S. Errou a douta sentença, contradizendo-se, ao concluir que “o “atraso” na outorga do contrato prometido se deve à ré, que permitiu que o bem prometido vender tenha sido penhorado e estado em processo de venda executiva (…)”.
T. E, escrevendo-se “a autora não interpelou a rés para cumprir em prazo razoável, efectuando a interpelação admonitória prevista no art. 808 do Código Civil, visto que não dá como provada a existência de mora da Ré, nem sequer fundamenta a sua decisão com base na mora, não poderia concluir que a Autora “estará legitimada para fazer uso desta acção” de execução específica.
U. Consagrando na sua fundamentação que “…fazendo uso da procuração com poderes especiais que a ré diz ter-lhe outorgado).”, não negando a Autora a existência da Procuração, antes o desconhecimento “da actual administração” e sendo um acto em que a Autora interveio, não pode ser impugnada por desconhecimento, valendo, nos termos do artigo 574.º n.º 3 do CPC, a declaração da Autora como confissão.
V. Provada a existência de procuração que permitia à Autora, a todo o tempo, realizar escritura pública e averbar a propriedade do prédio a seu favor não pode o Tribunal concluir que “…nada obsta a que seja procedente a acção, por não haver qualquer outro motivo que obste à execução específica peticionada pela autora.”
W. Existe, pois, uma clara oposição dos fundamentos com a decisão, bem como uma ausência de pronuncia sobre questões que deveria ter apreciado, comportamento que consubstancia uma nulidade nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea c) e d) do CPC.
X. Não havendo prova de que a Autora agendou a escritura pública de compra e venda, que interpelou a Ré e/ou que esta se recusou a cumprir e sendo a realização deles essencial para a constituição da ré em mora, não há mora e não estão reunidos os pressupostos da execução específica peticionada pela Autora.
Y. Errou a douta sentença, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 830º, n.º 1, 804º e 808º, todos do Código Civil. Por fim,
Z. Sendo o pedido “ser proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré enquanto promitente vendedora do imóvel sito na Rua ..., números ... e ..., (…) e o tribunal “a quo”, decidindo “declarar celebrado o contrato de compra e venda entre esta, como vendedora, (…)” o Tribunal condenou em quantidade superior e em objecto diverso do pedido, pelo que a decisão está eivada de nulidade, nos termos do disposto na alínea e) do art.º 615º do Código de Processo Civil.
Termos em que, revogando-se a douta sentença a quo se fará inteira e sã Justiça.
O recorrido respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i. Se a decisão recorrida é nula.
ii. Se estão reunidos os requisitos necessários para a autora pode pedir a execução específica do contrato-promessa celebrado com a ré.

III. Nulidades da decisão recorrida:
A recorrente defende que a decisão recorrida «é omissa quanto aos factos não provados, o que consubstancia uma nulidade nos termos do artigo 615.º n.º 1 alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil».
Salvo melhor opinião, não tem razão.
O campo de aplicação do n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil é o da sentença que é proferida após a realização da audiência de julgamento e a produção da totalidade dos meios de prova requeridos e/ou ordenados nos autos.
Só nessa situação o juiz necessita de declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Nos casos em que o conhecimento do mérito tem lugar no próprio despacho saneador, logo após o fim dos articulados e sem a produção de qualquer outro meio de prova para além da prova documental junta pelas partes com os articulados, o juiz apenas tem de indicar os factos que nesse momento já se encontram provados e que permitem o imediato conhecimento do mérito e especificar a razão pela qual tais factos já estão provados.
Nessa situação, como a instrução do processo e a audiência de julgamento não foram feitas, o juiz não tem de fazer e não pode mesmo fazer a avaliação dos meios de prova (...que não foram produzidos), nem tem de indicar que julga não provados quaisquer outros factos (... precisamente porque esse julgamento só poderia ser feito ...havendo produção de prova e após esta).
No saneador-sentença o juiz só tem de especificar os factos que já se encontram provados por acordo das partes e/ou por documento autêntico com valor de prova plena, já que só esses podem nesse momento ser considerados provados e servir de fundamentação de facto ao julgamento do mérito da causa.
E não tem de especificar os factos que permanecem controvertidos (o que é distinto de dizer serem julgados não provados) quer porque, na sua opinião, os mesmos não têm interesse para a apreciação do mérito (se tivessem, esse conhecimento não pode ser feito sem a realização da audiência de julgamento), quer porque não tendo havido produção de prova é impossível fazer a ... apreciação dos meios de prova!
No caso, a sentença só indica factos considerados já provados, o que é suficiente, e menciona que essa situação deriva do «acordo das parte e/ou documento com força probatória bastante», o que é igualmente suficiente. Portanto, em tese a parte podia defender que esses factos ou alguns deles ainda não podem ser considerados provados (v.g. não existe acordo sobre eles ou não estão provados por documento autêntico), mas de modo algum pode sustentar que a decisão é nula por não ter elencado os factos ... «julgados» não provados.
Depois a recorrente, defende que a sentença é «nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil», porque alegadamente o tribunal a quo não se pronunciou sobre «a existência, ou não de mora, por parte da ré».
Percebe-se a razão pela qual a recorrente invoca este vício.
Com efeito, a sentença recorrida simplificou em demasia os aspectos jurídicos de que depende a procedência da acção de execução específica e, com todo o devido respeito, não conheceu daquelas questões com a profundidade jurídica exigida e espectável do juiz.
No entanto, afirmando-se na sentença que tendo deixado de se verificar os «obstáculos» à celebração do contrato prometido motivados pela acção executiva onde foi penhorado o imóvel prometido vender, «pode... efectivamente a autora interpelar para cumprimento marcando a respectiva escritura pública (ou fazendo uso da procuração com poderes especiais que a ré diz ter-lhe outorgado). Em vez disso, optou a autora por intentar esta acção de execução específica. Cremos, face ao acima referido e atendendo às circunstâncias que envolveram o imóvel (processo executivo), que estará legitimada para fazer uso desta acção».
Nesse sentido, bem ou mal, com o cuidado e o rigor exigidos ou apesar da falta deles, a sentença recorrida analisou a questão de saber se a autora podia exigir a celebração da escritura de compra e venda e respondeu-lhe afirmativamente.
Por isso, entendemos que, certa ou errada, a decisão recorrida não enferma de nulidade por falta de conhecimento da questão mencionada.
A recorrente defende de seguida que existe «uma clara oposição dos fundamentos com a decisão», o que «consubstancia uma nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) e d) do Código de Processo Civil».
Percebemos a razão de ser da arguição, mas discordamos da conclusão.
O Mmo. Juiz a quo considerou que os factos provados lhe permitem concluir que a autora podia requerer o cumprimento do contrato-promessa através da acção de execução específica e julgou a acção procedente. Independentemente do seu mérito e da sua qualidade intrínseca, do ponto de vista jurídico este silogismo não encerra qualquer entropia ou disfunção lógico-dedutiva.
Daí que a sentença não enferme de contradição entre a decisão e os fundamentos, pelo contrário o dispositivo é perfeitamente conforme com a fundamentação de direito expendida.
Prosseguindo no afã de esgotar o elenco das nulidades da sentença, a recorrente defende, por fim, que a decisão «ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objectiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está eivada de nulidade prevista na consignada alínea e) do art.º 615º do Código de Processo Civil».
Não é assim, de todo.
A acção de execução específica visa a prolação por parte do tribunal de uma sentença que produza os efeitos da declaração negocial da outra parte no contrato-promessa (cf. 830.º, n.º 1, do Código Civil). Numa acção judicial, a redacção do pedido correspondente a esta finalidade possui alguma dificuldade, não sendo raras as vezes em que a sua redacção é imperfeita.
Sucede que uma petição inicial contém declarações de vontade que visam a produção de efeitos jurídicos e não estritamente processuais, razão pela qual tais peças, como qualquer declaração de vontade, não só podem conter incorrecções, imprecisões ou outros vícios da declaração, como carecem sempre de interpretação. A dedução de um pedido é um acto jurídico, de natureza processual, pelo que como qualquer outro acto jurídico está sujeito a interpretação (cf. artigos 236.º e 295.º do Código Civil).
A tarefa de interpretação orienta-se basicamente pela busca da vontade real do declarante uma vez que, por princípio, a declaração vale de acordo com essa vontade (artigo 236.º, n.º 2, do Código Civil). A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente, compreendendo elementos textuais e extratextuais que permitam alcançar a compreensão de um enunciado.
Interpretar é procurar a norma que o texto pretende manifestar, é ir além do que o texto expressa e alcançar o que ele pretende enunciar, o que implica ir além do texto, colocá-lo no respectivo contexto, recorrer aos fins, às circunstâncias, à intenção do autor.
Tudo para lograr descobrir por trás da força das palavras a razão do enunciado, fixando-lhe o alcance e o sentido, sendo certo que a interpretação realizada pelo juiz possui sempre uma dimensão reconformadora da realidade interpretada, pelo que a orientação básica que lhe deve presidir é a de encontrar a solução justa e adequada para o caso concreto, em vez de se ater a considerações puramente conceituais, literais ou semânticas que o distanciam da tarefa da realização da justiça.
Quando se pede que seja «proferida sentença que produza os efeitos de uma declaração negocial» o que se está a pretender (a pedir) é que seja proferida uma sentença que em substituição da parte cuja vontade é superada pela decisão do tribunal declare a vontade negocial que essa parte estava vinculada a emitir num dever de prestação susceptível de execução específica.
Foi isso que sucedeu no caso dos autos. Não há, pois, qualquer diferença material entre o pedido de que fosse «proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da ré enquanto promitente vendedora» e o dispositivo da sentença que «substituindo a declaração de vontade da ré ... declara celebrado o contrato de compra e venda [leia-se, o contrato-prometido] entre esta ... e a autora».
Improcedem assim as nulidades apontadas à sentença recorrida.

IV. Fundamentação de facto:
O Mmo. Juiz a quo declarou provados os seguintes factos:
1- A autora, A..., S.A., na qualidade de promitente compradora, outorgou com a Ré, B..., Lda., esta na qualidade de promitente vendedora, a 22 de Abril de 2016, contrato-promessa de compra e venda, tendo como objecto a celebração de contrato de transmissão de propriedade do prédio urbano, correspondente a casa de rés-do-chão, três andares, quintal e mais pertenças sito na Rua ..., números ... e ..., na União das Freguesias ..., ..., ..., ..., ..., ..., município e distrito do Porto, inscrito na matriz respectiva com o artigo nº ... e Registado na Conservatória do Registo Predial do Porto sob a descrição nº ... (documentos juntos aos autos, contrato-promessa e certidão predial, docs. nº 1 e 2 juntos com a petição inicial).
2- Por intermédio do mencionado contrato-promessa, a ré, promitente-vendedora, prometeu vender à promitente-compradora, a autora, que prometeu comprar, pelo preço de €350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) o imóvel identificado no número anterior (Cláusula Terceira do contrato).
3- O mencionado imóvel deveria ser transmitido livre de quaisquer ónus ou encargos, salvo os inquilinos habitacionais AA e BB, que habitavam no mesmo à data da celebração do referido contrato, conforme resulta do próprio contrato (Cláusula Quarta).
4- A autora pagou a totalidade do preço à promitente-vendedora, aqui Ré.
5- Quando da outorga do contrato-promessa, a Autora entregou à Ré a quantia de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), que esta recebeu e de que deu quitação pelo referido contrato-promessa, a título de sinal e princípio de pagamento (alínea a) da Cláusula Terceira do contrato-promessa).
6- Posteriormente, no dia 22 de Junho de 2016, a título de reforço de sinal e princípio de pagamento, a Ré recebeu da Autora, a quantia de €81.789,52 (oitenta e um mil setecentos e oitenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), conforme resulta da alínea b) da Cláusula Terceira do referido contrato-promessa.
7- O remanescente do preço, no valor de €223.217,48 (duzentos e vinte e três mil duzentos e dezassete euros e quarenta e oito cêntimos) foi recebido pela Ré, da Autora, aquando da celebração do contrato de mútuo com hipoteca outorgado entre as Rés e a Banco 1..., CRL. e que permitiu, também, à Ré, extinguir a anterior hipoteca existente a favor do Banco 2... (em virtude de financiamento que possuía com este banco), conforme resulta da alínea c) da Cláusula Terceira do referido CPCV e do próprio contrato de Mútuo Com Hipoteca, bem como do recebimento pela Ré do diferencial conforme comprovativos de pagamento à B..., Lda. (docs. nº 1 e 4 juntos com a petição inicial).
8- Sucede, porém, que ainda que a Ré já tenha recebido a totalidade do preço acordado para a transmissão da propriedade do imóvel supra identificado para a Autora, o que é certo é que, até à presente data, o imóvel permanece na propriedade daquela promitente-vendedora (doc. junto aos autos, certidão predial).

V. Matéria de Direito:
Em sede de matéria de direito a recorrente defende essencialmente que a acção de execução específica instaurada contra si, na qualidade de promitente-vendedora, não pode ser julgada procedente porque não incorreu ainda sequer em mora no cumprimento da sua prestação, havendo sim mora da parte da própria autora e promitente-compradora, e sem isso a acção deve improceder.
A questão a decidir é assim se estão preenchidos os requisitos necessários para o tribunal emitir a declaração negocial de venda do bem à autora, em execução específica da obrigação da promitente que se comprometeu a emitir essa declaração e até ao momento não o fez.
Contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato (artigo 410º do Código Civil). Da promessa emerge para os promitentes a obrigação de “emissão de uma declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido, ou seja, do contrato promessa emerge para os seus outorgantes a obrigação de realizar uma prestação de facto de outorgar no contrato prometido” (cf. Almeida Costa, in Contrato Promessa - Uma síntese do Regime Actual, separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 50, I, pág. 41).
Em princípio, excepto se lhe for atribuída eficácia real, o contrato-promessa produz efeitos meramente obrigacionais. «Ele gera, necessariamente, uma ou duas obrigações de contratar, uma ou duas obrigações de celebrar um certo contrato. O objecto dessas obrigações é, na opinião tradicional e que continua a ser maioritária da doutrina, uma prestação de facere jurídico, a emissão da declaração negocial integradora do contrato prometido. Sendo esta a prestação debitória a que o obrigado está, principalmente, adstrito, não é, porém, directamente a ela que se dirige o interesse do credor. O interesse do promissário visa imediatamente a conclusão do contrato definitivo, e, mediatamente, a produção dos efeitos próprios deste. Enquanto a obrigação principal do devedor parece ter apenas por objecto a emissão da declaração negocial componente do contrato prometido, o direito do credor tem por objecto a conclusão válida e eficaz deste último. É o seu cumprimento que satisfará, a final, o interesse creditório que motivou a celebração da promessa. (…) O promitente, estando vinculado a uma declaração negocial, não está vinculado a uma qualquer declaração negocial: esta é a que seja susceptível de integrar o contrato nos exactos termos em que foi convencionado que este se celebraria. A sua obrigação é, pois, a de intervir na conclusão de um contrato já completamente identificado estrutural e funcionalmente. Só a conduta de que resulte a válida celebração de contrato capaz de produzir os efeitos fixados pela promessa constitui, assim, cumprimento pontual da obrigação. (…) Daí que ao comportamento debitório principal estejam incindivelmente ligadas condutas debitórias acessórias, positivas e negativas, instrumentais da sua realização». (cit. Ana Prata, in O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, Almedina, pág. 573 e seguintes).
O n.º 1 do artigo 830.º do Código Civil, integrado na secção que trata da realização coactiva da obrigação e na subsecção que rege sobre a execução específica, estabelece que «se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida».
Segundo Calvão da Silva, in Sinal e Contrato-Promessa, 1988, págs. 97 e 98, «a chamada execução específica é, em última instância, no plano funcional, a mesma coisa que a acção de cumprimento: apenas esta se dirige à condenação do devedor no adimplemento da prestação, enquanto aquela produz imediatamente os efeitos da declaração negocial do faltoso (sentença constitutiva). Ou seja (…) através da sentença constitutiva prevista no artigo 830.º, o credor obtém o que poderemos chamar cumprimento funcional da promessa, isto é, o resultado prático do cumprimento, independentemente e mesmo contra a vontade do promitente faltoso, em via imediata e sem ter de recorrer à sentença de condenação, nem, obviamente, ao processo executivo». Também Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I, 8.ª ed., pág. 334, assinala que «o modo como, na prática, o juiz supre a declaração negocial do faltoso é a de considerar o contrato prometido como realizado, por força da sentença».
Os requisitos da execução específica são por isso a existência de uma promessa válida de celebrar um determinado contrato e a falta de cumprimento dessa obrigação. É necessário, com efeito, que as partes tenham celebrado um contrato-promessa válido e eficaz, que permita ao promissário exigir judicialmente o cumprimento da prestação prometida. E é ainda necessário que o promitente esteja numa situação de incumprimento da sua obrigação e que esse incumprimento lhe seja imputável e não traduza uma situação de impossibilidade definitiva da prestação.
É necessário ter presente que quando falamos em execução específica estamos a falar em acção de cumprimento, não em acção de incumprimento. O que a acção visa é a obtenção por via judicial do cumprimento das prestações emergentes do contrato-promessa, não a obtenção da indemnização pelo incumprimento definitivo do contrato.
Daí que o incumprimento necessário para operar as consequências jurídicas ao nível do direito indemnizatório associadas ao mecanismo do sinal não seja o mesmo que é necessário para que uma das partes possa lançar mão da acção de execução específica.
Enquanto aquele tem de revestir as características do incumprimento definitivo imputável ao promitente faltoso (só tendo o incumprimento essa natureza a parte será responsabilizada pelas consequências do não cumprimento - artigos 790.º e 798.º do Código Civil -, sendo certo que nos termos do artigo 799.º do Código Civil se presume a culpa do devedor), para se poder exigir a execução específica do contrato-promessa basta que a obrigação do promitente faltoso seja exigível, esteja vencida e não tenha sido cumprida.
Vejamos então o que prevê o contrato sobre a celebração da prometida compra e venda.
Os n.ºs 2 e 3 da cláusula Quinta do contrato, no qual, note-se, a autora é a Segunda Outorgante e a ré a Primeira Outorgante, estabelecem o seguinte:
«2. A escritura de compra e venda, ou outro procedimento que assegure o integral cumprimento do presente contrato, por todos os intervenientes, será celebrada/o em local a definir, na cidade do Porto o que terá que ocorrer até ao dia 31 de Julho de 2016.
3. A marcação de data, hora e local para a escritura, ou para a concretização de outro procedimento que assegure o integral cumprimento do presente contrato, por todos os intervenientes, será efectuada pela Segunda Outorgante, ou por quem esta indique, através de carta registada com aviso de recepção a enviar à Primeira Outorgante, com uma antecedência nunca inferior a 8 dias
Nos termos desta cláusula a celebração do contrato prometido ficou subordinada a um termo final: devia ocorrer até um certo dia, situado cerca de três meses depois da celebração do contrato-promessa.
A cláusula não esclarece em benefício de qual das partes foi fixado este prazo, razão pela qual, nos termos do artigo 779.º do Código Civil, tratando-se de um contrato bilateral, com deveres de prestação principais a cargo de ambas as partes, simultaneamente credores e devedores das prestação recíprocas, o prazo se tem por estabelecido a favor de ambas, rectius, que qualquer das outorgantes podia exigir beneficiar daquele limite temporal, não celebrando o contrato prometido até se atingir a data limite fixada.
Todavia, como a data é apenas um termo final e não propriamente uma data fixa para a celebração do contrato prometido e esta pressupõe a realização de diligências prévias, como o agendamento do acto no cartório notarial onde a escritura seria celebrada e a reunião e fornecimento aos serviços do cartório da documentação necessária, para que uma das partes pudesse exigir da outra que comparecesse à celebração da escritura é necessário que essas diligências fossem realizadas.
Isso leva-nos ao texto do contrato na parte em que define a parte que está onerada com a realização de tais diligências e com o dever de comunicar à outra a data e o local da celebração da escritura. No caso, como vimos, as partes acordaram colocar esses deveres a cargo da autora: era esta que tinha de realizar essas diligências e de informar a ré do dia, hora e local em que devia comparecer para ser celebrada a escritura de compra e venda prometida.
Ora resulta dos articulados que essas diligências e comunicação nunca foram feitas pela autora, a qual aliás, não só não alega tê-lo feito, como alega um conjunto de factos totalmente alheios ao processo relacionados com uma acção executiva na qual o bem prometido vender chegou a estar penhorado, pretendendo que isso impedia a celebração do contrato prometido.
A autora está equivocada. Ainda que não estejam juntas aos autos as certidões judiciais indispensáveis para que os factos atinentes à acção executiva pudessem ser considerados provados (o tribunal a quo não os elencou como tal) e neles fosse já possível alicerçar qualquer juízo fundamentador da decisão (erro em que incorre a decisão recorrida), de acordo com o alegado a referida execução parece ter sido instaurada contra a aqui autora por ter incumprido o contrato de mútuo que celebrou com uma instituição financeira para poder pagar o remanescente do preço fixado no contrato-promessa. Se dessa execução resultou a impossibilidade de celebração do contrato prometido (a penhora do bem impedia a sua alienação válida) essa impossibilidade é-lhe totalmente imputável e só a responsabilizava a si mesma pelas consequências do incumprimento.
A aqui ré só era demandada na execução por, apesar de ser terceira, ser titular do imóvel prometido vender e sobre este ter constituído hipoteca a favor da mencionada instituição financeira para garantia do crédito desta sobre a mutuária e aqui autora. A sua demanda na execução foi necessária não por ser devedora ou em alguma medida responsável pelo cumprimento da obrigação pecuniária, mas para assegurar a possibilidade de na execução se proceder à venda do bem hipotecado pertencente a terceiro atenta a circunstância de ser esta a titular do bem hipotecado.
Como a execução podia conduzir à venda de bem de que era proprietária, a aqui ré podia e tinha todo o interesse em pagar a quantia exequenda para impedir esse desfecho que lhe era prejudicial porque de facto, não obstante a existência do contrato promessa, o imóvel continuava a pertencer-lhe e o contrato-promessa continuava por cumprir por motivos imputáveis à autora.
Logo, absolutamente nada do que se passou na execução eliminou a necessidade de a autora, estando em condições de celebrar a escritura pública de compra e venda, diligenciar pelo seu agendamento no cartório notarial escolhido e informar a ré por carta registada com a antecedência mínima de oito dias do dia, hora e local em que devia comparecer para essa celebração.
Como nunca o fez não há como deixar de concluir que a ré nunca chegou a estar em mora porque nunca chegou a ser interpelada, nos termos fixados no contrato, para cumprir a sua prestação. Com efeito, nos termos do artigo 805.º do Código Civil, após a obrigação se ter tornado tornou exigível (ter sido atingido o limite temporal) é necessário saber se a obrigação se venceu, isto é, se o devedor a deve efectuar sob pena de constituição em mora, o que no caso das obrigações sem prazo certo (quando não está à partida definido a data certa em que a obrigação deve ser cumprida) apenas ocorre na sequência de interpelação do devedor para que cumpra.
A pergunta que se coloca de seguida é se essa conclusão obriga a julgar a acção de execução específica improcedente ou, ao menos, revogar a decisão de conhecer de imediato do mérito e ordenar o prosseguimento dos autos para julgamento porque a autora alega haver da parte da ré a firme intenção de não cumprir o contrato-promessa (o que, per se, mesmo estando em falta a interpelação referida, consubstanciaria uma situação de incumprimento definitivo) e esta impugna esse facto que diz ser «absolutamente falso», razão pela qual o mesmo permanece controvertido.
Cremos que não é assim por um facto alegado curiosamente pela própria ré e que se pode já considerar assente.
Nos artigos 23.º e 24.º da contestação a ré alegou que «aquando da celebração do contrato promessa, a ré outorgou uma procuração irrevogável a favor da autora, conferindo-lhe poderes para outorgar a escritura de compra e venda quando assim pretendesse», «procuração essa cujo original ficou na posse da autora e que a legitimava a celebrar a escritura de compra e venda quando bem entendesse».
Esta alegação traduz a invocação de factos totalmente novos destinados a impedir o efeito jurídico pretendido pela autora, constitui defesa por excepção, tendo a autora sido convidada por despacho a responder a essa matéria por escrito.
Nos artigos 10.º e 11.º da resposta que apresentou a autora limita-se a dizer que «na pessoa dos seus actuais administradores, desconhece a existência da dita procuração e não a tem na sua posse», «razão pela qual dela nunca se poderia valer, para prover à celebração do contrato definitivo».
Daqui decorre que desprezando o erro técnico-jurídico de pretender que a personalidade jurídica da autora e o correspondente centro de imputação de direitos e deveres varia consoante mudam os seus administradores, certo é que a autora não impugna de forma válida que a ré tenha outorgado e lhe tenha entregue uma «procuração irrevogável» conferindo à autora «poderes para outorgar a escritura de compra e venda quando assim pretendesse».
Assente este facto por confissão ficta, qual o seu relevo jurídico?
Se a autora passou a estar munida de uma procuração da ré na qual esta lhe atribuiu poderes para outorgar a escritura do contrato prometido «quando assim entendesse», significa que a ré, por intermédio desse instrumento jurídico, renunciou, em definitivo, não apenas a qualquer prazo para a outorga do contrato prometido, como à necessidade de intervir ela mesma, por intermédio dos seus representantes legais, nesse acto.
Dito de outro modo, mediante a outorga e entrega da procuração à autora, a ré dotou-a do poder de não apenas celebrar a escritura de compra e venda quando entendesse, como de se substituir à própria ré nessa celebração, outorgando a respectiva escritura como representante voluntária desta, ou seja, sendo ela a declarar a vontade negocial da ré, cuja formação e emissão esta prescindiu de fazer por si e quando fosse sua decisão.
Se a autora, usando essa procuração, podia outorgar a escritura pública de compra e venda quando entendesse, ou seja, mesmo quando optou por instaurar a acção de execução específica, por acto decidido e praticado exclusivamente por ela, tem de se entender que a obrigação da ré podia ser cumprida, ou seja, que era exigível e estava vencida.
Logo, se a autora podia, com a procuração, assegurar o cumprimento da promessa extrajudicialmente, não se vê como recusar, sob pena de o direito de transformar numa abstracção, que ela pudesse pedir o cumprimento por via judicial, leia-se exigir a execução específica.
O que se pode questionar sim é se a autora tem, nessa circunstância, interesse em agir ou legitimidade processual para quem não dissocie os dois pressupostos processuais.
Cremos que a resposta deve ser afirmativa: a partir do momento em que pode exigir o cumprimento, a parte tem interesse em agir para o obter, seja por que via for, não havendo impedimento a que o peça pela via que considere mais favorável.
De todo o modo, tendo a ré alegado que não tem neste momento acesso à procuração para a poder usar (e para o efeito não releva que essa inacessibilidade lhe seja imputável, o que interessa é se está em condições de apresentar a procuração) mas sendo esse facto ainda controvertido, o processo não fornece elementos para recusar à autora interesse em agir.
Pode colocar-se a questão de saber se atenta a possibilidade de obter o cumprimento por outra via que não a judicial a autora deve ser responsabilizada pelas custas do processo. A resposta é, cremos, negativa.
Nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil a responsabilidade pelas custas recai sobre a parte que dá causa à acção, mas o conceito de «dar causa» não lhe equivale a «causalidade» já que se entende (leia-se: se presume) que lhe dá causa a parte vencida, ou seja, a parte que perde a acção.
Acresce que nos termos do artigo 535.º do Código de Processo Civil, as custas só são pagas pelo autor quando o réu não tenha dado causa à acção e a não conteste, o que constitui uma cumulação real de pressupostos: não dar causa e não contestar. Logo, tendo a ré contestado a acção (se não se opõe ao cumprimento do contrato, não se vê por que motivo a contestou) e saído vencida, as custas são da sua responsabilidade ainda que a autora pudesse (tendo acesso físico a ela, o que é controvertido) obter o cumprimento por via extrajudicial.
Em conclusão, a decisão de declarar judicialmente o conteúdo e os efeitos da compra e venda prometida pelas partes no contrato-promessa é correcta e deve ser confirmada.
Improcede assim o recurso.

VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam o dispositivo da decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente, a qual vai condenado a pagar à recorrida, a título de custas de parte, o valor da taxa de justiça que suportou e eventuais encargos.
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Porto, 4 de Abril de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 812)
Francisca Mota Vieira
Isoleta Almeida Costa

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]