Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
291/23.9YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: NULIDADES DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
Nº do Documento: RP20240307291/23.9YRPRT
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - É consabido que nos tribunais estaduais só a absoluta falta de fundamentação determina a nulidade da sentença.
II - Assim e por maioria de razão não justifica a anulação de uma sentença arbitral a apresentação de uma motivação que se mostra suficiente para justificar a convicção probatória do árbitro e que quando muito, apenas falha quando muito numa melhor concretização da convicção probatória que resultou da prova testemunhal produzida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acção de Anulação da Decisão Arbitral nº 291/23.9YRPRT




Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Ernesto Nascimento
Paulo Duarte Mesquita Teixeira






I. Relatório:

AA e BB, residentes na Rua ..., ..., Porto vieram instaurar a presente acção de anulação da decisão arbitral, com processo especial, contra A... – Companhia de Seguros S.A., com sede na Rua ..., .... Lisboa, requerendo que seja anulada a sentença arbitral proferida pelo Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), a 25.07.2023, no âmbito do processo nº IND-2023-…-EP ., em que eram reclamantes BB e AA e reclamada a Companhia de seguros A... S.A., na qual foi decidido pelo Senhor Juiz Árbitro julgar improcedente, por não provada a acção, absolvendo a reclamada do pedido.
Para tanto, concluem o seu pedido do seguinte modo:
1) A sentença arbitral proferida no âmbito da arbitragem com número de processo IND-2023-30-EP que correu termos no Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros, (CIMPAS), não se encontra fundamentada ou, pelo menos, não se encontra suficientemente fundamentada.
2) Não é suficiente indicar a matéria provada, devendo também especificar-se em concreto qual da prova produzida contribuiu, de forma adequada, para que no espírito do julgador, se criasse a convicção e motivação para proferir a decisão.
3) Razão pela qual se entende não se encontrarem suficientemente preenchidos os requisitos que devem estar presentes à prolação de uma sentença, nomeadamente os constantes do nº 3 do artigo 659º do CPC.
4) É o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.12.2012: “os referidos preceitos da LAV ao prescreverem que a sentença seja fundamentada de facto e de direito, não deixam de evidenciar que o julgador impõe, sob pena de anulação da sentença, que na mesma seja feito um juízo apreciativo, motivado e justificado (…) em tudo semelhante à prescrição constante (…) do CPC”.
5) O mesmo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto afirma que “esse juízo não pode prescindir de uma justificação sumária, mas concretizada, não meramente genérica, enunciativa ou referencial, da ponderação dos meios probatórios e do modo como o julgador, com base neles, formou a convicção que determinou considerar determinados factos como provados e outros como não provados, e com base neles, aplicar os normativos legais conformadores da resolução do litígio”.
6) Também o douto Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 17.06.2013 consagra a necessidade de fundamentação: “num estado de direito democrático, em que os tribunais têm o dever constitucional de fundamentar as suas decisões (artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e, particularmente, a decisão sobre a matéria de facto, a motivação dessa decisão de facto não deve consistir num qualquer feeling irracionalizável, inverbalizável e, por isso, insusceptível de ser transmitido aos outros, pois que deste modo nem os destinatários da decisão judicial percebem as razões que levaram o tribunal a decidir num certo sentido, nem os mesmos estão habilitados a criticar as razões da decisão não reveladas”.
7) Assim sendo, no entendimento dos Autores aqui apelantes, é essencial tal fundamentação da decisão nos termos acima expostos, tal será essencial para a boa decisão da causa, determinando necessariamente uma alteração substancial naquela que foi a decisão proferida. O que se requer, nos termos legais aplicáveis.
8) Inacreditavelmente, através de um mero email com um certificado de seguro, considerou-se na decisão arbitral que os aqui autores foram informados das Condições Gerais, particulares, especiais e exclusões do contrato de seguro de viagens.
9) Resulta manifesto na decisão sub judice que o dever de informação foi cumprido através do envio de um email, pelo agente de viagens, com o certificado de seguro, que remetia para as Condições Gerais do contrato de seguro de viagens através de um “QR code”.
10) Não se verifica, na sentença arbitral em apreço, qualquer justificação de como o julgador formou a sua convicção, como considera que os autores foram devidamente informados, nem como procedeu à aplicação dos normativos relativos à obrigação de informação pela reclamada.
11) Apenas determinou que “não se verificou o preenchimento, cumulativo, dos pressupostos contratuais” presentes nas Condições Gerais, mas, por outro lado, não se pronunciou quanto ao cumprimento das exigências que decorrem do dever de informação aos segurados. Sendo certo que cabia aos autores alegar a preterição dos deveres de informação e comunicação das cláusulas contratuais gerais pela ré”, o que os autores fizeram. E “cabia à ré o ónus da alegação e prova da comunicação adequada e efectiva” – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.05.2022.
12) Veja-se o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.12.2022:
“I – As cláusulas de um contrato de seguro, constituindo cláusulas contratuais gerais, criam para a seguradora um dever de comunicação e um dever de informação, que decorrem dos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro.
II – Recai sobre o segurado/beneficiário o ónus de invocar a violação ou preterição desses deveres por parte da seguradora. III – Recai sobre a seguradora o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e do cumprimento do dever de informação sobre os aspectos em que ele especialmente se verifique.
IV – Os deveres de comunicação e informação têm como fundamento a protecção da parte contratualmente mais fraca, procurando assegurar a boa formação da vontade do aderente ao contrato, de forma a que tenha um prévio e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular e das suas implicações.
V – As exigências de efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente transmissão ou comunicação, têm como contrapartida – na decorrência do princípio da boa-fé – um dever de diligência média por parte do aderente enquanto destinatário da informação.
VI – A intensidade e o grau do dever de diligência que recai sobre o aderente são maiores ou menores em função das particularidades de cada caso, sobretudo as atinentes à extensão e complexidade das cláusulas e ao nível de instrução ou conhecimento do mesmo, mas isso não dispensa o proponente dos seus próprios deveres, sendo certo que não é a iniciativa do cliente que se sindica, mas o cumprimento pelo utilizador das condições necessárias a tal conhecimento.
VII - Não se cumpre o dever de comunicação quando são entregues ao aderente proposta e Condições Particulares, ficando as Condições Gerais e Especiais disponíveis para consulta no sítio da internet da seguradora, podendo ser solicitado o seu envio através do telefone ou num balcão.”
13) Deveriam, tais elementos, ser forçosamente suficientes para julgar a reclamação procedente, por provada, uma vez que, tudo visto e trazido aos autos, não foi cumprido o dever de informação aos autores – que desconheciam por completo os requisitos para a cobertura contratada: “circunstâncias inevitáveis e excepcionais”. Uma vez que no dia 16.10.2022, os aqui autores encontravam-se impossibilitados de realizar a viagem devido a terem contraído varicela, uma doença altamente contagiosa e de difícil prevenção. Face a esta impossibilidade de realizar a viagem adquirida, os aqui autores procederam ao cancelamento da viagem adquirida junto da agência de viagens “B..., S.A.” e participaram, por indicação da referida agência de viagens, o ocorrido à demandada.
14) Pelo que, tal deveria ter sido suficiente para a reclamação proceder e condenar-se a ré/reclamada do pedido - o que se requer.
15) Visto que se trata de uma decisão arbitral sem possibilidade de interposição de recurso, exige-se do Tribunal Arbitral uma sentença devidamente fundamentada.
16) Face ao exposto, o douto tribunal arbitral preferiu demitir-se do exame crítico da matéria trazida aos autos, desconsiderando a matéria controvertida. Sendo, por isso, a douta sentença recorrida, omissa quanto à matéria em discussão nos autos e digna de censura nos termos previstos na al. d) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, impondo-se por isso a nulidade da sentença nos termos do citado normativo - o que se requer. Assim, do que vem exposto e nos melhores de Direito que V. Exas mui doutamente suprirão, deverá ser proferido Acórdão que, revogando a decisão arbitral, acolha o aqui requerido, fazendo-se, deste modo, a clamada JUSTIÇA.
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A requerida apresentou contestação onde alega, em síntese, o seguinte:

1. Como decorre do art.º 46º da Lei 63/ Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária – LAV) que, no que ao caso interessa, o pedido de anulação da decisão arbitral só poderia fundar-se se a mesma tivesse sido proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 42.º;
2. Deste nº 3 do art.º 42º da LAV resulta que a decisão arbitral deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º
3. A decisão arbitral cuja anulação pretendem os AA. está bem fundamentada, seja quanto à decisão da matéria de facto seja na aplicação do Direito.
4. O que sucede é, apenas, que os AA. não aceitam a valoração que o tribunal arbitral fez da prova produzida (matéria cuja apreciação sempre estaria vedada a este ou a qualquer outro Tribunal, desde logo porque a prova testemunhal produzida não foi gravada – o que impede a sua reapreciação).
5. Mas o certo é que a decisão arbitral em crise fez a apreciação da prova produzida, enunciou claramente quais os meios de prova que levaram à formação da sua convicção e a dar como provados os factos que deu e aplicou consequentemente a única solução de Direito plausível.
6. Na mesma diz-se, claramente que, “Finda a produção de prova e tendo em conta a posição assumida pelas partes nos seus articulados, o depoimento da testemunha arrolada pela reclamada, CC, que revelando um conhecimento directo dos factos depôs com autenticidade, genuinidade, verdade e, por isso, com credibilidade, confirmou a versão vertida na contestação, os factos confessados e/ou admitidos por acordo, em conjugação, ainda, com os documentos juntos aos autos, e com as regras da experiência e com os juízos da normalidade da vida, resultaram provados, com relevância para a decisão desta causa arbitral, os factos seguintes:
7. E com base no depoimento desta testemunha e na prova documental existente deu-se na decisão arbitral como provado que “7. O colaborador daquela empresa (DD), que vendeu as viagens e mediou a celebração do contrato de seguro informou os reclamantes das coberturas previstas no plano de cobertura “Silver”; 8. O colaborador em causa informou os reclamantes das condições gerais associadas a cada uma das coberturas contratadas; 9. O colaborador em causa informou os reclamantes que as condições gerais do contrato de seguro poderiam ser acedidas e descarregadas através do “QR Code” constante do certificado de seguro da apólice entregue aos reclamantes; e que 10. O colaborador em causa comunicou, por escrito, aos reclamantes, o certificado de seguro da apólice”
8. Quanto a estes factos, que desmontam a tese dos AA. de que não lhes foram explicadas as condições gerais do contrato e quais as respectivas coberturas, a ponderação e avaliação da prova produzida e a sua invocação na fundamentação da decisão de facto são expressas e muito claras na decisão em crise.
9. Não valendo nada as alegações de factos feitas pelos AA. e, muito menos, a sua discordância quanto ao que sabia ou não a testemunha ouvida e se tinha ou não conhecimento directo do que dizia.
10. Fixada e fundamentada a decisão da matéria de facto, a decisão arbitral fundamentou igualmente a decisão de mérito que não podia ser outra que não a de improcedência da acção intentada no CIMPAS.
11. Ou seja, a situação destes autos é exactamente igual àquela a que se reporta o Douto Aresto do Tribunal da Relação de Guimarães invocado neste articulado em que se declarou que I- O âmbito da acção especial de anulação de decisão arbitral não comporta a reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito, sendo tais questões objecto do recurso a interpor da decisão arbitral” e que IV- Constando da sentença arbitral a indicação da matéria de facto e da matéria de direito em que se baseia a decisão final não se verifica a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão), nem causa para a pretendida anulação da decisão arbitral tendo por base a imputação do vício de falta de fundamentação.
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Findos os articulados, solicitou-se ao CIMPAS a remessa do processo de arbitragem para instrução da causa.
O Tribunal é competente para conhecer da causa em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, encontrando-se a requerente devidamente representadas em juízo.
O processo é o próprio e não existem outras excepções, nulidades ou questões prévias que ora cumpra conhecer.
Não existe prova a produzir, relevando para a apreciação da causa a factualidade que emerge dos próprios autos do processo arbitral.
Nos termos do artigo 46.º, n.º 2, al. e) da LAV, os presentes autos seguem nesta fase a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações, tendo sido colhidos os vistos legais.
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Face ao antes exposto, resulta claro que o objecto da presente acção se circunscreve à questão de saber se a decisão arbitral em apreciação enferma do vício da “falta de fundamentação”, que pode conduzir à sua anulação.
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III. Enquadramento de facto e de direito:
Encontram-se provados por documento (os autos do processo arbitral) os seguintes factos:
1. Em 04.01.2023 os aqui requerentes apresentaram junto do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS) reclamação que deu origem ao processo n.º nº IND-2023-30-EP 8, na qual pedia a condenação da aqui requerida no “reembolso das despesas irrecuperáveis com o cancelamento da viagem no valor de € 1.832,45 € em relação a cada uma das reservas, no total para os dois requerentes de € 3.616,90.”
2. Recebida a reclamação e tramitados os autos a requerida veio contestar, alegando que o evento descrito pelos requerentes traduz uma situação de risco não contratado, não incluída na cobertura da apólice, declinando assim a sua responsabilidade pelo reembolso peticionado.
3. Realizada a audiência de julgamento com data de 25.07.2023 foi proferida sentença pelo Juiz-Árbitro, onde se julgou improcedente, por não provada, a acção arbitral e se absolveu a reclamada A... S.A. do pedido.
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Quanto ao mérito da decisão, o que cabe dizer, desde já, é o seguinte:
É consabido que a acção de anulação de sentença arbitral apenas pode ter como fundamento as circunstâncias especificamente consignadas no artigo 27º da Lei da Arbitragem Voluntária, não podendo nesta acção o tribunal estadual sindicar o mérito da sentença arbitral mas somente averiguar os eventuais vícios do percurso processual que levou o árbitro até à sentença, isto é, os erros in procedendo (nesse sentido cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.10.2006, de 11.02.2010, de 07.06.2011, de 22.09.2016, de 17.06.2011, de 13.07.2017 e de 27.11.2018, todos em www.dgsi.pt; Menezes Cordeiro, Tratado Da Arbitragem, pág. 424; Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 2ª edição, pág. 520 e Mário Esteves de Oliveira, Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, pág. 546).
Segundo o exposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2016, no processo nº660/15.8YRLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, “[…] a LAV actualmente vigente apenas permite a impugnação da sentença arbitral pela via do pedido de anulação dirigido ao competente tribunal estadual […]; o pedido de anulação – que origina uma forma procedimental autónoma, moldada pelas regras da apelação no que se não mostre especialmente previsto no nº2 do art.º 46º da LAV – pressupõe a verificação de algum ou alguns dos fundamentos taxativamente previstos na lei, cumprindo, em regra, à parte que faz o pedido o ónus de demonstrar a respectiva verificação; e tal pretensão não envolve um amplo conhecimento do mérito da decisão que se pretende anular, estando a competência do tribunal estadual circunscrita à matéria da verificação do específico fundamento da pretendida anulação, cabendo, mesmo nos casos em que proceda a pretensão anulatória, a reapreciação do mérito a outro tribunal arbitral, nos termos do nº9 do citado art.º 46º”.
Assim de acordo com o artigo 46º, nº2, alínea vi) da Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12, a sentença arbitral pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se a parte que faz o pedido de anulação demonstrar, para além de outras razões, que “a sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos nºs 1 e 3 do art.º 42º.”
Segundo o previsto no nº3 do art.º 42º da LAV, “a sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do art.º 41º”.
Por sua vez no artigo 26º, nº2 do Regulamento do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros está estabelecido o seguinte:
“Da audiência de julgamento arbitral será lavrada acta, a assinar pelo árbitro, devendo a mesma conter a identificação das partes e dos restantes intervenientes, bem como a caracterização sumária do litígio e respectiva decisão, devidamente fundamentada em termos concretos e concisos.” (sublinhado nosso)
Como antes já vimos, nos autos os requerentes imputam à sentença arbitral o vício da falta de fundamentação, alegando, recorde-se, o seguinte:
Que a sentença arbitral proferida no âmbito da arbitragem com número de processo IND-2023-30-EP que correu termos no Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros, (CIMPAS), não se encontra fundamentada ou, pelo menos, não se encontra suficientemente fundamentada.
Defendendo não ser suficiente indicar a matéria provada, devendo também especificar-se em concreto qual da prova produzida contribuiu, de forma adequada, para que no espírito do julgador, se criasse a convicção e motivação para proferir a decisão.
Concluindo que na mesma não se encontram suficientemente preenchidos os requisitos que devem estar presentes à prolação de uma sentença, nomeadamente os constantes do nº 3 do artigo 659º do CPC.
Vejamos, se assim é de facto.
É o seguinte o conteúdo da decisão que agora se critica:
“A. — Enquadramento de Facto:
A.l. - Factos Provados:
Finda a produção de prova e tendo em conta a posição assumida pelas partes nos seus articulados, o depoimento da testemunha arrolada pela reclamada, CC, que revelando um conhecimento direto dos factos depôs com autenticidade, genuinidade, verdade e, por isso, com credibilidade, confirmou a versão vertida na contestação, os factos confessados e/ou admitidos por acordo, em conjugação, ainda, com os documentos juntos aos autos, e com as regras da experiência e com os juízos da normalidade da vida, resultaram provados, com relevância para a decisão desta causa arbitral, os factos seguintes:
1. Os reclamantes contrataram com a empresa "B..., SA." uma viagem de avião para os Estados Unidos da América com partida no dia 16-10- 2022 e regresso no dia 21-10-2022:
2.Os reclamantes pagaram o custo das viagens no valor total de €3.616,90:
3. Os reclamantes contrataram com a reclamada um seguro de viagem no dia 27-09-2022:
4. O contrato de seguro encontra-se titulado pelo certificado de seguro da apólice n° ...95;
5. As coberturas contratadas entre as partes constam do certificado de seguro da apólice junto a contestação;
6. O contrato de seguro foi celebrado ao balcão da empresa "B..., S.A.";
7. O colaborador daquela empresa (DD), que vendeu as viagens e mediou a celebração do contrato de seguro informou os reclamantes das coberturas previstas no plano de cobertura "Silver";
8. O colaborador em causa informou os reclamantes das condições gerais associadas a cada uma das coberturas contratadas;
9. O colaborador em causa informou os reclamantes que as condições gerais do contrato de seguro poderiam ser acedidas e descarregadas através do "QR Code" constante do certificado de seguro da apólice entregue aos reclamantes;
10. O colaborador em causa comunicou, por escrito, aos reclamantes, o certificado de seguro da apólice:
De: EE <...>
Data: 27 de setembro de 2022, 17:39:14 WEST
Para: BB ...
Cc: AA ...>
Assunto: RE: ff 3837 Confirmação de | Viagem NY -16 o 21 outubro | Documentação
Boa tarde BB,
Conforme nossa conversa telefónica, envio em anexo:
- Seguros de viagem . Nossa fatura nr. ...71
O valor dos seguros de viagem è de EUR 13,50 x 2 - EU A 27,00
Obrigado,
Cumprimentos,
EE”
11. A cláusula 2, ponto 5.5., alínea b), do contrato de seguro dispõe o seguinte:
S.S. CANCELAMENTO ANTECIPADO OU INTERRUPÇÃO DA VIAGEM O QUE ESTÁ SEGURO Reembolso, até ao limite fixado no Certificado de Seguro, dos gastos irrecuperáveis, de serviços adquiridos à agência de viagens com a qual celebra o presente contrato, em caso de cancelamento antecipado ou interrupção da viagem, ocorrido por motivos de força maior. A Pessoa Segura e o Segurado obrigam-se a tomar as providências necessárias no sentido de recuperar, no todo ou em parte, as verbas já pagas, cabendo ao Segurador a comparticipação na medida em que aqueles gastos sejam irrecuperáveis junto da agência de viagens respectiva. Entende-se, para este efeito, como motivo de força maior para cancelamento:
b) Ocorrência médica súbita e imprevisível ou acidente grave, de que resulte internamento hospitalar superior a 24 horas, confirmado conjuntamente pelo médico assistente e pela equipa médica do Segurador, e de que seja vitima, no país de residência, a própria Pessoa Segura, o cônjuge ou pessoa que com ele coabite em situação equiparada à de cônjuge, bem como os seus ascendentes e descendentes até ao 1º grau, enteados, noras, genros, irmãos, cunhados, sogros, avós e netos;
12. O contrato de seguro vigorou no período de 16-10-2022 a 21-10-2022 (inclusive);
13. Os reclamantes não realizaram a viagem contratada;
14. Os reclamantes comunicaram à empresa "B..." o cancelamento da viagem;
15. Os reclamantes comunicaram a esta empresa que o cancelamento se devia a doença de ambos;
16. Esta empresa informou os reclamantes que não lhes reembolsaria o preço pago pelas viagens;
17. O médico FF emitiu dois atestados médicos com o teor seguinte:
FF, médico portador da cédula profissional nºs ...94, atesta sob sua honra que BB, Cartão de Cidadão... ...33, não pôde viajar no dia 16 de Outubro de 2022, por motivos de doença com sinais clínicos e cutâneos de varicela.
FF, médico portador da cédula profissional n.fi ...94, atesta sob sua honra que AA, Cartão de Cidadão nº ...41, não pôde viajar no dia 16 de Outubro de 2022, por motivos de doença com sinais clínicos e cutâneos de varicela.
18. Os reclamantes accionaram o seguro contratado com a reclamada e comunicou-lhe que por razões de doença não realizaram a viagem para os Estados Unidos;
19. Os reclamantes comunicaram à reclamada as declarações emitidas pela empresa "B...", juntas com a reclamação inicial, e os atestados médicos;
20. A reclamada declinou a responsabilidade pelo sinistro e comunicou a sua decisão aos reclamantes através de mensagem de correio electrónico de 27-10-2022:
De: sinistro, ...
Data: 27 de outubro de 2022, 15:44:41 WEST
Para: ...
Assunto: ... - Pedido de elementos
Apólice: ...95
Nome do Lesado: BB Data do Acidente: 2022-10-14 N9 Processo: ...
Exmos Srs.,
Informamos que foram abertos os processos 22VG005392 e 22VG005393 para a Sra. BB e para o Sr. AA.
Mais informamos que, para a situação participada ter enquadramento na presente apólice, é necessário que tenha existido uma ocorrência médica súbita e imprevisível ou acidente grave, de que resulte internamento hospitalar superior a 24 horas ou um acidente grave que resulte em incapacidade de locomoção da Pessoa Segura [conforme constam nas alíneas b) e c), do nº 5.5, da Cláusula 2®, das Condições Gerais da Apólice).
Deste modo, solicitamos o envio de informação clínica detalhada do episódio de urgência, que levou a um internamento igual ou superior a 24hf ou que comprove a ocorrência de um acidente grave do qual resultou a incapacidade de locomoção da Pessoa Segura.
Estamos ao dispor para o esclarecimento de qualquer dúvida
Numa agência A...
Na linha de apoio ao cliente: ...01 - chamada para a rede fixa nacional - ou no e-mail: ...
Informamos ainda que poderá conhecer todos os produtos e serviços da A... em A....pt
Com os melhores cumprimentos, mês GG
Direcção de Negócio Vida Risco e Acidentes Pessoais ...
21. Os reclamantes receberam a comunicação da reclamada com a sua decisão;
22. A ocorrência médica relatada nos atestados médicos não implicou o internamento hospitalar dos reclamantes superior a 24 horas.
Não existem outros factos, provados ou não provados, com relevância para esta sentença arbitral.
A. 2 — Motivação:
Este Tribunal Arbitral formou a sua convicção do modo seguinte:
a) Quanto aos factos n.°s 1-6 por acordo das partes e pelos documentos juntos aos autos;
b) Quanto aos factos n.°s 7-10 pelo depoimento da testemunha CC e pelo e-mail de 27-09-2022 junto aos autos;
c) Quanto ao facto n.° l1 pelo contrato de seguro junto com a contestação;
d) Quanto aos factos n.°s 12-21 por acordo das partes e pelos documentos juntos aos autos;
e) Quanto ao facto n.°22 por confissão dos reclamantes na reclamação inicial.”
Como antes ficou vistos, nem o nº3 do art.º 42º da LAV nem o nº2 do art.º 26º do Regulamento do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros fornecem pistas sobre a forma como deve ser fundamentada uma sentença arbitral.
Ora sabemos todos que segundo as regras previstas no Código de Processo Civil, a fundamentação de facto consiste na especificação dos factos que o tribunal julgou provados e aos quais vai de seguida aplicar o direito para concluir pelo dispositivo.
Assim segundo o disposto no artigo 154º do Código de Processo Civil, o “dever de fundamentar a decisão”, obriga a que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo sejam fundamentadas.
Mais, de acordo com o seu nº2, sem concretizar o modo como essa fundamentação deverá ser feita, estabelece pela negativa que a fundamentação “não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
A este propósito é também relevante referir o artigo 607º do CPC, onde são dadas mais indicações sobre o âmbito da fundamentação.
Assim no seu nº3 é referido que a sentença deve apresentar os respectivos “fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicaras normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
Já no seu nº4, na parte dedicada à fundamentação da sentença prescreve-se que o juiz deve declarar os factos que julga provados e os que julga não provados, “analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Em termos constitucionais vale o art.º 205º, nº1 da CRP onde expressamente se afirma que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Sabemos todos da diferença que existe entre os vícios da falta de fundamentação da sentença e os vícios da motivação da decisão sobre a matéria de facto e dos efeitos de cada uma delas.
Nestes termos, é consabido que a primeira falta afecta a própria sentença e conduz à respectiva nulidade, enquanto a segunda apenas afecta o próprio acto do julgamento da matéria de facto e o seu tratamento, devendo por isso ser questionada no âmbito do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Por outro lado, constitui entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico que só a absoluta falta de fundamentação produz a nulidade da sentença, devendo por isso distinguir-se as situações em que a fundamentação existe mas é insuficiente, lacunosa ou errada, e as situações em que a fundamentação foi pura e simplesmente suprimida (ou cujas deficiências atingem um nível tal que a situação deve ser tratada como falta de fundamentação), sendo estas as únicas que podem conduzir à nulidade da sentença.
Prosseguindo.
Há muito que se discute se tais regras devem ter (ou não), a mesma densidade na sentença arbitral que na sentença de um tribunal estadual.
A este propósito, cabe fazer notar que os peritos não têm de ser licenciados em direito, sendo certo que em determinadas situações há mesmo o interesse legítimo que a sua habilitação académica e formação profissional esteja ligada a áreas de conhecimento não jurídicas exigidas pela questão concreta que é submetida a julgamento.
Por isso, deve entender-se não ser de lhes impor regras que exijam conhecimentos jurídicos para as quais os mesmos não estão preparados.
Nestes termos e para não se correr o risco de, recorrentemente, se anularem as decisões proferidas, impõe-se considerar que o dever de fundamentação das decisões arbitrais não pode ser aferido de uma forma absolutamente decalcada do dever que, nos termos sobreditos, a lei processual impõe às sentenças dos tribunais estaduais.
Ou seja, importa sim ter em conta as especificidades do processo arbitral, atendendo aos objectivos que o norteiam de celeridade, simplicidade e informalidade.
Em suma, o que se impõe fazer é verificar caso a caso, se a fundamentação tem no caso o conteúdo mínimo exigível aferido em função da necessidade de apreensão do sentido, das razões e do percurso racional seguido pelo árbitro na interpretação dos meios de prova, mas também da complexidade dos factos em discussão e do volume de prova produzida.
Aplicando tais orientações ao caso dos autos, o que apuramos é o seguinte:
Contrariamente ao que agora se defende o nosso entendimento é o de que a fundamentação da decisão arbitral proferida (e antes transcrita) é suficiente para preencher o requisito da fundamentação da sentença arbitral.
Assim na mesma estão indicados os factos que julgou provados e os factos que julgou não provados e são assinalados de modo claro os meios de prova nos quais o tribunal se baseou para formar a convicção que produziu o julgamento.
Como todos sabemos e ficou já dito, nos tribunais estaduais só a absoluta falta de fundamentação determina a nulidade da sentença.
Nestes termos e por maioria de razão não pode justificar a anulação de uma sentença arbitral a apresentação de uma motivação que se mostra suficiente para justificar a convicção probatória do árbitro e que quando muito, apenas falha quando muito numa melhor concretização da convicção probatória que resultou da prova testemunhal produzida.
E isto porque quanto aos documentos tal decorre, facilmente, da simples análise do seu conteúdo.
Por esse motivo, improcede a arguição da nulidade da sentença arbitral por falta de fundamentação.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente a acção e sem mais, absolve-se a ré A... S.A. do pedido de anulação da sentença arbitral.

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Custas a cargo dos Autores (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.







Porto, 7 de Março de 2024
Carlos Portela
Ernesto Nascimento
Paulo Duarte Teixeira