Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4055/22.9T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL
SUSPENSÃO DA APLICAÇÃO DA COIMA
FUNÇÃO DA SUSPENSÃO
Nº do Documento: RP202403204055/22.9T8GDM.P1
Data do Acordão: 03/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito das contra-ordenações ambientais, a aplicação da coima pode ser total ou parcialmente suspensa quando se verificarem cumulativamente as seguintes condições: i) que tenha sido aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma; e ii) que o cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.
II - Embora se admita que em alguns casos seja possível aos Tribunais da Relação aplicar sanção acessória e suspender a execução da coima, desde que aquela se mostre adequada à infracção contra-ordenacional cometida e à salvaguarda das condições previstas no art. 20.º-A, n.º 1, da Lei 50/2006, de 29-08, a mesma não pode ter como objectivo único aligeirar o sancionamento do infractor.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 4055/22.9T8GDM.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Gondomar – Juiz 2

Sumário:

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Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

No âmbito do Processo de Contra-Ordenação n.º ......, a Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante, IGAMAOT), por decisão notificada à arguida “A..., Unipessoal, Lda.” por carta simples, nos termos do disposto no art. 43.º, n.º 3, da Lei 50/2006, de 29-08, expedida a 24-04-2022, foi decidido (transcrição):

«1. Condenar a Arguida na coima de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, pelo exercício da atividade em violação do disposto n.ºs 1 e 3 do art. 19.º, nos n.ºs 1, 2, 3, 7, 8 e 9 do art. 20.º e alínea d) do nº 1 do art. 24.º do DL n.º 196/2003, de 23/08, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 64/2008, de 08/04, (atualmente previsto e punido pela n9 2, do art. 879 e pela alínea i), do n9 1, do art. 90.9 do OL n.9 152-0/2017, de 11/12, na sua atual redação), sancionável a título de negligência nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29/08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28/08;

2. Condenar a Arguida em custas de processo no valor de € 75,00 (setenta e cinco euros), ao abrigo do art. 58.º da Lei n.º 50/2006, de 29/08.»

E no âmbito do Processo de Contra-Ordenação n.º ......, a IGAMAOT, por decisão notificada à arguida “A..., Unipessoal, Lda.”, por carta registada com aviso de recepção expedida a 18-05-2022, foi decidido (transcrição):

«1. Condenar a Arguida na coima de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave (inexistência de garantia financeira relativa à responsabilidade ambiental, p. e p. pelos art.º 22.º e 26.º/1/f) do DL n.º 147/2008, de 29/07), sancionável a título de negligência nos termos previstos na alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, na sua redação atual;

2. Condenar a Arguida em custas de processo no valor de € 75,00 (setenta e cinco euros), ao abrigo do artigo 58.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto.»


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Notificada das decisões administrativas, a arguida remeteu aos autos impugnações judiciais, ao abrigo do disposto no art. 59.º do DL 433/82, de 27-10, arguindo a nulidade do auto de notícia e das decisões administrativas e contestando a imputação dos factos e invocando atenuantes.

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Os processos foram apensados e as impugnações judiciais admitidas, tendo sido realizada audiência de julgamento e proferida, com data de 13-10-2023, a respectiva sentença, onde, a final, se decidiu, entre o mais (transcrição):
«i) Manter a decisão administrativa na parte em que condena a sociedade arguida/Recorrente pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo artigo 22.º e 26.º, 1, f) do DL 147/2008 de 29.7, sancionável a titulo de negligência, nos termos do artigo 22.º, 4, b) da Lei 50/2006 de 29.8, reduzindo a coima, por atenuação especial, p. e p. pelo artigo 23.º-A da LQCA, para a quantia de €12.000,00 (doze mil euros);
ii) Revogar a decisão proferida pelo IGAMAOT quanto à condenação da arguida/recorrente pela prática da contra-ordenação ao disposto nos artigos 19.º, 1 e 3, 20.º, 1,3,7,8 e 9 e 24/1, d) do DL 196/2003 de 23.08, sancionável a titulo de negligência, no valor de €24.000,00 acrescida de €75,00 de custas, determinando-se o arquivamento dos autos, quanto à mesma.»

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Inconformada, a arguida interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, solicitando que seja determinada a suspensão total ou parcial da coima aplicada, apresentando nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):

«1. A Recorrente discorda da douta sentença proferida, na medida em que entende que a aplicação da coima, no valor de € 12.000,00 (doze mil euros), deveria suspender-se totalmente.

2. O Tribunal a quo considerou, e bem, que a moldura punitiva normal, que estava em causa, era manifestamente desproporcionada, tendo optado pela atenuação especial da coima.

3. Acontece que, em nossa opinião, o Tribunal podia, e deveria, ter ido mais longe, aplicando in casu o mecanismo da suspensão da sanção previsto no art. 20º-A da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto – Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.

4. Isto porque, o próprio Tribunal de que se recorre considerou que “A arguida constituiu reserva livre nos seus próprios capitais, no valor de €2000,00, destinada a cumprir as obrigações decorrentes do regime jurídico de responsabilidade por danos ambientais, em 31-12-2018” – veja-se o ponto 12 dos factos provados,

5. Mais tendo relevado o depoimento do legal representante da arguida no sentido de confirmar “que não tinha à data, mas que não sabia que devia ter”.

6. Encontrando-se a situação anterior à infração totalmente resposta e inexistindo, salvo melhor opinião, efeitos decorrentes da mesma.

7. A Arguida é uma pequena oficina de automóveis, que atualmente tem apenas um funcionário.

8. A Arguida/Recorrente é primária no cometimento de infrações ambientais,

9. Tendo sempre atuado convencida de que exercia a sua atividade em conformidade com as normas legais, tendo agido sem culpa e em manifesto erro sobre a ilicitude.

10. Em nossa opinião o Tribunal a quo deveria ter relevado de outro modo todo o circunstancialismo descrito e dado como provado,

11. Não se podendo concordar que “Não há lugar a suspensão, dado não ter sido aplicada qualquer sanção acessória”.

12. Em suma, o conjunto das circunstâncias atenuantes, aliada à debilidade económica da arguida, permitia justificar a suspensão total ou parcial da coima aplicada, no valor de 12.000,00 (doze mil euros), o que se roga.»


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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência e pela manutenção da sentença recorrida.

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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto concordou com a posição do Ministério Público junto do Tribunal a quo na resposta ao recurso, considerando que «é pressuposto primeiro da suspensão da execução da coima a aplicação de uma sanção acessória à arguida, sanção essa que deverá impor medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma.

Ora, no caso em apreço, e como vimos, apenas foi aplicada à recorrente uma coima - que, aliás, foi especialmente atenuada para metade do valor fixado - não tendo aquela sido punida com qualquer sanção acessória.

Sendo assim, e como decorre da citada norma, não se verifica aquele requisito para que possa ser suspensa a execução da coima em que a recorrente foi condenada.

É certo que a recorrente invoca a existência de dois Acórdãos um da Relação de Guimarães e outro de Relação de Coimbra, que, segundo parece ser sua interpretação, consideram ser possível a suspensão da execução da coima ainda que a autoridade administrativa não tenha aplicado qualquer sanção acessória.

Porém, o que resulta da leitura desses dois acórdãos é exactamente o contrário, pois que ambos são claros na afirmação de que a suspensão da execução da coima está condicionada à aplicação de uma sanção acessória.

O que tais acórdãos admitem é que, ainda que a autoridade administrativa não tenha aplicado qualquer sanção acessória, esta possa vir a ser aplicada posteriormente pelo Tribunal e que, em face disso, a execução da coima possa ser, então sim, suspensa.

No caso em apreço, nem a autoridade administrativa aplicou qualquer sanção acessória à recorrente, nem o Tribunal o fez nem, tão pouco, a recorrente reclama a aplicação de qualquer sanção acessória para que, em face dela, a execução da coima possa ser suspensa.

Como tal, não assiste razão à recorrente quando reclama, sem mais, pela suspensão da execução da coima em que foi condenada.»

4. Somos, pois, de parecer que, acompanhando a resposta do Ministério Público junto do tribunal recorrido, deve ser negado provimento ao recurso interposto e mantida a sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos seus precisos termos.»

Como tal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.


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Notificada deste parecer, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, a recorrente nada disse.

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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.

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II. Apreciando e decidindo:

Questões a decidir no recurso

É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].

A única questão que ao recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se o Tribunal a quo podia e devia ter determinado a suspensão da coima aplicada.

Para apreciação da questão que importa examinar releva o teor da factualidade assente e da análise de direito que na sentença se fez a propósito do tema aqui colocado, e que é o seguinte (transcrição):

«II - FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS PROVADOS

Resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

1. No dia 15 de Fevereiro de 2017, pelas 15:30 horas, procedeu-se a ação de fiscalização à oficina de manutenção e reparação de veículos automóveis da Recorrente, acompanhada pelo legal representante da mesma, AA;

2. Na atividade desenvolvida, a Recorrente utiliza diversas substâncias perigosas, como tintas, vernizes, destinados à pintura automóvel, e óleos e diluentes;

3. A arguida não tinha, à data garantia financeira que lhe permitisse assumir a responsabilidade ambiental atinente à atividade por si exercida;

4. Ao não cumprir com a obrigação que devia conhecer, não agiu com o cuidado devido e de que era capaz;

5. Na mesma data, hora e local referidos em 1), constatou-se que a arguida labora no local há 4 anos, com três funcionários e encontrava-se em funcionamento;

6. Existiam no local cerca de uma dezena de viaturas, das quais pelo menos uma parcialmente desmantelada;

7. Encontravam-se ainda removidos e separados diversos componentes automóveis;

8. A recorrente tinha diversos componentes espalhados no chão;

9. A Recorrente não tinha alvará para desmantelamento de veículos em fim de vida;

10. A arguida declarou para efeitos de IRC, relativamente ao exercício de 2017, um lucro tributável de € 12.049,93;

11. Posteriormente à fiscalização, o logradouro da Recorrente foi completamente limpo;

12. A arguida constituiu reserva livre nos seus próprios capitais, no valor de €2000,00, destinada a cumprir as obrigações decorrentes do regime jurídico de responsabilidade por danos ambientais, em 31-12-2018;

13. Atualmente a arguida só tem um funcionário;


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B) FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a causa, designadamente que:

a) A arguida tinha obrigação saber que ao exercer atividades de desmantelamento de veículos em fim de vida, tinha que ser detentora de licenciamento para o efeito, pelo que, não cumprindo, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz;


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(…)

D) DO DIREITO

(…)

III. Da contra-ordenação ao disposto no artigo 22.º e 26.º, 1, f) do DL 147/2008 de 29.7, sancionável a titulo de negligência, nos termos do artigo 22.º, 4, b) da Lei 50/2006 de 29.8;

Dispõe o artigo 22.º do citado DL, que aprovou o regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais, sob a epígrafe garantias financeiras, que:

«1 - Os operadores que exerçam as actividades ocupacionais enumeradas no anexo iii constituem obrigatoriamente uma ou mais garantias financeiras próprias e autónomas, alternativas ou complementares entre si, que lhes permitam assumir a responsabilidade ambiental inerente à actividade por si desenvolvida.

2 - As garantias financeiras podem constituir-se através da subscrição de apólices de seguro, da obtenção de garantias bancárias, da participação em fundos ambientais ou da constituição de fundos próprios reservados para o efeito.

3 - As garantias obedecem ao princípio da exclusividade, não podendo ser desviadas para outro fim nem objecto de qualquer oneração, total ou parcial, originária ou superveniente.

4 - Podem ser fixados limites mínimos para efeito da constituição das garantias financeiras obrigatórias mediante portaria a aprovar pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, do ambiente e da economia, nomeadamente relativos:

a) Ao âmbito de actividades cobertas;

b) Ao tipo de risco que deve ser coberto;

c) Ao período de vigência da garantia;

d) Ao âmbito temporal de aplicação da garantia;

e) Ao valor mínimo que deve ser garantido.»

A não constituição da garantia válida e em vigor, nos termos do artigo 26.º, 1, f) do mesmo diploma, constitui uma contra-ordenação muito grave.

De reter que a atividade da recorrente insere-se, conforme consta da decisão administrativa, no disposto, desde logo, no anexo iii), n.º 7, a) e b) do citado diploma legal, uma vez que detinha vernizes, diluentes, entre outros produtos, pelo que se impunha a si a obrigatoriedade de ter constituído a garantia financeira, o que não aconteceu, à data.

Tratando-se de atividade que desemprenhada, era exigível à Recorrente, na pessoa do legal representante, que estivesse a par da legislação em vigor, o que não aconteceu, conforme resultou provado, concluindo-se que atuou, pois, com negligência, nos termos do artigo 22.º, 4 da Lei 50/2006, de 28/9, na redação atual.

Praticou, pois, a contra-ordenação pela qual foi condenada, na modalidade negligente.


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No entanto, e conforme requerido subsidiariamente pelo Recorrente, entende-se ser de aplicar a atenuação especial da coima prevista no artigo 23.º-A da Lei 50/2006 de 29.8 (LQCA), que dispõe que:

«1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima.

2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:

a) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e o cumprimento da norma, ordem ou mandado infringido;

b) Terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta.

3 - Só pode ser atendida uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.».

Ora, a Recorrente comprovou que constituiu reserva de fundos próprios, conforme legalmente exigido, é primária e atento o lapso de tempo decorrido, com boa conduta e sem que se tenha apurado qualquer outra situação contra-ordenacional, encontra-se em condições de beneficiar da atenuação especial, o que se determina, passando a moldura contra-ordenacional a ser reduzida para metade nos seus limites mínimos e máximos.

Assim, retendo que lhe foi aplicada a coima pelo mínimo legal de €24.000,00, entende-se adequado, face a todo o exposto, condenar a Recorrente na coima de €12.000,00.

Não há lugar a suspensão, dado não ter sido aplicada qualquer sanção acessória, sendo que a suspensão prevista no artigo 20.º-A do mesmo diploma, implica a sujeição a sanções acessórias a cumprir.

Também não há lugar à admoestação, atento o facto de se tratar de contra-ordenação muito grave, embora praticada a titulo negligente.»


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Vejamos.

Pretende a recorrente que este Tribunal de recurso determine a suspensão total ou parcial da coima aplicada, no valor de € 12 000 (doze ml euros), fazendo intervir o disposto no art. 20.º-A da Lei 50/2006, de 29-08 (Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais).

Determina este preceito, sob a epígrafe “Suspensão da sanção” que:

«1 - Na decisão do processo de contraordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas:

a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;

b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.

2 - Nas situações em que a autoridade administrativa não suspenda a coima, nos termos do número anterior, pode suspender, total ou parcialmente, a execução da sanção acessória.

3 - A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais, à reparação de danos ou à prevenção de perigos para a saúde, segurança das pessoas e bens e ambiente.

4 - O tempo de suspensão da sanção é fixado entre um e três anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória.

5 - A suspensão da execução da sanção é sempre revogada se, durante o respetivo período, ocorrer uma das seguintes situações:

a) O arguido cometer uma nova contraordenação ambiental ou do ordenamento do território, quando tenha sido condenado pela prática, respetivamente, de uma contraordenação ambiental ou do ordenamento do território;

b) O arguido violar as obrigações que lhe tenham sido impostas.

6 - A revogação determina o cumprimento da sanção cuja execução estava suspensa.»

O que de imediato se retira deste preceito é que a aplicação da coima pode ser total ou parcialmente suspensa quando se verificarem cumulativamente as seguintes condições:

1.ª – que tenha sido aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma;

2.ª – que o cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.

Como facilmente se comprova no caso dos autos, nenhuma das indicadas condições se mostra verificada.

Desde logo, não foi aplicada qualquer sanção acessória à requerida e nem se vê que pudesse ter sido, pois a única contra-ordenação que a recorrente cometeu – não constituição de garantia financeira obrigatória – esgota-se em si mesma, posto que a sua finalidade é meramente preventiva, no sentido de permitir que os destinatários, isto é, todos os operadores que exerçam as actividades ocupacionais enumeradas no anexo iii possam assumir a responsabilidade ambiental inerente à actividade por si desenvolvida (art. 22.º, n.º 1, do DL 147/2008, de 29-07.

Esta contra-ordenação visa assim garantir que os operadores supra-identificados possuam meios financeiros para levar a cabo acções de reparação de danos que a sua actividade possa vir a provocar.

O cumprimento da obrigação subjacente à própria contra-ordenação em causa não pode ser transformado em sanção acessória, sob pena de deixar a previsão legal da contra-ordenação sem conteúdo, e muito menos em sanção acessória para prosseguir finalidades ligadas à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma, pois a sua relevância é estruturalmente prévia à ocorrência dos danos.

Mas a recorrente vai mais além e invoca, implicitamente, por remissão para sumários de dois acórdãos, que o Tribunal a quo podia ter, ele próprio, equacionado a aplicação de sanção acessória enquanto condição necessária para suspender a execução da coima.

Mas esta hipótese suscita várias observações.

Em primeiro lugar, a recorrente não avançou com o pedido de aplicação de uma qualquer sanção acessória, limitando-se a sugerir uma tal decisão tendo em vista a sequente suspensão da coima.

As sanções acessórias para contra-ordenações de natureza ambiental mostram-se elencadas no art. 30.º da Lei 50/2006, de 29-08, a aplicar nos termos do disposto nos arts. 29.º e 31.º a 38.º do mesmo diploma legal, e ainda no art. 21.º do Regime Geral de Contra-ordenações e Coimas (doravante, RGCO), aprovado pelo DL 433/82, de 27-10, que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo, a aplicar nos termos previstos nos arts. 21.º-A a 26.º do mesmo diploma legal.

As sanções acessórias devem ser aplicadas às contra-ordenações que evidenciam maior gravidade, não só pela sua natureza formal (qualificadas de graves e muito graves, nos termos do art. 30.º da Lei 50/2006, de 29-08), mas também tendo em conta a culpa do agente (de acordo com o disposto no art. 21.º, n.º 1, do RGCO).

No caso concreto, estamos perante uma infracção qualificada como muito grave (art. 26.º, n.º 1, al. f), do DL 147/2008, de 29-07), susceptível, em abstracto, de permitir a aplicação de sanção acessória.

Porém, em concreto, verificamos que a recorrente actuou de forma negligente e beneficiou da atenuação especial da coima prevista no art. 23.º-A da lei 50/2006, de 29-08, por se ter entendido que comprovou que constituiu reserva de fundos próprios, conforme legalmente exigido, é primária e atento o lapso de tempo decorrido, com boa conduta e sem que se tenha apurado qualquer outra situação contra-ordenacional.

Dificilmente, ao nível da culpa, a sua concreta actuação justificaria uma sanção acessória.

Ademais, a circunstância de a recorrente ter constituído a garantia financeira obrigatória foi ponderada para efeito de atenuação especial da coima, sendo incongruente, agora, para além do que já referimos sob o esvaziamento de conteúdo da própria contra-ordenação, utilizar a mesma circunstância, duplicando a sua ponderação de forma não permitida, mas em sentido oposto ao da atenuação especial, agravando a condenação do arguido com a imposição de uma sanção acessória.

É verdade que o regime específico da Lei 50/2006, de 29-08, permite a prolação de decisões judiciais em violação do princípio da proibição de reformatio in pejus, expressamente excluído pelo art. 75.º da referida lei.

Mas mantém-se o princípio geral de proibição de dupla valoração e a exigência de coerência lógica da decisão.

Por outro lado, analisadas em concreto as sanções acessórias previstas nos preceitos indicadas, verificamos que apenas a prevista na al. j) do n.º 1 do art. 30.º da Lei 50/2006, de 29-08, seria formalmente elegível para aplicação, já que as demais estão sujeitas aos condicionalismos, não verificados, previstos no mesmo preceito e ainda, quanto à publicidade da condenação, nos arts. 38.º do referido diploma legal e art. 27.º do DL 147/2008, de 29-07.

Porém, a referida alínea j) corresponde ipsis verbis à primeira condição a que o alude o art. 20.º-A, n.º 1, da Lei 50/2006, de 29-08, para que seja suspensa a coima, a que já aludimos, isto é, imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma.

Ora, esgotando-se a contra-ordenação em concreto na constituição da própria garanta financeira obrigatória, de natureza preventiva, como já referimos, não há como salvaguardar a segunda e terceira imposições – reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma –, claramente pensadas para situações em que ocorrem danos para o ambiente, o que não é o caso.

Verificamos, assim, que em concreto inexiste qualquer sanção acessória que pudesse dar cumprimento às condições fixadas no art. 20.º, n.º 1, da Lei 50/2006, de 29-08.

É verdade que as coimas ambientais são pesadas, mas essa foi uma mensagem que o legislador quis, claramente, transmitir, através da Lei 50/2006, de 29-08, ideia que reforçou com a Lei 114/2015, de 28-08, que aquela alterou, introduzindo o art. 20.º-A e revogando o art. 39.º até então vigente e que permitia a suspensão da execução da coima sem condicionalismos.

Por outro lado, as sanções acessórias representam, por natureza, um plus relativamente à sanção principal, não podendo ser utilizadas para reduzir a real gravidade destas, como ocorreria caso a finalidade da sua aplicação fosse exclusivamente a suspensão da execução da coima e não para complementar a sanção principal.

Assim, e sem excluir que em alguns casos seja possível aos Tribunais da Relação aplicar sanção acessória e suspender a execução da coima[2], desde que aquela se mostre adequada à infracção contra-ordenacional cometida e à salvaguarda das condições previstas no art. 20.º-A, n.º 1, da Lei 50/2006, de 29-08, mas não com o objectivo único de aligeirar o sancionamento do infractor, no caso concreto essa faculdade não pode ser exercida por não se mostrarem reunidos os pressupostos formais e substanciais mencionados[3].

Deve, assim, ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.


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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (art. 8.º do RCP e tabela III anexa e 93.º, n.º 3, e 94.º, n.º 3, do DL 433/82, de 27-10).


Porto, 20 de Março de 2024
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Pedro Vaz Pato
Lígia Figueiredo
_________________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Como se entendeu nos acórdãos do TRE de 22-01-2019, relatado por Martinho Cardoso no âmbito do Proc. n.º 135/18.3T8TNV.E1, do TRP de 02-03-2022 relatado por Paulo Costa no âmbito do Proc. n.º 2154/20.0T8GDM.P1 e do TRC de 22-02-2023, relatado por Alice Santos no âmbito do Proc. n.º 1422/22.1T8GRD.C1, acessíveis in www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, vejam-se os acórdãos do TRP de 08-01-2020, relatado por Liliana de Páris Dias no âmbito do Proc. n.º 1101/19.7Y2VNG.P1, e do TRC de 13-09-2023, relatado por Alcina Costa Ribeiro no âmbito do Proc. n.º 3612/22.8T9LRA.C1, e de 22-11-2023, relatado por Alexandra Guiné no âmbito do Proc. n.º 1255/22.5T9ACBE. C1, acessíveis in www.dgsi.pt.