Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5356/20.6YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA
EXCEÇÃO DE PAGAMENTO
RETIFICAÇÃO DA SENTENÇA
Nº do Documento: RP202403075356/20.6YIPRT.P1
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A exceção de pagamento, arguida e já apreciada no processo declarativo, não pode ser de novo atendida no incidente de liquidação da sentença que condenou o Réu a pagar o custo de trabalhos, a liquidar posteriormente.
II - Se resultar manifesto que, na ação declarativa, há um pagamento dado como provado, apreciado em termos de fundamentação fáctica, o qual faz parte de uma quantia de pagamento que, noutra parte, foi atendida mas que, todavia, não foi ponderado em termos jurídicos e na decisão, pode concluir-se que ali se incorreu num lapso corrigível nos termos do artigo 614.º, do C. P. C..
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 5356/20.6YIPRT.P1

João Venade.
Ana Márcia Vieira.
Paulo Duarte Teixeira.


*



1). Relatório.

A..., Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia,
propôs contra
AA, residente na estrada ..., ..., ..., Vila do Conde
Requerimento de injunção (posteriormente convertida em ação especial de cumprimento de obrigações pecuniárias (Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09) pedindo a condenação do requerido na quantia de 9.660,30 EUR, acrescida de juros vencidos, valor pago a título de taxa.
O sustento do pedido radica na prestação de trabalhos de construção civil ao requerido que este ainda não pagou no valor que se peticiona.
*
Notificado o requerido, o mesmo deduziu oposição alegando, em síntese e no que releva para os autos, que pagou os serviços além de ter sido defeituosamente cumprida a prestação.
*
Os autos prosseguiram, tendo sido proferida sentença com o seguinte teor:
«. A. Relegar para liquidação de sentença nos termos do art. 609.ºdo Código de Processo Civil a quantia a pagar pelo Requerido AA à Requerente A..., Unipessoal, Lda. relativamente:
1. Ao valor dos materiais e aplicação do pladur nos tectos do quarto, sala, cozinha e wc, tal como provado em 6) e com o limite máximo de €1340,00 (mil trezentos e quarenta euros) mais IVA.
2. Aos trabalhos realizados pela Requerente nos termos dados como provados em 8).
3. Aos materiais fornecidos pela Requerente nos termos dados como provados em 14).
4. Tudo com o limite do valor do pedido e tendo em consideração o valor já pago e ainda não imputado no montante de €2635,00 (dois mil seiscentos e trinta e cinco euros).
B. No mais, absolve-se o Requerido AA do pedido.».
*
Em 25/03/2022 o requerente intentou
Incidente de liquidação de sentença, nos termos e para os efeitos do artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C., pedindo a liquidação da quantia a pagar pelo Réu em:
- 9.470,43 EUR, acrescido de I. V. A., apenas sobre o valor da mão de obra, correspondendo:
- 2.958,87 EUR ao valor do fornecimento do material para a execução da empreitada;
- 11,56 EUR ao valor das portagens pagas com as deslocações ao local da empreitada, e
- 6.500 EUR ao valor da mão-de-obra paga para a execução da mesma.
*
O requerido opôs-se, pedindo que o valor a fixar não ultrapassasse os 750 EUR.
*

Foi proferida decisão que liquidou a quantia a pagar pelo requerido em 7 025,30 EUR.

Inconformado, o Réu, pede a retificação da sentença, o que foi indeferido em 11/12/2023 e recorre da mesma, formulando as seguintes conclusões:
«A) Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença proferida no incidente de liquidação pelo Juízo Local Cível de Vila do Conde - Juiz 1,
B) Pedindo a modificação da mesma, de forma a corrigir a contradição insanável que se verifica na sentença agora proferida, a qual, concatenada com a proferida na fase declarativa pré-liquidação datada de 08/11/2021, deve conduzir a que o recorrente apenas possa ser condenando no diferencial entre o valor peticionado pela A. no incidente e o valor efectivamente pago pelo R., o que perfaz o montante de €297,03 (duzentos e noventa e sete euros e três cêntimos);
C) Com a devida vénia, o Tribunal “a quo” laborou em erro de julgamento, verificando-se uma insanável contradição entre os factos dados como provados e a própria decisão;
D) Com efeito, a sentença proferida pelo Tribunal, na fase declarativa pré-liquidação, deu como provados, entre outros com importância, os factos seguintes: “(...)

19) Por conta das obras realizadas pela Requerente no anexo da casa do Requerido, o Requerido pagou à Requerente €7000,00.
20) Do valor referido em 20), a Requerente entregou €1000,00 ao serralheiro «BB» que colocou o telhado no anexo.
21) Em 16.09.2019, o Requerido pagou ainda directamente ao serralheiro «BB» que colocou o telhado no anexo, a quantia de €2173.40. (fls. 81). ...”
Na motivação da decisão de facto, acrescenta aquela sentença o seguinte:
“(...)
Os factos provados em 18) e 19) resultam dos documentos juntos aos autos e que são meio de prova bastante de tal factualidade.
O facto provado em 20) resultou da conjugação das declarações de parte do legal representante da Requerente, em conjugação com as declarações de CC e o extracto bancário de fls.13 a 17v e anotação manuscrita a fls. 40v, de onde resulta que ocorreu a dita entrega em dinheiro em Junho. De realçar que a Requerente começou por reconhecer a fls. 34 ter recebido €7000,00 e depois dá o dito por não dito a fls. 53, mas acabou por reconhecer o dito valor na audiência (entregue em dinheiro como foi explicado pela testemunha) e por isso, demos como provado o pagamento de €7.000,00.
O facto provado em 21) resultou da conjugação do depoimento de BB com o documento de fls. 81 dos autos. ...”
E) Sucede que, no incidente de liquidação suscitado pela Autora A..., Unipessoal, Lda., esta termina-o, pedindo que o incidente de liquidação de sentença seja admitido, com a renovação da instância e o prosseguimento dos autos, condenando-se o Réu ao pagamento à Autora da quantia global de €9.470,43 (nove mil quatrocentos e setenta euros e quarenta e três cêntimos);
F) Ou seja, já não pede a condenação do R. em €9.660,30, mas opta por pedir a sua condenação em €9.470,43;
G) E, nesta decisão do incidente de liquidação de que aqui se recorre, existe manifesto erro de julgamento, verificando-se uma insanável contradição entre os factos dados como provados e a própria decisão e o raciocínio que conduziu à mesma, bastando ver a parte do dispositivo desta sentença;
H) É que, com efeito, no dispositivo determina esta sentença que: “Pelo exposto, julga-se o presente incidente de liquidação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se o réu AA a pagar à Autora A... Unipessoal, Lda., a quantia de €.7025,30 (sete mil e vinte e cinco euros e trinta cêntimos).”
I) Ora, como ficou provado na sentença datada de 08/11/2021, o R. AA, por conta das obras realizadas pela A. no anexo da sua casa, pagou directamente à A. o montante de €7.000,00 e pagou directamente ao Serralheiro «BB» que colocou o telhado no anexo, a quantia de €.2173,40. (fls. 81),
J) Tudo, perfazendo o montante de €9.173,40 (nove mil cento e setenta e três euros e quarenta cêntimos);
K) Assim, concatenando, a sentença deste incidente de liquidação deveria ter determinado quando muito, atento o facto de o recorrente ter fornecido vários dos materiais aplicados no anexo, o diferencial entre €9.470,43 e €9.173,40 efectivamente pagos, ou seja, €297,03 (duzentos e noventa e sete euros e três cêntimos);
L) Com efeito, o valor apurado ao cêntimo neste incidente de liquidação e após perícia será de €297,03 (duzentos e noventa e sete euros e três cêntimos);
M) Pede-se, desta forma, atenta a diferença apurada e a liquidar pelo recorrente será de €297,03 (duzentos e noventa e sete euros e três cêntimos), como se impetra seja determinado por esse Venerando Tribunal da Relação do Porto, modificando nesse sentido a douta sentença recorrida, a qual estabelece, um correcto raciocínio que, à mingua de lapso, conduziria a este resultado».
*
O Autor/recorrido contra-alegou mas extemporaneamente.
*
A questão a decidir é determinar se a imputação de pagamentos se encontra corretamente efetuada pelo tribunal recorrido.
*


2). Fundamentação.

2.1). Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
«A. Por sentença datada de 08.11.2021, devidamente transitada em julgado, foi decidido que:
«A. Relegar para liquidação de sentença nos termos do art. 609.º do Código de Processo Civil a quantia a pagar pelo Requerido AA à Requerente A..., Unipessoal, Lda. relativamente:
1. Ao valor dos materiais e aplicação do pladur nos tectos do quarto, sala, cozinha e wc, tal como provado em 6) e com o limite máximo de €1340,00 (mil trezentos e quarenta euros) mais IVA.
2. Aos trabalhos realizados pela Requerente nos termos dados como provados em 8).
3. Aos materiais fornecidos pela Requerente nos termos dados como provados em 14).
Tudo com o limite do valor do pedido e tendo em consideração o valor já pago e ainda não imputado no montante de €2635,00 (dois mil seiscentos e trinta e cinco euros).
A. No mais, absolve-se o Requerido AA do pedido.»
B. Da sentença proferida resultou provado, para além do mais, que:
1) A Requerente, sociedade "A..., Unipessoal, Lda." dedica-se à atividade de construção de edifícios (residenciais e não residenciais); montagem de trabalhos de carpintaria e de caixilharia; pintura e colocação de vidros e revestimento de pavimentos e de paredes.
2) Antes do início dos trabalhos, o Requerido solicitou à Requerente orçamentos para realização de obras na casa e no anexo da casa do Requerido.
3) A Requerente apresentou o Orçamento 03.03.19, de onde consta, para além do mais: «(…)
ANEXOS
1 – Fornecimento e aplicação de tectos em pladur (quarto, sala, cozinha, wc e lavandaria) – 1340,00€
2 – Fornecimento e aplicação de paredes em pladur (quarto, sala, cozinha, wc e lavandaria) – 2.195,00€
3 – Telhado em painel sanduiche a imitar a telha Bebe – 1250,00€.
CASA
1 - Fornecimento e aplicação de tectos em pladur em toda a casa (cozinha, sala, hall de entrada, corredor, wc, quartos) – 1980,00€
2 - Pintura de tectos e paredes em toda a cada – 1250,00€.
Este orçamento importa na quantia de A este orçamento acresce a taxa de IVA em vigor de 23%. (…)» (fls. 48)
4) A Requerente apresentou o Orçamento 02.05.19 de onde consta, para além do mais:
«(…)
ANEXOS
1 – Fornecimento e aplicação de capoto de 6 cm da marca «Viero» na frente e lateral – 1925,00€.
2 - Fornecimento e aplicação de capoto de 6 cm da marca «Viero» nas traseiras do anexo – 1190,00€.
Este orçamento importa na quantia de
A este orçamento acresce a taxa de IVA em vigor de 23%. (…)» (fls. 51).
5) Após, no exercício das suas funções, a Requerente a pedido do Requerido iniciou a execução dos trabalhos apenas no anexo da casa do Requerido.
6) Aí, no âmbito do orçamento referido em 3), a Requerente forneceu os materiais e aplicou o pladur nos tectos do quarto, sala, cozinha e wc e forneceu e colocou o telhado em painel sandwich a imitar telha.
7) A Requerente âmbito do orçamento referido em 4) forneceu e aplicou o capoto nas paredes.
8) A Requerente realizou ainda, a pedido do Requerido, os seguintes trabalhos:
1. demolição do telhado do anexo.
2. demolição e pequeno alteamento das paredes exteriores do anexo para colocação do novo telhado e demolição de paredes interiores e criação de parede interior nova, com tapagem de antiga porta.
3. transporte do entulho para o vazadouro.
4. demolição do tecto do anexo.
5. picagem de paredes e chão do anexo.
6. abertura/alargamento de vãos e portais.
7. retirada de azulejos na cozinha e no wc.
8. picagem do chão da churrasqueira.
9. emassamento das paredes e divisórias do anexo.
10. regularização do chão e da parede exterior da churrasqueira.
11. colocação de azulejo nas paredes e chão da cozinha, lavandaria e wc e paredes da churrasqueira.
12. pintura de paredes e tectos interiores do anexo.
13. regularização do muro do lado do café.
14. fornecimento e colocação de capoto nas paredes exteriores da lavandaria.
15. retirar um metro de altura de capoto e ceresitar um metro da parede traseira do anexo.
16. fornecimento e montagem de telhado da churrasqueira.
17. montagem e ajuste da churrasqueira (balcão).
9) A Requerente forneceu a roda anti furo para o carrinho de mão do Requerido.
10) Foram os funcionários da Requerente que quando estavam a utilizar o carro-de-mão do Requerido rebentaram a roda.
11) A Requerente forneceu e aplicou micro cimento na base do chuveiro da casa de banho.
12) O fibrocimento foi colocado em substituição da tijoleira colocada na base de duche.
13) A Requerente disse ao Requerido que lhe oferecia o micro cimento.
14) A Requerente para a realização dos trabalhos descritos em 8) forneceu ao Requerido, em quantidades não apuradas, areia, cimento, cal, tintas, capoto e pequenos materiais (ferragens) para a obra realizada no anexo, no que despendeu valor não apurado.
15) As obras iniciaram-se em Maio e prolongaram-se até Julho de 2019.
16) Quando a Requerente saiu da obra em Julho, a lavandaria ficou por acabar.
17) A Requerente em 03.10.2019 emitiu a factura "FA 2019/49", com vencimento a 03.10.2019 e no montante global de €9.660,30 (nove mil seiscentos e sessenta euros e trinta cêntimos) e com o descritivo «prestação de serviços». (fls. 20v)
18) A Requerente suportou com recursos aos serviços de Advogado €150,00. (fls. 43 e 43v)
19) Por conta das obras realizadas pela Requerente no anexo da casa do Requerido, o Requerido pagou à Requerente €7000,00.
20) Do valor referido em 20) [19], a Requerente entregou €1000,00 ao serralheiro «BB» que colocou o telhado no anexo.
21) Em 16.09.2019, o Requerido pagou ainda directamente ao serralheiro «BB» que colocou o telhado no anexo, a quantia de €2173.40. (fls. 81).
22) O Requerido recebeu as designadas “folhas de obras” ou “facturas internas”.
C. O pladur aplicado nos tectos do quarto, sala, cozinha e wc referido no ponto 6) dos factos provados da sentença referida em A. e B. tem o valor de mercado de €207,97 a que acresce IVA.
D. A mão de obra para a realização dos trabalhos referidos em C. tem o valor de mercado de €673,75 a que acresce IVA.
E. A realização dos trabalhos descritos no ponto 8) dos factos provados da sentença referida em A. e B. com a incorporação dos materiais referidos em 14) dos factos provados, em 2019, tem o valor de mercado de:
a) A demolição do telhado do anexo, tem um valor de mão de obra de €488,44 a que acresce IVA.
b) A demolição das paredes exteriores do anexo tem um valor de mão de obra de €20,00 a que acresce IVA e o pequeno alteamento das paredes exteriores do anexo tem um custo de material de €14,92 a que acresce IVA e de mão de obra de €51,81 a que acresce IVA.
c) A demolição da parede interior teve um custo de mão de obra de €22,22 a que acresce IVA e criação de parede interior nova, com tapagem de antiga porta tem um custo de €24,24 a que acresce IVA em mão de obra e de €6,98 em material a que acresce IVA.
d) O transporte do entulho para o vazadouro tem um custo €142,50 a que acresce IVA.
e) A demolição do tecto do anexo tem um custo de mão de obra de €508,70 a que acresce IVA.
f) A picagem de paredes tem um custo de mão de obra de €346,20 a que acresce IVA e a picagem do chão do anexo tem um custo de mão de obra de €172,96 a que acresce IVA.
g) A abertura/alargamento de vãos e portais tem um custo de mão de obra de €52,52 a que acresce IVA.
h) A retirada de azulejos na cozinha e no wc tem um custo de mão de obra de €141,66 a que acresce IVA.
i) A picagem do chão da churrasqueira tem um custo de mão de obra de €.12,99 a que acresce IVA.
j) O emassamento das paredes e divisórias do anexo tem um custo de mão de obra de €.650,59 a que acresce IVA e um custo de material de €.256,85 a que acresce IVA.
k) A regularização do chão da churrasqueira tem um custo de mão de obra de €.55,47 a que acresce IVA e um custo de material de €.25,22 a que acresce IVA e a regularização da parede exterior da churrasqueira tem um custo de mão de obra de €.96,65 a que acresce IVA e um custo de material de €.29,00 a que acresce IVA.
l) A colocação de azulejo nas paredes da cozinha tem um custo de mão de obra de €.465,88 a que acresce IVA e um custo de material de €.239,77 a que acresce IVA.
m) A colocação de azulejo no chão da cozinha tem um custo de mão de obra de €.326,95 a que acresce IVA e um custo de material de €.168,27 a que acresce IVA.
n) A colocação de azulejo nas paredes da lavandaria tem um custo de mão de obra de €.560,59 a que acresce IVA e um custo de material de €.288,51 a que acresce IVA.
o) A colocação de azulejo no chão da lavandaria tem um custo de mão de obra de €.220,90 a que acresce IVA e um custo de material de €.136,69 a que acresce IVA.
p) A colocação de azulejo nas paredes do WC tem um custo de mão de obra de €.483,38 a que acresce IVA e um custo de material de €.248,83 a que acresce IVA.
q) A colocação de azulejo no chão do WC tem um custo de mão de obra de €.87,30 a que acresce IVA e um custo de material de €.44,93 a que acresce IVA.
r) A colocação de azulejo nas paredes da churrasqueira tem um custo de mão de obra de €.194,04 a que acresce IVA e um custo de material de €.99,86 a que acresce IVA.
s) A pintura de paredes interiores do anexo tem um custo de mão de obra de €.138,12 a que acresce IVA e um custo de material de €.99,65 a que acresce IVA.
t) A pintura de tectos interiores do anexo tem um custo de mão de obra de €.157,21 a que acresce IVA e um custo de material de €.113,43 a que acresce IVA.
u) A regularização do muro do lado do café tem um custo de mão de obra de €.543,08 a que acresce IVA e um custo de material de €.39,91 a que acresce IVA.
v) O fornecimento e colocação de capoto nas paredes exteriores da lavandaria tem um custo de mão de obra de €.205,65 a que acresce IVA e um custo de material de €.311,06 a que acresce IVA.
w) A retirada de um metro de altura de capoto tem um custo de mão de obra de €.52,63 a que acresce IVA.
x) Ceresitar um metro da parede traseira do anexo tem um custo de mão de obra de €.130,04 a que acresce IVA e um custo de material de €.8,73 a que acresce IVA.
y) O fornecimento e montagem de telhado da churrasqueira tem um custo de mão de obra de €.200,50 a que acresce IVA e um custo de material de €.71,95 a que acresce IVA.
z) A montagem e ajuste da churrasqueira (balcão) tem um custo de mão de obra de €.32,00 a que acresce IVA.».
*

E resultaram não provados:

«1) A Autora despendeu com o material para aplicação do pladur referido em C. €.404,66. doc 1
2) A Autora suportou com a mão de obra para aplicação do pladur referido em C. €.1000,00.
3) A Autora suportou com a mão de obra para os trabalhos referidos em E. €.5.500,00.
4) A Autora suportou o custo do montante de €.193,75 com o transporte de entulho.
5) A Autora pagou €.63,96 com IVA incluído pelo fornecimento da areia.
6) A Autora pagou €.302,37 com IVA incluído pelo fornecimento de cimento.
7) A Autora pagou €.62,99 com IVA incluído pelo fornecimento de cal hidráulica.
8) A Autora suportou o custo do fornecimento do capoto, das tintas, buchas, perfis, esmalte e diluente, no valor de €.1563,09.
9) A Autora suportou o custo do fornecimento de ferragens e outros materiais, no valor de €.368,05.».
*
2.2). Do mérito do recurso.
O recorrente questiona a decisão mencionando que pagou 7.000 EUR de serviço que se enquadra na obra em causa bem como outros 2.173,40 EUR, valores que não foram atendidos na decisão.
Ora, está-se perante uma decisão proferida num incidente de liquidação em que já não se deve apurar, no caso concreto, quanto é que o requerido/recorrente pagou mas antes o valor do que foi relegado para este incidente, a saber:
- valor dos materiais e aplicação do pladour nos tetos do quarto, sala, cozinha e wc – facto 6 -.
- trabalhos realizados pela requerente – facto provado 8) -;
- materiais fornecidos pela requerente – facto provado 14) -.
Os pagamentos mencionados pelo recorrente reportam-se, em primeiro lugar, ao que resulta provado nos factos 19 e 20, também referente ao anexo que é a parte da construção que está em causa nos autos de liquidação. Sucede que esses 7.000 EUR, pagos pelo ora recorrente, já foram ponderados, em duas parcelas, na sentença que determinou a remessa para liquidação:
- uma abatendo 3.115 EUR - trabalhos que constam do orçamento referido em 4), tal como decorre do facto provado em 7) – (quanto ao capotto);
- outra abatendo 1.250 EUR – facto provado em 6) - telhado em painel sandwich -.
Restou então o valor de 2.635 EUR, não abatido na sentença e que assim teria de se descontado na liquidação a efetuar nestes autos e que, naturalmente, por se tratarem de valores não líquidos, não foram atendidos na sentença. E assim:
- liquidaram-se agora esse trabalhos - mão de obra e materiais, bem como transporte de entulho – anteriormente ainda não apurados, em 10.782,33 EUR;
- como o pedido do requerente nestes autos de liquidação foi de 9.660,30 EUR, reduziu-se aquele valor para este;
- abateram-se os indicados 2.635 EUR, liquidando-se a quantia a pagar pelo ora recorrente em 7.025,30 EUR.
No que se refere aos 2.173,40 EUR pagos ao serralheiro, está em causa um pagamento relativo à obra, alegado na contestação da ação declarativa e que, apesar de provado (facto 21), não foi atendido na sentença. Nesta, unicamente se abateram parte dos 7.000 EUR (sobrando os já referidos 2.635 EUR) e relegou-se o apuramento de custos de execução de obra, determinando-se que a estes seriam abatidos os mesmos 2.635 EUR.
Assim, na sentença, que analisou os pagamentos alegados e provados, aquele que terá sido feito ao serralheiro não foi atendido; e, à partida, não poderia agora, no incidente de liquidação, ser acrescentado tal pagamento (como se diz no Ac. desta mesma Relação e secção, processo n.º 4897/16.4T8VNG.2.P1, www.dgsi.pt, «todas as excepções que o dono da obra tiver para impedir, modificar ou extinguir a obrigação de pagamento do preço da obra realizada têm de ser arguidos no processo declarativo para serem apreciados na sentença, não podendo ser apenas ou novamente arguidas no incidente de liquidação da sentença que o condenou a pagar o preço dos trabalhos a liquidar ulteriormente.»).
E ainda como se menciona no Blog do IPPC, post de 24/05/2018, em anotação a Ac. da R. E. de 08/12/2018, processo n.º 933/03.2TBSTB-F.E1, se estivessem em causa factos supervenientes, a questão poderia ser analisada de modo diverso.
Porém, no caso concreto, pensamos que ainda é possível aferir se o pagamento de 2.173,40 EUR deve ser abatido ao valor liquidado.
Não desconhecemos que o tribunal requerido indeferiu a retificação da decisão que liquidou o valor; não é objeto do recurso (a ser possível intentá-lo) esse indeferimento de retificação.
Mas também pensamos que não haveria que retificar essa decisão pois, como acima mencionamos, não detetamos qualquer erro na sua elaboração; o que sucede é que a primeira decisão, proferida na ação declarativa, a nosso ver, incorreu num lapso manifesto.
Na verdade, nessa decisão resulta provado que Em 16.09.2019, o Requerido pagou ainda directamente ao serralheiro «BB» que colocou o telhado no anexo, a quantia de €.2173.40. (fls. 81)facto 21 -.
Na motivação da decisão de facto escreve-se que «o facto provado em 21) resultou da conjugação do depoimento de BB com o documento de fls. 81 dos autos.».
Este BB é o apontado serralheiro; e o documento de fls. 81 é um talão de multibanco com esse valor, a favor do indicado BB, reportado à fatura n.º 44/2019, no valor total de 3.173,40 EUR (requerimento de 23/09/2021).
Ora, este valor de 3.173,40 EUR decompõe-se em dois pagamentos:
- um de 1.000 EUR – provado no facto 20;
- e outro nos referidos 2 173,40 EUR, perfazendo o valor total da fatura.
O tribunal que proferiu a sentença declarativa abateu os referidos 1.000 EUR, declarando ser de descontar ao valor a pagar pelo Réu (facto 20 - do valor referido em 20) a Requerente entregou €.1000,00 ao serralheiro «BB» que colocou o telhado no anexo) – a menção a 20) é claro lapso de escrita, querendo dizer-se 19, aliás notado na transcrição do mesmo facto na decisão recorrida -.
Mas não se abateram os 2.173,40 EUR que estão provados, que se motivou por que assim se consideraram provados, tendo-se descontado parte do pagamento da mesma fatura (1.000 EUR) ao valor a pagar pelo então Réu; ou seja, na nossa visão, só pode ter sido por lapso manifesto não se ter abatido ao valor final a quantia de 2.173,40 EUR.
Não é feita qualquer menção, na parte jurídica da decisão, a tal valor, não se elaborando qualquer raciocínio sobre a imputação, ou não, desse valor; por isso, não havendo essa referência a um facto provado, analisado em termos factuais, tendo sido descontado um valor pago mais pequeno de parte de uma fatura e deixando-se outra parte (a maior) sem ser analisada, pensamos quo tribunal que proferiu a sentença em 08/11/2021 incorre num lapso manifesto ao não descontar tal valor.
Como se refere no Ac. do S. T. J. de 10/02/2022, processo n.º 529/17.1T8AVV-A.G1.S1, no mesmo sítio, «I. os erros materiais da decisão, a que se alude no artº 614º/1 do CPC, têm lugar quando há divergência entre a vontade declarada e a vontade real do juiz, ou seja, no caso em que o juiz tenha escrito uma coisa diferente daquela que queria, de facto, escrever. II. Tal divergência deve ressaltar, de forma clara e ostensiva, do teor da própria decisão, só desta, do seu contexto ou estrutura, sendo possível aferir se ocorreu ou não esse erro. Ou seja, é o próprio texto da decisão que há-de permitir ver e perceber que a vontade declarada não corresponde à vontade real do juiz que proferiu a decisão.». Neste caso do S. T. J., não se admitiu a retificação ao não graduar um crédito reclamado por nunca ter sido feita referência ao mesmo na decisão; no nossa caso, a referência existe – o pagamento foi dado como provado, explicando-se o motivo e percebe-se, pelo documento que consta do facto provado, que esse pagamento se integra numa quantia global de onde foi retirada uma outra parcela para atender em termos de pagamento -.
Assim, não tendo havido recurso da sentença proferida na ação declarativa, a retificação de tal lapso pode ter lugar a todo o tempo, podendo ser sempre de conhecimento oficioso – artigo 614.º, nºs. 1 e 3, do C. P. C. -.
Deste modo, ao valor líquido acima encontrado, há que descontar os referidos 2 173,40 EUR, perfazendo o total de 4.851,90 EUR.
*

Inexiste qualquer outra questão a ser apreciada.
*

Assim, conclui-se pela parcial procedência do recurso, alterando-se em conformidade a decisão recorrida.

*


3). Decisão.

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, liquida-se o valor a pagar pelo requerido em 4.851,90 EUR.

Custas do recurso a cargo de recorrente e recorrido, na proporção do respetivo decaimento.

Registe e notifique.






Porto, 2024/03/07.
João Venade.
Ana Vieira.
Paulo Duarte Teixeira.