Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
135599/03.0TMSNT.L2-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
ACÇÃO EXECUTIVA
INDEMNIZAÇÃO
PAGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 71º e 72º, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, o pagamento da indemnização devida aos expropriados é efectuado sob a tutela do tribunal da expropriação, à ordem de quem é feito o depósito da quantia definitivamente atribuída e sob cuja orientação são feitos os pagamentos aos interessados;
II - A instauração de acção executiva pelos expropriados contra a expropriante, destinada ao pagamento coercivo da indemnização que foi fixada no processo de expropriação não prejudica as diligências ordenadas (ou a ordenar) pelo Juíz tendo em vista o pagamento da indemnização arbitrada, no processo de expropriação.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Nos presentes autos de expropriação, em que é expropriante A…SA e expropriados B… e C, foi proferida sentença, transitada em julgado, que fixou a indemnização a pagar aos expropriados em EUR 176.920,02, a actualizar de acordo com o índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, desde a data da declaração de utilidade pública até à data da sentença.

2. Notificada para o efeito, a expropriante juntou aos autos nota discriminativa dos cálculos da liquidação do montante indemnizatório – cf. fls. 724.

3. Não obstante, os expropriados apresentaram um requerimento em que informavam que tinham instaurado execução contra a expropriante, por esta, alegadamente, não ter procedido ao depósito da quantia em dívida, tendo já sido ordenada a penhora de saldos de contas bancárias da expropriante – cf. fls. 730.

4. Foi, então, proferido o seguinte despacho:

- “Paguem-se aos expropriados os valores depositados nos autos, em conformidade com a indemnização fixada e actualizada;

- Solicite ao processo executivo que suste a execução e dê sem efeito os actos de penhora (…), uma vez que a quantia exequenda será paga por via do processo de expropriação.”

5. Notificados deste despacho, os expropriados vieram pedir que se desse sem efeito aquela decisão e que «os valores já entregues pela expropriante à ordem do tribunal fossem depositados à ordem da agente de execução» - fls. 736.

6. Porém, por despacho de fls. 739, foi mantida a decisão, sugerindo-se aos expropriados, além do mais, que solicitassem no processo executivo a transferência das quantias depositadas neste processo de expropriação.

7. Na sequência deste despacho, os expropriados vieram reafirmar a sua intenção de ser pagos por via da acção executiva pendente, tanto mais que a quantia «exequenda» já estava penhorada na execução – cf. 741.

8. A expropriante apresentou novo requerimento discriminando as quantias depositadas nestes autos que, em seu entender, perfazem o montante global da indemnização arbitrada – cf. fls. 751.

9. Finalmente, foi proferido o seguinte despacho:

“Uma vez que os expropriados intentaram acção executiva contra a entidade expropriante no âmbito da qual pretendem ser pagos da indemnização fixada nestes autos, determino que todas as quantias que ainda estejam à ordem deste processo sejam devolvidas à expropriante, sendo certo que na aludida acção executiva já houve penhora de saldos bancários.”

10. Inconformada com esta decisão, agrava a expropriante.

Nas suas alegações, em conclusão, diz:

I. Na sequência da sentença proferida nos presentes autos e transitada em julgado, foi fixada a indemnização global a atribuir aos expropriados em € 176.920,02 (cento e setenta e seis mil novecentos e vinte euros e dois cêntimos), quantia à qual acresce a actualização de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo INE desde a data da declaração da utilidade pública.

II. Foi ainda determinado, de acordo com o disposto no artigo 71 º do
Código das Expropriações, que «a entidade expropriante deveria depositar até 10 dias após o trânsito em julgado desta sentença, a quantia correspondente à diferença entre a indemnização arbitrada e o valor que já se mostra depositado e recebido pelos expropriados.»

III. Após notificação para o efeito a Recorrente, entidade expropriante, efectuou o depósito do referido valor devidamente actualizado e disso deu conhecimento aos autos em 14 de Julho de 2011.

IV. Em 18 de Julho de 2011 vieram os expropriados informar os autos que haviam instaurado acção executiva para pagamento da indemnização fixada na sentença proferida.

V. Em 19 de Julho de 2011, o tribunal “ a quo” profere despacho do qual se transcreve a primeira parte: “Paguem-se aos expropriados os valores depositados nos autos, em conformidade com a indemnização fixada e actualizada”.

VI. Em 06.09.2011, o tribunal “a quo” profere outro despacho desta vez: “após e uma vez que os expropriados intentaram acção executiva contra a entidade expropriante no âmbito da qual pretendem ser pagos da indemnização fixada nestes autos, determino que todas as quantias que ainda estejam à ordem deste processo sejam devolvidas à expropriante, sendo certo que na aludida acção executiva já houve penhora de saldos bancários.”.

VII. Entende a Recorrente que este despacho é nulo por não observar as disposições legais aplicáveis nomeadamente os artigos 71.º e 72.º do Cód. Das Expropriações.

VIII. Uma vez que daquelas normas ao tribunal a quo competia apenas concretizar o pagamento da indemnização aos expropriados e não subverter a lógica processual do regime jurídico das expropriações. Para além disso,

IX. O despacho em apreço extravasa o âmbito do poder jurisdicional, que se esgota com a prolação da sentença, apenas competindo decisões que sejam insusceptíveis de influir na decisão da causa,

X. O despacho proferido contradiz uma decisão proferida anteriormente e,

XI. Afecta o caso julgado formal e material, atendendo a que já se havia decidido e até ordenado o pagamento da indemnização aos expropriados, tanto por sentença transitada em julgado, como por despacho datado de 19 de Julho de 2011.

XII. Não competia ao Tribunal a quo proferir uma decisão com base num facto (o da informação que se encontravam penhorados saldos bancários no Processo de Execução) quando ainda estavam a correr prazos de Oposição à Execução e Penhora naqueles autos.

11. Não foram apresentadas contra-alegações.

12. Cumpre apreciar e decidir a questão essencial suscitada no recurso que consiste em saber se as quantias depositadas na presente acção de expropriação, podem, ou não, ser devolvidas à expropriante.

13. Não cabe no âmbito deste recurso, curar de saber se a sentença proferida no processo de expropriação constitui e em que termos título executivo[1], pelo que iremos apenas debruçar-nos sobre a questão de saber se, estando pendente uma acção executiva instaurada pelos expropriados contra a expropriante visando o pagamento da indemnização arbitrada, pode ser ordenado o levantamento das quantias depositadas no processo de expropriação que se destinam, como se sabe, a garantir – em primeira linha – o pagamento da indemnização.

O Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro (aplicável no caso dos autos, atendendo à data da declaração de utilidade pública) dedica o Título V ao «pagamento das indemnizações» estabelecendo designadamente no seu art. 71º que:

“Transitada em julgado a decisão que fixar o valor da indemnização, o juiz do tribunal da 1.ª instância ordena a notificação da entidade expropriante para, no prazo de 10 dias, depositar os montantes em dívida[2] e juntar ao processo nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes (1);
A secretaria notifica ao expropriado e aos demais interessados o montante depositado, bem como a nota referida na parte final do número anterior (2); 
O expropriado e os demais interessados podem levantar os montantes depositados, sem prejuízo da sua impugnação nos termos do artigo seguinte e do disposto no n.º 3 do artigo 53.º (3);
Não sendo efectuado o depósito no prazo fixado, o juiz ordenará o pagamento por força das cauções prestadas pela entidade expropriante ou outras providências que se revelarem necessárias, após o que, mostrando-se em falta alguma quantia, notificará o serviço que tem a seu cargo os avales do Estado para que efectue o depósito do montante em falta, em substituição da entidade expropriante (4).”

Por sua vez, preceitua-se no art. 72º (sob a epígrafe «impugnação dos montantes depositados») que:

“No prazo de 30 dias a contar da notificação prevista no n.º 2 do artigo anterior, o expropriado e os demais interessados podem impugnar os montantes depositados, especificando os valores devidos e apresentando e requerendo todos os meios de prova (1);
Admitida a impugnação, a entidade expropriante é notificada para responder no prazo de 10 dias e para apresentar e requerer todos os meios de prova (2);
Produzidas as provas que o juiz considerar necessárias, é proferida decisão fixando os montantes devidos e determinando a realização do depósito complementar que for devido, no prazo de 10 dias (3);
Não sendo efectuado o depósito no prazo fixado, o juiz ordena o pagamento por força das cauções prestadas, ou as providências que se revelarem necessárias, aplicando-se ainda o disposto no n.º 4 do artigo anterior, com as necessárias adaptações, quanto aos montantes em falta (4);
Efectuado o pagamento ou assegurada a sua realização, o juiz autoriza o levantamento dos montantes que se mostrem excessivos ou a restituição a que haja lugar e determina o cancelamento das cauções que se mostrem injustificadas, salvo o disposto no n.º 3 do artigo 53.º (5).

Sendo estes os termos legais que disciplinam a atribuição da indemnização fixada, por decisão já transitada em julgado, é inquestionável que se está perante um mecanismo de cariz executivo «enxertado» na própria acção, impondo que o pagamento da indemnização devida aos expropriados seja efectuado sob a tutela do tribunal da expropriação, à ordem de quem é feito o depósito da quantia definitivamente atribuída e sob cuja orientação são feitos os pagamentos aos interessados.

Consequentemente, nos termos das citadas disposições, em caso de incumprimento, o Juíz deverá ordenar o pagamento por força das cauções prestadas pela entidade expropriante, ou outras providências que se revelem necessárias e se, não obstante continuar em falta alguma quantia, o Juíz deverá notificar o serviço que tem a seu cargo os avales do Estado, para que efectue o depósito do montante em falta, em substituição da entidade expropriante.[3]

Nesta conformidade, como se consigna no nº5, do art. 72º, o levantamento e a restituição à expropriante de montantes depositados só tem lugar quando e se forem considerados excessivos, o que só pode saber-se, na fase posterior ao pagamento.

Concluindo:

A instauração de acção executiva pelos expropriados contra a expropriante, destinada ao pagamento coercivo da indemnização que foi fixada no processo de expropriação não suspende, nem prejudica as diligências ordenadas (ou a ordenar) pelo Juíz da expropriação, em obediência ao prescrito nas disposições atrás citadas, tendo em vista o pagamento da indemnização arbitrada.

Evidentemente que se deve dar conhecimento ao Juíz da execução das providências em curso no processo de expropriação, para que, no âmbito da acção executiva,  se adoptem as medidas que se vierem a revelar adequadas.

Acresce que – e decisivamente:

O despacho recorrido ao determinar a devolução à expropriante das quantias depositadas nestes autos viola o caso julgado (formal), uma vez que, anteriormente, com base nas mesmas circunstâncias, havia já sido ordenada a entrega aos expropriados das mesmas quantias, para pagamento da indemnização fixada nesta expropriação.

Procede, pois, o recurso.

14. Nestes termos, julgando procedente o recurso, acorda-se em revogar o despacho recorrido que será substituído por outro que ordene as providências necessárias tendo em vista o pagamento da indemnização arbitrada nestes autos.

Custas pelos agravados.

Lisboa, 20 de Março de 2012

Maria do Rosário Morgado
Rosa Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro
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[1] Sobre esta interessante problemática, podem consultar-se, entre outros, os acs. do STJ de 25/5/99 (CJ VII, II, 105), do Tribunal Constitucional de 23/2/2000 (JusNet 8636/2000) e do STJ de 27/1/2005 (JusNet 580/2005).
[2] Em regra, a diferença entre a quantia já depositada e o valor fixado na decisão transitada em julgado actualizado.
[3] Está subjacente a esta disposição o princípio constante do nº 6, do art. 23º, do CE segundo o qual o Estado garante o pagamento da justa indemnização. Quando o Estado satisfaça o pagamento da indemnização tem direito de regresso sobre a entidade expropriante (art. 23º, nº7, CE).