Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
287/10.0TTPDL-A.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHOR MERCANTIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I – O penhor é um instituto jurídico que se mostra previsto e regulado nos artigos 666.º e seguintes do Código Civil e noutras disposições dispersas pelo nosso sistema legal (cf., por exemplo, artigos 397.º e seguintes do Código Comercial), definindo-se como uma garantia real que podendo incidir sobre coisas móveis ou direitos, deve ser constituída por negócio jurídico bilateral ou unilateral – que terá de ser levado a escrito, se tiver natureza comercial – e pode ser exercido com ou sem desapossamento e tendo o credor pignoratício direito a, de forma preferencial, satisfazer o seu crédito pelo valor da coisa móvel empenhada ou de créditos ou outros direitos objectos da mesma garantia.
II – O contrato dos autos só formaliza e reconhece a constituição de um penhor mercantil sobre aplicações financeiras (depósito a prazo) com vista a garantir futuros créditos do Banco que, nessa medida, poderiam nunca vir a concretizar-se, bastando à Executada nunca deixar (a)final a descoberto as suas contas à ordem e pagar o débito que tinha para com a referida empresa estrangeira e que era garantido pelo Banco ou mesmo a este último, caso ele tivesse cumprido previamente a aludida garantia bancária, satisfazendo a referida dívida em substituição e no lugar da Executada.
III – As diversas cartas pelo Banco redigidas e enviadas à Executada e Avalistas – no sentido de lhes comunicar, primeiramente, que tinha sido interpelado pela empresa estrangeira para honrar a dita garantia bancária, num segundo momento, que o já tinha feito e que vinha interpelar a devedora e os garantes para liquidarem o montante devido a esse título e ao abrigo daquela garantia e, finalmente, de que tinha procedido ao preenchimento da livrança de caução em branco, conforma correspondente pacto firmado entre todos, no montante de 506.947,80 € e com vencimento em 23/09/2010 – provam unicamente essas realidades, já não tendo a virtualidade de provar a veracidade e efectiva concretização dos factos ali afirmados.
IV – Nada assegura ao tribunal – para mais no âmbito de uma acção de índole executiva como a presente, em que se apreendem bens ou direitos do devedor e se vendem ou transmitem de qualquer outra forma os mesmos, com vista à satisfação dos direitos de crédito do Exequente e demais credores com garantia real – que o Banco reclamante pagou realmente, como afirma, a mencionada importância de € 499.564,02 à empresa estrangeira, nem que a Executada apresentava um saldo na sua conta à ordem no montante de 4.397.120,62 € nem, finalmente, que foi emitida pelo credor reclamante a aludida livrança, no valor de 506.947,80€ e com vencimento em 23/09/2010.
V – O credor reclamante, ao juntar somente aos autos o contrato de penhor – que só por si não é título executivo – e as ditas cartas, não deu cumprimento necessário e suficiente ao disposto nos artigos 802.º, 804.º e 365.º, número 7 do Código de Processo Civil, ou seja, não radicou a sua reclamação em título executivo (ainda que sustentado em causa de pedir complexa), o que implica o não reconhecimento e graduação do seu crédito no quadro da reclamação de créditos.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO

AA, (…), propôs, no Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada, acção declarativa de condenação com processo comum laboral, com o número 43/2010, contra BB, SA, (), que, tendo seguido a sua normal tramitação, veio a culminar num acordo firmado na Tentativa de Conciliação realizada em 18/02/2010, no quadro da Mediação Laboral levada a cabo pela Comissão de Conciliação e Arbitragem de Ponta Delgada, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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Foi então, em 27/08/2010, instaurada a competente acção executiva para pagamento de quantia certa com processo comum pelo Autor naquela acção e aqui Exequente AA contra a ali Ré e aqui Executada BB, SA, com base no referido Auto de Conciliação (título executivo), tendo sido requerida, para pagamento do crédito exequendo de 8. 091,61€, correspondendo 8 000,00€ ao capital e 91,62 € aos juros de mora vencidos a 28.08.2010, a que acresce os juros vencidos posteriormente e vincendos até integral pagamento, não tendo sido indicados bens ou direitos da devedora à penhora.
O Exequente, para o efeito, alegou os seguintes factos no seu Requerimento Executivo:
«1. No dia 18/02/2010, o ora exequente e a ora executada reuniram na Comissão de Conciliação e Arbitragem de Ponta Delgada, a fim de procederem à tentativa de conciliação no âmbito do Processo n.º 43/2010.
2. Naquela mesma data, acordaram que, na sequência da cessação da relação de trabalho que existia entre ambos, a executada pagaria ao exequente, a título de compensação global consubstanciadora de todos os créditos emergentes da relação de trabalho, a importância de € 8.000,00 (oito mil Euros), o que faria em 6 (seis) prestações mensais e sucessivas, cada uma no valor de € 1.333,33 (mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), através de transferência bancária para a conta do ora exequente no CC dos Açores.
3. Sucede que, até à presente data, a Executada nada pagou ao Exequente, pelo que permanece em dívida a quantia de € 8.000,00 (oito mil Euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% (juros civis), a contar desde a data de vencimento de cada prestação acordada, que nesta data se fixam em € 91,61 (noventa e um euros e sessenta e um cêntimos).
4. Assim, a executada deve, nesta data, ao exequente, a quantia global de € 8.091,61 (oito mil e noventa e um euros e sessenta e um cêntimos), constante de capital e respectivos juros de mora vencidos, à qual acrescem ainda os juros de mora vincendos.»
Juntou com o Requerimento Executivo cópia do Auto de Conciliação onde se mostra vertida a referida transacção entre Exequente e Executada.
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Em 15.09.2010, foi penhorado o depósito de 9.000,00€, da conta de depósitos a prazo n.º ..., do BANCO DD, S.A, titulada pela Executada.

Por apenso a esses autos de execução comum para pagamento de quantia certa, veio reclamar o BANCO DD, S.A., (…), o crédito de 250. 000,00€, correspondente ao limite do montante assegurado pelo contrato de penhor celebrado a 28.10.2008 sobre o depósito a prazo n.º 0000000000.
Invoca o contrato de penhor sobre o depósito bancário até ao montante de 250 000,00€, constituído para garantia das responsabilidades assumidas ou a assumir pela executada perante o Banco, e ainda dois créditos nos valores de 499.564,02 € e 4.397.120,62 €, referentes a garantia bancária honrada pelo reclamante a 12.08.2010 e saldo negativo da conta n.º 00000000 de que a executada é titular.
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O crédito reclamado foi impugnado pela Executada, que não obstante admitir ter subscrito o contrato de penhor em discussão, arguiu a ineptidão da petição inicial, por o credor reclamante não ter concretizado as operações de que resultou o saldo negativo de 4.374.395,04 €, nem lhe ter comunicado o pagamento das responsabilidades decorrentes da garantia bancária) e ainda a inexistência de título executivo, por o título invocado (o contrato de penhor) ser omisso quando à dívida concreta eventualmente existente, podendo dar-se o caso de estarem a ser reclamados créditos ainda não vencidos.
Invoca também a executada a inexigibilidade e inexistência da garantia, porquanto o penhor em causa destinava-se apenas a garantir as responsabilidades da executada perante o Banco "...provenientes de garantia bancária n.º ... prestada pelo Banco a seu pedido e pela permissão de utilização de contas de depósito à ordem...", com as inerentes "alcavalas" decorrentes das (precisas) responsabilidades garantidas pelo penhor.
Argumenta, ainda, que a garantia invocada na presente reclamação foi substituída por hipotecas sobre diversos imóveis, por exigência do Banco, extinguindo-se o penhor (por acordo das partes), apesar de o título não ter sido devolvido.
Conclui pela improcedência da reclamação.
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Notificado da oposição, veio o credor reclamante exercer o contraditório sustentando não ter a reclamada/executada deduzido oposição nos autos de reclamação n.º 450/09.7TBPDL, que corre termos no Tribunal de Ponta Delgada, onde eram invocados os mesmos créditos.
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Foi então proferida a fls. 118 a 123 e com data de 29/09/2011, sentença de reconhecimento e graduação de créditos, nos seguintes moldes:
Nos termos do art.º 866.º do C.P.C., reclamados os créditos podem os mesmos ser impugnados pelo exequente e pelos executados.
No caso em apreço a executada deduziu oposição arguindo, além do mais, a ineptidão da petição inicial.
Estabelece o artigo 193.º, n.º 2, do C.P.C. que a petição diz-se inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Acrescenta o n.º 3, do mesmo preceito que se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, não se julgará procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
Ora, a causa de pedir da reclamação de créditos efectuada pelo credor Banco DD, S.A. é, por um lado, o crédito de 499.564,02 € relativo a garantia bancária honrada pelo reclamante a 12.08.2010 e um outro saldo negativo da conta n.º 00000000 de que a executada é titular, no valor de 4.397.120,62 €, referentes.
Compulsada a oposição da executada/reclamada constata-se desde logo ter o mesmo percepcionado convenientemente a referida causa de pedir, pois, relativamente à garantia bancária não põe em causa que o banco tenha honrado o compromisso relativo ao pagamento da garantia, apenas sustenta que tal não lhe foi comunicado, e relativamente ao saldo negativo de uma conta de que é titular, não impugna esta alegação, sendo que tratando-se de uma conta titulada pela executada esta factualidade não lhe pode ser desconhecida.
Entendemos por isso não ser inepta a petição inicial da reclamação de créditos, desde logo por a reclamada a ter interpretou convenientemente.
Invoca ainda o reclamado/executado a inexistência do título executivo, referindo-se, percebe-se, ao contrato de penhor, por omissão concreta da dívida eventualmente existente.
Ora, "O direito de penhor traduz-se em garantia real de cumprimento de obrigações ainda que futuras ou condicionais cujo objecto mediato se circunscreve a coisas móveis ou direitos insusceptíveis de hipoteca. ...A lei não permite em regra, por via de contrato, a constituição do direito de penhor sobre coisas futuras. Pode, porém, servir de garantia ao cumprimento de obrigações futuras, ainda que não projectadas ou negociadas no momento da constituição da garantia, ou sob condição. O direito de penhor que sirva de garantia a crédito condicional extingue-se logo que seja certo que a condição se não verificará, e o que sirva de garantia a crédito futuro extingue-se quando seja certo que ele não se constitui." - cit. Salvador da Costa, O concurso de credores, Almedina, pág. 39.
No caso "sub judice" estamos perante um penhor que tem por objecto um depósito bancário, e que visa garantir créditos provenientes de garantia bancária n.º 0000000000 prestada pelo Banco a pedido do executado e pela permissão de utilização de contas de depósito à ordem, garantia esta futura, na data da constituição do penhor, mas referentes a créditos que entretanto já se constituíram (com o pagamento pelo banco das responsabilidades objecto da garantia e com a constituição de operações a descoberto pela executada na sua conta bancária que apresenta saldo negativo), conformando assim a garantia (até ao limite de 250.000,00 € do penhor, que são absorvidos logo pelo crédito de 499.564,02€), aos referidos créditos.
Não assiste, pelo exposto, razão à executada/reclamada quando pugna pela inexistência de título da garantia, por carência de objecto.
Por fim sustenta a reclamada/executada a extinção do contrato de penhor, por ter acordado com o banco a extinção do penhor através da constituição de hipoteca sobre três prédios, para garantia de todas as obrigações assumidas ou a assumir pela sociedade/executada.
Nesta matéria dispõe o artigo 677.º do Código Civil que "O penhor extingue-se pela restituição da coisa empenhada, ou do documento a que se refere o artigo 669.º, e ainda pelas mesmas causas por que cessa o direito de hipoteca, com excepção da indicada na alínea b) do art. 730.º.”
No caso concreto, o documento que confere ao reclamante a exclusiva disponibilidade do objecto mediato do contrato (o depósito bancário), não foi entregue ao executado/reclamante (matéria admitida por este), nem há evidência documental da extinção das obrigações a que o penhor servia de garantia, seja por anulação do negócio jurídico que lhe deu causa, seja pelo perecimento da coisa, seja pela renúncia do credor ao direito de penhor, pelo que se mantém válido e eficaz o penhor invocado como garantia do crédito reclamado (250.000,00 €).
Pelo exposto, reconhece-se o crédito reclamado de 250.000,00 € e respectiva garantia (penhor).
Resulta do disposto no artigo 666.º, n.º 1, do C.C. que o penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de cerca coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.
Por seu turno, o artigo 822.º do Cód. Civil, dispõe que o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.
Assim, verifica-se que estando o crédito reclamado garantido por penhor, constituído em data anterior à penhora, o reclamante será pago com preferência sobre o exequente, cujo crédito está garantido por penhora realizada após o penhor.
Tenha-se ainda presente que nos presentes autos concorre igualmente o crédito resultante das custas deste processo que gozam de preferência absoluta, nos termos do art.º 455.º do C.P.C.
Face ao exposto verificamos a existência de concorrência de garantias, que incidem sobre os direitos sobre o imóvel penhorado, pelo que há que estabelecer a ordem de prioridade entre eles, proferindo-se decisão de graduação dos créditos, nos termos do art.º 868.º, n.º 2, do C.P.C.
Atento o disposto no art.º 445.º do C.P.C., nos termos do qual as custas do processo têm preferência sobre os demais créditos, devem ser graduadas em primeiro lugar.
Seguidamente devem graduar-se o crédito de 250 000,00€ garantido por penhor e após o crédito exequendo garantido por penhora.
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Face ao exposto, e em conformidade, graduam-se os créditos pela seguinte ordem:
1º - As custas da execução;
2º - O crédito do credor reclamante até 250 000,00€;
3º - O crédito do exequente.
Custas pela reclamada/executada.

A Executada e reclamada BB, SA, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 125 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 153 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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A Apelante apresentou, a fls. 127 verso e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)
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O credor reclamante apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, não tendo contudo formulado conclusões, tendo-se limitado a pugnar pela manutenção da sentença recorrida (fls. 141 e seguintes).
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O Exequente não apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, apesar de notificado para esse efeito.
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Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS

Os factos a considerar para efeitos de apreciação e julgamento do presente recurso mostram-se descritos no relatório do presente Aresto, para onde se remete, dando-se os mesmos aqui por integralmente reproduzidos.
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III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 685.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEL

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção executiva ter dado entrada em tribunal em 27/08/2010, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.
Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor (que ocorreu no dia 1/1/2008) das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, e que só se aplicaram aos processos instaurados a partir de 01/1/2008 (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal) bem como da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e parcialmente em vigor desde 31/03/2009, com algumas excepções que não tem relevância na economia dos presentes autos (artigos 22.º e 23.º desse texto legal), centrando-se, essencialmente, na modificação do regime legal da acção executiva, o que tem uma natural e inevitável relevância para a economia deste processo judicial.
Será, portanto, ao abrigo do regime legal decorrente da actual redacção do Código do Processo do Trabalho e das reformas do processo civil de 2007 e 2008 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12 e Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica apenas a processos instaurados após essa data.

B – OBJECTO DO RECURSO

A única questão que, verdadeiramente, é suscitada no quadro do presente recurso é a seguinte: o tribunal da 1.ª instância não deveria ter reconhecido e graduado o crédito da Reclamante e Apelada, como o veio a fazer nos termos constantes da sentença aqui impugnada, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legais reclamados pelo artigo 685.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do que se mostra previsto nos artigos 98.º (exclusão da reclamação de créditos) e 98.º-A (remissão) do Código do Processo do Trabalho.

B1 – RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS

O aludido artigo 685.º do Código de Processo Civil possui a seguinte redacção:

Artigo 865.º
Reclamação dos créditos
1. Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos.
2. A reclamação tem por base um título exequível e é deduzida no prazo de 15 dias, a contar da citação do reclamante.
3. Os titulares de direitos reais de garantia que não tenham sido citados podem reclamar espontaneamente o seu crédito até à transmissão dos bens penhorados.
4. Não é admitida a reclamação do credor com privilégio creditório geral, mobiliário ou imobiliário, quando:
a) A penhora tenha incidido sobre bem só parcialmente penhorável, nos termos do artigo 824.º, renda, outro rendimento periódico, ou veículo automóvel; ou
b) Sendo o crédito do exequente inferior a 190 UC, a penhora tenha incidido sobre moeda corrente, nacional ou estrangeira, ou depósito bancário em dinheiro; ou
c) Sendo o crédito do exequente inferior a 190 UC, este requeira procedentemente a consignação de rendimentos, ou a adjudicação, em dação em cumprimento, do direito de crédito no qual a penhora tenha incidido, antes de convocados os credores.
5. Quando, ao abrigo do n.º 3, reclame o seu crédito quem tenha obtido penhora sobre os mesmos bens em outra execução, esta é sustada quanto a esses bens, quando não tenha tido já lugar sustação nos termos do artigo 871.º.
6. A ressalva constante do nº 4 não se aplica aos privilégios creditórios dos trabalhadores.
7. O credor é admitido à execução, ainda que o crédito não esteja vencido; mas se a obrigação for incerta ou ilíquida, torná-la-á certa ou líquida pelos meios de que dispõe o exequente.
8. As reclamações são autuadas num único apenso ao processo de execução.

A recorrente, em rigor, considera que o crédito reclamado pelo BANCO ..., SA não se radica num título exequível, ao arrepio do que exige o número 2 do reproduzido artigo 865.º do Código de Processo Civil.

B2 – TÍTULO EXECUTIVO

O título executivo mostra-se previsto e regulado no Capítulo I, denominado exactamente “Do título executivo”, ao longo dos artigos 45.º a 54.º, estabelecendo a primeira disposição legal indicada, no seu número 1, que «Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.» e definindo o dispositivo legal seguinte, entre as diversas espécies de títulos executivos, que “1 - À execução apenas podem servir de base: (…) c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”, podendo acontecer que a obrigação exequenda, consubstanciada no título executivo, não seja ainda certa, exigível e líquida em função e face ao mesmo, achando-se previstos nos artigos 802.º e seguintes do Código de Processo Civil os procedimentos adjectivos necessários à concretização dos referidos requisitos, que são exigidos pelo legislador para a dita obrigação, conforme ressalta da primeira disposição legal indicada (“A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.”).
Importando definir, desde logo, título executivo, acção executiva e a relação que se estabelece entre uma e outra realidade, ouçamos, a esse propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/04/2005, em que foi relator Carlos Valverde, processo 2070/2005-6, publicado em www.dgsi.pt:
Por definição, o título executivo é o documento que pode segundo a lei, servir de base à execução de uma prestação, já que ele oferece a demonstração legalmente bastante do direito correspondente (cfr. Castro Mendes, Lições de Direito Civil, 1969, pág. 143).
Do ponto de vista formal, o título é o documento em si próprio e, do ponto de vista material, é a demonstração legal do direito a uma prestação (cfr. o mesmo Autor, A causa de Pedir na Acção Executiva – Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Volume XVIII, págs. 189 e segs.).
Como se sabe, o Processo Executivo visa realizar coercivamente um direito já afirmado. Ora, como “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva” – art.º 45.º, n.º1 do C.P.C. – facilmente se percebe que aquela afirmação deve necessariamente constar do título executivo.
E também só essa prévia afirmação do direito permitirá entender o comando do artigo 55.º, n.º 1 do mesmo Código: “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tinha a posição de devedor”.
Como se vê, “...pela análise do título se há-de determinar a espécie de prestação e da execução que lhe corresponde (entrega de coisa, prestação de facto, dívida pecuniária), se determinará o quantum da prestação e se fixará a legitimidade activa e passiva para a acção” (Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, pág. 11).
É dizer, em suma, que deverá existir necessária concordância entre o título executivo e o pedido formulado no requerimento inicial da execução, pois esse título “... é o documento (título hoc sensu) donde consta (não donde nasce) a obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva (por intermédio do Tribunal)” (Antunes Varela, R.L.J., Ano 121º, pág. 147).
Conforme já salientava Alberto dos Reis, “...desde que a execução não é conforme ao título, na parte em que existe divergência, tudo se passa como se não houvesse título: nessa parte a execução não encontra apoio no título” (Código do Processo Civil Explicado, pág. 26).
E, sempre que isso aconteça, ou seja, “... se a discordância entre o pedido e o título consistir em excesso de execução, isto é, em se pedir mais do que o autorizado pelo título, cabe ao juiz indeferir liminarmente o requerimento executivo na parte em que exceda o conteúdo do título, mandando prosseguir a execução pela parte que efectivamente lhe corresponda” (Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, pág. 29).
Se a discordância entre o pedido e o título for absoluta, o indeferimento será, naturalmente, total.
Quanto à causa de pedir em acção executiva, há quem entenda que ela se reconduz ao próprio título accionado (cfr. Alberto dos Reis, Comentário, I, pág. 98, Lopes Cardoso, ob. cit., págs. 23 e 29 e Acórdão do STJ de 24-11-83, BMJ 331/469), enquanto outros sustentam que ela é antes constituída pela factualidade essencial de onde emerge o direito, reflectida embora no próprio título (cfr. Castro Mendes, A Causa de Pedir.., págs. 189 e segs., Lebre de Freitas, Acção Executiva, 2.ª Edição, págs. 64 e 65, A. Varela, RLJ, 121º/148 e segs. e Acórdão do STJ de 27-1-98, CJ, STJ, I, pág. 40). Como quer que seja, os próprios defensores da 2.ª teoria não retiram qualquer relevo ao título executivo, limitando-se a enquadrá-lo no seu meio próprio, que é o processual, do mesmo passo que enquadram a factualidade causal no seu meio próprio, que é o substantivo (cfr. Acórdão do STJ de 27-7-94, CJ, STJ, III, pág. 70).
Chegados aqui, importa realçar que o credor reclamante vem sustentar a reclamação do seu crédito na sua petição inicial (e resposta posterior) e nos documentos que juntou com tais articulados e que, na parte que nos interessa, são os seguintes (aproveitando-se para o efeito a enumeração feita pela recorrente nas suas conclusões):
A) Contrato de penhor sobre depósito a prazo constituído junto do recorrido "Para garantia do cumprimento das responsabilidades assumidas e/ou a assumir por BB, SA, perante o mesmo Banco até ao limite de 250.000,00 €, em euros ou em divisas, provenientes de garantia bancária n.º 000000000000, prestada pelo Banco a seu pedido e pela permissão da utilização a descoberto de contas de depósito à ordem, incluindo reembolso do capital até ao indicado montante, ao qual acrescem os respectivos juros remuneratórios e moratórios às taxas contratualmente acordadas ou outras taxas posteriormente convencionadas, clausula penal, as comissões e demais encargos legal ou contratualmente exigíveis e, ainda, das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de Advogados e Solicitadores que o Banco venha a fazer para assegurar ou cobrar quaisquer dos referidos créditos." (cópia junta a fls. 4 e 5);
B) Comunicação à recorrente da interpelação efectuada pela EE para pagamento quantia de 5.500.000,00 Dirames (cópia junta a fls. 72);
C) Carta a informar a recorrente que o banco honrou a garantia bancária n.º ... e pagou a quantia de € 499.564,02, interpelando-a para pagar o valor pago (cópias juntas a fls. 79 e 80);
D) Carta a informar a recorrente que preencheu a livrança de caução em branco pelo valor de € 506.947,80 (fls. 83 e 84).
O Banco reclamante, em termos de alegação do seu Requerimento inicial, afirma com interesse o seguinte:
1.º - Por contrato escrito, celebrado no passado dia 28 de Outubro de 2008, a aqui executada BB, S.A., constituiu a favor do aqui credor reclamante, um penhor sobre o depósito a prazo com o n.º 0000000000. - cfr. Doc. n.° 1, adiante junto e que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais.
2.º - O penhor foi constituído para garantia do cumprimento das responsabilidades assumidas ou a assumir pela era executada, perante o Banco, até ao limite de € 250.000,00, em euros ou divisas, provenientes de garantia bancária n.º 00-00-0000000, prestada pelo Banco a seu pedido, e, pela permissão da utilização a descoberto de contas de depósito a ordem.
3.º - O referido depósito a prazo encontra-se parcialmente penhorado no âmbito dos autos de execução de que os presentes autos são apenso, conforme se pode verificar pela comunicação que o Banco efectuou em 24.09.2010 ao Tribunal.
II – DAS RESPONSABILIDADES
4.º - A pedido da executada, o Banco, prestou uma garantia bancária a EE, no montante de 5.500.000,00 DIRHAMS, a qual foi atribuído o n.º 00-00-0000000, a qual, foi honrada no passado dia 12.08.2010, pelo montante de € 499.564,02.
5.º - Acresce que, a executada é titular da conta de depósitos à ordem n.°. 00000000, sediada numa sucursal do aqui credor reclamante, a qual, apresenta à presente data, um saldo negativo de € 4.397.120,62
6.º - Face ao exposto, o crédito do ora reclamante devera ser graduado, até ao limite do montante assegurado pelo contrato de penhor, referido no artigo 1.º desta reclamação.

B3 – PENHOR

O documento referido em 1.º limita-se a constituir um penhor sobre o depósito a prazo de que era titular a Executada, com vista a um eventual e futuro accionamento e cumprimento da garantia bancária n.º 000-00-0000000, até ao montante máximo de € 250.000,00.
O penhor é um instituto jurídico que se mostra previsto e regulado nos artigos 666.º e seguintes do Código Civil e noutras disposições dispersas pelo nosso sistema legal (cf., por exemplo, artigos 397.º e seguintes do Código Comercial), definindo-se como uma garantia real que podendo incidir sobre coisas móveis ou direitos, deve ser constituída por negócio jurídico bilateral ou unilateral – que terá de ser levado a escrito, se tiver natureza comercial – e pode ser exercido com ou sem desapossamento e tendo o credor pignoratício direito a, de forma preferencial, satisfazer o seu crédito pela valor da coisa móvel empenhada ou de créditos ou outros direitos objectos da mesma garantia.
No caso em presença, deparamo-nos com um penhor de um depósito bancário a prazo, sustentando Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, em “Garantias de Cumprimento”, 5.ª Edição, Novembro de 2006, Almedina, páginas 170 e seguintes, com especial incidência sobre as páginas 182 a 184, a esse propósito, o seguinte:
«O penhor de aplicações financeiras, frequentemente utilizado pelas instituições de crédito, poderá revestir uma modalidade de penhor de direitos, ao qual se aplicam os artigos 679.º e seguintes do Código Civil. (…)
Este tipo de garantia, seja na modalidade clássica de penhor de depósitos a prazo ou de qualquer outra aplicação, pressupõe um depósito no banco, que vai ser posteriormente transformado em determinado «produto bancário», nos termos do acordo estabelecido entre o depositante e depositário.
Por força do mencionado depósito, transfere-se a «propriedade» do dinheiro depositado para o banco (artigo 1144.º do Código Civil) e cria-se na esfera jurídica do depositante um correspondente direito de crédito sobre o montante em questão. É este direito de crédito que vai ser empenhado. A especialidade desta figura está, pois, em empenhar-se um direito sobre algo (dinheiro) que se encontra na disponibilidade do credor pignoratício.
Assim, se, por exemplo, o devedor empenhar um depósito a prazo que tem junto da instituição credora, constitui um penhor de aplicações financeiras. Em tais casos, na prática, acontece o seguinte: se o devedor não cumpre a obrigação a que estava adstrito, o credor «faz seu» o depósito bancário empenhado, no sentido de se cobrar pelo valor deste, por via da compensação.»
Também Luís Manuel Teles de Menezes Leitão em “Garantias das Obrigações”, Fevereiro de 2006, Almedina, páginas 200 e seguintes e 282 e seguintes, com particular incidência sobre as páginas 207 e 208 e 287 e 288, afirma o seguinte:
«Uma outra situação especial de penhor de créditos que tem vindo a ganhar bastante desenvolvimento na prática bancária consiste no penhor sobre conta bancária. Este penhor caracteriza-se por se afectar certo depósito bancário ao pagamento de determinada obrigação, vinculando-se o depositante a não o movimentar enquanto a dívida não for liquidada e permitindo-se normalmente ao Banco na data do vencimento pagar-se pela dívida garantida através de débito na referida conta. (…)
A nosso ver, trata-se de um penhor de créditos, e portanto de uma garantia especial sobre direitos, uma vez que o penhor não incide sobre o dinheiro depositado, que é propriedade do Banco, mas antes sobre o crédito que o depositante é titular sobre o mesmo Banco, e que ele se vincula a manter subsistente através do provisionamento da conta. O penhor tem no entanto um regime específico de funcionamento, uma vez que é executado através da cativação do saldo em conta. Esse regime específico de funcionamento justifica-se pelo facto de a conta bancária implicar uma representação escritural do crédito do depositante

B4 – PENHOR DE OBRIGAÇÕES FUTURAS

Se olharmos para o documento que titula o penhor dos autos (celebrado, recorde-se, em 28/10/2008, verificamos que o mesmo visa garantir uma eventual (condicional?) obrigação futura da Apelante e Executada para com o BANCO CC, SA, por força do accionamento e satisfação da garantia bancária prestada pelo credor reclamante em benefício de DD, no montante de 5.500.000,00 DIRHAMS, a qual foi atribuído o n.º 000-00-0000000, bem como a permissão da utilização a descoberto de contas de depósito a ordem.
Constata-se que a referida garantia bancária n.º 000-00-0000000 foi alegadamente honrada pelo credor reclamante em 12.08.2010, pelo montante de € 499.564,02, sendo que, também de acordo com alegação do BCC, a conta de depósitos à ordem n.º 00000000, sedeada numa sucursal do mesmo e aberta em nome da Executada, apresentava em 14/10/2010 um saldo negativo de € 4.397.120, 62.
Sendo assim, parece não existirem grandes dúvidas de que nos encontramos face a um penhor de créditos futuros, como aliás é reconhecido na sentença impugnada (fls. 121), penhor esse legalmente autorizado, conforme admite expressamente Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, obra citada, página 283, quando refere que «não parece haver obstáculos em princípio ao penhor de créditos futuros, que, aliás, veio a ser expressamente reconhecido no âmbito do Código da Insolvência (artigo 115.º do CIRE)»

B5 – CONTRATO DE PENHOR DOS AUTOS E TÍTULO EXECUTIVO

Logo, o contrato de penhor dos autos, como bem afirma a Apelante, só formaliza e reconhece a constituição de um penhor mercantil sobre aplicações financeiras com vista a garantir futuros créditos do BCC que, nessa medida, poderiam nunca vir a concretizar-se, bastando à Executada nunca deixar (a)final a descoberto as suas contas à ordem e pagar o débito que tinha para com a referida empresa DD ou mesmo ao aqui credor reclamante, caso este tivesse cumprido previamente a aludida garantia bancária, satisfazendo a referida dívida em substituição e no lugar da BB, SA.
Tudo isto para se dizer que o referido contrato de penhor não é, só por si, documento com natureza executiva (no fundo, título executivo, traduzido num documento particular, assinado pelo devedor, que importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes), o que significa a sua impossibilidade de suportar isoladamente uma acção executiva para pagamento de quantia certa ou, naturalmente, uma reclamação de créditos como a aqui formulada pelo BANCO CC, SA.
Dir-se-á, contudo, que, ainda que tal seja juridicamente certo, nada obsta a que o beneficiário de tal garantia real não possa utilizar esse contrato de penhor como elemento integrante e essencial de uma causa de pedir mais complexa, composta pelo mesmo e por outros documentos que, conjugadamente, comprovem a constituição dos créditos futuros que o penhor em causa visava garantir.
Neste quadro, pensamos útil chamar à colação o estatuído no artigo 804.º do Código de Processo Civil e que estatui o seguinte:

Artigo 804.º
Obrigação condicional ou dependente de prestação
1. Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar documentalmente, perante o agente de execução, que se verificou a condição ou que se efectuou ou ofereceu a prestação.
2 - Quando a prova não possa ser feita por documentos, o credor, ao requerer a execução, oferece de imediato as respectivas provas.
3 - No caso previsto no número anterior, o agente de execução promove a intervenção do tribunal, que aprecia sumariamente a prova produzida, a menos que o juiz entenda necessário ouvir o devedor.
4 - No caso previsto na parte final do número anterior, o devedor é citado com a advertência de que, na falta de contestação, se considera verificada a condição ou efectuada ou oferecida a prestação, nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 485.º
5 - A contestação do executado só pode ter lugar em oposição à execução.
6 - Os n.ºs 7 e 8 do artigo 805.º aplicam-se, com as necessárias adaptações, quando se execute obrigação que só parcialmente seja exigível.

Não ignoramos, naturalmente, que a norma acima reproduzida, bem como as demais que se inserem nessa primeira parte do regime da acção executiva, regulam a fase inicial (ou preliminar, se quisermos ser mais rigorosos) da acção executiva, para situações em que a obrigação exequenda não é certa e/ou exigível e/ou líquida, mas importa atentar no que o número 7 do artigo 865.º do Código de Processo Civil (já acima transcrito) estatui: O credor é admitido à execução, ainda que o crédito não esteja vencido; mas se a obrigação for incerta ou ilíquida, torná-la-á certa ou líquida pelos meios de que dispõe o exequente (julgamos que, mesmo a não existir esta regra adjectiva, nada obstava a que, com as necessárias adaptações e sem perder de vista o alcance, sentido, finalidade e quadro normativo da reclamação de créditos, se pudesse fazer a migração, por analogia e ainda que com eventuais restrições, do regime contido no artigo 804.º para tal fase processual).
O Professor Lebre de Freitas, em «A Acção Executiva – Depois da Reforma», 4.ª Edição, Abril de 2004, Coimbra Editora, páginas 93 seguintes, a respeito dessa fase liminar da execução, defende o seguinte (ainda que no âmbito da reforma da acção executiva de 2003, julgamos que a essência do que este autor afirma no excerto adiante indicado mantém a sua plena actualidade):
«Da exposição feita deriva que a certeza e a exigibilidade da obrigação exequenda têm de se verificar antes de serem ordenadas as providências executivas, pelo que, quando não resultem do próprio título nem de diligências anteriores à propositura da acção executiva, se abre uma fase liminar do processo executivo que visa tornar certa ou exigível a obrigação que ainda não o seja, sem prejuízo de poder ter lugar no próprio requerimento de execução a actividade, a desenvolver para o efeito, que dependa pura e simplesmente da vontade do credor (ex.: escolha da prestação que a ele incumba).
Mas, quando a certeza e a exigibilidade, não resultando do título, tiverem resultado de diligências anteriores à propositura da acção execu­tiva, há que provar no processo executivo que tal aconteceu. Trata-se agora duma actividade, também liminar; de prova, a ter lugar, como a anterior, no início do processo.
A esta actividade de prova (prova complementar do título) se refere o art.º 804.º, nos seus n.ºs 1 e 2, os quais têm alcance geral, pelo que se aplicam, para além dos casos neles expressamente previstos (obriga­ção dependente de condição suspensiva ou duma prestação por parte do credor ou de terceiro), a todos aqueles em que a certeza e a exigibilidade não resultam do título executivo, mas já se verificavam antes da propositura da acção executiva, assim como ainda àqueles em que, sendo a pres­tação exigível em face do título, o credor queira provar que ocorreu o vencimento e a mora do devedor, para evitar a sua condenação em custas. (…)
A prestação de obrigação sob condição suspensiva só é exigível depois de a condição se verificar, pois até lá todos os efeitos do respec­tivo negócio constitutivo ficam suspensos (art. 270 CC).
Daí que o art. 804, n.ºs 1 e 2, exija ao credor exequente a prova da verificação da condição, sem o que a execução não é admissível.» (cf. também, Fernando Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 12.ª Edição, Janeiro de 2010, Almedina, páginas 113 e seguintes, para o regime legal actualmente em vigor).
Ora, salvo o devido respeito, o Banco reclamante não deu o cumprimento necessário e suficiente às exigências legais nesta matéria, pois limitou-se a juntar, como já acima deixámos elencado, diversas cartas por ele redigidas e enviadas à Executada e Avalistas no sentido de lhes comunicar, primeiramente, que tinha sido interpelado pela DD para honrar a dita garantia bancária, num segundo momento, que o já tinha feito e que vinha interpelar a devedora e os garantes para liquidarem o montante a esse título e ao abrigo daquela garantia e, finalmente, de que tinham procedido ao preenchimento da livrança de caução em branco, conforma correspondente pacto firmado entre todos, no montante de € 506.947,80 e com vencimento em 23/09/2010.
Tais missivas provam unicamente que foram redigidas, com o teor que delas consta, e que foram remetidas e recebidas pelos destinatários, já não tendo a virtualidade de provar a veracidade e efectiva concretização dos factos ali afirmados.
Nada assegura ao tribunal – para mais no âmbito de uma acção de índole executiva como a presente, em que se apreendem bens ou direitos do devedor e se vendem ou transmitem de qualquer outra forma os mesmos, com vista à satisfação dos direitos de crédito do Exequente e demais credores com garantia real – que o BANCO CC, SA pagou realmente, como afirma, a mencionada importância de € 499.564,02 à DD, nem que a Executada BB, SA apresentava um saldo na sua conta à ordem no montante de € 4.397.120,62 nem, finalmente, que foi emitida pelo credor reclamante a aludida livrança, no valor de € 506.947,80 e com vencimento em 23/09/2010 (constituindo, curiosamente, este último documento um título cambiário e, por inerência, um manifesto título executivo).
Onde estão os imprescindíveis documentos que demonstram nos autos, inequívoca e sem margem para dúvidas, tais três realidades? Em parte alguma, julgando nós que não bastaria a junção do título de crédito para suportar a presente reclamação de créditos, pois o mesmo conhece uma génese complexa que sempre teria de ser explicada e justificada juridicamente através dos passos e documentos anteriores, de forma a estabelecer a sua conexão com o penhor do depósito a prazo.
Tudo visto e ponderado, não há dúvida de que a Apelante tem razão no que defende, quanto à inexistência de título executivo (ainda que complexo), onde se possa radicar a presente reclamação de créditos, nos termos e para os efeitos dos números 1 e 2 do artigo 865.º do Código de Processo Civil.
Logo, tem este recurso de Apelação de ser julgado procedente, com a revogação da sentença recorrida, que será substituída pela decisão deste Tribunal da Relação de Lisboa no sentido do não reconhecimento e graduação do crédito reclamado pelo BANCO CC, SA.

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1 e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto por BB, SA e, nessa medida, revogar a decisão recorrida, decidindo-se, em sua substituição, pelo não reconhecimento e graduação do crédito reclamado pelo BANCO CC, SA, por falta de título executivo.

Custas do presente recurso a cargo do Apelado reclamado.

Registe e notifique.

Lisboa, 21 de Março de 2012

José Eduardo Sapateiro
Maria José Costa Pinto
Ferreira Marques
Decisão Texto Integral: