Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10339/06.6TBOER.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: ERRO SOBRE O OBJECTO DO NEGÓCIO
TRANSACÇÃO
DENÚNCIA DE DEFEITOS
CADUCIDADE
DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I - Se as partes transaccionam num âmbito de uma acção judicial na convicção de que os defeitos existentes num prédio eram apenas os por elas referidos e que as reparações por elas descritas seriam suficientes para resolver todos os problemas, e afinal os defeitos não eram só aqueles e a reparações não resolviam todos os problemas, existe erro sobre a base do negócio (art. 252/2 do CC), que conduz à anulabilidade da transacção, anulabilidade que pode ser excepcionada noutra acção, impedindo que os efeitos da transacção sejam feitos valer nela.
II – O prazo de caducidade do art. 1225/1 do CC reinicia-se com a entrega da obra reparada, mas apenas relativamente aos defeitos que esta se propunha reparar.
III - Não cabe ao dono da obra o ónus da prova da tempestividade da denúncia; cabe sim ao empreiteiro/vendedor o ónus da prova da intempestividade da denúncia.
IV – O prazo da denúncia (art. 1225/2 do CC) de defeitos inicia-se desde o conhecimento dos defeitos e não da data da entrega da obra reparada.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

O Condomínio do prédio sito na Rua …, nº 1, em …, intentou, a 27/10/2006, a presente acção contra a Sociedade de Construções “A”, Lda, pedindo que a ré seja condenada a proceder à reparação das deficiências detectadas e constantes do auto de vistoria realizado pela autarquia de ..., isto é, a proceder à reparação da cobertura do terraço, reparação e impermeabilização do terraço, reparação da pendente do peitoril da casa das máquinas, verificação da pintura exterior efectuada, reparação da zona com caixilho no alçado tardoz, reparação do hall de entrada; e que os referidos trabalhos, materiais utilizados e termos de execução sejam determinados por perito ou empresa de especialidade a nomear por este tribunal.
Alegou para o efeito, e em síntese, que o prédio em questão foi construído pela ré, tendo sido apresentadas reclamações relativas a defeitos de construção desde a data da construção junto da ré, pelo condomínio e pelos condóminos, nunca tendo os mesmos sido reparados pela requerida de forma eficaz e conveniente; pelo que o autor propôs uma acção onde denunciou os diversos defeitos e pediu a reparação dos mesmos. Tal acção terminou por acordo do autor e da ré, no qual a mesma se obrigou a proceder às reparações necessárias, tendo chegado a realizar trabalhos no prédio que, no entanto, não debelaram as deficiências que o mesmo apresentava, por subsistirem defeitos ao nível das fachadas e cobertura que não dispõem do devido isolamento. Quando o autor reclamou a reparação, a ré recusou-a, com o argumento de já ter feito as obras. O autor solicitou uma vistoria à Câmara Municipal de ..., tendo a mesma vistoria apontado vários defeitos nas partes comuns e em três fracções autónomas. É necessária a indicação de um perito ou empresa da especialidade para determinar e fiscalizar a realização dos trabalhos necessários à efectiva reparação das deficiências que o prédio apresenta.
A ré contestou, por excepção, invocando a falta de capacidade judiciária do autor e a caducidade do seu direito, e, por impugnação, alegan-do, em síntese, o seguinte: O autor não está devidamente representado em juízo pelo seu administrador e falta autorização da assembleia de condóminos para o autor demandar em juízo a ré. Na transacção efectuada e homologada por sentença no processo invocado pelo autor, ficou acordado que os vícios que o prédio padecia, no que respeita às partes comuns, verificavam-se apenas ao nível da pintura exterior e da caixa de ventilação do mesmo, não existindo nenhuns outros, comprometendo-se a ré a efectuar a pintura do prédio e a efectuar o isolamento exterior da caixa de ventilação do edifício, bem como o reforço do seu isolamento interior, reconhecendo o autor tais obras como sendo as únicas necessárias e suficientes para a correcção de todos os problemas do prédio, e mais desistindo do pedido formulado nessa acção, pelo que o direito ora reclamado não existe, por se ter extinguido com a transacção. Tais obras, a que se obrigou a ré, foram correcta e integralmente completadas até 17/12/2004, tendo, entretanto, decorrido o prazo de que dispunha o autor para pedir a eliminação dos defeitos das mesmas, verificando-se, assim, a caducidade do direito de pedir judicialmente tal eliminação, até porque a ré não procedeu a um qualquer segundo reconhecimento dos defeitos invocados pelo autor. O autor não pretende a reparação dos defeitos resultantes da ineficácia da reparação acordada, sendo falso que esta não haja debelado as deficiências apontadas e acordadas e sendo que os defeitos ora invocados pelo autor foram apontados na vistoria efectuada em 2006 sem se cuidar do facto do prédio ter cerca de doze anos e devendo-se os mesmos a obras, entretanto levadas a cabo por um dos condóminos, que provocam as infiltrações e humidades. Concluiu pedindo que se julguem procedentes as excepções ou, caso assim não se entenda, que se julgue o pedido formulado improcedente e a ré seja dele absolvida.
O autor replicou, considerando improcedentes as excepções deduzidas pela ré, por entender ter legitimidade e por os seus direitos não se mostrarem caducados, já que, por um lado, os exerceu atempadamente, e por outro, porque a transacção efectuada se encontra viciada por erro-vício, do art. 252/1 do Código Civil que determina a sua anulabilidade; diz ainda que a ré se defendeu em claro abuso de direito, por utilizar como argumento factos que ela própria provocou, como sejam, o erro em que fez incorrer o autor, ao criar-lhe a falsa convicção de que havia sido detectada a fonte das infiltrações e que a intervenção indicada na transacção seria a adequada a corrigir aqueles defeitos. Conclui como no petição inicial.
A ré veio apresentar articulado de tréplica, que foi dado sem efeito, por legalmente inadmissível, despacho de que a ré interpôs agravo, mas de que entretanto, já depois do processo ter sido remetido a este tribunal de recurso, desistiu (fls. 456).
Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a invocada excepção dilatória de incapacidade judiciária do condomínio.
Depois do julgamento foi proferida sentença que julgou procedente a excepção de caducidade e absolveu a ré do pedido.
O autor interpôs recurso desta sentençapara que seja revogada e substituída por outra que julgue a acção procedenteterminando as suas alegações com várias conclusões, três delas (que serão analisadas adiante) impugnando a resposta dado aos quesitos 8 e 11 da base instrutória, de modo a que sejam considerados provados, e outras que se sintetizam assim:
a) O tribunal deu uma resposta errada aos quesitos 8 e 11. Alterada esta resposta, chega-se ao resultado de que os termos da transacção foram definidos pelos técnicos indicados pela ré. Isto é, a declaração do autor na transacção assentou no pressuposto de que os meios apresentados pelos técnicos da ré levariam a uma efectiva correcção das deficiências de construção, isto é, no pressuposto, garantido pelos técnicos da ré, de que aqueles seriam os únicos vícios de que padeceria a construção. Ora, este pressuposto está errado, pois do relatório pericial de fls. 253 e segs decorre que os vícios elencados na transacção não eram os únicos existentes e como tal a reparação não se poderia limitar aquelas intervenções. Pelo que a transacção celebrada no processo .../2001 sofre do vício definido no art. 252º/2 do CC - erro sobre a base do negócio – pelo que é anulável, pois que recai sobre elemento essencial e o declaratário conhecia ou devia conhecer essa essencialidade (pontos 28 a 46 das alegações).
b) A obra a que respeitam estes autos é referente a uma empreitada que tem por objecto um imóvel de longa duração. Logo, o prazo para a verificação de tais defeitos é de 5 anos (cfr. 1225/1 do CC) e não de 1 ano como sustenta a decisão sindicada; ora, se, como se provou, a obra possuía defeitos, que foram reconhecidos pela ré na transacção celebrada no processo .../2001, então o prazo de garantia destes trabalhos é de 5 anos, contando-se a partir daquele momento ou reiniciando-se com a reparação (pontos 47 a 54 das suas alegações).
c) Logo que o autor se apercebeu que os defeitos se mantinham, denunciou-os à ré (cfr. carta de fls. 299 que não foi impugnada pela ré; a ré respondeu a esta carta em 22/06/2006, cfr. fls. 302). Desse documento resulta que a denúncia apresentada pelo autor ocorreu em 13/06/2006. Ora, até 27/10/2006 não decorreu o prazo de um ano para o exercício do direito, previsto no art. 1225/3 do CC (pontos 55 a 65 das alegações de recurso).
d) Provado que o autor denunciou os defeitos existentes caberia à ré fazer prova que este direito foi exercido de forma extemporânea (pontos 66 a 75 das alegações do recurso).
A ré contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.
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Questões que importa resolver: se devem ser alteradas as respostas dadas aos quesitos 8 e 11; se a transacção celebrada na acção .../2001 é anulável por erro-vício; se o direito do autor à reparação dos defeitos caducou.
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Estão provados os seguintes factos (os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob números vêm da resposta aos quesitos da base instrutória):
A) Enquanto proprietária do prédio urbano sito na Rua …, 1, e Rua …, 4, em …, descrito na 1º Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha n° … da freguesia de ..., a ré procedeu em 1994 à construção do edifício aí existente, com vista à venda das fracções a constituir no mesmo.
B) Pela apresentação nº …, de 13/6/1996, mostra-se inscrita a constituição de propriedade horizontal relativa ao prédio acima referido, sendo as fracções designadas pelas letras A a G e todas destinadas a habitação.
C) Pela apresentação n° …, de 26/2/1997, mostra-se inscrita a favor de “B” e marido, “C”, a aquisição por compra à ré, da fracção B, correspondente ao piso zero, lado direito, do prédio referido em A).
D) Pela apresentação nº …, de 25/3/1997, mostra-se inscrita a favor de “D” e mulher, “E”, a aquisição por compra à ré, da fracção D, correspondente ao piso um, lado direito, do prédio referido em A).
E) Pela apresentação n° …, de 20/2/1997, mostra-se inscrita a favor de “F” e de “G” a aquisição por compra à ré, da fracção E, correspondente ao piso um, lado esquerdo, do prédio referido em A).
F) Em 2001, o condomínio autor e “H”, enquanto proprietário da fracção correspondente ao 2° esquerdo, propuseram contra a ré uma acção declarativa de condenação, a qual correu os seus termos pelo 1º juízo cível de ... sob o nº .../2001, visando o exercício do seu direito à eliminação de defeitos de construção do prédio.
G) Tal acção terminou por sentença de 11/10/2004 transitada em julgado em 03/11/2004 que homologou a transacção efectuada entre todas as partes, condenando-as a cumpri-la nos seus precisos.
H) Nos termos de tal transacção declarou o condomínio autor que "na presente data, os únicos vícios que reconhece padecer o prédio em causa, no que respeita às partes comuns, se verificam apenas ao nível da pintura exterior e da caixa de ventilação do mesmo, e nenhuns outros", mais declarando ambas as partes que "Com vista à sanação de tais vícios a ré aceita efectuar as seguintes obras - as quais são expressamente aceites e reconhecidas pelos autores como sendo as únicas necessárias e suficientes para a correcção de todos os problemas do prédio: - Realizar a pintura do prédio no prazo de 120 dias a contar da presente data; se durante tal período não se verificarem as condições climatéricas necessárias à boa realização de tal obra, tal prazo será prorrogado por períodos de 30 dias até um máximo de 3 períodos; - Efectuar o isolamento exterior da caixa de ventilação do edifício, bem como o reforço do seu isolamento interior; o que será efectuado num prazo de 30 dias a contar da presente data".
I) Ainda nos termos de tal transacção declarou o “H” que "na presente data, os únicos vícios que reconhece padecer o prédio em causa, no que respeita à sua fracção, se verificam apenas ao nível da sala e quarto, caixilharia de alumínio da janela da cozinha e soalho e nenhuns outros", mais declarando ambas as partes que "Com vista à sanação de tais vícios a ré aceita efectuar as seguintes obras - as quais são expressamente aceites e reconhecidas pelos autores como sendo as únicas necessárias e suficientes para a correcção de todos os problemas do prédio: - Reparar a janela da cozinha, da fracção pertencente ao autor “H”, que apresenta deficiências no seu alumínio. - Reparar os tectos da sala e do quarto, da fracção pertencente ao autor “H”. - Eliminar as manchas existentes no soalho flutuante, vem como o respectivo levantamento dos tacos, da fracção pertencente ao autor “H”".
J) Nos termos de tal transacção declararam ainda o condomínio autor e o “H” que "Os autores desistem do pedido por eles formulado na presente acção".
K) Na sequência da transacção acima mencionada a ré realizou os seguintes trabalhos no prédio: 1) Relativamente às fachadas foram montados andaimes no alçado principal e no alçado lateral e colocadas escadas convencionais no alçado tardoz; 2) Todas essas fachadas, recuados, varandas e terraços individuais e colectivos foram pintados com tinta de membrana isolante a cor rosa e cor chumbo, em obediência ao esquema de cores constante do projecto de construção; 3) Relativamente à caixa de ventilação do último piso do prédio foi a casa respectiva isolada e pintada com telas de xisto e tinta de membrana isolante a cor rosa; 4) Ainda relativamente à caixa de ventilação foi aplicada uma segunda grelha de persianas de ventilação sobrepondo-se à já ali existente; 5) Foram ainda isoladas as pedras de cantaria existentes em torno das grelhas, com selante translúcido, bem como no interior da casa da ventilação, não sendo possível obstruir ou diminuir a entrada de ar feita pelas grelhas na casa das máquinas de elevadores instalada na mesma caixa de ventilação em face das necessidades de ventilação dos equipamentos mecânicos ali existentes que é imposta regulamentarmente e feita cumprir pela entidade contratada para o efeito.
L) Tais trabalhos foram terminados pela ré em 17/12/2004.
M) Em 2006, a administração do condomínio autor solicitou à Câmara Municipal de ... a realização de uma vistoria ao prédio em causa.
N) No auto dessa vistoria realizada em 6/7/2006 constam apontadas as seguintes situações nas partes comuns do prédio: 1) "Reparação da cobertura, em terraço, uma vez que se encontra em mau estado todo o pavimento, sendo visível nas juntas das tijoleiras"; 2) "Reparação e impermeabilização do terraço de modo a suprimir o acima referido"; 3) "Reparação da pendente do peitoril da casa das máquinas, de modo que impeça a entrada de água, tornando-se perigoso para o funcionamento dos elevadores"; 4) "Verificação da pintura exterior efectuada uma vez que ainda existem fogos com anomalias provenientes dos alçados"; 5) "Reparação da zona com caixilho, no alçado tardoz, que provoca infiltrações nas fracções"; 6) "Reparação do hall de entrada".
O) Nesse mesmo auto de vistoria ficou ainda referido, quanto às fracções que compõem o prédio, que "As fracções vistoriadas foram as seguintes – 1º Esq, 1º Drtº e R/C Esqº, com anomalias, em geral, comuns a todas, que são as seguintes: 7 - Infiltrações no tecto da cozinha e junto ao pavimento e armário inferior da mesma, provenientes da caixilharia existente no Alçado Tardoz; 8 - Entrada de água pela varanda contígua à cozinha, resultante de deficiente pendente da mesma; 9 - No alçado Principal existe uma zona de floreira que provoca infiltrações para os quartos contíguos".
P) E do teor do mesmo consta ainda como nota 1 que "Verifi-cou-se, pelo terraço, que na fracção 2º dto, foram realizadas obras com alteração da fachada a tardoz, onde eliminaram a floreira e modificaram o respectivo alçado, modificando assim o projecto aprovado".
Q) Da parte final de tal auto de vistoria consta ainda a indicação da comunicação dos pontos 1 a 9 do mesmo à administração do condomínio autor e a ordem de notificação da nota 1 ao proprietário da fracção correspondente ao 2° direito, para que regularize as alterações aí referidas.
1. Desde a data da construção do edifício que os vários condóminos e o próprio condomínio apresentaram junto da ré reclamações relativas a deficiências de construção existentes, quer nas partes comuns do edifício, quer nas fracções autónomas.
2. Por diversas vezes, a ré recebeu interpelações onde lhe foram reclamadas as ditas deficiências.
3. Estas cartas surgiram já na sequência de várias reclama-ções verbais apresentadas à ré em alguns casos pessoalmente pelos diversos condóminos.
4. A elas sempre a ré respondeu afirmando que iria reparar os problemas.
5. Mas nunca o fez de forma conveniente e eficaz.
6 a 9. Perante a acção identificada em F), autores e ré, de forma a alcançar o acordo que pusesse fim à acção, nomearam técnicos da sua confiança com vista a proceder a um diagnóstico dos defeitos e forma de os corrigir.
10. Tendo tal acordo sido concretizado através das declarações constantes da transacção referida em H) a J).
12. Após a conclusão pela ré das obras referidas em K) e com a chegada do inverno e o regresso das intempéries o condomínio autor constatou que as infiltrações e demais deficiências invocadas na acção referida em F) se mantinham.
13. Novamente o condomínio autor comunicou à ré tais defeitos.
14. Mas a ré recusou-se a repará-los invocando já ter feito as obras a que se havia obrigado pela transacção referida em H) a J).
15. Foi na sequência de tal posição da ré que o condomínio autor fez a solicitação referida em M).
16. Tendo então constatado que as deficiências invocadas na acção referida em F) subsistem e são decorrentes do deficiente isolamento do prédio ao nível, sobretudo, da cobertura e fachadas.
17. [E tendo] igualmente constatado que os trabalhos realizados pela ré não debelaram tal situação.
19. A eliminação da floreira referida em O) e P) foi efectuada pelo proprietário da fracção correspondente ao 2º direito cerca de um ano depois da conclusão das obras referidas em K).
20. No âmbito de tais trabalhos foi removido o pavimento existente na varanda dessa fracção e posteriormente colocado outro tipo de revestimento.
21. Tais trabalhos foram realizados sem qualquer conselho ou indicação da ré.
24. Em período anterior a meados de 2003 o condomínio autor e a ré acordaram que, mediante a apresentação de um orçamento actualizado, à data, e elaborado pela empresa que já tinha apresentado um anterior orçamento para afagamento e polimento do granito do hall de entrada, a ré entregaria a quantia correspondente ao condomínio autor para que este adjudicasse o trabalho.
25. O condomínio [autor] nunca enviou tal orçamento à ré.
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Recurso quanto aos factos
(…).
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Recurso sobre a matéria de Direito.
Do erro-vício [conclusão a) do recurso]
Diz a sentença recorrida quanto a esta matéria:
“Cumpre, a propósito, apreciar a invalidade da transacção efectuada no âmbito do processo nº .../2001, do 1º juízo cível deste tribunal, por erro do autor condomínio determinante da sua vontade, tal como invocado pelo mesmo, nos termos do art. 252º nº 1 do CC.
Sucede que os correspondentes factos invocados pelo autor para afirmar que a transacção efectuada está viciada por erro vicio ficaram por demonstrar (cf. as respostas dadas aos arts. 6º a 9º e 11º da base instrutória), não se podendo assim afirmar que foi a conduta da ré durante o processo negocial tendente à celebração da transacção que conduziu o autor condomínio a outorgar a mesma, erradamente convencido que o direito à eliminação dos defeitos de construção do prédio ficava salvaguardado com a aceitação dos trabalhos ali elencados e com a declaração de desistência do pedido.
Na verdade, ficou provado que perante a acção identificada em F) autores e réus, de forma a alcançar o acordo que pusesse fim à acção, nomearam técnicos da sua confiança com vista a proceder a um diagnóstico dos defeitos e forma de os corrigir (cf. respostas dadas aos arts. 6º a 9º da base instrutória), tendo sido considerado como não provado o circunstancialismo invocado pelo autor quando alegou que proferiu as declarações constantes da transacção efectuada porque, segundo a ré, era através dos trabalhos ali elencados que ficariam reparados os defeitos invocados pelo condomínio autor na acção (resposta negativa que sofreu o art. 11º da base instrutória).
Acresce que ambas as partes se mostravam acompanhadas por advogado, não existindo pois nenhuma razão para falar em qualquer ignorância de questões ou de termos jurídicos, tanto mais que a expressão "os únicos vícios que reconhece padecer o prédio em causa, no que respeita às partes comuns, se verificam apenas ao nível da pintura exterior e da caixa de ventilação do mesmo, e nenhuns outros" utilizada pelo autor condomínio no texto da transacção é de tal forma eloquente que, segundo as regras da experiência comum, permite concluir bem saberem todos os intervenientes de que é que estavam a falar.
Não se mostra, assim, provado que a ré tenha induzido o autor em erro nas obras que ambas as partes acordaram e fizeram constar da transacção como as únicas necessárias para debelar os problemas encontrados […]”.
Os argumentos do autor quanto a esta questão, baseiam-se na alteração da resposta aos quesitos 8 e 11, alteração que permitiria concluir que a declaração do autor na transacção celebrada no processo .../2001 assentava no pressuposto, garantido pelos técnicos da ré, de que aqueles seriam os únicos vícios de que padeceria a construção.
Como as respostas aos quesitos aos quesitos 8 e 11 não foram alteradas, a base da argumentação do autor cai.
Mas o tribunal não está dependente da argumentação das partes, pelo que importa saber se, independentemente do que o autor diz, existe ou não um erro que o autor qualifica, na réplica, como um erro sobre os motivos, previsto no art. 252/1, e agora, nas alegações de recurso, qualifica como um erro sobre a base do negócio, previsto no art. 252/2 do CC.
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Antes ainda esclareça-se que o erro-vício não está dependente, ao contrário do que o autor e a sentença pensam, de ter sido induzido pelo declaratário. O erro induzido pelo declaratário está previsto no art. 253 do CC, com as consequências do art. 254 do CC. Ou seja, o erro pode ser simples ou qualificado pelo dolo. Se se quiserem invocar as consequências previstas no art. 254 tem de se alegar e provar o dolo. Se este não se provar não podem estar em causa os efeitos do art. 254, mas não deixam de estar em causa os dos arts. 251, 247 e 252, todos do CC, respeitantes ao erro simples ou não qualificado por dolo.
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Erro sobre os motivos
O negócio cuja anulabilidade está em causa é a transacção celebrada no processo .../2001.
Resulta das circunstâncias em que essa transacção foi celebrada – no âmbito da acção referida em F) que o autor intentou contra a ré visando o exercício do seu direito à eliminação de defeitos de construção do prédio – que as partes fizeram as declarações nela consignadas (H)) por estarem convencidas, por um lado, que os únicos defeitos existentes no prédio se verificavam apenas ao nível da pintura exterior e da caixa de ventilação do mesmo e, por outro, que as obras descritas eram as únicas necessárias e suficientes para a correcção de todos os problemas do prédio.
Assim, a questão que agora se coloca é a de saber se, à data, os únicos defeitos existentes se verificavam apenas ao nível da pintura exterior e da caixa de ventilação do mesmo e se as obras descritas reparariam esses defeitos.
Sabe-se que, na sequência da transacção em causa, a ré realizou vários trabalhos no prédio, que terminou no fim de 2004. Ora, após a conclusão pela ré das obras e com a chegada do inverno e o regresso das intempéries o autor constatou que as infiltrações e demais deficiências invocadas na acção referida em F) se mantinham. Na sequência, em 2006, a Câmara Municipal de ... fez uma vistoria ao prédio e constatou-se então que as deficiências invocadas na acção referida em F) subsistem e são decorrentes do deficiente isolamento do prédio ao nível, sobretudo, da cobertura e fachadas, tendo igualmente constatado que os trabalhos realizados pela ré não debelaram tal situação. Mais precisamente, no auto dessa vistoria constam apontadas as seguintes situações nas partes comuns do prédio: 1) "Reparação da cobertura, em terraço, uma vez que se encontra em mau estado todo o pavimento, sendo visível nas juntas das tijoleiras"; 2) "Reparação e impermeabilização do terraço de modo a suprimir o acima referido"; 3) "Reparação da pendente do peitoril da casa das máquinas, de modo que impeça a entrada de água, tornando-se perigoso para o funcionamento dos elevadores"; 4) "Verificação da pintura exterior efectuada uma vez que ainda existem fogos com anomalias provenientes dos alçados"; 5) "Reparação da zona com caixilho, no alçado tardoz, que provoca infiltrações nas fracções"; 6) "Reparação do hall de entrada". E nesse mesmo auto de vistoria ficou ainda referido, quanto às fracções que compõem o prédio, que "As fracções vistoriadas foram as seguintes – 1º Esq, 1º Drtº e R/C Esqº, com anomalias, em geral, comuns a todas, que são as seguintes: 7 - Infiltrações no tecto da cozinha e junto ao pavimento e armário inferior da mesma, provenientes da caixilharia existente no Alçado Tardoz; 8 - Entrada de água pela varanda contígua à cozinha, resultante de deficiente pendente da mesma; 9 - No alçado Principal existe uma zona de floreira que provoca infiltrações para os quartos contíguos" [factos provados sob K) a Q), 12, 15 e 16].
Do que antecede é possível concluir que o descrito corresponde a deficiências já existentes à data da transacção e que não são aquelas que foram reconhecidos na transacção. Não se tratam, por isso, das deficiências reconhecidas que tivessem sido mal reparadas, nem de deficiências que só tivessem aparecido depois da reparação. E que, por outro lado, as obras descritas não eram suficientes para a correcção de todos os problemas do prédio.
Assim, pode-se dizer que o autor e a ré celebraram uma transacção destinada a pôr termo a uma acção que visava o exercício do direito à eliminação de deficiências existentes, convencidos que as únicas deficiências existentes se verificavam apenas ao nível da pintura exterior e da caixa de ventilação do mesmo, e que as obras descritas eram suficientes para a correcção de todos os problemas do prédio, mas tal não correspondia à realidade.
Se se pudesse dizer que este erro se reportava apenas às deficiências do prédio – as partes julgavam que as deficiências eram só umas, mas afinal eram essas e outras – poderia dizer-se que havia um erro sobre os motivos determinantes da vontade que se referia ao objecto do negócio, que seria resolvido pelas normas do art. 247, por força do art. 251, ambos do CC.
Mas como o erro se estendeu às obras que as partes pensavam que resolviam tais deficiências, já estamos para além do erro sobre o objecto do negócio, ou seja, no campo residual do erro que recai nos motivos determinantes da vontade, sem se referir ao objecto do negócio, previsto no art. 252/1 do CC.
Falta saber se é por aí que se deve ficar, ou se há razões para se dizer que se está perante um erro sobre a base do negócio, previsto no nº. 2 do art. 252 do CC.
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Erro sobre a base do negócio
Diz o Prof. Inocêncio Galvão Telles (Erro sobre a base do negócio jurídico, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Raúl Ventura, Vol. II, FDUL, 2003, pág. 12):
“Deve entender-se que a lei, convenientemente interpretada, e dado que autonomiza o erro sobre a base do negócio em relação aos demais erros, quer manifestamente inscrevê-lo num círculo conceptual mais restrito e mais exigente: só o admitindo em situações particularmente relevantes em que a sua invocação se justifique à luz da boa fé. Pode, assim, dizer-se que há erro sobre a base do negócio quando o erro verse sobre circunstâncias determinantes da decisão de contratar que, pela sua importância, justifique, sem mais, segundo os princípios da boa fé, a invalidade do negócio. Isto, pois, independentemente de o declaratário conhecer ou dever conhecer a essencialidade para o declarante, das aludidas circunstâncias e, por maioria de razão, sem necessidade de as partes se mostrarem de acordo quanto a essa essencialidade. Regime mais severo que o do art. 251 e, mesmo, que o do nº. 1 do art. 252”
É também esta, no essencial, a posição do Prof. Mota Pinto, para quem “as hipóteses em que se poderá afirmar que o erro incide sobre a base negocial […] são hipóteses do tipo daquelas em que a não verificação da pressuposição releva […] são os casos em que a contraparte aceitaria ou, segundo a boa fé, deveria aceitar um condicionamento do negócio à verificação da circunstância sobre que incidiu o erro, se esse condicionamento lhe tivesse sido proposto pelo errante – e isto porque houve representação comum de ambas as partes da existência de certa circunstância sobre a qual ambas edificaram, de um modo essencial, a sua vontade negocial” (Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, págs. 515/516).
Ou como diz Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, toma I, Almedina, 1999, pág. 547:
“integram a base do negócio os elementos essenciais para a formação da vontade do declarante e conhecidos pela outra parte, os quais, por não corresponderem à realidade, tornam a exigência do cumprimento do negócio concluído gravemente contrário aos princípios da boa fé”.
Como diz Mota Pinto (obra citada, pág. 516), na fórmula de Castro Mendes, cuja aplicação conduzirá a resultados semelhantes aos do critério exposto, a ideia central do art. 252/2 é a de um ‘erro […] sobre condições patentemente fundamentais do negócio jurídico’” (a passagem citada inclui a referência a erro bilateral, mas como refere Mota Pinto, é discutido na doutrina se o erro previsto no art. 252/2 tem de ser bilateral, e por isso o que importa, aqui, é a referência consignada).
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Com uma perspectiva bem diferente, mas que não levará a resultados diferentes, Diogo Costa Gonçalves (Erro-obstáculo e erro-vício - Subsídios para a determinação do alcance normativo dos artigos 247.°, 251.° e 252.° do Código Civil, na RFDUL 2004, págs. 309 a 400, especialmente págs. 367 a 390), o erro sobre a base do negócio não tem uma materialidade específica, cabendo pois no erro sobre os motivos determinantes da vontade que não recai sobre o objecto nem sobre a pessoa do declaratário. O art. 252/2 do CC, que o prevê, funcionará quando não for possível fazer funcionar o nº. 1 do art. 252 por falta do acordo sobre a essencialidade, servindo então para permitir a anulabilidade do negócio quando a tanto exija o princípio da boa fé (pág. 386).
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Seguindo-se então a orientação de Mota Pinto, o que importa apurar é se neste caso a ré aceitaria, ou segundo a boa fé deveria aceitar, um condicionamento do negócio à verificação das circunstâncias sobre que incidiu o erro, se esse condicionamento lhe tivesse sido proposto pelo autor.
Ora, os termos da transacção em causa – que foi celebrada para acabar com uma acção judicial e através de mandatários judiciais – são expressos no sentido de que as partes só o celebram porque estão convencidas de que só existem aqueles defeitos e que as obras descritas serão suficientes para a correcção de todos os problemas do prédio, pelo que é evidente, no caso, que caso o autor tivesse proposto à ré, nessa altura, que inserissem uma cláusula na transacção, a estabelecer que, caso os defeitos não fossem só estes ou as obras não resolvessem os problemas no prédio, a transacção ficaria sem efeito, a ré não podia deixar de concordar com isso, pois que não faria sentido que, estando ela de boa fé, lhe respondesse (neste contexto: imagine-se a cena: partes, advogados e juiz, na sala de audiências do tribunal, a discutirem esta transacção, com este conteúdo): não, este acordo permanece e o direito fica extinto, mesmo que os defeitos sejam outros e as obras não resolvam o problema.
E, assim, pode-se concluir que, no caso, se verifica, por um lado, o erro sobre a base do negócio - e isto porque, utilizando a fórmula de Mota Pinto, mas também se poderia utilizar a de Castro Mendes ou de Menezes Cordeiro, referidas acima - houve representação comum de ambas as partes da existência de certa circunstância sobre a qual ambas edificaram, de um modo essencial, a sua vontade negocial - e que, por outro lado, como decorre dos próprios termos desta fórmula, cuja aplicação já se justificou no caso, está verificado o requisito geral da relevância do erro, que é o da essencialidade (Mota Pinto, obra e edição citada, págs. 507/508; Diogo Costa Gonçalves, obra citada, págs. 328 a 330 e 347 a 352, e Paulo Mota Pinto, Requisitos de relevância do erro, Estudos em Homenagem Ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. 4, págs. 72 a 75, para além das outras obras já referidas).
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Como decorre do que antecede, o erro sobre a base do negócio é relevante sem necessidade de qualquer acordo sobre a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, pois que o art. 252/2 do CC não o exige (veja-se, expressamente, a posição de Galvão Telles, citado acima). E para quem entenda que o erro sobre a base do negócio não tem autonomia, e portanto exige o acordo sobre a essencialidade, no âmbito do art. 252/1, já não o exige quando as exigências da boa fé, invocáveis através do art. 252/2, imponham a anulabilidade.
Pelo que se conclui pela anulabilidade da transacção, por erro, por preenchimento da previsão do art. 252/2 do CPC.
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Qual a consequência de se poder concluir pela existência deste erro?
Segundo o art. 301/1 do CPC, a transacção pode ser declarada nula ou anulada como os outros actos da mesma natureza.
Acrescenta o nº. 2 do art. 301: O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a transacção não obsta a que se intente a acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação dela ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento.
Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, CPC anotado, Coimbra Editora, Vol. 1º, 2ª edição, 2008, pág. 580, dizem que “O nº. 2 prevê, […], em alternativa ao recurso de revisão, a proposição de acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação da confissão, desistência ou transacção. Tem-se assim em conta a eventualidade de se pretender atacar apenas o negócio jurídico de auto-composição e não também a sentença que o homologou […]”.
Ou seja, existe uma alternativa: pode-se atacar o negócio jurídico ou pode-se atacar a sentença que o homologou. Daqui decorre que, se só se atacar o negócio jurídico, fica subsistente, entretanto, a sentença.
No caso dos autos não está em causa a sentença proferida na acção .../2001, já que não estamos perante um recurso de revisão.
Também não foi pedida a anulação da transacção.
No entanto, arguiu-se a excepção da anulabilidade da transacção (e sabe-se que o direito à anulação tanto pode ser feito valer por acção como por excepção; como diz Mota Pinto, obra e edição citada, págs. 621/622: as anulabilidades “exigem uma acção especial destinada a esse efeito, ressalvada a possibilidade da sua arguição por via de excepção, isto é, a possibilidade de as pessoas legitimadas se defenderem, arguindo a anulabilidade de qualquer negócio jurídico que contra elas seja invocado (art. 287)”.
Por isso, os efeitos da transacção, que é anulável, não podem ser feitos valer nesta acção. Ou seja, a ré (ou a sentença) não os pode invocar para tirar deles qualquer consequência que seja favorável à ré.
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Da caducidade [conclusão B) do recurso]
Veja-se agora a fundamentação que a sentença produziu sobre a questão (em síntese e com numeração aposta neste acórdão):
1. O prazo de 5 anos para o exercício do direito está decorrido, pois que já em 2001, com a propositura da anterior acção, o autor não quis deixar caducar tal direito.
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Do início do prazo de 5 anos (art. 1225/1 e 4 do CC)
O autor, como primeira argumentação contra isto, sugere que o prazo de caducidade é de 5 anos e que se conta a partir do reconhecimento dos defeitos pela ré na transacção celebrada no processo .../2001, ou se reinicia com a reparação [conclusão b) do recurso)].
O prazo de 5 anos reinicia-se, de facto, com a reparação, mas isso apenas relativamente ao defeitos que a reparação tinha por objecto. Quanto aos defeitos antigos e que não foram objecto das obras de reparação, o prazo de 5 anos conta-se a partir da entrega da obra.
Como diz Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso. Em especial na Compra e Venda e na Empreitada por Pedro Romano Martinez, Almedina, 1994, pág. 426/ 427:
“Tendo havido uma tentativa frustrada de eliminação do defeito, não se justifica que o prazo de garantia continue a contar--se desde a data da entrega [o autor acrescenta aqui uma nota, com remessa para vária doutrina e jurisprudência no mesmo sentido]. O mesmo se diga na hipótese de o faltoso ter substituído a prestação ou realizado uma nova obra, mantendo esta os mesmos ou outros vícios da anterior.
Não havendo um reinício do prazo de garantia legal, os direitos derivados do cumprimento defeituoso raramente poderiam ser feitos valer, sempre que qualquer das partes estivesse interessada em obviar à imperfeição, por via da execução específica. O comprador e o dono da obra ficariam numa situação de desfavor, pois poderiam não ter sequer qualquer prazo para verificarem da conformidade da eliminação ou da prestação substitutiva.
Por outro lado, não sendo eficaz a tentativa de eliminação do defeito, ou mantendo-se a prestação substitutiva desconforme, há um segundo cumprimento defeituoso ao qual se devem aplicar as mesmas regras do primeiro, designadamente as respeitantes a prazos.
Todavia, no decurso deste novo prazo só se podem fazer valer os direitos derivados de defeitos da eliminação ou da prestação substitutiva, e não quaisquer outros de que padecesse o cumprimento originário”
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Da entrega à administração do condomínio
Assim, o prazo de caducidade de 5 anos, do art. 1225/1 e 4 do CC, conta-se a partir da entrega do prédio, relativamente aos defeitos originários (quando aos defeitos da reparação ver-se-á mais à frente).
Disse-se que se conta a partir da entrega do prédio, mas há que precisar ainda o seguinte, seguindo-se a síntese que se faz no ac. do TRL de 18/01/2011 (9480/09.8TBOER.L1-1): Tratando-se de acção intentada pela administração de condomínio de imóvel constituído em propriedade horizontal, e com referência necessariamente e só a defeitos existentes nas partes comuns do prédio, o prazo - de caducidade - de 5 anos a que alude o nº 1, do art. 1225 do CC começa a correr a partir da data em que o vendedor/construtor procedeu à transmissão dos poderes de administração das partes comuns. Tal transmissão ocorre quando os condóminos constituírem a sua estrutura organizativa, sendo que, não se verificando um acto expresso dessa transmissão, deverá a mesma, então, considerar-se reportada ao momento em que a assembleia de condóminos elege a administração do condomínio (este acórdão invocou no mesmo sentido os acórdãos do STJ de 06/06/2002, 21/04/2005, 01/06/2010, 29/06/2010 e 29/10/2010 e a posição Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2008, 3ª edição, 212 a 215).
Ou seja, no caso dos autos, em que a acção foi intentada em 30/10/2006, para se poder dizer decorrido o prazo de 5 anos previsto no nº. 1 do art. 1225 do CC, teríamos que poder dizer que a transmissão dos poderes de administração das partes comuns ocorreu antes de 30/10/2001.
Ora, no caso nem sequer foi alegada a data em que os condóminos constituírem a sua estrutura organizativa, nem a data em que a assembleia de condóminos elegeu a administração do condomínio. E os elementos de facto necessários para se concluir pela caducidade, teriam que ter sido alegados e provados pela ré (art. 343/2 do CC).
A verdade, no entanto, é que no ponto 1 dos factos provados se diz que desde a data da construção do edifício que […] o […] condomínio apresent[ou] junto da ré reclamações relativas a deficiências de construção existentes, quer nas partes comuns do edifício, quer nas fracções autónomas, e na alínea a) dos factos provados diz-se que a ré procedeu à construção do edifício em 1994.
Portanto, está provado, com base nas alegações do próprio autor, que o condomínio existe desde 1994 (pois que só quem existe pode apresentar reclamações…). E embora se possa considerar que isto é um absurdo – pois que se a propriedade horizontal só foi constituída em 1996, como consta da al. b) dos factos provados, o autor não podia existir desde 1994 - , o máximo que tal implica é a restrição da resposta, reconhecendo-se essa impossibilidade lógica. Como esta impossibilidade lógica só se verifica necessariamente até à constituição da propriedade horizontal, dir-se-á então, relativamente ao ponto 1 dos factos provados, que dele deve passar a constar [= que ele deve ser lido como se constasse] que desde a data da constituição da propriedade horizontal o autor apresentou junto da ré reclamações. E assim, mesmo restringido os factos provados com base nas alegações do autor, temos que dos autos resulta a prova de que ele existe desde 1996 e que a administração das partes comuns do prédio já lhe estava entregue nessa data. Pelo que, desde pelo menos o fim de 2001 já tinha decorrido o prazo de caducidade de 5 anos do art. 1225 do CC.
E, assim sendo, de facto, o prazo de caducidade do art. 1225/1 e 4 do CC, relativamente aos defeitos originais, já tinha decorrido quando o autor propôs esta acção.
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Acção .../2001
Sabendo-se, no entanto, nestes autos, que existe uma outra acção relativamente a defeitos originais no mesmo prédio, tal impedirá que nestes se julgue procedente a excepção de caducidade? (pois que naquela o direito à sua reparação terá sido exercido oportunamente…)
Não, porque não há prova que sejam exactamente os mesmos os defeitos que estejam em causa nas duas acções.
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Reconhecimento
O autor objecta a isto com o reconhecimento dos defeitos que consta da transacção.
Mas sem razão, quer porque a transacção é anulável e por isso se não serve para uma coisa também não serve para outra, quer porque o reconhecimento que a ré fez desses defeitos vale apenas relativamente aos defeitos cuja reparação se pretendeu na acção de 2001 e não vale para os que estão agora em causa porque, ou não são os mesmos, ou, se o forem, são objecto daquela acção e não o podem ser também desta.
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Do objecto da caducidade declarada
O autor não tem outros argumentos quanto à caducidade do direito relativamente aos defeitos originários e já se viu que a construção da sentença, relativamente a eles, está correcta, pelo que, pode-se desde já considerar resolvida a questão da caducidade relativamente aos defeitos originários que estejam em causa nesta acção (sendo que a caducidade declarada apenas se reporta ao direito à reparação dos defeitos originários que não sejam os mesmos que foram alvo da acção .../2001, pois que quanto a estes – da acção .../2001 – eles não são objecto desta acção 10339/2006).
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A caducidade do direito à reparação dos defeitos que a ré se propôs reparar
Diz a sentença:
2. Com a transacção celebrada naquela acção de 2001, o direito do autor à reparação de quaisquer outros defeitos que não os aí reconhecidos pela ré, extinguiu-se por desistência. Assim, nesta acção de 2006 só pode estar em causa o que tiver a ver com os defeitos que a ré se propôs reparar.
Como já se viu a sentença não tem razão na primeira parte desta argumentação, mas a conclusão está certa.
Ou seja, a transacção não pode ser invocada (porque se baseou num erro sobre a base do negócio) e por isso não pode ter o efeito de extinguir o direito do autor, nem, aliás, tem sentido falar da extinção por desistência, quando já se decidiu pela caducidade (ou seja, a desistência não podia servir de fundamentação à caducidade).
Mas o facto é que, esta acção de 2006 só pode mesmo ter a ver com os defeitos que a ré se propôs reparar (pois que os defeitos do cumprimento original ou são objecto da acção .../2001 ou o direito à sua reparação caducou entretanto).
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Quanto à reparação dos defeitos que a ré se propôs reparar, diz, por fim, a sentença:
3. De todos os defeitos reclamados na presente acção (de 2006) apenas um se poderia potencialmente relacionar com os defeitos que ambas as partes reconheceram e que é o que tem a ver com a verificação da pintura exterior efectuada.
4. Mas também o direito à sua reparação não foi oportunamente exercido, pelo que também está caduco. É que quando são realizados trabalhos de eliminação dos defeitos, sem sucesso, mantendo-se a obra defeituosa, os prazos de caducidade contam-se a partir da data da entrega da obra reparada. Ora, os trabalhos da ré terminaram em 17/12/2004 e o autor não prova ter feito a denúncia dos defeitos derivados da reparação no prazo de um ano contado de tal data e a ré não os reconheceu pelo que o prazo desta vez não se interrompeu antes da data em que a acção foi intentada (27/10/2006).
Contra isto, existem as duas últimas conclusões do recurso [c) e d)], nas quais (já descontado o que foi acima apreciado a título de recurso contra os factos) o autor diz o seguinte:
c) Logo que o autor se apercebeu que os defeitos se mantinham, denunciou-os à ré […] Ora, até 27/10/2006 não decorreu o prazo de um ano para exercício do direito, previsto no art. 1225/3 do CC.
d) Provado que o autor denunciou os defeitos existentes caberia à ré fazer prova que este direito foi exercido de forma extemporânea.
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Tudo isto tem a ver com o facto de, para além do prazo de caducidade do art. 1225/1 do CC, existirem ainda dois prazos: o prazo da denúncia dos defeitos: 1 ano a contar do descobrimento dos defeitos; e o prazo do exercício do direito: 1 ano a contar da denúncia (art. 1225/2 do CC).
Posto isto:
O ónus da prova da intempestividade da denúncia
O autor não tem razão quanto ao que diz em c) – até porque o autor fala aí no prazo para o exercício do direito subsequente à denúncia, quando a sentença se está a referir ao prazo da denúncia – mas tem razão quanto ao que diz em d).
Pois que, ao contrário do que diz a sentença, não cabe ao dono da obra o ónus da prova da tempestividade da denúncia, cabe sim ao empreiteiro/vendedor o ónus da prova da intempestividade da denúncia.
O comprador tem que provar que fez a denúncia. E é isto que normalmente se diz na jurisprudência. Mas a prova da intempestividade dela corre por conta do vendedor/empreiteiro. É o que decorre das regras gerais do ónus da prova (art. 343/2 do CC).
Neste sentido, apenas por exemplo, veja-se:
Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, II, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 212, anotação ao art. 916 do CC: “Quanto ao ónus da prova sobre o exercício da denúncia em tempo oportuno, vigora o princípio geral consignado no art. 343/2 – que põe a cargo do réu a prova de o prazo respectivo já ter decorrido.”.
Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, conformidade e segurança, Almedina, 2001, pág na obra referida, pág. 74 (citando o ac. do STJ de 23/04/1998, BMJ.476/393). E Responsabilidade civil do produtor, Teses, Editora Almedina, 1990, nas páginas 210 e 211, nota 3: “O ac. do STJ de 18/12/1979 (BMJ 292/357) publicado e anotado por Vaz Serra na RLJ 113/250, põe a cargo do autor o ónus de alegar e provar a tempestividade da denúncia (pág. 252) É esta a jurisprudência constantes em Itália […] Entendemos, porém, que tal ónus deve recair sobre o réu (vendedor), em conformidade com o disposto no art. 343/2 e com o que dizemos na nota anterior. Neste sentido, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, II, cit. pág. 217 […]. Entretanto, a Cassação italiana parece ter mudado de orientação […].”
Cura Mariano, obra citada, 1ª edição, 2004, pág. 121: “O ónus da prova do decurso do prazo de exercício dos direitos do dono da obra compete ao empreiteiro (art. 343/2 do CC) […]”.
Ac. do TRC de 11/01/2011 (1977/08.3TBAVR.C1): Configurando-se o prazo como de caducidade, é aplicável o regime previsto no n.º 2 do art. 342 do CC, recaindo sobre o vendedor o ónus da prova da intempestividade da denúncia dos defeitos”. Este acórdão cita ainda, neste sentido o ac. do TRC de 10/05/2005 (3705/04), onde se refere, a propósito do prazo previsto no art. 471 do Código Comercial: «… este prazo de oito dias é um prazo de caducidade, pois que pode determinar a perda do direito à reclamação sobre a desconformidade entre a coisa comprada e a fornecida. Trata-se pois dum facto extintivo do direito invocado, pelo que nos termos do disposto no n.º 2, do art. 342 do CC, impendia sobre a embargada/apelante (vendedora) o ónus de prova da sua verificação…» Este acórdão também cita acórdãos em sentido contrário (também em sentido contrário pode ver-se o ac. do TRL de 20/01/2005 citado abaixo pela ré).
O que normalmente acontece é que, quando se alega a denúncia, diz-se que ela foi feita numa dada data e por isso, como regra, existe a prova da tempestividade ou intempestividade da denúncia. E por isso, quando se diz – o que é verdade – que o comprador tem o ónus da prova de ter feito a denúncia – em geral tal acarreta o passo seguinte – mas que não é necessário nem correcto – de que também a tempestividade da denúncia lhe cabe a ele. Mas não é assim.
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Da data a partir da qual se conta o prazo de denúncia (art. 1225/2 e 3 do CC) no caso dos defeitos que a ré se propôs reparar
Por outro lado, quer a sentença quer a ré, não têm razão quanto ao momento a partir do qual se conta o prazo da denúncia, que entendem ser o da entrega da obra reparada.
Diz a ré que, segundo orientação uniforme da jurisprudência, nos casos em que existe uma denúncia de defeitos e posterior reparação dos mesmos, o prazo de 1 ano – para pedir a indemnização - conta-se a partir da data da conclusão das obras. Cita dois acórdãos nesse sentido: do TRL de 20/01/2005 e de 21/04/2005. E invoca ainda parte da passagem da obra de Pedro Romano Martinez transcrita acima. E conclui: logo, não havendo um segundo reconhecimento do direito do autor, não foi interrompido o decurso deste prazo, pelo que o direito de denúncia caducou.
Mas, desde logo, não é isso o que os acórdãos citados dizem: o primeiro (9544/2004-8), por exemplo, esclarece: “Impõe-se, pois, de acordo com este entendimento, a denúncia a realizar no prazo de um ano a contar do conhecimento do defeito, ou seja, necessariamente depois de concluída e entregue a obra alegadamente reparada; mas já não há necessária coincidência entre esse momento (o da conclusão e entrega da obra) e o momento do conhecimento dos defeitos de eliminação ou de indevida prestação substitutiva. Esse conhecimento pode dar-se ulteriormente.” E no segundo (2667/2005-6) a questão que estava em causa era outra, como o revela o seguinte trecho: “Assim, tendo a autora fixado como data limite o dia 6 de Novembro de 1997 para a reparação dos descritos defeitos nas partes comuns do edifício, só a partir daí se conta o prazo de um ano para a propositura da acção.”
Ou seja, o primeiro dos acórdãos citados pela ré, e também a obra por ela citada (Pedro Romano Martinez) já transcrita acima na parte que importa, dizem precisamente o contrário do que ela e a sentença defendem, ou seja, utilizando a posição de Pedro Romano Martinez, dizem que se aplicam as mesmas regras do primeiro cumprimento defeituoso designadamente as respeitantes a prazos, o que implica entre o mais que o prazo de denúncia só começa a correr depois do descobrimento do defeito e que o prazo de caducidade, que é o do art. 1225/1 do CC, é de 5 anos.
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Concluindo: para se poder dizer que o prazo de denúncia foi ultrapassado, seria necessário alegar e provar a data em que o defeito foi descoberto e para isso seria necessário concretizar o defeito a que se reporta a acusação de intempestividade. No caso, a ré não alegou nem provou, como lhe incumbia, a intempestividade dizendo que um dado defeito foi descoberto numa dada data e que, por isso, o prazo da denúncia de 1 ano estava esgotado. O mesmo se diga do prazo de exercício do direito – em relação ao qual se tem de alegar e provar primeiro a data em que foi denunciado.
Pelo que não se prova o decurso de nenhum destes prazos.
Note-se, entretanto, que a denúncia foi feita, como decorre dos factos 12, 13, 15, M) e N).
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Assim, conclui, que, ao contrário do que a sentença diz, o direito do autor à reparação dos defeitos que a ré se propôs reparar, sem êxito, que no caso têm a ver com a pintura exterior do edifício, já que quanto à ventilação nada se deixou dito, não caducou e, por isso, nesta parte, o recurso é procedente.
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Há assim que condenar a ré, tal como parcialmente pedido, a proceder à reparação dos defeitos relacionados com a pintura exterior do prédio do autor, tendo-se em conta que o autor pede os trabalhos, materiais utilizados e termos de execução sejam determinados por perito ou empresa de especialidade a nomear por este tribunal, o que se pode considerar ter cabimento legal no disposto no art. 400 do CC.
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(…)
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Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que julga caducado o direito do autor a pedir à ré a reparação dos defeitos que a ré se propôs reparar na transacção celebrada na acção .../2001, e, em consequência, condena-se a ré a proceder à reparação dos defeitos da pintura exterior do edifício, sendo os trabalhos, materiais utilizados e termos de execução determinados por perito ou empresa da especialidade a nomear por este tribunal (5º juízo de competência cível de ...), neste processo, depois de ocorrer, e se ocorrer, o trânsito deste acórdão.
Custas por ambas as partes, em partes iguais, quer na acção quer no recurso.

Lisboa, 29 de Março de 2012

Pedro Martins
Sérgio Silva Almeida
Lúcia Sousa