Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5610/09.8TVLSB-F.L1-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: ACÇÕES
ARRESTO
APREENSÃO
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO CONHECER DO OBJECTO DOS RECURSOS
Sumário: I-O arresto de ações, como valores mobiliários titulados, não estando depositadas, realiza-se mediante a sua apreensão material, à semelhança da penhora (art. 857.º, n.º 1, do CPC).
II- O despacho, subsequente ao decretamento do arresto, que determina a apreensão material das ações, tendo a natureza de despacho de mero expediente, não admite recurso
( Da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

No âmbito do procedimento cautelar de arresto que, pela 11.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, A (…AG) , com sede na Alemanha, move contra B (…S.A), com sede em Lisboa, C (…,S.A.) , com sede também em Lisboa, e D (…,S.A.) , com sede em Valongo, no qual, em 13 de julho de 2009, foi decretado o arresto, designadamente das participações sociais detidas pela 1.ª e 3.ª Requeridas na 2.ª Requerida, a Requerente, em 27 de maio de 2011, alegando que na assembleia geral da 2.ª Requerida, de 18 de abril de 2011, fora deliberado amortizar as ações arrestadas, com redução do capital social, e converter a totalidade das ações para ações tituladas ao portador, veio requerer a apreensão material dos títulos ao portador, mediante a notificação da 2.ª e 3.ª Requeridas para procederem à sua entrega ao Agente de Execução nomeado.
Por despacho de 4 de julho de 2011, para além da participação ao DIAP de Lisboa, foi determinada a apreensão efetiva de todas as ações arrestadas, estejam ou não materialmente convertidas ao portador, abrangidas ou não pela deliberação de amortização, apreensão a levar a cabo pelo Agente de Execução, nos termos previstos no art. 857.º, n.º 1, do CPC, ex vi do art. 406.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Inconformadas com esse despacho, recorreram as 1.ª e 2.ª Requeridas, que, tendo alegado, formularam essencialmente as seguintes conclusões:
a) As ações tituladas são títulos de créditos e valores mobiliários, pelo que seguem o regime jurídico aplicável aos títulos de créditos e aos valores mobiliários.
b) O arresto de ações tituladas duma sociedade anónima não se efetiva, não ficando as ações arrestadas, sem que sejam cumpridos os atos previstos nos artigos 101.º a 102.º do CVM.
c) A decisão recorrida violou o art. 622.º do CC, porquanto este preceito é expresso no sentido de que o titular de bens arrestados pode deles dispor, sendo todavia os seus atos de disposição ineficazes em relação ao Requerente do arresto.
d) Ao ordenar a apreensão dos títulos, a decisão recorrida violou o art. 347.º, n.º 3, do CSC, que determina a extinção das ações amortizadas com redução do capital.
e) Ao assumir como reduzida a garantia patrimonial por efeito da amortização das ações, a decisão recorrida violou o preceito do art. 823.º, aplicável por remissão do art. 622.º, n.º 2, do CC.
f) Ao considerar ilícita a amortização das ações, o despacho recorrido violou o art. 622.º do CC.
g) É conforme ao interesse social da C , que esta proceda, de acordo com o expressamente previsto nos estatutos, à amortização das ações de seus acionistas que se encontram em grave litígio entre si.
Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida.
Também inconformada com o mesmo despacho, recorreu a Requerida D , que, tendo alegado, extraiu em resumo as seguintes conclusões:
a) Não tendo sido cumprida a formalidade do art. 102.º do CVM, não existiu qualquer arresto de ações.
b) Depois das ações terem sido convertidas ao portador, não tendo a Recorrente sido notificada para proceder à sua entrega, encontravam-se os mesmos títulos libertos de qualquer restrição decorrente da providência cautelar decretada.
c) A amortização deliberada é válida e eficaz, violando o despacho recorrido o disposto no art. 622.º do CC.
d) Por se tratar de ato desprovido de objeto, o despacho recorrido carece de total fundamento e viola o disposto no art. 347.º, n.º 2, do CSC, na parte em que determina a apreensão material das ações amortizadas.
e) Nenhum prejuízo resulta para a Requerente da amortização, pelo que o despacho recorrido viola o disposto no art. 823.º do CC.
f) A Requerente, como acionista, sabia que, nos termos dos estatutos, as ações cujo arresto requereu poderiam ser amortizadas, com esse fundamento, não podendo agora, sob pena de agir em abuso de direito, na vertente venire contra factum proprium, pôr em causa um ato a que a própria deu diretamente causa.
g) O crédito garantido pelo arresto deve ceder em confronto com outros direitos e interesses sociais conflituantes.
Pretende, como o seu provimento, a revogação do despacho recorrido.
Contra-alegou a Requerente, no sentido da improcedência de ambos os recursos.
Cumpre, desde já, apreciar e decidir.
Em ambos os recursos, está em discussão, essencialmente, a apreensão das ações arrestadas de sociedade anónima.

II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Para além da dinâmica processual descrita, está ainda provado que:
1. A assembleia geral extraordinária da Requerida D…, S.A., reunida em 18 de abril de 2011, com a presença das Requeridas B , e D , totalizando o capital social, deliberou, por unanimidade, “amortizar as ações n.º 200 001 a 290 000 e n.º 291 001 a 300 000 da titularidade da sócia B , com redução do capital social, com fundamento na cláusula 7.ª, n.º 1, al. c), dos estatutos, em virtude do arresto das mesmas que foi decretado no processo n.º 5610/09.8TVLSB-A (…)”, “reduzir o capital social da sociedade em Euro noventa e nove mil, passando a ser de Euro duzentos e um mil, por extinção das ações n.º 200 001 a 290 000 e 291 001 a 300 000 (as ações amortizadas)”, “nomear o revisor oficial de contas PC para determinação de mercado das ações amortizadas”, “que a quantia determinada por este meio seja paga no prazo de 90 dias após a determinação do valor, sendo depositada em conta da B , a indicar por esta, obrigando-se a B , a instruir o Banco para agir em respeito (…) pelo arresto que incide sobre as ações amortizadas (processo n.º 5610/09.8TVSLB-A (…)), informando os Tribunais respectivos” e “a conversão da totalidade das ações para ações tituladas ao portador, instruindo e dando poderes aos administradores para procederem à emissão de novos títulos e à troca pelos antigos títulos”.
2. A deliberação de amortização das ações e redução do capital foi registada através da apresentação n.º 20/20110418 (fls. 1307).
***
2.2. Descrita a materialidade de facto provada, importa então conhecer do objeto dos recursos interpostos, delimitado pelas respetivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente, comum aos dois recursos, foi oportunamente especificada.
No entanto, previamente, suscita-se a questão de saber se, nesta instância, é possível tal conhecimento.
Como decorre dos autos, foi decretado o arresto das ações, correspondentes às participações sociais da 1.ª e 3.ª Requeridas na sociedade 2.ª Requerida.
Posteriormente, a Requerente, tendo vindo alegar que a 2.ª Requerida deliberara amortizar as mesmas ações, requereu a sua apreensão material.
Essa apreensão foi determinada pelo despacho recorrido, com referência aos termos previstos no art. 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do art. 406.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Nos termos desta última disposição legal, o arresto, como providência cautelar especificada, consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora.
A penhora das referidas ações, como valores mobiliários titulados, podia realizar-se mediante a apreensão do título, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 857.º do CPC. Neste sentido, pronuncia-se a doutrina, ao referir que a “penhora dos valores mobiliários titulados não depositados consiste na sua apreensão material, sem prejuízo de acessoriamente se fazer o averbamento e a notificação do devedor” (LEBRE DE FREITAS e A. RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, 3.º, 2003, pág. 453).
Deste modo, considerando os termos como se realiza o arresto das ações, mediante a sua apreensão material, o despacho recorrido, independentemente da validade da sua fundamentação, mais não representa do que a mera execução material do arresto anteriormente decretado, sendo certo que, conforme deflui dos autos, ao tempo, ainda não tinha sido concretizada a respetiva apreensão.
Trata-se, por isso, de um despacho de mero expediente, porquanto se destinou a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes (art. 156.º, n.º 4, do CPC).
Efetivamente, com tal despacho mais não se decidiu do que determinar a apreensão material das ações, de forma a materializar o arresto decretado, o que, em bom rigor, nem seria necessário, pois isso seria sempre uma consequência normal do decretado arresto das ações (art. 857.º, n.º 1, do CPC). Nesse despacho, não se retirou qualquer direito às Requeridas, nem, por outro lado, se atribuiu algum direito à Requerente, não havendo, pois, qualquer interferência no conflito de interesses das partes.
A questão da apreensão das ações poder corresponder, ou não, ao arresto decretado colocar-se-á apenas em face da concreta materialização da apreensão.
Por outro lado, o despacho com a ordem de extração de certidão, para remessa ao DIAP de Lisboa, para a abertura de inquérito, embora tenha subjacente um certo juízo acerca da eventual responsabilidade criminal (juízo irrelevante por vir a competir à jurisdição criminal), tem também a natureza de despacho de mero expediente. Com efeito, do mesmo não resulta afetado qualquer direito, nomeadamente das Requeridas, sendo o seu conteúdo totalmente indiferente ao conflito de interesses das partes, para além do despacho ser ainda dirigido à secretaria.
Neste contexto, não pode deixar de se concluir que o despacho recorrido tem a natureza de despacho de mero expediente, tal como vem definido no n.º 4 do art. 156.º do CPC.
O despacho de mero expediente, como resulta expressamente do disposto no art. 679.º do CPC, não admite recurso. Assim, tendo o despacho recorrido a natureza de despacho de mero expediente, não são admissíveis os recursos interpostos.
Perante a inadmissibilidade dos dois recursos, não pode conhecer-se do seu objeto, por a tal obstar a lei aplicável.
2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:
I. O arresto de ações, como valores mobiliários titulados, não estando depositadas, realiza-se mediante a sua apreensão material, à semelhança da penhora (art. 857.º, n.º 1, do CPC).
II. O despacho, subsequente ao decretamento do arresto, que determina a apreensão material das ações, tendo a natureza de despacho de mero expediente, não admite recurso.
2.4. As Apelantes, ao ficarem vencidas por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Não conhecer do objeto dos recursos.

2) Condenar as Apelantes (Requeridas) no pagamento das custas.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2012

Olindo dos Santos Geraldes
Fátima Galante
Manuel José Aguiar Pereira