Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CATARINA MANSO | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL TRIBUNAL DE COMÉRCIO INSOLVÊNCIA DE PESSOA SINGULAR | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/21/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | O tribunal de comércio tem competência material, para a declaração de insolvência de pessoa singular, que desenvolve uma actividade de características comerciais e é identificada como comerciante em nome individual. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – A…, Lda., requereu a insolvência de B…. Alegou que, na sua actividade de importação, comercialização e distribuição de artigos de vestuário a comerciantes a retalho, forneceu diversa mercadoria à Requerida, mas não tem activo que lhe permita satisfazer os seus débitos. Considerando que a autora forneceu mercadorias à requerida que identificou como comerciante a retalho, para proceder à sua revenda ao grande público, na decisão impugnada, concluiu-se que o tribunal competente para apreciação do processo de insolvência cabe aos Tribunais de Comércio. Declarou a incompetência em razão da matéria do tribunal cível e indeferiu liminarmente a p.i. Não se conformando com a decisão interpôs recurso a requerente e nas suas alegações concluiu: - a decisão de indeferimento liminar fundou-se no facto de o Tribunal se ter julgado incompetente em razão da matéria para conhecer da presente causa; - os elementos indicados me requerimento inicial não permitem outra conclusão, se não e de que estamos perante um pedido de insolvência singular; - a requerida, ora apelada, celebrou um contrato com a Requerente, ora. Apelante, tendo indicado para efeitos de emissão de facturas o seu número de identificação fiscal de pessoa singular - o menciona ainda o numero 2 do artigo 2º do Decreto – Lei n.º 463/79, de 30 de Novembro que "o número fiscal das pessoas singulares é um número sequencial, cujo primeiro dígito deve ser diferente do adoptado para as pessoas colectivas e entidades equiparadas ('...);" - a relação jurídica estabelecida entre Apelante e Apelada foi, quanto e esta, de pessoa colectiva para com pessoa singular; - a requerida ora apelada, não está inscrita nem registada como comerciante na Conservatória do Registo Comercial, nem junto da Administração Fiscal enquanto comerciante em nome individual, logo, a massa insolvente não pode integrar uma empresa; - não obstante ter desenvolvido uma actividade empresarial, as dívidas existentes não podem ser imputáveis num património autónomo e distinto da devedora, enquanto pessoa singular; - não existem quaisquer elementos nos autos que permitam concluir pela existência de um património autónomo afecto pela Requerida, ora Apelada, à actividade por si desenvolvida; - no entendimento dominante de que é necessário a verificação da existência de um património autónomo "porquanto só este pode ser considerado massa insolvente integrante de empresa e susceptível de ser sujeito passivo de um processo de insolvência distinto do seu titular", Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20/02/2006 (P.0556933, in www.dgsi.pt; - a Requerida, ora Apelada, é uma pessoa singular, e face ao disposto na alínea a) do número 1 do artigo 89 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, o Tribunal do Comércio de Lisboa não tem competência para julgar a presente causa; - entende a Requerente, ora Apelante, que a competência é dos Juízos Cíveis de Lisboa, e não outro, face ao disposto no artigo 94° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro; - a sentença em crise violou o disposto nos seguintes artigos, alínea a) do número do artigo 89 e artigo 94 ambos da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13/01, na redacção do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17/01 e artigo 7° do CIRE. Factos Remete-se para os factos do relatório com relevância para a decisão. A requerida foi citada para os termos do recurso e da causa – art. 234-A,nº3 do CPC Não houve contra alegações Dispensados os vistos legais, nada obsta ao conhecimento II – Apreciando O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. Na decisão impugnada entendeu-se que: como dispõe o art. 89, nº1, al.a) da Lei 3/99, de 13/1 na redacção do Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17/01, compete aos Tribunais de Comércio preparar e julgar o processo de insolvência se o devedor for uma sociedade comercial ou a massa insolvente integrar uma empresa. Considera-se empresa toda a organização de capital e trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica (art. 5. ° do (CIRE). O legislador no art. 5°. do CIRE, optou por uma noção ampla de empresa, não exigindo o carácter profissional. Essencial é que se esteja perante uma organização de capital e trabalho, sendo determinante para o efeito, o exercício de uma actividade de interesse económico, de sorte que o preceito do art. 89, n.º 1, al. a) da Lei n.º 3/99 se aplica às empresas inseridas numa pessoa colectiva bem como às empresas individuais, em que o empresário é comerciante em nome individual que explora uma actividade económica sob a forma empresarial (cf. o Acórdão da Relação de Lisboa de 14/04/2005. P. 2442/2005-6, em www.dgsi.pt). E também no Ac. TRL, de 20 – 12 – 2007 (P. 10921:2 (107-6, acessível em www.dgsi.pt). Não aceita a apelante a decisão fundamentalmente por não se provar que a requerida estivesse colectada como empresária e assim sendo, devia ser apreciado o seu pedido no tribunal cível e não no tribunal de comércio, como se decidiu. Vejamos Como se viu considera-se empresa toda a organização de capital e trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica (art. 5. ° do (CIRE). Em anotação a este art. escreveram Carvalho Fernandes e João Labareda: “Enquanto aqui se encara como empresa toda a organização de capital e trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica.”… sendo certo que o capital e trabalho não esgotam a panóplia dos factores de produção, eles estão necessariamente presentes em qualquer organização empresarial” E continuando referem estes autores: “Agora a uniformização do processo de insolvência, empresa deixa de ser um destinatário privilegiado da atenção do legislador, susceptível de um procedimento exclusivo, constituindo a sua recuperação um simples meio alternativo e instrumental de satisfação de interesses dos credores, alcançável através do recurso à figura geral do plano de insolvência, tal qual, no entanto, pode ocorrer relativamente a qualquer devedor, independentemente da respectiva natureza e desde que configure uma das entidades enunciadas na enumeração do art. 2.” Assim sendo, resulta do que vem exposto que a recorrida tem uma actividade de natureza comercial, recebe as mercadorias da apelante e revende a retalho. Aliás, no seu art. 1 alegou que na sua actividade a requerida encomendou à requerente diversos artigos de vestuário como comerciante a retalho. Identificou as facturas de entrega de bens e a falta de pagamento. Mais alegou que não tem bens para ser executada. Na verdade, desde logo, foi identificada como “comerciante em nome individual”. Não deixa de o ser se a identificação fiscal estiver em nome individual, pois o que define a empresa é como se viu o capital e o trabalho. Foi também alegado que a recorrida deixou de pagar as facturas dos bens recebidos da requerente. Os bens não foram adquiridos para consumo próprio mas para revenda. Apesar de não se colher, com inteiro rigor, a caracterização da actividade comercial desenvolvida pela recorrida, as circunstâncias mencionadas não deixam espaço para se poder concluir que actividade imputada à recorrida tem uma natureza diferente, sendo certo que aquela não a impugnou, designadamente os factos que a consubstanciam. Por isso, não pode deixar de se reconhecer que o tribunal de comércio tem competência material, para a declaração de insolvência de pessoa singular, que desenvolve uma actividade de características comerciais e é identificada como comerciante em nome individual. Verificado este pressuposto, torna-se claro que o Tribunal de Comércio, à luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 89.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), é materialmente competente, para preparar e julgar o processo especial de insolvência instaurado contra a recorrida Nestes termos, as conclusões do recurso, não merecem provimento e, em consequência, é de manter a decisão recorrida. Concluindo - O tribunal de comércio tem competência material, para a declaração de insolvência de pessoa singular, que desenvolve uma actividade de características comerciais e é identificada como comerciante em nome individual III – Decisão: em face do exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a decisão impugnada. Custas pela apelante Lisboa, 21 de Março de 2012 Maria Catarina Manso Maria Alexandrina Branquinho António Valente |