Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
524/06.6TCLRS.L1-6
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTAS
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
CONDÓMINOS
COMPARTICIPAÇÃO
DESPESAS JUDICIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, apenas a ata da assembleia de condóminos em que se fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o prazo e modo de pagamento, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar
( Da responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório

A (Condomínio do prédio) sito na avenida …., representado pelos seus Administradores, propôs a presente ação executiva para pagamento de quantia certa contra B e C , residentes nesse local, pedindo o pagamento da quantia total de € 4,095,08, sendo €2.068,56 de quotas do condomínio devidas até janeiro de 2006, €684,44 de quotização extraordinária para obras de impermeabilização, €628,08 de juros de mora e €750,00 de despesas com honorários de advogado e solicitador  de execução, tendo junto como título executivo uma ata do condomínio (n.º68) relativa à assembleia ordinária de condóminos que teve lugar em 7/10/2005.
Foi proferido, em 11/9/2006, a fls. 27 a 29, despacho liminar, indeferindo a execução, ao abrigo do disposto nos art.ºs 811.º/1, al. b) e 812.º, n.º2, al. a), do C. P. Civil, por se entender que a ata dada à execução não constitui título executivo, referindo-se em tal despacho que “in casu, o exequente , para além de nem sequer alegar qual a fração de que o executado é proprietário, quais os meses que se encontram em dívida, qual o valor mensal da prestação fixada ou quando seria devido o pagamento da invocada quota extraordinária, não juntou também aos autos certidão das atas onde terá sido deliberado o valor das contribuições a pagar pelos condóminos relativamente aos meses a que a dívida se reporta, nem o regulamento do condomínio que permitiria a cobrança de “despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo os honorários de solicitador de execução e de advogado”.
Inconformada, veio o exequente interpor o presente recurso de agravo, formulando as seguintes conclusões:
1. O agravante foi constituído em propriedade horizontal em 1981, cf. Inscrição F - AP.46 de 1981/10/14,, constante da certidão do registo predial junta aos autos como doc. n.° 1 e em 18 janeiro de 2006 interpôs uma ação executiva para cobrança de quotas de condomínio.
2. A referida ação, sob o Proc. n.º 524/06.6TCLRS, 5° Juízo Cível, do Tribunal a quo, foi interposta contra os executados B e C , por serem proprietários da fração autónoma designada pelas letras "AB", correspondente ao andar -1 M, registada a seu favor pela G 1, AP59 de 1981/11/16, cf. a citada certidão.
3. O art.º 1.420.º, n° 1 do C.C., determina a qualidade de condómino àquele que sendo proprietário exclusivo de uma fração autónoma é comproprietário das partes comuns, e o art° 1.424.º do mesmo diploma legal estabelece a responsabilidade ex lege dos condóminos pelas despesas de conservação e fruição das partes comuns, vide, por todos, art° 1424.º do Código Civil anotado, Pires de Lima e Antunes Varela.
4. Assim, a obrigação de contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal é uma típica obrigação propter rem, decorrente, não de uma relação creditória autónoma, mas sim do estatuto de condómino que é inerente à condição de proprietário de uma fração autónoma.
5. Nos termos do art. 1430.º n.º 1 do C.C., "a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador", sendo função do administrador "cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns" art.º 1.436.º, d), do mesmo diploma legal.
6. Sempre que um condómino deixe de comparticipar nas despesas comuns, deve o administrador tomar as providências necessárias à cobrança das receitas em dívida. Até à entrada em vigor do D.L. n.º 268/94 de 25 de outubro o administrador intentava uma ação judicial para pagamento de quantia certa, com processo declarativo, e só após o trânsito em julgado da sentença condenatória é que o administrador podia dar início à respetiva execução com vista ao efetivo recebimento dos valores em dívida;
7. A fase declarativa do processo durava, em média, 2 anos. Tempo em que o devedor continuava a usar (e abusar) as partes comuns sem qualquer tipo de constrangimento, pelo que o legislador, consciente desta realidade, ao publicar o D.L. n.º 268/94 de 25 de outubro veio "procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros", cf. preâmbulo do citado Decreto-Lei.
8. Com efeito, ao consagrar no art. 6°, n.º 1 do referido Decreto Lei que "a ata da reunia da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quais quer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constituí título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte permitiu "poupar", em média, os tais 2 anos ao condomínio para haver os valores que lhe são devidos.
9. O alegante/exequente apresentou à execução, subjacente ao presente recurso, como titulo executivo a ata n.º 68 da Assembleia de Condóminos realizada aos sete dias do mês de outubro do ano de dois mil e cinco. A assembleia (07/10/2005) foi informada da falta de pagamento por parte de alguns condóminos das comparticipações ao condomínio, entre os quais a executada, transcrevendo-se a lista dos devedores e respetivos valores e deliberou por unanimidade a cobrança judicial dos valores em dívida, devendo recair sobre o condómino relapso todas as despesas com o processo, incluindo os honorários de advogado (o que, convenhamos, é de elementar justiça);
10. A ata foi assinada por quem presidiu aos trabalhos da assembleia e por todos os presentes, reunindo as condições de validade previstas no art°1, n.º 1 do D.L. n°268/94 de 25 de outubro e não foi, pelos executados ou por qualquer outro condómino, presente ou ausente, impugnada. Logo, as deliberações nela constantes, ainda que contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados tornaram-se definitivas (art. 1.433.º do C.C.).
11. A ata n.º 68 não foi aceite pelo tribunal a quo como título executivo com base na interpretação restritiva da lei (art° 6°, n° i do D.L. n° 268/94 de 25 de outubro) por considerar que só é titulo executivo bastante a ata que fixa ab initio a comparticipação a pagar por cada condómino. Valor futuramente devido.
12. Em consequência, em setembro de 2006 (nove meses após a interposição da ação executiva) e depois de a mesma se encontrar em curso com os custos inerentes (dinheiro dos condóminos que cumprem pontualmente as suas obrigações) o tribunal a quo proferiu a decisão de indeferimento liminar, de que ora se recorre.
13. Ressalvado o devido respeito, o alegante/exequente não acompanha tal interpretação restritiva, nem aceita a decisão proferida. Uma e outra ferem a lei, substantiva e adjetiva, e os mais elementares princípios da justiça material, porquanto,
14. Nos termos do disposto no art. 45° do CPC "toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva" e da conjugação dos arts. 46°, al. d) do CPC e 6° do DL 268/94, de 25 de outubro, "A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido na sua quota parte a ata n.º 68 é titulo executivo bastante.
15. A lei interpretada literalmente, pode levantar dúvidas quanto ao significado da expressão "devidas" utilizada pelo legislador. Pode conduzir ao entendimento - expresso na decisão do tribunal a quo, de que aquela expressão tem o mesmo significado que contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio ainda não vencidas.
16. Neste entendimento, só seriam título executivo as atas em que se deliberasse o montante que cada condómino devia pagar e não vencido e faltaria título executivo às atas da assembleia, como no caso em apreço, em que se deliberasse o que determinado condómino tinha em divida ao condomínio uma divida fixada no seu montante, já vencida e respeitante a contribuições para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.
17. Se há dúvida sobre a expressão utilizada pelo legislador "contribuições devidas" do art.º 6° do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, terá de ser face ao disposto no art. 9 do C. Civil, tendo em conta a "mens legis" subjacente à referida lei que se procurará a solução para a referida questão, tendo em conta que o legislador pretendeu, com as soluções contidas no diploma, conferir mais eficácia ao regime da propriedade horizontal e facilitar as relações entre os condóminos.
18. O legislador ao conferir eficácia executiva às atas das reuniões da assembleia dos condóminos tinha em mente evitar o recurso à ação declarativa em matérias em que estão em jogo questões monetárias liquidadas ou de fácil liquidação segundo os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos e sobre as quais não recai verdadeira controvérsia.
Este é aliás o espírito que concedeu força executiva a documentos particulares que antes a não tinham na redação dada ao artigo 46.°, al c) do C. Civil.
19 "(...) não faz sentido restringir a força executiva apenas à ata em que se delibera o montante da quota parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar e não concedê-lo à ata em que, por o condómino não ter pago, conforme o deliberado em assembleia anterior se delibera sobre o montante da divida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial.
         20. "Com efeito, só depois de vencida a divida e não paga, é esta suscetível de execução nos termos do disposto no artigo 802.° do C. P. Civil e o administrador do condomínio deve instaurar, face ao disposto no n°2 do artigo 6° do Dec. Lei 268/94, de 25 de outubro, ação judicial destinada a cobrar as quantias referidas no n°1."
21. Concluindo, a expressão "contribuições devidas ao condomínio" tem o sentido de contribuições devidas e em divida ao condomínio, isto é vencidas e não pagas, desde fixadas em deliberação dos condóminos constante da respetiva ata", vide por todos A.C. 10468/2003-ide 02-03-2004 Tribunal da Relação de Lisboa.
22. O tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou o disposto as disposições legais já referidas (art. 6° do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro e art. 9°, n.º 1 do C.C.) e violou também princípios da lei processual civil, nomeadamente o princípio da economia processual, proclamado em termos genéricos nos art°s 137.° e 138.° n.º 1, ambos do CPC;
23. O novo regime da ação executiva veio revogar a possibilidade de aperfeiçoamento do requerimento executivo (antigo art.º 811-B do C.P.C.) o que faz todo o sentido no quadro do requerimento executivo em suporte eletrónico, pois a cada requerimento cabe uma referência única, mas permite a possibilidade de suprir irregularidades do requerimento executivo, bem como sanar a falta de pressupostos (art.º 812.º do C.P.C.) ;"(..) o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos(...) ", art.º 812.°, n°4 do C.P.C.
24. No caso sub Júdice se o tribunal a quo perante a sua interpretação restritiva da lei considerou que à ata n.º 68 faltava (no seu entendimento) um dos pressupostos: não ter o valor inicial das quotas devidas pela executada, para ser título executivo, deveria ter convidado o exequente para, em prazo determinado, juntar todas as atas anteriores nas quais constam, ano a ano, as deliberações de atualização das comparticipações para as despesas comuns e então se o exequente, ainda que discordando da interpretação restrita do tribunal a quo, não cumprisse o prazo, teria cabimento legal a decisão de indeferimento: art° 812°, n° 5 do C.P.C.
25. Se o tribunal a quo tivesse respeitado a lei substantiva (art.º 8 12°, n.º 4 e n.º 5 do C.P.C.) respeitava também o princípio da economia processual, pois todos os demais pressupostos da ação executiva existiam (forma do processo, legitimidade das partes, exigibilidade da dívida, etc.). Com o indeferimento de um processo outro se impunha como inevitável.
26. Acresce que a dilação de tempo a entrada da ação e a decisão de indeferimento (nove meses) implicou custos com o andamento do processo que a ninguém aproveitam. Custos suportados sempre pelos mesmos: os condóminos que pagam as suas comparticipações e que face a um indeferimento como aquele de que aqui se recorre, podem chegar à triste conclusão de que os relapsos têm sempre mais uma oportunidade. Desta feita dada pelo sistema que os havia de obrigar (aos faltosos) a cumprir as suas obrigações.
27. A aplicação da justiça deve também pautar-se por princípios de prevenção geral: desmotivar a violação das regras (mesmo as do condomínio) pelo exemplo de condenação daqueles que prevaricam (mesmo no condomínio).A credibilidade na justiça, daqueles (condóminos) que pagam (ao tribunal, ao advogado e ao solicitador de execução) um processo e o vêm "arrumado" com uma simples interpretação restritiva da lei, vai certamente ficar ainda mais comprometida. Os pagadores pontuais ver-se-ão tentados a pensar não duas mas muitas mais vezes se pagarão ou não a sua comparticipação para as despesas comuns. Ainda que inconscientemente, são capazes de admitir que "o crime (não pagar) compensa".
28. A decisão ora recorrida, violou a lei (art.º 6° do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro e art. 9.º do C. Civil), princípios de Direito Processual Civil (art°s 137°, 138° n.º1, e art.º 812°, n.º 4, todos do C.P.C.) e acima de tudo não prosseguiu a justiça material que sempre deve nortear o ato de julgar, pelo que terá de ser revogada.
Concluiu pedindo  a revogação da decisão que indeferiu liminarmente o requerimento executivo.
Não houve contra-alegações.
O recurso foi admitido como de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (fls. 34).
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
***
II – Âmbito do recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente, as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, constata-se que o thema decidendum consiste em saber se a ata da Assembleia de Condóminos junta pelo exequente constitui título executivo contra os executados e se o despacho de indeferimento liminar violou as disposições legais constantes do art.º 6.º do DL 268/94, de 25 de outubro, do art.º 9.º, n.º 1, do CC, e dos arts.º 137.º , 138.º, n.º1, e 812.º, n.º4 do C. P. Civil.
***
III – Fundamentação.
A) Matéria de facto relevante a considerar, de acordo com os documentos juntos:
1. O Condomínio do prédio sito na avenida …., representado pelos seus Administradores, propôs a presente ação executiva para pagamento de quantia certa contra B  e  C , residentes em 1 M, nesse local, pedindo o pagamento da quantia total de € 4,095,08, sendo €2.068,56 de quotas do condomínio devidas até janeiro de 2006, €648,44 de quotização extraordinária para obras de impermeabilização, €628,08 de juros de mora e €750,00 de despesas com honorários de advogado e solicitador  de execução.
2. Como título executivo juntou a ata do condomínio (n.º68), relativa à assembleia extraordinária, tendo como ponto n.º1 da ordem de trabalhos: “Quotas de condomínio”; e como ponto n.º2: “Deliberação para eventual cobrança judicial”.
3. Consta dessa ata:
“Atendendo a que alguns condóminos apesar de todas as diligências efetuadas, quer pela administração quer pela advogada do condomínio, persistem em não pagar os valores que devem ao condomínio, a administração propôs à assembleia a cobrança judicial dos valores que se passam a especificar:
Fração correspondente ao andar 1 M, que é propriedade de B, deve os seguintes valores:
 - Quotas do condomínio até setembro de 2005 no valor total de€1.948,56;
- Comparticipação nas obras de impermeabilização e pintura, no valor de €648,44;
- Juros de mora à taxa legal, que totalizam nesta data €623,28;
- Despesas judiciais e extrajudiciais a suportar pelo condómino faltoso nos termos do regulamento do condomínio no total previsível de €150,00;
- Honorários e despesas a pagar ao solicitador de execução no valor previsível de €200,00 acrescido de IVA à taxa legal, se a ela houver lugar.
Total a cobrar judicialmente a este condómino o valor de €3.920,28, acrescidos das quotas que entretanto se vencerem, como os respetivos juros de mora.
4 . Esta proposta, submetida à aprovação, foi aprovada por unanimidade dos condóminos presentes e por eles devidamente assinada.
5. A Fração Predial “AB”, correspondente à Letra “M” , do referido prédio, está regista a favor dos executados B e esposa C .
***
B) O direito.
Como se deixou dito a questão central a decidir consiste em saber se a ata da assembleia de condóminos dada á execução constitui, ou não, título executivo bastante para exigir o pagamento aos executados das quantias nela referidas.
O despacho recorrido indeferiu o requerimento executivo em causa, ao abrigo do disposto nos art.ºs 811.º/1, al. b) e 812.º, n.º2, al. a), do C. P. Civil, por considerar ser “manifesta a falta de título executivo nos presentes autos, uma vez que os documentos dados à execução não podem funcionar como tal…” (fls. 28 e 29).
Vejamos, pois.
Nos termos do art.º 45.º/1 do C. P. Civil, é o título que determina o “fim e os limites da ação executiva”, e como fim possível, o seu n.º2 indica o “ pagamento de quantia certa”, a “entrega de coisa certa” ou a “prestação de facto, “quer positivo, quer negativo” - Eurico Lopes Cardoso,  in “Manual da Ação Executiva”, pág. 31.
Como ensina José Alberto dos Reis, in “Processo de Execução”, Vol. I. 3.ª Edição, pág. 147, a propósito dos requisitos substanciais do título executivo, “O segundo requisito não está expressamente previsto na lei, mas é uma exigência da própria natureza e função do título executivo. O título executivo pressupõe necessariamente a afirmação de um direito em benefício de uma pessoa e a constituição de uma obrigação a cargo de outra.”
O art.º 46.º, n.º1, do C. P. Civil, fixa taxativamente as várias espécies de títulos executivos, nomeadamente “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva” – alínea d).
Ora, reza o art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro:
A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Assim, é manifesto que o legislador veio atribuir força executiva à ata da assembleia de condóminos, permitindo ao condomínio a instauração de ação executiva contra o proprietário da fração (condómino) devedor, relativamente à sua contribuição para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, na proporção do valor da sua fração, nos termos do art.º 1424.º do C. Civil, ficando dispensado de recorrer ao processo de declaração a fim de obter o reconhecimento desse crédito.
Mas nem toda a ata é considerada título executivo, pois que a lei só o reconhece
àquela que “
tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio”.
Donde, torna-se necessário, desde logo, que o valor em causa esteja relacionado com contribuições devidas ao condomínio, outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou despesas com serviços de interesse comum que não devam ser suportadas pelo condomínio.
E a questão central, tal como aliás refere a agravante, é saber o que significa a expressão “contribuições devidas”, mais concretamente se reporta às contribuições fixadas e a cargo de cada condómino, a liquidar periodicamente, em regra mensal, ou aquelas que estejam já vencidas e não pagas e como tal reconhecidas em Assembleia de Condóminos, ou umas e outras.
A jurisprudência, como refere a agravante, não tem sido uniforme.
Salvo o devido respeito, que é muito, por opinião adversa, partilhamos a primeira posição.
É que o sentido da expressãocontribuições devidas ao condomínio” só poderá abranger o valor das contribuições, a cargo de cada um dos condóminos, fixada e aprovada em assembleia de condóminos, de acordo com os critérios legais (na proporção do valor da sua fração), a liquidar, em regra, periodicamente.
Desde logo, porque a assembleia de condóminos quando reconhece que o condómino está em dívida com determinado valor, reconhece apenas que ele deixou de liquidar a contribuição anteriormente fixada, dentro do prazo estabelecido para o efeito, ou seja, não fixa a contribuição que será devida ao condomínio, antes se limita a constatar a existência dessa dívida e, consequentemente, não constitui título executivo.
Depois, porque a fonte da obrigação pecuniária do condómino deriva da sua aprovação em assembleia de condóminos, consubstanciada na respetiva ata, que aprova e fixa o valor a pagar, correspondente à sua quota-parte para as despesas comuns, e não da declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve determinado montante ao condomínio, ou seja, que não pagou importâncias anteriormente fixadas.
E se dúvidas existissem que assim é, ficam totalmente afastadas pela última parte do segmento normativo desse preceito legal (art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro), ao referir “constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte” (nosso sublinhado).
Assim, a ata constitui título executivo, relativamente à contribuição devida, se o condómino deixar de pagar a sua quota-parte ali fixada e no prazo estabelecido, o mesmo é dizer que, para além da necessidade de fixação da sua quota-parte nessa contribuição, tem de ser fixado o prazo de pagamento. Dito doutro modo, o montante fixado só se torna exigível se o pagamento não for efetuado dentro desse prazo, ou seja, posteriormente à sua aprovação.
Donde, conferir-se eficácia executiva à ata onde foi fixada a obrigação a pagar no futuro. O não pagamento dentro do prazo fixado, apenas torna exigível essa obrigação através  da ação executiva, tendo por base esse título, ou seja, a referida ata. E compete ao devedor/executado demonstrar que a dívida não é devida, nomeadamente porque efectuou o seu pagamento, mediante a respectiva oposição à execução, como se passa rigorosamente com qualquer outro título executivo em que é pedida determinada quantia que o obrigado foi condenado a pagar ou a reconheceu por documento bastante (art.º 46.º/1 do C. P. Civil).
Pretendeu, pois, o legislador, sem dúvida, facilitar ao condomínio a cobrança dessas importâncias, sem necessidade de recurso à ação declarativa, reconhecendo legalmente a obrigação do condómino, enquanto devedor, e ao condomínio o direito de crédito respetivo.
 O título executivo – ata que aprovou a contribuição devida - contém a afirmação de um direito em benefício de uma pessoa (condomínio) e a constituição de uma obrigação a cargo de outro ( o condómino).” Esta a essência do título executivo.
E instaurada a respetiva ação executiva, com base nesse título executivo, cabe ao condómino demonstrar o seu pagamento, enquanto facto extintivo do direito de crédito invocado.
Por conseguinte, a expressão “contribuições devidas” tem o significado de “contribuições a pagar”, isto é, o montante que o condómino fica obrigado a pagar ao condomínio, no prazo estabelecido ( no futuro), e não de contribuições vencidas e não pagas e como tal reconhecidas em Assembleia de Condóminos, pois que nesta não é fixada qualquer obrigação.
Daí conferir-se eficácia executiva a essa ata, caso o proprietário deixe de pagar, esse valor, no prazo estabelecido.
A obrigação só será devida se existir e, existindo, tem a sua fonte na deliberação em assembleia de condóminos, que fixou seu montante e respetivo prazo de pagamento. A fonte dessa obrigação, ou seja, o facto jurídico que lhe deu origem, de onde ela deriva, é justamente a “ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio”
Assim, a ata que reconhece o valor em dívida não cria qualquer obrigação, para além de não fixar qualquer prazo para o seu pagamento, pela singela razão de que essa obrigação já está vencida, porque decorreu o prazo de pagamento, sem que este tivesse ocorrido.
Ora, a ata dada à execução não pode constituir título executivo, visto limitar-se a autorizar o administrador do condomínio a cobrar judicialmente os valores, que ele considera em dívida, na medida que dela apenas consta que “atendendo a que alguns condóminos apesar de todas as diligências efetuadas, quer pela administração quer pela advogada do condomínio, persistem em não pagar os valores que devem ao condomínio, a administração propôs à assembleia a cobrança judicial dos valores que se passam a especificar:
Fração correspondente ao andar 1 M que é propriedade do Sr. B , deve os seguintes valores:
 - Quotas do condomínio até setembro de 2005 no valor total de€1.948,56;
- Comparticipação nas obras de impermeabilização e pintura, no valor de €648,44;
- Juros de mora à taxa legal, que totalizam nesta data €623,28;
- Despesas judiciais e extrajudiciais a suportar pelo condómino faltoso nos termos do regulamento do condomínio no total previsível de €150,00;
- Honorários e despesas a pagar ao solicitador de execução no valor previsível de €200,00 acrescido de IVA à taxa legal, se a ela houver lugar.
Total a cobrar judicialmente a este condómino o valor de €3.920,28, acrescidos das quotas que entretanto se vencerem, como os respetivos juros de mora”.
Ignora-se, pois, como foram calculados esses montantes, onde e quando foram fixados, bem como o respetivo prazo de pagamento, ou seja, desconhece-se qual a ata que deu origem a essa (s) obrigação (ões). E será com base nessa ata, ou atas, que estas questões terão de ser esclarecidas, nomeadamente apurados os valores em dívida.
Ademais, na ata dada à execução consta valor total de €1.948,56, em quotas do condomínio até setembro de 2005, mas indica-se no requerimento executivo o valor de €2.068,56;  e indica-se no requerimento executivo o valor de €750,00 de despesas com honorários de advogado, quando no requerimento executivo se refere a título de despesas judiciais e extrajudiciais a suportar pelo condómino faltoso o total previsível de €150,00, e o valor previsível de €200,00 de honorários e despesas a pagar ao solicitador de execução, pelo os montantes peticionados nem sequer coincidem com aqueles que são referidos nessa ata.
Assim, e em jeito de conclusão, podemos afirmar que ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, apenas a ata da assembleia de condóminos em que se fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o prazo e modo de pagamento, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar ([1]).
Por outro lado, como flui expressamente do art.º 802.º do C. P. Civil, em conformidade com o título, a obrigação exequenda tem de ser certa, exigível e líquida.
Ora, a exequente para além de carecer de título executivo quanto ao valor de €750,00, indicados no requerimento executivo, a título de despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de solicitador e advogado, a verdade é que tais montantes não se mostram vencidos e, consequentemente, exigíveis, não podendo ser cobrados tais valores antecipadamente, como encargos prováveis (sendo que na ata junta se refere a despesas futuras e montantes previsíveis).
A este propósito escreveu-se no Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, de 17/2/2009, Proc. n.º 532/05.4TCLRS-7, que acompanhamos: “(… relativamente às despesas judiciais e extrajudiciais, não se tratando de uma dívida já vencida (na verdade, a ata alude apenas a despesas futuras e a montantes “previsíveis”), é manifesta a falta de título, já que as contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer outros montantes referidos no art.º 6.º, nº 1 do Dec. Lei n.º 268/94, têm de ser certas e exigíveis (art.º 802.º, CPC)”.
Finalmente, importa referir que o facto do recorrente não ter junto a ata com  o requerimento executivo, onde conste a constituição da obrigação de contribuição para as referidas despesas comuns, e respetivo prazo de pagamento, mas a antes ata apontada, não justificava o despacho de indeferimento liminar, antes se impunha o convite ao exequente para suprir a irregularidade desse requerimento, nos termos do art.º 812.º/4 e 820.º/1 do C. P. Civil, na sua versão aplicável aos presentes autos ( redação anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11, seu art.º 22.º/1), ou seja, para que junte aos autos a ata, ou atas, da assembleia de condóminos, em que se fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, até janeiro de 2006, bem como a sua quota-parte na comparticipação nas obras de impermeabilização e pintura, e o prazo e modo de pagamento, sob pena de ser indeferido o requerimento executivo, nos termos do n.º5 do art.º 812.º.
Com efeito, por razões de economia processual, tal despacho poderá ter lugar em caso de requerimento executivo irregular, nomeadamente por não vir acompanhado do título dado à execução, quando da narração dos factos constante desse requerimento decorrer a existência desse título, – neste sentido Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 11.ª Edição, págs. 171 e 172; e Lebre de Freitas, in “ A ação executiva”, 4.ª Edição, pág. 77.
E quanto às quantias reclamadas e indicadas a título de despesas de advogado e solicitador de execução, deve manter-se o seu indeferimento liminar parcial, pelos motivos supra enunciados – art.º 812.º/3 do C. P. Civil.
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III. Sumariando.
Ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, apenas a ata da assembleia de condóminos em que se fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o prazo e modo de pagamento, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar
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V – Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o agravo e, consequentemente, decidem:
a) Alterar a decisão recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que ordene o suprimento da apontada irregularidade do requerimento executivo, com a junção da documentação em falta e acima referenciada.
b) Manter o indeferimento liminar parcial do requerimento executivo, no que respeita a despesas judiciais e extrajudiciais no valor de €750,00.
Custas pelo exequente, na ação e no recurso, na proporção do respetivo decaimento.

Lisboa 2012/03/23

Tomé Ramião
Jerónimo Freitas
Fernanda Isabel Pereira
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([1]) Neste sentido, entre outros, os Acs. do T. Rel. do Porto, de 17.01.2002, Proc. n.º 0131853; de 29.06.2004, Proc. n.º 0423806; de 21.04.2005, Proc. n.º 0531258; e de 18/10/2011, Proc. n.º 2728/07.5TBVFR-A.P1;  e Acs. do T. Rel. de Lisboa, de 17/2/2009, Proc. n.º 532/05.4TCLRS-7, e de  22/6/2010, Proc. n.º 1155/05.3TCLRS.L1-7, todos disponíveis em www.dgsi.pt.