Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
370/11.5TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Não se devem confundir lesões com sequelas de lesões, já que, traduzindo aquelas os traumatismos sofridos pelo corpo do sinistrado em consequência directa da produção do acidente, já estas traduzem certos efeitos das lesões sofridas e que persistem após a cura das mesmas através de terapêutica adequada.
II - Qualquer exame médico existente nos autos – a par de quaisquer outros elementos de prova, seja ela pericial ou não – deve ser considerado pelo julgador na livre apreciação que lhe é conferida pelas regras do processo civil (art. 655.º n.º 1 do C.P.C) ao ser chamado a decidir sobre os factos relevantes para a decisão da causa. A circunstância do senhor juiz, porventura, dar maior ênfase ou relevância a um exame médico em detrimento de outro ou outros, não significa que não tenha considerado qualquer dos outros exames, mas apenas que aquele foi prevalente na convicção que criou no tocante à incapacidade permanente de que o sinistrado ficou portador em consequência do acidente de que foi vítima.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de acção emergente de acidente de trabalho, com processo especial sofrido pelo sinistrado AA, (…) (doravante designado por A.) e em que é responsável a seguradora “COMPANHIA DE SEGUROS BB, S.A.”, (…) (doravante designada por R.), realizada a tentativa de conciliação no final da fase conciliatória, a mesma não surtiu efeito porquanto a R., não obstante ter reconhecido o acidente como acidente de trabalho, as lesões referidas nos autos, particularmente as consideradas pelo perito médico do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) no seu exame, o nexo causal entre o acidente e essas lesões, bem como a sua responsabilidade emergente do acidente em função da retribuição anual de €30.206,16 auferida pelo sinistrado e aqui A., não concordou com a avaliação da incapacidade efectuada pelo perito médico do INML 11,76% (7,84% x 1,5), porquanto considerou que este havia ficado afectado da incapacidade que lhe foi atribuída no boletim de alta 4,96% (0,04 + 0,0096).
Requerida pela R. a realização de exame médico por junta médica ao sinistrado, formulando os quesitos que constam de fls. 131, a sr.ª juíza do tribunal de 1ª instância, depois de formular os quesitos de fls. 143, determinou se procedesse ao referido exame, tendo os senhores peritos médicos, após realização dos mesmos, emitido, por unanimidade, o laudo de fls. 149 a 151, no qual, respondendo aos mencionados quesitos, consideraram que o A. havia ficado afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) global de 6% (0,04 X 1,5) desde a data da alta (20-01-2011).
Muito embora o M.º P.º, em representação do A., tivesse formulado o requerimento de fls. 156 e 157 pedindo, a final, que este fosse submetido a exame da especialidade de ortopedia nos termos do art. 139.º n.º 7 do C.P.T. para avaliação das sequelas do sinistrado, considerando as fracturas das costelas e a atribuição de desvalorização com base em cada item da TNI, foi esse requerimento indeferido, porquanto a indicação das lesões e os valores de IPP bem como as páginas para que remetia não diziam respeito ao presente processo e, por outro lado, a sr.ª juíza, face ao laudo unânime dos senhores peritos médicos que integraram a referida junta médica, considerou desnecessário proceder-se a esse exame complementar.
Seguidamente foi proferida sentença, na qual a srª juíza do Tribunal a quo fixou a IPP de que padece o sinistrado e aqui A. em consequência do acidente dos autos, em 6% e condenou a R. a pagar-lhe o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de € 1.268,66, com efeitos a contar da data de 21-01-2011, acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor de 4% ao ano, desde 27-01-2011, até integral pagamento.
Inconformado com esta sentença, veio o M.º P.º interpor recurso de apelação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes:
Conclusões:
(…)
Contra-alegou a R./seguradora pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Corridos os vistos, cabe, agora, apreciar e decidir.

II – APRECIAÇÃO
Tendo em consideração as conclusões de recurso acabadas de enunciar e que, como se sabe, delimitam o respectivo objecto, colocam-se, à apreciação deste Tribunal da Relação, as seguintes:
Questões:
§ Saber se a junta médica pode ou não pronunciar-se em sentido diverso do acordado entre as partes relativamente às lesões avaliadas anteriormente como sendo as sofridas pelo sinistrado e por aquelas aceites em sede de tentativa de conciliação;
§ Saber se, no âmbito da determinação do grau de incapacidade permanente de que o sinistrado ficou portador em consequência do acidente objecto dos autos, para além do exame médico por junta médica, se devem levar em consideração os exames efectuados, quer aquando da emissão do boletim de alta, quer aquando do exame médico efectuado pelo perito do tribunal na fase conciliatória;
§ Existência de abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium” por parte da R./seguradora;
§ Valor da incapacidade de que o sinistrado ficou portador à data da alta e em consequência do acidente objecto dos autos.

O Tribunal a quo considerou provados, por acordo das partes, os seguintes factos:
1. O sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho em 09/02/2010, quando trabalhava mediante as ordens, fiscalização e direcção de “CC Construtores Associados, S.A.”;
2. Do acidente referido em 1) resultaram para o Sinistrado as lesões examinadas e descritas a fls. 116/119 e 149/150, destes autos, aqui dadas por reproduzidas, nomeadamente traumatismo da grelha costal e ombro esquerdo, com limitação de mobilidade deste último.
3. À data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição anual de € 30.206,16;
4. À data do acidente, “CC Construtores Associados, S.A.” tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a Companhia de Seguros “BB”, pelo valor total da retribuição do sinistrado.

Nas duas primeiras conclusões de recurso, afirma o M.º P.º que «na tentativa de conciliação, a seguradora declarou aceitar as lesões consideradas pelo perito médico do Instituto Nacional de Medicina Legal, no seu exame, bem como o nexo de causalidade entre estas e o acidente» e que «essa matéria tem de ser dada como assente, não podendo mais ser impugnada ou questionada na fase contenciosa do processo, na qual apenas pode ser discutida a incapacidade que resulta das lesões já consideradas».
Ora, precisamente, por se não poderem discutir, na fase contenciosa do processo, os factos sobre que tenha havido acordo entre as partes na tentativa de conciliação efectuada no final da fase conciliatória – o que decorre, aliás, do disposto no art. 131.º n.º 1 al. c) do C.P.T. – é que a Sr.ª Juíza do Tribunal a quo considerou como provado, por acordo das partes, que do acidente sofrido pelo sinistrado em 9 de Fevereiro de 2010, resultaram para este as lesões examinadas e descritas a fls. 116/119 (cfr. pontos 1. e 2. dos factos provados), exame que diz respeito ao que foi efectuado por perito médico singular no INML na fase conciliatória do processo.
No entanto, também considerou como provado, por acordo das partes, nos mesmos pontos da matéria de facto, que do referido acidente resultaram para o sinistrado as lesões descritas a fls. 149/150, ou seja, no laudo de exame médico por junta médica levado a cabo na fase contenciosa do processo, fixando como exemplo “nomeadamente” das lesões sofridas pelo sinistrado e que constam de tais exames médicos «traumatismo da grelha costal e ombro esquerdo», acrescentando, no entanto, «com limitação de mobilidade deste último».
Todavia, importa, desde já, referir que se não devem confundir lesões com sequelas de lesões, já que, traduzindo aquelas os traumatismos sofridos pelo corpo do sinistrado em consequência directa da produção do acidente, já estas traduzem certos efeitos das lesões sofridas e que persistem após a cura das mesmas através de terapêutica adequada.
Ora, no auto de exame singular de fls. 116/119, mais propriamente na parte respeitante ao ponto 2., relativo a “Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento”, da al. B. referente ao “EXAME OBJECTIVO” efectuado ao sinistrado pelo senhor perito médico do INML, refere-se que «o examinando apresenta as seguintes sequelas:
- Membro superior esquerdo: Limitação conjugada da mobilidade do ombro esquerdo.
- Tórax: Toraxalgias residuais devido às sequelas das fracturas dos arcos costais».
Infere-se deste auto de exame médico que o senhor perito do INML observou como lesões sofridas pelo sinistrado em consequência do acidente dos autos, traumatismo do membro superior esquerdo bem como traumatismo do tórax traduzido em fractura dos arcos costais, lesões que produziram, em termos de sequelas, por um lado, limitação conjugada da mobilidade do ombro esquerdo e, por outro lado, toraxalgias (dores no tórax) residuais.
Por seu turno, no laudo de exame médico por junta médica de fls. 149/150, na parte respeitante à SITUAÇÃO ACTUAL (Descrição das lesões e respectivas sequelas anatómicas e disfunções), referem os senhores peritos: «Vítima de acidente de trabalho ocorrido em 09.02.2010 de que resultaram:
- Traumatismo da grelha costal +
- Ombro esqº».
Depois, pronunciando-se sobre os quesitos formulados pela Srª Juíza a fls. 143, responderam do seguinte modo:
- Ao quesito sobre “quais as sequelas de que ficou afectado o sinistrado?” responderam “Limitação de mobilidade do ombro esqº”;
- Ao quesito sobre “qual o grau de incapacidade que desde a alta, lhes corresponde, em conformidade com a TNI?” responderam “IPP 0,04 x 1,5 = 0,06”.
Pronunciando-se também sobre os quesitos formulados pela R./seguradora no requerimento de exame médico por junta médica de fls. 131, responderam do seguinte modo:
- Ao quesito 1. sobre “Quais as lesões de que é portador o sinistrado?”, responderam “Traumatismo do tórax + ombro esqº
- Ao quesito 2. sobre se “As lesões referidas no ponto anterior têm relação com o acidente a que se reportam os presentes autos?” responderam que “Sim”.
- Ao quesito 3. sobre se “Dessas lesões resulta incapacidade para o trabalho?”, responderam “Sim”.
- Ao quesito 4. sobre se “Em caso afirmativo, qual a natureza e o grau de desvalorização que lhe deve ser fixado de harmonia com a TNI?”, responderam “IPP 0,04 x 1,5 = 0,06. factor de 1,5 atribuído pela idade”.
Verifica-se, pois, que, em termos de lesões observadas e tidas em consideração em ambas as peritagens, não há, propriamente, divergência entre os referidos laudos de exame médico, ambos referem a esse título, por um lado, traumatismo toráxico com fractura dos arcos costais ou da grelha costal (o que é a mesma coisa) e, por outro lado, traumatismo do membro superior esquerdo, reportando-se, ambos, mais propriamente, ao ombro esquerdo, tendo sido, ao fim e ao cabo, também estas as lesões consideradas como assentes no ponto 2. dos factos provados, em consonância com o acordado pelas partes na referida tentativa de conciliação.
Já quanto às sequelas dessas lesões, verifica-se existir divergência entre os referidos laudos de exame médico. Com efeito, enquanto, que o senhor perito médico do INML, quando em 12-04-2011 – ou seja, cerca de três meses após a alta – observou o sinistrado, este, em relação às lesões sofridas no tórax, apresentava toraxalgias (dores no tórax) residuais decorrentes da fractura de costelas, dores que entendeu serem valorizáveis ao abrigo do Cap. I ponto 2.3 b) da TNI com um grau de desvalorização de apenas 0,038 (numa variável entre 0,02 – 0,10), os senhores peritos médicos, em sede de junta médica, efectuada em 07-09-2011 – ou seja, pouco mais de sete meses após a data da alta – já não aludem à verificação de toraxalgias, circunstância que, em si, faz presumir não terem estas sido, sequer, apresentadas pelo sinistrado, ou então, a terem sido, os senhores peritos entenderam, em seu critério clínico, não serem valorizáveis em termos de incapacidade permanente, embora, nesta circunstância, devessem ter referido esse aspecto no respectivo laudo. Daí que sejamos levados a presumir que essa sequela (dores toráxicas) nem sequer lhes tenha sido apresentada pelo próprio sinistrado aquando da realização do exame por junta médica.
Deste modo e no tocante à primeira das suscitadas questões de recurso, afigura-se-nos não resultar dos autos que a junta médica, em termos de lesões sofridas pelo sinistrado e aqui A./apelante AA em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima em 09-02-2010, se haja pronunciado em sentido diverso do acordado entre as partes em sede de tentativa de conciliação. Apenas não fez menção à existência de quaisquer toraxalgias ou dores toráxicas, enquanto sequela do traumatismo toráxico sofrido pelo sinistrado, certamente porque, ao tempo da realização do exame, este já não as apresentava, sendo certo que as toraxalgias a que se alude no exame médico efectuado pelo senhor perito do INML já nessa altura assumiam uma natureza meramente residual.
Esta conclusão, e tudo o que já tivemos oportunidade de referir, leva-nos também a concluir pela não verificação “in casu” de qualquer situação de abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” por parte da R./seguradora.
Uma outra das questões de recurso suscitadas pelo M.º P.º, em representação do sinistrado e aqui A., é a que se prende com saber se, no âmbito da determinação do grau de incapacidade permanente de que o sinistrado ficou portador em consequência do acidente objecto dos autos, para além do exame médico por junta médica, se devem levar em consideração os exames efectuados, quer aquando da emissão do boletim de alta, quer aquando do exame médico efectuado pelo perito do tribunal na fase conciliatória.
Ora, quanto a este aspecto a resposta afigura-se simples e não pode deixar de ser em sentido afirmativo. Com efeito, qualquer exame médico existente nos autos – a par de quaisquer outros elementos de prova, seja ela pericial ou não – deve ser considerado pelo julgador na livre apreciação que lhe é conferida pelas regras do processo civil (art. 655.º n.º 1 do C.P.C) ao ser chamado a decidir sobre os factos relevantes para a decisão da causa. A circunstância do senhor juiz, porventura, dar maior ênfase ou relevância a um exame médico em detrimento de outro ou outros, não significa que não tenha considerado qualquer dos outros exames, mas apenas que aquele foi prevalente na convicção que criou no tocante à incapacidade permanente de que o sinistrado ficou portador em consequência do acidente de que foi vítima.
No caso vertente, a circunstância do senhor juiz ter fundado a sua convicção sobre a natureza e o grau de incapacidade permanente de que o sinistrado e aqui A. ficou portador em consequência do acidente de que foi vítima no exame médico por junta média a que este foi submetido, decorre da unanimidade obtida entre os senhores peritos médicos nomeados pelas partes e pelo tribunal após haverem observado o sinistrado e acerca das questões que lhes foram colocadas, quer pelo senhor juiz, quer pela responsável seguradora nos quesitos que aquele e esta, oportunamente, decidiram apresentar. Isso mesmo decorre, aliás, da segunda parte do despacho proferido pelo senhor juiz imediatamente antes da prolação da sentença recorrida (cfr. fls. 160) e que o levou a rejeitar a realização de exame complementar requerido pelo M.º P.º a fls. 157, despacho que transitou em julgado.
Relativamente à última das suscitadas questões de recurso, diremos apenas que, perante o que já tivemos oportunidade de referir e tendo em consideração o laudo unânime emitido pelos senhores peritos que integraram a junta médica a que o sinistrado e aqui A. foi submetido, não merece qualquer censura o grau de incapacidade permanente que, com efeitos a contar da alta, foi fixado pelo Tribunal a quo em sede de sentença recorrida, sentença que, por isso mesmo, aqui se decide manter.

III – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.

Lisboa, 21 de Março de 2012

José Feteira
Filomena de Carvalho
Ramalho Pinto

(Texto integralmente processado em computador, revisto e rubricado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: