Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
924/10.7TTVFX.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: CRÉDITO DE HORAS NA ACTIVIDADE SINDICAL
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Apesar de não existir sinalagma entre a quantidade de trabalho prestado e o crédito de horas, é pressuposto à estipulação deste crédito que o trabalhador não exerce a actividade de direcção da associação sindical a tempo integral, mas permanece ao serviço do empregador.
II - Se bem que possa ainda faltar justificadamente, sem limite, é suposto que essa situação não seja a regra, porque se o for, o contrato suspende-se (a partir de 30 dias de falta).
III - Se repetidamente a situação de ausência se mostra largamente dominante sobre a prestação de trabalho, é razoável, à luz das regras da experiência, extrair a ilação de que a redução dessa prestação a uma expressão mínima visa apenas impedir que opere a suspensão do contrato, excedendo-se nesse caso manifestamente os limites impostos pela boa fé, entendida em termos objectivos.
IV - No caso concreto – em que o tempo de trabalho efectivamente prestado ao empregador no período a que se reporta a reclamação do crédito (de quatro dias de salário por mês), nunca foi além de 2 e 3 dias em cada mês - redunda num manifesto desequilíbrio e desproporção de tal modo acentuados, que permitem concluir pela verificação do sub-tipo de abuso de direito que o Prof. Menezes Cordeiro designa como “desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem”, sendo consequentemente ilegítimo o exercício do direito.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

   AA a presente acção declarativa comum emergente de contrato de trabalho contra “BB Technologies, Lda.”, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 1.923,20, acrescida de juros de mora, a título de créditos salariais, acrescido dos entretanto vincendos, alegando, para o efeito, em síntese, que foi admitido ao serviço da R. em 13 de Novembro de 1972, exercendo ultimamente as funções de serralheiro civil, mediante o pagamento da retribuição mensal de € 1.159,20. Como sócio do SIESI e na sequência de eleição realizada em 10.12.2009 e 11.12.2009, foi eleito membro da Direcção daquele sindicato, para um mandato de 3 anos, pelo que necessitou de faltar ao trabalho para desempenhar as funções de Dirigente Sindical, factos de que a R. foi informada. Após Março de 2010, o A. e a direcção do SIESI avisaram regular e antecipadamente por escrito a R. dos dias que o A. tinha de faltar ao serviço, pelo que o A. tinha direito a receber da R., para além dos dias de serviço efectivo prestado à R., o valor respeitante ao crédito de horas correspondente a 4 dias de trabalho por mês, o que a R. se recusa a fazer, em violação do art. 468.º do CT, pelo que é credor da R. na quantia peticionada.
Realizou-se audiência de partes, na qual não foi possível obter acordo.
A R. contestou, alegando que a pretensão do A. excede os limites da boa-fé. Para além dos dias constantes das comunicações do SIESI, o A. também não prestou serviço efectivo à R. em outros dias, sendo que entre Março e Novembro de 2010 o A. prestou uma média de 2,2 dias de trabalho efectivo por mês, ocupando os restantes dias úteis com o desenvolvimento de actividades sindicais ou com o desenvolvimento de actividades na Comissão de Trabalhadores. O art. 468.º pressupõe que os dirigentes sindicais continuem a desenvolver a sua actividade com normalidade, pretendendo assegurar um equilíbrio legal entre o exercício da actividade sindical e o exercício da actividade profissional, o que não sucede no caso concreto, pelo que a atribuição de crédito de horas excede os ditames da boa-fé, sendo que teríamos uma situação em que o crédito de horas atribuído ao A. seria superior ao tempo de trabalho prestado pelo trabalhador, pelo que o mesmo não deve ser reconhecido.
Peticionou, ainda, a R. a condenação do A. como litigante de má-fé.
O A. respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé, alegando que a sua pretensão é válida e corresponde ao exercício legítimo de um direito, pelo que deve ser desatendido o pedido da R..
Foi proferido despacho saneador a fls. 57, com dispensa de selecção da matéria de facto assente e da base instrutória.
Procedeu-se a audiência de julgamento, a que se seguiu a prolação da sentença, que julgou a acção improcedente, porque não provada, e, em consequência, absolveu a R. “BB Technologies, Ldª”, dos pedidos contra si formulados pelo A. AA e absolveu o A. AA do pedido de condenação como litigante de má fé.
O A., não conformado, apelou, formulando nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
(…)
A recorrida contra-alegou, concluindo pela confirmação da sentença recorrida.
No mesmo sentido se pronunciou o M.P. junto deste tribunal, no seu parecer.

O objecto do recurso, como decorre das conclusões antecedentes, consiste em reapreciar se o A., enquanto dirigente sindical, tem direito ao pagamento pela R. da retribuição do “crédito de horas” reconhecido pelo nº 1 do art. 468º do CT (2009).

Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1) O A. foi admitido ao serviço da Ré para, sob a autoridade e direcção desta, lhe prestar a sua actividade profissional no referido estabelecimento com efeitos desde 13 de Novembro de 1972 (resposta ao art. 1.º da P.I.);
2) Ultimamente o A. exerce ali as funções próprias e inerentes à categoria profissional de serralheiro civil que a Ré lhe atribuiu, e ganha mensalmente a retribuição de € 1.159,20 (resposta ao art. 2.º da P.I.);
3) Ora sucede que, sendo o sócio n.º 50.263 do Sindicato das Industrias Eléctricas do Sul e Ilhas (SIESI), o A. passou a ter necessidade de faltar ao trabalho para poder desempenhar as funções de dirigente sindical, na sequência de em eleição realizada nos dias 10 e 11 de Dezembro de 2009 ter sido eleito membro da Direcção da referida associação sindical, para um mandato de três anos, conforme consta da respectiva publicação feita no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 3, de 22.01.2010, a fls. 419, cuja cópia, para mais fácil consulta, segue digitalizada em anexo como documento n.º 1 (resposta ao art. 3.º da P.I.);
4) A R. foi “regular e tempestivamente” informada da realização daquela eleição (em cujas instalações funcionou uma secção de voto) e notificada de que o A. era um dos membros da direcção eleita a quem se aplicava o regime do crédito de horas, conforme documento de fls. 9 e 10 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao art. 4.º da P.I.);
5) E a partir de Março de 2010, consoante o tempo que em cada mês se mostrasse necessário para o desempenho das funções de dirigente sindical do A., a Direcção do SIESI foi regularmente avisando por escrito a R. da necessidade que o A. tinha de faltar ao serviço, com a indicação precisa dos próprios dias em que essas ausências iriam verificar-se, conforme documentos de fls. 11 a 20 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao art. 5.º da P.I.);
6) A R. não pagou ao A., desde Março de 2010, o crédito de horas correspondente a quatro dias de trabalho por mês pelo exercício de funções de dirigente sindical pelo A. como membro da Direcção do SIESE (resposta ao art. 7.º da P.I.);
7) Para além dos dias mencionados nos documentos de fls. 11 a 20, o A. também não prestou serviço efectivo para a R. em dias em que exerceu funções como membro da Comissão de Trabalhadores da R. e do Comité Europeu da R. (resposta ao art. 8.º da contestação);
8) Com efeito, no mês de Março de 2010, o A. prestou trabalho para a R. durante dois dias (cfr. Doc. 1 que aqui se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos) (resposta ao art. 9.º da contestação);
9) No mês de Abril de 2010, o A. prestou trabalho para a R. durante 3 dias (cfr. Doc. 1 e Doc. 2 que aqui se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos), com esclarecimento de que um dia foi ao serviço da R. no Comité Europeu da R. (resposta ao art. 10.º da contestação);
10) No mês de Maio de 2010, o A. prestou trabalho para a R. durante 3 dias (cfr. Doc. 1) (resposta ao art. 11.º da contestação);
11) No mês de Junho de 2010, o A. prestou trabalho para a R. durante 2 dias (cfr. Doc. 1) (resposta ao art. 12.º da contestação);
12) No mês de Julho de 2010, o A. prestou trabalho para a R. durante 2 dias (cfr. Doc. 1) (resposta ao art. 13.º da contestação);
13) No mês de Agosto de 2010, o A. não prestou trabalho para a R. (cfr. Doc. 1) (resposta ao art. 14.º da contestação);
14) No mês de Setembro de 2010, o A. prestou trabalho para a R. durante 3 dias (cfr. Doc. 1), com esclarecimento de que um dia foi ao serviço da R. no Comité Europeu da R. (resposta ao art. 15.º da contestação);
15) No mês de Outubro de 2010, o A. prestou trabalho para a R. durante 2 dias (cfr. Doc. 1 e Doc. 2), com esclarecimento de que um dia foi ao serviço da R. no Comité Europeu da R. (resposta ao art. 16.º da contestação);
16) E, finalmente, no mês de Novembro de 2010, o A. prestou trabalho para a R. durante 3 dias (cfr. Doc. 1 e Doc. 2) (resposta ao art. 17.º da contestação);
17) O A. desenvolveu actividades na Comissão de Trabalhadores da R. nos dias indicados a fls. 48, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (resposta ao art. 20.º da contestação).
                                
Apreciação
A sentença recorrida, analisando detalhadamente o caso e socorrendo-se dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, julgou improcedente a pretensão do A. por ter considerado que o exercício do crédito de horas, no caso concreto excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito, pois é desproporcional, excessivamente oneroso para a entidade patronal atenta a contrapartida prestada pelo A. e visa deturpar a lei, criando um obstáculo à suspensão do contrato de trabalho, que de outro modo ocorreria, com as legais consequências. Entendeu assim que, não obstante o A. ter, em abstracto, o direito a crédito de horas, o seu exercício in casu não é lícito, mas abusivo, por isso não lhe reconheceu o direito a receber o valor do crédito de horas.
O recorrente insurge-se contra tal apreciação, sustentando que o crédito de horas deve ser entendido como o valor mínimo da retribuição devida pelo empregador ao trabalhador / dirigente sindical  para o exercício das suas funções sindicais, sempre que as faltas para esse fim não se prolonguem para além de um mês; que não é contrapartida do trabalho do A., constituindo um custo do trabalho que o legislador impõe ao empregador em razão do relevante interesse constitucionalmente reconhecido das competências atribuídas e prosseguidas pelas associações sindicais, por forma a assegurar maior disponibilidade e independência aos seus dirigentes e representantes dos trabalhadores. A medida desse encargo foi fixada pelo legislador em termos rígidos, não sendo lícito condicionar ou graduar o respectivo valor em função do número de dias de trabalho do trabalhador / dirigente sindical ao empregador. Não se verifica qualquer abuso de direito. Em seu entender a sentença violou o art. 468º nºs 1 e 8 do CT e, ao desaplicar as normas destes preceitos com base em alegado exercício abusivo, violou  também o art. 55º nºs 1, 4 e 6 da CRP.
Vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe o nº 1 do art. 468º do CT de 2009 “para o exercício das suas funções o membro de direcção de associação sindical tem direito a crédito de horas correspondente a quatro dias de trabalho por mês e a faltas justificadas …”. O nº 2 estabelece, em função do número de trabalhadores sindicalizados da empresa, o número máximo de membros de associação sindical com direito a crédito de horas e a faltas justificadas, especificando que as faltas justificadas são sem limitação de número. No nº 8 estabelece-se que “Quando as faltas justificadas se prolongarem efectiva ou previsivelmente para além de um mês, aplica-se o regime de suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador, sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, que preveja funções sindicais a tempo inteiro ou outras situações específicas, relativamente ao direito à retribuição do trabalhador.” A previsão expressa da suspensão do contrato, quando as faltas se prolongarem para além de um mês foi introduzida pela L. 35/2004 (art. 403º), que regulamentou o CT/2003, pondo assim fim à dúvida que, a propósito, se suscitava no âmbito da antiga L. Sindical (DL 215-B/75, de 30/4).
O crédito de horas (que consiste na faculdade de utilização de uma parcela do período normal de trabalho para o exercício das funções sindicais, sem perda de retribuição), encontra-se estabelecido em termos fixos - quatro dias por mês – nada se vislumbrando na lei que possa indiciar que o legislador tivesse querido fixá-lo em moldes variáveis, em função do tempo de trabalho efectivamente prestado ao empregador, sendo certo que o legislador previu, simultaneamente, que todas as faltas, qualquer que fosse o respectivo número, motivadas no exercício de funções sindicais do trabalhador membro de direcção de associação sindical seriam justificadas.
O crédito de horas é considerado para todos os efeitos como tempo de trabalho e, podendo a actividade sindical desenvolvida no âmbito desse tempo, ter lugar tanto na empresa como fora dela, o mais provável é que o seja fundamentalmente fora da empresa, pelo que, para o empregador, na prática, esse crédito traduz-se simplesmente em meras faltas (ausência do local onde devia prestar a actividade contratada, durante o período normal de trabalho) do trabalhador, não se distinguindo das faltas justificadas pelo mesmo fundamento, a não ser por dever ser retribuído (ao passo que as faltas justificadas não o são).
Se as ausências ao trabalho se prolongarem para além de um mês, ocorre a suspensão do contrato, deixando, por isso, de haver direito a retribuição pelo empregador. Somos assim levados a concluir que, para que haja lugar ao crédito de horas mensal tem necessariamente de haver, em cada mês, prestação de trabalho ao empregador.
Porém essa prestação de trabalho poderá ter maior ou menor expressão, uma vez que o trabalhador pode faltar justificadamente, pelo mesmo motivo, sem limite.
Ainda que se possa considerar razoável que a medida do crédito de horas devesse variar na proporção directa do tempo de trabalho efectivamente prestado ao empregador pelo trabalhador / dirigente sindical, o legislador (que não podia ignorar que a questão se colocava) não deu indícios de pretender definir o direito nesses moldes, estabelecendo, por exemplo, o crédito de horas x como um limite máximo a atribuir quando o tempo de trabalho efectivo prestado ao empregador em cada mês não fosse inferior a y horas. Não foi essa a solução consagrada na lei, que estabeleceu, inequivocamente, um crédito fixo. Daí que tenhamos de concluir que o referido crédito não é, na realidade, contrapartida do tempo de trabalho efectivamente prestado ao empregador pelo trabalhador /dirigente sindical, reconhecendo assim razão ao recorrente quanto a este ponto da respectiva argumentação.
Com efeito, este crédito é uma vantagem atribuída ao trabalhador com funções de representação colectiva (mais precisamente, no caso concreto, membro da direcção de uma associação sindical), com a finalidade de facilitar o exercício dessas funções. Como refere o Prof. Jorge Leite no parecer junto aos autos pelo recorrente “a lógica deste crédito escapa a qualquer ideia de sinalagma, a toda a lógica contratual ou de troca (…)” devendo antes procurar-se “compreender a figura à luz de uma lógica institucional”.
A atribuição deste crédito de horas foi uma das formas encontradas pelo legislador para concretizar a protecção legal adequada aos representantes eleitos dos trabalhadores contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções a que se refere o art. 55º nº 6 da CRP.
Trata-se, pois, de uma condição material de exercício da liberdade sindical, constitucionalmente garantida. Quase será escusado salientar a importância da consagração na Constituição, entre os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, da liberdade sindical. Traduz, além do mais, o reconhecimento do papel indispensável destas associações de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores. Pelo seu contributo histórico para a evolução do direito do trabalho - têm desempenhado na construção do edifício do ordenamento jurídico laboral democrático um papel muito relevante – os sindicatos são reconhecidamente importantes instituições do sistema democrático. É nessa vertente institucional que se insere o direito dos trabalhadores eleitos dirigentes sindicais, ao crédito de horas.
Ainda que se reconheça que no caso em apreço existe um claro desequilíbrio e desproporção entre o tempo de trabalho efectivamente prestado ao empregador e o tempo de trabalho que este é obrigado a pagar, por força do crédito de horas a que se refere o art. 468º do CT, porque não decorre da lei que tenha de existir variação proporcional entre um  e outro, é indiscutível que o A. reúne os requisitos para beneficiar do crédito em causa.
O cerne da controvérsia está em saber se, como concluiu a Srª Juíza, o exercício do crédito de horas, nas circunstâncias que resultaram apuradas nos autos, apesar de formalmente ter cabimento na previsão legal, excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim económico e social do direito.
A Srª Juíza respondeu afirmativamente a essa questão, considerando-o abusivo, por ser desproporcional e excessivamente oneroso para o empregador e que visava deturpar a lei, criando um obstáculo à suspensão do contrato. E, a nosso ver, acertadamente.
Não obstante o que antes se deixou dito (que o crédito em causa não sendo contrapartida da quantidade de trabalho efectivo prestado pelo trabalhador dirigente sindical ao empregador, não varia em função dela, por não haver sinalagma entre o crédito e a prestação de trabalho), afigura-se-nos que os limites impostos pela boa fé, objectivamente, exigem que haja algum equilíbrio entre o crédito de horas e o tempo de trabalho efectivamente prestado.
Apesar de não existir sinalagma entre a quantidade de trabalho prestado e o crédito de horas, é pressuposto à estipulação deste crédito que o trabalhador não exerce a actividade de direcção da associação sindical a tempo integral, mas permanece ao serviço do empregador. Se bem que possa  ainda faltar justificadamente, sem limite, é suposto que essa situação não seja a regra, porque se o for, o contrato suspende-se (a partir de 30 dias de falta). Se repetidamente a situação de ausência se mostra largamente dominante sobre a prestação de trabalho, é razoável, à luz das regras da experiência, extrair a ilação de que a redução dessa prestação a uma expressão mínima visa apenas impedir que opere a suspensão do contrato, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, entendida em termos objectivos.
Como ensina o Prof. Menezes Cordeiro[1] “O desequilíbrio no exercício das posições jurídicas constitui um tipo extenso e residual de actuações contrárias à boa fé”. Ele comporta vários subtipos, entre os quais “desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem.” No caso concreto – em que o tempo de trabalho efectivamente prestado ao empregador no período a que se reporta a reclamação do crédito (de quatro dias de salário por mês), nunca foi além de 2 e 3 dias em cada mês - redunda num manifesto desequilíbrio e desproporção, de tal modo  acentuados, que permitem concluir pela verificação do mencionado sub-tipo de abuso de direito, sendo consequentemente ilegítimo o exercício do mesmo.
Como expende o Prof.  Almeida Costa[2] “o princípio do abuso de direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas d(ess)as situações particularmente clamorosas, aos efeitos da rígida estrutura das normas legais. Ocorrerá tal figura de abuso quando um determinando direito – em si mesmo válido – seja exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social.”
Pelo exposto, não tem o A. direito ao pagamento que reclama.
Acompanhamos, assim, a apreciação efectuada pela Srª Juíza, mantendo a decisão recorrida.
Improcede, pois a apelação


Decisão
Pelo exposto se acorda em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira
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[1] Do abuso do direito: Estado das questões e perspectivas, in ROA , Ano 65 (2005), vol. II, pag. 361.
[2] Direito das Obrigações, Almedina, 7ª ed. , pag. 68, 69
Decisão Texto Integral: