Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1836/10.0TVLSB-A.L1.2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL
CONVOLAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/19/2012
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Quando o réu diz que “os responsáveis pela situação” são terceiros, não pode pedir a intervenção principal deles, ao seu lado. II. Se o requerimento contiver todos os elementos necessários à intervenção acessória e se for esta que inequivocamente quadra ao caso, pode o tribunal convolar a intervenção principal para a acessória. III. Mas o tribunal de recurso só o pode fazer se a questão lhe tiver sido colocada.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Contra “A”, Comércio de Tinta, Lda, foi intentada uma acção judicial.
A “A” contestou dizendo que tinha sido enganada por terceiros e requereu a intervenção principal, como réus, destes terceiros (invocou os arts. 325 e segs do CPC, em especial o art. 329).
A autora não se opôs.
A intervenção não foi admitida.
A “A” recorre deste despacho - para que seja revogado e substituído por outro que admita a intervenção principal provocada -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Com a contestação a recorrente, deduziu, nos termos dos arts. 325 e ss do CPC (com relevância para o art. 329) o incidente da intervenção principal provocada que visava o chamamento aos autos para intervir como réus de A e B.
2. Fundamentou o seu pedido com tudo aquilo que alegou na sua contestação a título de excepção, donde concluiu que a responsabilidade integral da situação que deu origem aos presentes autos foi única e exclusiva destas duas entidades.
3. Isto é, a recorrente não aceitou nenhuma responsabilidade na situação que deu origem aos presentes autos, imputando essa responsabilidade exclusivamente a A e B.
4. O tribunal recorrido indeferiu o pedido, entendendo que não se verificavam os pressupostos para o mesmo, concluindo, que “os factos invocados pela ré para fundamentar o requerido chama-mento não são idóneos a demonstrar a solidariedade, comunica-bilidade ou o carácter subsidiário da obrigação da ré”.
5. A posição do tribunal a quo não está de acordo, quer com a fundamentação apresentada pela recorrente, quer ainda com os normativos legais aplicáveis, violando assim a referida decisão os arts 320º, 325º/2, 31º-B e 329º do CPC.
6. Assim, e conforme é referido no despacho proferido, entende a recorrente que a responsabilidade pelo sucedido é única e exclusiva dos chamados, tendo sido a ora recorrente vítima de uma burla, o qual originou inclusive a apresentação de uma queixa-crime, que está neste momento em fase de inquérito a correr os seus trâmites.
7. Desde logo pelo facto de ter sido alegado que a máquina fotocopiadora objecto do contrato em questão nunca ter sido entregue à recorrente.
8. Situação esta que foi invocada, e documentada, pela recor-rente perante a autora antes desta ter intentado a presente acção.
9. Pelo que a autora sabia ab initio qual a posição da ré sobre a questão controvertida. Aliás, notificada do incidente, a autora não se veio opor.
10. Pelo que entendemos que estão verificados, ab initio as exigência previstas na lei, designadamente nos artigos 325º/2, e 31º-B do CPC.
11. Conforme refere o art. 31º-B do CPC: “É admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”
12. Assim sendo, e citando o CPC anotado, de Abílio Neto (comentário ao art. 325): “Em suma: este incidente engloba “todos os casos em que a obrigação comporte pluralidade de devedores, ou quando existam garantes da obrigação a que a acção se reporta, tendo o réu interesse atendível em os chamar à demanda, quer para propiciar defesa conjunta, quer para acautelar o eventual direito de regresso ou sub-rogação que lhe possa assistir”.
13. No caso concreto a recorrente, como lesada que foi, pretende ver desde já julgada a posição dos chamados em toda esta questão, evitando assim a duplicação de julgamentos, contribuindo dessa forma para uma melhor economia processual.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questões que importa solucionar: tendo em conta as normas legais aplicáveis ao caso e os factos que constam do relatório, e apesar dos termos das conclusões que antecedem, que delimitam o objecto do recurso, o que importa apurar é se no caso em que o réu contesta a sua responsabilidade na situação, dizendo que esta cabe a terceiros, deve ser admitida a intervenção principal destes terceiros; ou se a contestação do réu, ao invocar uma situação que poderá ser entendida como direito de regresso, deve permitir a intervenção principal.
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Os factos que relevam para a decisão são os que constam do relatório que antecede.
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O despacho recorrido diz, no essencial, o seguinte:
A ré fundamentou o requerido incidente de intervenção principal na alegação de ser a situação objecto dos autos da responsabilidade dos chamados, por burla dos mesmos. Mais alegou assistir-lhe direito de regresso contra os chamados.
Dispõe o art. 320º do CPC que estando pendente uma causa de pedir entre duas ou mais pessoas pode nela intervir como parte principal: a) aquele que em relação ao objecto da causa tiver um interesse igual ao do autor ou ao do réu, nos termos dos arts 27º e 28º; b) aquele que, nos termos do art. 30º, pudesse aliar-se com o autor, sem prejuízo do disposto no art. 31º. Mais dispõe o art. 325º, nºs 1 e 2, do CPC que qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
Os chamados não se encontram numa situação de litisconsór-cio necessário ou voluntário relativamente à ré, considerando o disposto nos arts 27º e 28º do CPC.
Por outro lado a situação em análise não integra a previsão do art. 329º, do CPC, não se tratando de obrigação solidária, de garantia ou de obrigação com pluralidade de devedores.
Com efeito "trata-se, em suma, de um meio processual susceptível de ser implementado pelo réu com vista a fazer intervir, na posição dos réus, outros sujeitos passivos da relação jurídica material controvertida que à acção serve de causa de pedir "(in Abrantes Geraldes, "Os incidentes da instância", pág.117).
Ora, os factos invocados pela ré para fundamentar o requerido chamamento não são idóneos a demonstrar a solidariedade, comunicabilidade ou o carácter subsidiário da obrigação da ré.
I
O despacho recorrido está correcto e o recurso deriva de um erro evidente da recorrente.
Dizendo as coisas de modo diferente do despacho recorrido, para não o estar a repetir (mas tendo-o presente, bem como à citação doutrinária por ele invocada – e também a citação da própria recorrente na conclusão 12), e tendo em conta o disposto nos arts. 320º, 325º/1 e 329º/1, todos do CPC, a intervenção principal, de um terceiro ao lado do réu, provocada por este, tem apenas a ver com a seguinte situação: esse terceiro tem um interesse igual ao do réu. Ou seja, o terceiro é, tal como o réu, sujeito da relação material controvertida tal como esta foi desenhada pelo autor, por ser co-devedor, a título principal ou subsidiário.
A intervenção principal passiva só para este caso é que admitida.
Pelo que, quando o réu contrapõe à versão do autor, uma versão alternativa, e com isso desenha uma relação material controvertida em que, no lugar de réu devia estar um terceiro e não o réu, é evidente que não há qualquer interesse do terceiro igual ao do réu, mas um interesse do terceiro oposto ao do réu, pois que as duas versões, contraditórias, não se podem verificar ao mesmo tempo. Se for como o autor diz, quem é réu é o que foi demandado. Se for como o réu diz, quem devia ser réu era o terceiro e não o réu. O réu e terceiros não têm interesses iguais mas contrapostos… O réu quer que os terceiros sejam condenados em vez dele, e os terceiros têm interesse em que o réu seja condenado em vez deles.
Assim sendo, a intervenção principal não podia ser admitida.
II
Mas esta é apenas uma das formas de pôr a questão.
E a ré também a pôs de outra forma, como dá conta o próprio despacho recorrido e resultaria do resumo da contestação feito acima, no relatório deste acórdão.
É que o que foi por ela dito tem a ver com uma situação diferente: o que ela diz é que foi burlada por terceiros, que, subentende-se, a teriam levado a contrair a dívida para com a autora através de uma actuação dolosa. Daqui decorreria um direito de indemnização da ré contra estes terceiros. Estaríamos perante uma relação material diferente da desenhada pela autora, mas conexa com ela. A ré teria um direito de indemnização contra os terceiros, no caso de vir a ser condenada no pedido deduzido pela autora.
Só que esta situação configura, se fosse assim, a previsão da intervenção acessória (art. 330 do CPC), e não principal. Ou seja, com base no desenvolvimento destas alegações, a ré poderia, talvez, ter requerido, não a intervenção principal, mas a intervenção acessória dos terceiros.
Mas não foi isso que requereu, mas sim a intervenção principal de terceiros, e esta, como se viu, não podia ser admitida.
III
Por fim importa esclarecer o seguinte: o incidente aparentemente adequado era, já se viu, o da intervenção acessória. E nestas situações entende-se que o juiz pode corrigir o erro de escolha do incidente de intervenção, mandando seguir os termos do incidente adequado quando for possível e no requerimento estiverem alegados todos os factos necessários [Apenas como exemplo vejam-se os acórdãos do TRG de 25/05/2010 (587/09.2TBEPS-A.G1), do TRL de 05/05/2003 (10688/2002-6 – que tem o cuidado de invocar acórdãos em sentido contrário: do TRC, de 24/10/1989, na CJ1989, tomo V, pág. 75, e no BMJ 244, pág. 210 e 278, pág. 133), do TRP de 15/10/2007 (0733398) e do TRL de 29/10/2009 (3058/08.0TVLSB-A.L1-2)].
Só que se trata de uma possibilidade que a lógica das coisas atribui ao tribunal da 1ª instância e não ao tribunal de recurso. Pois que neste vigora, entre o mais, a regra de que são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do recurso (art. 684º-3 do CPC), o que é um outro modo de dizer que o tribunal de recurso só decide as questões que lhe forem colocadas e que tenham a ver com as decisões tomadas pelos tribunais recorridos (em nenhum dos acórdãos citados acima, o tribunal da relação decidiu oficiosamente a convolação do incidente. A questão foi sempre levantada ou na 1ª instância ou no recurso).
Assim, se nem sequer à cautela a recorrente levanta a questão da possibilidade de ser outro o incidente aplicável, não pode ser este tribunal de recurso a, oficiosamente, proceder à convolação.
O tribunal de recurso apenas pode decidir a questão que lhe foi posta, que é a de saber se a decisão do tribunal recorrido estava ou não certa. Não lhe cabe levantar outras questões que não são de conhecimento oficioso e decidi-las.
De qualquer modo, a recorrente não perde, por força desta decisão ou da decisão recorrida, o direito de indemnização – se o tiver – contra os terceiros, e as vantagens da economia processual que invoca, noutro contexto, no seu recurso, não têm sentido, pois que uma eventual decisão em sentido contrário poderia levar à destruição de todo o trabalho que o tribunal recorrido já teve (atendendo ao facto de o recurso não ter efeito suspensivo do andamento do processo). Ou seja, no caso, a dedução do incidente teria levado ao protelamento do processo, em benefício da ré, contra os interesses da autora, cujos direitos em nada são influenciados pelo eventual direito de regresso da ré contra terceiros.
Por fim, as vantagens de economia processual que a recorrente invoca nunca se poderiam verificar, pois que, ao contrário do que ela supõe, na acção principal nunca seria “julgada”, depois de admitida a intervenção acessória, a posição dos chamados em toda esta questão.” Os terceiros seriam chamados apenas para auxiliar a ré na defesa, circunscrevendo-se a sua intervenção à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso (art. 330 do CPC), não na discussão das questões que a acção de regresso porá. O que aponta para a conclusão de que a intervenção acessória não satisfaria a pretensão da ré manifestada neste recurso, o que é mais uma razão para que não se fizesse a convolação referida.
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Sumário: I. Quando o réu diz que “os responsáveis pela situação” são terceiros, não pode pedir a intervenção principal deles, ao seu lado. II. Se o requerimento contiver todos os elementos necessários à intervenção acessória e se for esta que inequivocamente quadra ao caso, pode o tribunal convolar a intervenção principal para a acessória. III. Mas o tribunal de recurso só o pode fazer se a questão lhe tiver sido colocada.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pela ré.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2012.

Pedro Martins
Sérgio Almeida (Vencido, por entender que o tribunal de recurso pode ordenar ao tribunal de 1ª instância que permita a intervenção correcta, não estando neste caso delimitado pelas conclusões das alegações).
Lúcia Sousa