Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
239/11.3TVLSB.L1-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
COMPETÊNCIA MATERIAL
JUÍZO CÍVEL
TRIBUNAL DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Na vigência da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro (LOFTJ), o tribunal de família não tem competência material para conhecer da ação de atribuição da casa de morada de família em caso de rutura da união de facto.
I. Essa competência cabe, residualmente, aos juízos cíveis, nos termos do art. 99.º da Lei n.º 3/99.
( Da responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
A instaurou, em 3 de fevereiro de 2011, na 8.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra B , ação declarativa, para a atribuição da casa de morada de família, nos termos do disposto nos arts. 1413.º do CPC e 4.º, n.º 4, da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, decorrente da situação de união de facto terminada em outubro de 2008.
Por despacho de 15 de abril de 2011, transitado em julgado, para além de se ter corrigido a forma de processo, determinou-se ainda, por efeito da incompetência, a sua distribuição pelos Juízos Cíveis.
Distribuído o processo ao 9.º Juízo Cível, por despacho de 26 de junho de 2011, foi indeferida a petição inicial, por incompetência absoluta do Tribunal, por se “entender que a competência para conhecer da presente ação compete aos Tribunais de Família, por força da equiparação das uniões de facto à situação jurídica decorrente do casamento, nas matérias expressamente previstas na lei” (fls. 45).
Não se conformando com essa decisão, recorreu a Requerente e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) A não consideração expressa da competência do tribunal de família para as uniões de facto não pode deixar de impor a conclusão de que a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, restringe a sua competência às relações familiares fundadas no casamento.
b) Para o pedido de atribuição da casa de morada de família que não respeitam a cônjuges são competentes os Juízos Cíveis.
c) O despacho recorrido violou o disposto nos arts. 77.º e 81.º, alínea a), da Lei n.º 3/99.
Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida.
O Requerido não contra-alegou.
Cumpre, desde já, apreciar e decidir.
Neste recurso, discute-se, essencialmente, a competência material dos juízos cíveis para conhecer do pedido de atribuição da casa de morada de família no caso de rutura da união de facto.

II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Descrita a dinâmica processual relevante, importa então conhecer do objeto do recurso, delimitado pelas respetivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente acaba de se especificar.
Está, pois, em causa a competência material para conhecer do pedido de atribuição da casa de morada de família em caso de rutura da união de facto, nomeadamente se tal competência está atribuída aos tribunais de família ou aos tribunais cíveis, sendo certo, pelos termos como a questão vem colocada, não estar já em causa o procedimento a que se refere a alínea b) do n.º 1 do art. 5.º do DL n.º 272/2001, de 13 de outubro.
Entre as medidas de proteção das uniões de facto, conta-se a que se refere à casa de morada de família em caso de rutura, no sentido de que o disposto nos artigos 1105.º e 1793.º do Código Civil é aplicável, com as necessárias adaptações, em casos de rutura da união de facto, conforme decorre do art. 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, na redação dada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto.
Ao pedido de atribuição da casa de morada de família corresponde a forma de processo de jurisdição voluntária, tal como está previsto no art. 1413.º do Código de Processo Civil (CPC).
Sendo o pedido de atribuição da casa de morada de família formulado por um dos cônjuges, a competência material, para conhecer de tal pretensão jurídica, cabe aos tribunais de família, nos termos expressos na alínea a) do art. 81.º da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro (LOFTJ).
Mas, sendo o pedido de atribuição da casa de morada de família proveniente de um membro da união de facto, não existe disposição legal específica a atribuir a competência material aos tribunais de família, não obstante a afinidade possível de encontrar entre a união de facto e o casamento.
Esta circunstância determina que a LOFTJ restringiu tal competência somente aos cônjuges, excluindo a situação dos membros da união de facto, designadamente as ações para a atribuição da casa de morada de família. Poderá afirmar-se, no entanto, que a questão não se colocava, já que as medidas de proteção da união de facto apenas vieram ter consagração legal em momento posterior, nomeadamente através da Lei n.º 135/99, de 28 de agosto. A objeção poderia até ser pertinente, se a LOFTJ se tivesse mantido inalterada depois da consagração legal das medidas de proteção da união de facto. Mas, isso não sucedeu, tendo a LOFTJ sofrido várias alterações, sem que, quanto à competência material dos tribunais de família, se introduzisse qualquer modificação, o que não pode deixar de constituir uma clara manifestação da vontade do legislador.
De resto, a definição da competência material dos diferentes tribunais é feita positivamente em termos explícitos e inequívocos, de modo a prevenir eventuais conflitos (negativos) de competência, com consequências sempre nefastas para a administração da justiça.
Aliás, a Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, que revogou a Lei n.º 3/99, mas que entrou em vigor parcelarmente (art. 171.º, n.º 1), não sendo aplicável ao caso dos autos, veio a inovar neste âmbito, da competência material dos juízos de família e menores, consagrando tal competência, quer nos processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges, quer nos processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum – art. 114.º, alíneas a) e b).
No entanto, enquanto se mantiver a vigência da Lei n.º 3/99, o tribunal de família não tem competência material para conhecer da ação de atribuição da casa de morada de família em caso de rutura da união de facto.
Este sentido está, igualmente, expresso no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2011 (Processo n.º 4162/09.3TBSTB.E1.S1), acessível em www.dgsi.pt.
Também, no mesmo sentido, se pronunciaram antes os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de setembro de 2010 (Processo n.º 113/10.0TMLSB.L1-7), de 17 de Junho de 2010 (Processo n.º 3126/09.1TCLRS.L1-6) e de 19 de abril de 2007 (Processo n.º 452/07-2), acessíveis em www.dgsi.pt.
Em face da conclusão a que se chegou, a competência material para conhecer da ação de atribuição da casa de morada de família em caso de rutura da união de facto (que pressupõe a declaração judicial da dissolução da união de facto – art. 8.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio), residualmente, cabe aos juízos cíveis, nos termos do art. 99.º da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro.
Assim, competindo a competência material aos juízos cíveis para conhecer do pedido formulado na ação, não pode manter-se a decisão recorrida, que, por isso, deve ser revogada.
2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:
I. Na vigência da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro (LOFTJ), o tribunal de família não tem competência material para conhecer da ação de atribuição da casa de morada de família em caso de rutura da união de facto.
II. Essa competência cabe, residualmente, aos juízos cíveis, nos termos do art. 99.º da Lei n.º 3/99.
2.3. Não tendo as partes dado causa ao recurso, não havendo vencimento e quem do recurso tire proveito, não há lugar ao pagamento de custas – art. 446.º, n.º 1, do CPC.

III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
Conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2012

Olindo dos Santos Geraldes
Fátima Galante
Manuel José Aguiar Pereira