Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7/07.7TTLRS-A.L1-4
Relator: ISABEL TAPADINHAS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
DOCUMENTO NOVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/06/2012
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – Se os documentos em que se fundamenta o pedido de revisão puderem ser obtidos através de certidões, sobre o requerente incumbia o ónus de instruir o processo de harmonia com tais provas, por tal obtenção estar ao seu alcance, incumbindo-lhe proceder a consultas e buscas; a situação não é assimilável aqueloutra em que o documento é desconhecido, por se encontrar em poder da parte adversa, ou de terceiro, ou não poder ser obtido a tempo de ter sido utilizado na acção revidenda.
II – Deve ser de imputada à parte a não obtenção de documentos a que poderia aceder através de certidão emitida por entidade ou repartição pública, não sendo relevante a mera alegação de superveniência do conhecimento de documentos autênticos.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Relatório
Nos autos de acção emergente de acidente de trabalho com processo especial a que este está apenso, foi, por sentença de fls. 98, proferida em 30.04.2008, homologado o acordo alcançado em sede de tentativa de conciliação, verificada na mesma data, através do qual a AA – Companhia de Seguros, S.A. declarou aceitar a existência e caracterização do acidente ocorrido em 20.12.2006, como de trabalho, o nexo de causalidade entre esse acidente e as lesões sofridas, que causaram a morte do sinistrado BB, e, bem assim, a retribuição auferida, conciliando-se, pois, com a pretensão dos beneficiários, CC, por si e em representação do filho menor DD, (fls. 91 a 97).
A AA – Companhia de Seguros, S.A., veio, em 29 de Abril de 2011, interpor recurso de revisão daquela sentença, alegando, em síntese, que:
- em Março de 2011, solicitou à beneficiária CC a prova de manutenção de requisitos do direito a pensão (a designada “prova de vida”);
- no seguimento desse pedido, a beneficiária apresentou, em 10.03.2011, a referida “prova de vida” (doc. 1 – fls. 11), acompanhada de uma cópia do seu Bilhete de Identidade e NIF (doc. 2 – fls. 12), cópia de documento bancário para justificação de NIB (doc. 3 - fls. 13) e uma Certidão extraída do Registo Civil, em 07.03.2011 (doc. 4 - fls. 14 a 16);
- através desses documentos, especialmente a Certidão do Registo Civil, ficou a recorrente a saber que, por decisão da Conservatória do Registo Civil de Loures, de 18.03.2004, transitada em julgado em 29.03.2004, fora declarada a separação de pessoas e bens entre os cônjuges, a aqui beneficiária CC e o infeliz sinistrado;
- tal facto jurídico tinha, e tem, toda a relevância para efeitos da fixação dos direitos da beneficiária resultantes do acidente de trabalho dos autos;
- na verdade, como agora se vê, à data do óbito do sinistrado, a beneficiária estava dele judicialmente separada;
- assim, a beneficiária só teria direito a uma pensão, desde que, à data do acidente, tivesse direito a alimentos do sinistrado, fixados judicialmente, na sua medida e desde que os viesse efectivamente recebendo, nos termos do art. 2016.º do Cód. Civil;
- tal prova ainda não foi feita;
- por outro lado, até lhe ser apresentada a Certidão ora junta, a recorrente desconhecia completamente, e sem obrigação de conhecer, que a aqui beneficiária, à data do acidente, estava já separada judicialmente do sinistrado;
- e foi por isso que a recorrente aceitou conciliar-se com a proposta que lhe foi formulada em Tentativa de Conciliação;
- sendo certo que, caso tivesse conhecimento desse facto, jamais teria aceite pagar à beneficiária uma pensão anual e vitalícia, a menos que a mesma fizesse prova cabal dos requisitos exigidos no art. 20.º, nº 1, alínea b) da Lei nº 100/97;
- esta omissão da beneficiária, que sempre se apresentou, simplesmente, como viúva, bem como o completo desconhecimento pela recorrente desse relevante facto, induziram em erro os seus serviços, que agiram nos autos principais na convicção de que, entre as obrigações da recorrente, se contava a prestação à beneficiária;
- a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando, designadamente, se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida - art. 771.º, alínea c) do Cód. Proc. Civil);
- ainda, e à cautela, a mesma revisão pode ser decidida quando se verifique a nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundou – art. 771.º, alínea d) do Cód. Proc. Civil);
- à recorrente afigura-se que se verificam ambas as condições ou pressupostos do recurso de revisão;
- efectivamente, o documento junto, que aqui se dá por integralmente reproduzido, só foi conhecido pela recorrente após solicitação efectuada à beneficiária para comprovar a manutenção dos requisitos do direito a pensão, pelo que dele não poderia ter feito uso no processo principal;
- sendo certo que tal documento, a ser conhecido, conduziria a decisão mais favorável à ora recorrente, fosse ela a sua absolvição total, fosse a sua condenação parcial;
- por outro lado, e como já se disse, o desconhecimento desse documento, e do facto jurídico que demonstra, induziu os serviços da recorrente em erro, levando-os a adoptar um procedimento que jamais adoptariam se aquele facto fosse conhecido, assim como jamais emitiriam a declaração de conciliação dos autos principais;
- tal constitui fundamento de pedido de revisão da douta sentença transitada em julgado;
- deste modo, a recorrente tem direito a ver modificada a douta sentença homologatória da conciliação, e, consoante a aqui beneficiária, ou não, prova da verificação dos requisitos do art. 20.º, nº 1, alínea b) da Lei nº 100/97, deverá ser condenada na pensão calculada nessa base legal, ou, absolvida da obrigação de pagar a pensão em que foi condenada;
- na exacta medida da prova que for, ou não, efectuada pela beneficiária, terá a recorrente ainda o direito a ser reembolsada pela beneficiária das quantias indevidamente pagas, e a apurar, uma vez que, se assim não fosse, subsistiria da sua parte um injusto enriquecimento à custa do património da recorrente;
- nesta data a recorrente já entregou à beneficiária a título de pensões e subsídio de funeral, a si respeitantes, a quantia total de 14 626,80 € (docs. 5 a 8 – fls. 17 a 20).
Concluiu da seguinte forma:
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve o presente recurso de revisão ser julgado procedente, ordenando-se os demais termos até final, sendo revogada a douta sentença homologatória proferida nos autos principais, que deverá ser substituída por nova sentença que condene a recorrente no pagamento à beneficiária CC de uma pensão calculada nos termos do artº 20, nº, b) da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, ou, caso a tal não haja lugar, a absolva do pagamento dessa pensão, mais condenando a mesma beneficiária a restituir à recorrente a quantia de 14.626,80 €, ou outra que resulte de eventual prova a produzir pela beneficiária, acrescida de juros de mora vincendos até efectivo reembolso, com as demais consequências legais.
Admitido o recurso e notificado o requerimento ao Ministério Público que patrocinara a beneficiária, CC e aqui recorrida no âmbito do processo principal, veio o mesmo requerer a junção aos autos de certidão da decisão a que se reporta o averbamento 2 da Certidão de fls. 14 a 16, ou seja, da referida declaração de separação de pessoas e bens, pretensão que foi deferida encontrando-se a fls. 36 a 39 a certidão da acta de conferência do processo de separação de pessoas e bens por mútuo consentimento.
A recorrida, que, entretanto, constituiu mandatário, respondeu nos termos constantes de fls. 41 a 45 e concluiu da seguinte forma:
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser negado provimento ao recurso, sendo este julgado improcedente, com todas as consequências legais.
A recorrente respondeu , alegando que:
- é profundo e fatal o equívoco da recorrida, que, basicamente, alicerça a sua defesa na, por si alegada, existência nos autos de um seu assento de nascimento, desde data anterior à da tentativa de conciliação;
- porém, tal facto, a ser verdade, nenhuma razão lhe confere;
- com efeito, a recorrente desconhece ainda hoje se é verdade o que alega a recorrida, pois que, efectivamente, não tomou conhecimento de que aos autos tivesse sido junto o documento agora por ela invocado, sendo certo que jamais lhe foi notificada uma tal suposta junção;
- de todo o modo, do conteúdo de um tal suposto documento não foi dado atempado conhecimento à recorrente;
- assim, na data tentativa de conciliação, a recorrente apenas se viu confrontada com os factos constantes do respectivo Auto, e com a proposta do Digno Magistrado do Ministério Público, que, de resto, em conjugação com os elementos já em seu poder, logo lhe mereceu a natural conciliação;
- ou seja: o erro em que foram induzidos os serviços da recorrente decorreu, justamente, do facto de a recorrida ter sido sempre identificada como “viúva” do infeliz sinistrado, o que lhe conferia direito à pensão, mas nunca sendo dado a conhecer que, além de viúva, a recorrida era já dele “separada de pessoas e bens”: tal só em Março de 2011 foi conhecido;
- por outro lado, não invoque a recorrida a inobservância pela recorrente de qualquer “dever de diligência”, pois que a alegada existência de documentos nos autos, sem que os mesmos lhe sejam, ou tenham sido, notificados, não pode acarretar qualquer ónus, nem lhe sendo, de forma alguma, exigível que tivesse de consultar os autos antes da conciliação, ou os serviços públicos competentes, mormente quando os dados apresentados pela candidata a beneficiária nenhuma dúvida sugeriam.
Conclui da seguinte forma:
Nestes termos, deve ser julgada improcedente a defesa por excepção deduzida pela recorrida, sendo que, em face da posição por ela agora assumida, deverá o presente recurso ser julgado, já em fase de saneamento, de acordo com a segunda parte do pedido formulado no requerimento inicial.
A fls. 63 a 80 o Ministério Público interveio como parte acessória, concluindo pelo inexistência de fundamento para o recurso.
Seguidamente foi proferido despacho, indeferindo o requerimento por se ter entendido que não se mostravam verificados os requisitos da alínea c) do art. 771.º do Cód. Proc. Civil, não podendo, por isso, o pedido de revisão ser atendido.
Aí se escreveu, na parte que aqui interessa, o seguinte:
A questão a apreciar consiste em saber se face ao documento apresentado pelo recorrente, como fundamento legal para a revisão da sentença transitada em julgado, que homologou acordo obtido em sede de tentativa de conciliação, se o recurso de revisão, com fundamento no art.º 771º, alíneas c) do Código de Processo Civil, deve proceder.
O documento em causa encontra-se junto a fls. 14 a 16, e trata-se de um assento de nascimento da beneficiária ....
Em primeiro lugar, não pode considerar-se, atendendo à data da decisão constante do Assento, 18-3-2004, e da decisão homologatória cuja revisão se requer 30-04-2008, que o documento aqui em causa possa considerara-se novo documento, em relação àqueles que foram utilizados no processo.
No que respeita ao segundo requisito, ou seja, a impossibilidade de apresentação dos documentos no processo em que foi proferida a decisão revivenda, o mesmo verifica-se quando a parte desconhecia a existência do documento ou, não a desconhecendo, não lhe era possível aceder ao documento, desde que em qualquer desses casos tal não lhe seja imputável; ou então, quando a apresentação não lhe era possível porque o documento não existia.
No requerimento de interposição do recurso de revisão, a recorrente invocou “(..) Até lhe ser apresentada a certidão ora junta, a recorrente desconhecia completamente, e sem obrigação de conhecer, que a aqui beneficiária CC, à data do acidente, estava já separada judicialmente do sinistrado.”
Convenhamos que a alegação é pouco clara. Com efeito, parece-nos que competia à recorrente, certificar-se através de documento idóneo, do estado civil dos beneficiários das pensões que acorda em pagar. Tanto mais, que no caso concreto se trata de um documento a que teria acesso, pelos vistos, se não o solicitasse à respectiva Conservatória do Registo Civil, sempre o poderia solicitar à própria beneficiária.
A recorrente não procedeu com a diligência que lhe era exigida no caso concreto, munindo-se de uma simples certidão da Conservatória do Registo Civil, a que teria acesso se quisesse. Optando por não o fazer, não pode agora alegar que se trata de um documento nos termos previstos no art. 771º, al C) do CPC.
Como salienta o Professor Alberto dos Reis, “O que é essencial é que não seja imputável à parte vencida a não produção do documento no processo anterior [op. cit. p.355].
Neste caso, porém, só se pode concluir que é imputável à recorrente a não produção dos documentos no processo anterior, por não ter diligenciado oportunamente por obtê-lo e apresentá-lo, como lhe competia.
Conclui-se, pois, que não se mostram verificados os dois primeiros requisitos plasmados na al. C) do art. 771º do CPC, sendo tal quanto basta para conduzir à improcedência do recurso.
Inconformada, a AA – Companhia de Seguros, S.A. veio interpor recurso de apelação dessa decisão, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(...)
No requerimento de interposição do recurso veio arguir nulidades processuais e a nulidade da decisão recorrida.
O Ministério Público contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.
Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
No caso em apreço, não existem questões que importe conhecer oficiosamente.
Uma vez que as nulidade processuais invocadas no requerimento de interposição do recurso foram indeferidas, não constituindo o respectivo despacho objecto de qualquer recurso, as questões colocadas no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684.º, nº 3 e 685.º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil são as seguintes:
1.ª – nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
2.ª – falta de verificação dos fundamentos invocados para o recurso de revisão.
Fundamentação de facto
Com interesse para a questão que nos ocupa, estão provados os seguintes factos:
1. No dia 20 de Dezembro de 2006, em Espanha, o sinistrado, BB foi vítima de um acidente de viação simultaneamente de trabalho, quando prestava serviço sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade Transportes EE, Lda, com a categoria profissional de motorista (fls. 91 a 97 do processo principal).
2. No dia 30.04.2008 realizou-se tentativa de conciliação na qual a recorrente AA – Companhia de Seguros, SA, confessou reconhecer a beneficiária CC como sendo viúva do sinistrado BB e comprometeu-se a pagar àquela, além do mais:
- uma pensão anual e vitalícia – actualizável conforme o disposto no art. 6.°, nº 1, do Decreto-Lei nº 142/99, de 30.04, no montante de € 2568,00;
- com início em 21.12.2006, até perfazer 65 anos de idade e, a partir desta idade, a pensão anual e vitalícia de € 3424,00;
- € 2315,40 a título de subsídio por morte (fls. 91 a 97 do processo principal).
3. O referido acordo foi homologado por sentença datada de 30.04.2008 (fls. 91 a 97 do processo principal).
4. A pensão anual e vitalícia em referência atingiu entretanto o montante actualizado de € 2772,60, com efeitos desde 01.01.2011.
5. Na data em que foi interposto o presente recurso a recorrente tinha entregado à beneficiária a título de pensões e subsídio de funeral, a si respeitantes, a quantia total de 14 626,80 € (docs. de fls. 17 a 20).
6. Por decisão da Conservatória do Registo Civil de Loures, de 18.03.2004, transitada em julgado em 29.03.2004, foi declarada a separação de pessoas e bens entre o sinistrado e a viúva CC (averbamento nº 3, maço n° 7, datado de 6.02.2007, ao assento de nascimento constante de fls. 53 do processo principal, junto àquele processo em 3 de Abril de 2007).
7. E o sinistrado e a viúva CC foram considerados separados de pessoas e bens por mútuo consentimento, no âmbito do qual ambas as partes acordaram em prescindirem reciprocamente do direito à prestação de alimentos (certidão da acta de conferência do processo de separação de pessoas e bens por mútuo consentimento junta a fls. 36 a 39 do presente recurso).
8. Da certidão do assento de nascimento da recorrida, datada de 7 de Março de 2011, junta a fls. 14 a 16 consta o averbamento nº 2, de 16 de Maio de 2008, com o seguinte teor:
Declarada a separação de pessoas e bens entre os cônjuges do casamento averbado sob o nº 1 por decisão de 18.03.2004, transitada em julgado em 29.03.2004, proferida pela Conservatória do Registo Civil de Loures.
Fundamentação de direito
Quanto à 1.ª questão (nulidade da sentença por omissão de pronúncia):
A este respeito a recorrente alega que o recurso de revisão tem como fundamento as alíneas c) e d) do art. 771.º do Cód. Proc. Civil mas que apenas foi apreciado o recurso tendo como fundamento a alínea c), nada sendo apreciado quanto ao fundamento da alínea d).
Como resulta do nº2 do art. 660.º do Cód. Proc. Civil, o juiz deve resolver na sentença todas as questões (não resolvidas antes) que as partes tenham suscitado, e apenas essas.
A nulidade invocada está prevista na alínea d), do nº 1, do art. 668.º, do Cód. Proc. Civil e está directamente relacionada com o comando que se contém no citado nº 2, do art. 660.º, servindo de cominação ao seu desrespeito.
A nulidade invocada foi indeferida pelo tribunal a quo com a seguinte fundamentação:
(...) cumpre referir que o Tribunal nada disse, atendendo a que a Recorrente, para além da conclusão que teceu no art. 20º do requerimento de fls. 3, não integrou o referido conceito com quaisquer factos que permitissem ao Tribunal verificar se tal requisito (mencionado na al. D do art. 771º do CPC) se encontrava ou não reunido, pelo que mais não nos restou senão concluir que (Cfr. Fls. 86) “…Conclui-se, pois, que não se mostram verificados os dois primeiros requisitos plasmados na al. C) do art. 771º do CPC, sendo tal quanto basta para conduzir à improcedência do recurso.”.
Não acompanhamos esta decisão.
De facto, a fundamentação nela aduzida levaria a que, pelo menos isso, se consignasse na sentença sindicada, concluindo-se pela improcedência do fundamento referido na alínea d) do art. 771.º do Cód. Proc. Civil.
Declara-se, pois, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, o que não impede que este Tribunal conheça do objecto da apelação – art. 715.º, nº 2 do Cód. Proc. Civil.
Quanto à 2.ª questão (falta de verificação dos fundamentos invocados para o recurso de revisão):
O recurso de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado, a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativas indicadas na lei (Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª ed., pág. 333).
Mais adiante o mesmo autor citando Alberto dos Reis:
Bem consideradas as coisa, estamos perante uma das revelações do conflito entre exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza.
Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar beneficio que a decisão atribui à parte vencedora.
Justamente, por isso e de harmonia com o disposto no art. 771.° do Cód. Proc. Civil, a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de recurso revisão, o qual reflecte o conflito que pode ocorrer entre as exigências de justiça e a necessidade de segurança e certeza, nos seguintes casos:
a) Quando se mostre, por sentença criminal passada em julgado, que foi proferida por prevaricação, concussão, peita, suborno ou corrupção do juiz ou de algum dos juízes que na decisão intervieram;
b) Quando se verifique a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. A falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever;
c) Quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Quando se verifique a nulidade ou a anulabilidade da confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundasse;
e) Quando, tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a sua citação ou é nula a citação feita;
f) Quando seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente” – redacção dada pelo artigo 1° do Decreto-Lei n° 38/2003, de 8 de Março).
O presente recurso assenta na previsão do preceituado na alíneas c) e d) do art. 771.° Cód. Proc. Civil.
Analisemos, então, cada uma destas hipóteses.
No que concerne à alínea c) – [q]uando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida – verificamos que lei exige a verificação dos seguintes requisitos:
(1)que o documento seja novo;
(2) que a parte não tivesse conhecimento dele ou não tivesse podido fazer uso;
(3) que por si só seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Quanto ao l.º requisito (novidade), não quer com ele significar-se que a formação do documento tem de ser posterior ao trânsito em julgado da sentença a rever. Pode tratar-se de documento que já existia ao tempo em que correu o processo anterior; as palavras e de que a parte não tivesse conhecimento dele ou não tivesse podido fazer uso inculcam precisamente que o documento já existia, mas a parte não pôde socorrer-se dele ou porque o desconhecia, ou porque não o teve à sua disposição.
Ora, no caso em apreço, o documento que a recorrente vem juntar e com o qual pretende demonstrar que à data da prolação da sentença desconhecia que a recorrida estava separada de pessoas e bens do sinistrado não é novo, visto que, na parte que aqui interessa, se limita a repetir o averbamento nº 3, maço n° 7, datado de 6.02.2007, ao assento de nascimento constante de fls. 53 do processo principal, junto àquele processo em 3 de Abril de 2007.
Verifica-se, pois, que, aquando da realização do sobredito acordo para fixação das prestações reparatórias decorrentes do acidente de trabalho que vitimou o acidentado e prolação da sentença objecto de revisão, já constava registado no assento de nascimento da viúva o seu anterior estado de separação de pessoas e bens em relação ao acidentado.
Argumenta a recorrente que tal documento de fls. 53 não lhe foi notificado, o que corresponde à verdade.
Vejamos, então se, por isso, a recorrente não tinha conhecimento do documento ou dele ou não tinha podido fazer uso, 2.º requisito apontado.
Para verificação deste requisito é necessário que à parte vencida tivesse sido impossível fazer uso do documento no processo em que decaiu. Se a parte tinha conhecimento da exis­tência do documento e podia servir-se dele, não tem direito à revisão; se o não apresentou foi porque não quis; sofre, portanto, a consequência da sua determinação ou da sua negligência. Desde que podia utilizar o documento, devia utilizá-lo, para não sujeitar o tribunal a emitir uma decisão sobre dados incompletos; porque assim não procedeu, perdeu o direito a aproveitar-se do documento (Alberto dos Reis “Código de Processo Civil Anotado”, vol. VI, págs. 353 a 355).
Acontece que, como resulta dos arts. 4.º, 211.º, 273.º, 274.º e 214.º do CRC, os factos publicitados mediante o lançamento da inscrição/averbamento dos mesmos no respectivo registo presumem-se conhecidos e, por conseguinte, são oponíveis a terceiros, presunção aquela inilidível (Carlos Ferreira de Almeida, “Publicidade e Teoria dos Registos”, pág. 254).
No concernente aos documentos preexistentes à data da prolação da decisão objecto de recurso de revisão, mormente os que podem ser obtidos por certidão nas competentes repartições públicas, esclarece o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 11.09.2007 (doc. nº SJ200709110013326, www.dgsi.pt): (...) sobre a parte incumbe o ónus de instruir o processo de harmonia com a prova que repute pertinente, já que tal obtenção está ao seu alcance, devendo proceder a consultas e bascas; a situação não é assimilável aqueloutra em que o documento, por se encontrar em poder da parte adversa, ou de terceiro, só com dificuldade pode, ou não pode mesmo, ser obtido. Assim, deve ser de imputar à parte a não obtenção de um documento a que poderia aceder através de certidão emitida por entidade ou repartição pública, não sendo relevante a mera alegação de superveniência, lato sensu, do documento.
Conclui-se, assim,que podendo o recorrente fazer uso de documento preexistente à data da decisão objecto de revisão mediante obtenção da competente certidão junto das competentes repartições – note-se que ressalvadas as excepções enumeradas no art. 214.º do CRC [q]ualquer pessoa tem legitimidade para requerer certidão dos registos constantes do registo civil -, aquele só não fez uso atempado de tal documentos por não ter usado de diligência razoável em o obter.
E no referido acórdão de 11.09.2007 acrescenta-se:
A parte que só tardiamente obteve o documento que, poderia ter obtido antes, não pode beneficiar desse facto, sob pena de se abrir a porta à revisibilidade de decisões transitadas com uma facilidade que se não compagina com a certeza e o rigor do caso julgado.
Conclui-se, deste modo que a mera alegação da superveniência do conhecimento do teor do averbamento de registo, preexistente, de uma decisão de homologação de acordo de separação judicial de pessoas e bens não preenche o fundamento excepcional de revisão a que alude a alínea c) do art. 771.° do Cód. Proc. Civil.
Vejamos, agora, se se mostram preenchidos os requisitos da alínea d) do art. 771.º do Cód. Proc. Civil – [q]uando se verifique a nulidade ou a anulabilidade da confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundasse.
A este respeito alega a recorrente que a ser conhecido o documento que ora vem juntar, conduziria a decisão mais favorável à recorrente, fosse ela a sua absolvição total, fosse a sua condenação parcial e que o desconhecimento desse documento e do facto jurídico que demonstra, induziu os serviços da recorrente em erro, levando-os a adoptar um procedimento que jamais adoptariam se aquele facto fosse conhecido, assim como jamais emitiriam a declaração de conciliação dos autos principais.
Dispõe o art. 301.º, nº 1 do Cód. Civil:
A confissão, a desistência e transacção podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros actos da mesma natureza, sendo aplicável à confissão o disposto no n° 2 do artigo 359° do Código Civil.
Segundo este art. 359°:
A confissão, judicial ou extrajudicial pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios de vontade.
Ora, não foram alegados quaisquer factos passíveis de fundamentar uma hipótese de erro na transmissão da declaração como também não foram alegados quaisquer factos capazes de fundamentar que a vontade da recorrente, ou dos seus representantes, estava viciada por erro, quando se conciliaram com a viúva e, concomitantemente e por haver erro, que ocorreu uma alteração anormal das circunstâncias vigentes no momento da conciliação.
Senão, vejamos.
Tal erro apenas poderia abarcar o erro obstáculo e o erro motivo.
O erro-obstáculo ou erro na declaração em que teria incorrido o legal representante da recorrente no acto de tentativa de conciliação, traduzir-se-ia na circunstância de o mesmo de ter declarado algo que não correspondia à sua vontade real, estando o respectivo regime previsto no art. 247.° do Cód. Civil, onde se lê o seguinte:
Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
A verificar-se essa hipótese, não se vê como poderia ser procedente a anulabilidade, já que a viúva não conhecia, nem tinha que saber, qual seria o sentido da vontade real da seguradora — considerá-la, ou não, como beneficiária legal por morte do acidentado.
No erro-motivo ou erro-vício, existiria conformidade entre a vontade real e a vontade declarada, simplesmente, a vontade real teria sido consequência do erro. Se não fosse, o recorrente (declarante) não teria pretendido realizar o negócio, pelo menos nos termos em que o efectuou — arts. 251° 252° e 437° do Cód. Civil.
Tendo como epígrafe “Erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio” dispõe o art. 251.º do Cód. Civil:
O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objectivo do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247°.
No que concerne ao erro sobre os motivos diz o art. 252.ºdo Cód. Civil
1 - O erro que recai nos motivos determinantes da vontade, mas se não se refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconheci-do, por acordo, a essencialidade do motivo.
2 — Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído.
No caso vertente, o erro, a existir, não diz respeito à pessoa do declaratário (viúva), nem ao objecto do negócio (conciliação), podendo sim ter recaído eventualmente sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio, estabelecendo, a esse respeito e por força do disposto no n° 2 do art. 252.° do Cód. Civil, o art. 437.º do mesmo corpo de leis o seguinte:
1 – Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificaçõo dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
2- Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.
Ora, a recorrente não alegou nenhuma circunstância concreta vigente na altura da conciliação, que motivou a sua vontade real, que posteriormente sofreu uma alteração anormal, limitando-se a trazer à colação, no que ao fundamento previsto na alínea d) do art. 771.º do Cód. Proc. Civil respeita, a superveniência do documento antes referido e já analisada que invocou para integrar o fundamento referido na alínea c) do mesmo art. 771.º, documento esse de que devia ter conhecimento, de modo que se não teve sibi imputet, só a ela sendo de assacar o facto de ter emitido a declaração que emitiu, aceitando a obrigação do pagamento da pensão à recorrida.
Improcedem, assim, quanto a esta questão, as conclusões do recurso.


Decisão
Pelo exposto:
- declara-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- conhece-se do objecto do recurso e julga-se a apelação improcedente.
Custas pela apelante.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2012

Isabel Tapadinhas
Decisão Texto Integral: