Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2199/05.0TBMFR.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: VÍCIO DE VONTADE
ERRO NA DECLARAÇÃO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I – Não Constitui nulidade da sentença o facto de no âmbito de acção em que é pedida a nulidade dum contrato de compra e venda se ter decidido a anulação do negócio jurídico.
II – No erro-vício, a lei não exige o conhecimento do erro, contentando-se com a cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que ele incidiu, embora este conhecimento possa não ter suscitado ao declaratário qualquer suspeita ou dúvida acerca da correspondência entre a vontade real e a declarada.
III – Não é legalmente admissível, em sede de erro da vontade, condenar o declaratário a outorgar uma escritura de compra e venda de um imóvel que apenas correspondia à vontade real dos vendedores vender.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTE/RÉU: “A” (Representado em juízo, inicialmente, juntamente com outro, pela ilustre advogada E... ..., com escritório em L..., conforme instrumento de procuração de fls. 75 dos autos).

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APELADOS/AUTORES: “B” e “C”, “D” e “E”, “F” (este último, entretanto falecido em 22/04/2010; por decisão de 29/10/2010, de fls. 345 do II volume, foram habilitados para na posição do falecido prosseguirem a acção, os anteriormente referidos, todos representados em juízo, juntamente com outra, pelo ilustre advogado R... ... ..., com escritório em M..., conforme instrumentos de procuração de fls.  49/51  dos autos)
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Com os sinais dos autos.
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Propuseram os Autores contra os Réus acção declarativa com processo que indicaram ser o sumário e a que atribuíram o valor de 2 500,00 EUR (cujo valor veio a ser fixado por despacho de 10/03/06, na sequência da contestação, em 16 423,50 EUR, passando a correr sob a forma ordinária) onde pedem:
a) a declaração da nulidade e nenhum efeito do contrato de compra e venda exarado na escritura pública identificada no art.º 4.º;
b) o cancelamento da inscrição G-1 efectuada a favor do Réu e incidente sobre a descrição predial .../M... (antiga descrição ... a fls. 88 do Livro B.92) da Conservatória do Registo Predial de M...;
c) a condenação do Réu a outorgar outra escritura que tenha por objecto o prédio rústico inscrito na matriz cadastral no artigo 6 da secção D da freguesia da ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o n.º ... a fls. 3 do Livro B-14…, pelo preço acordado de 2.5000 (dois mil e quinhentos euros), tudo com custas e condigna procuradoria a seu cargo.
Em suma disseram:
· Tendo falecido a 5/11/04 “G” também conhecida por “G”, no estado de casada com o Autor “F”, deixou a mesma, como seus sucessores e únicos herdeiros, o aludido “F”, e os filhos “B” e “D”, ora Autores; a aludida e falecida “G” e “F” acordaram com o ora Réu vender-lhe um seu prédio rústico denominado “A S...” pelo preço de 2.500,00 EUR, acordo celebrado através da mãe do Réu, que disse na oportunidade ser proprietária do prédio rústico confinante com aquele “A S...” que é um mato com 5.750 m2 numa vertente inclinada, de pouca valia, dai o preço acordado (art.ºs 1 a 4)
· Não tendo os vendedor “F” e “G”, pessoas de 75 e 74 anos respectivamente, encontrado a documentação do prédio, foi o comprador que da documentação tratou, e, tendo a escritura sido marcada para 20/07/04, foi o comprador Réu quem transportou os vendedores até ao Notário; ao ouvir ler a escritura os vendedores não se aperceberam que a identificação do imóvel a ser vendido não correspondia ao que tinham acordado vender, e ao ouvirem falar de “Ribeira ... Pinta”, como o prédio negociado “A S...” confina com a ribeira com tal nome, julgaram estar tudo bem; o Réu sabia com precisão qual o prédio que comprara e quais os seus limites dado que o Autor “F” o havia acompanhado a seu pedido a fim de lhe indicar a estremas quer do lado do prédio pertencente à sua mãe quer do lado do prédio que pertenceu a “H”, vindo a adquirir o prédio situado a sul daquele que o Autor “F” lhe vendeu e que pertencera a “H”, também propriedade dos vendedores e que conhecem pelo nome de “I...”, que é uma vinha com 10.625 m2,  e não uma terra de mato com 5.750 m2, valendo aquele 40 vezes mais que este e apesar de interpelado para proceder á rectificação da escritura o Réu furtou-se a tal (art.ºs 5 a 18)
· Sendo os vendedores pessoas do campo, de idade avançada e de rudimentar nível cultural não se aperceberam, quando a escritura lhes foi lida, da divergência e só se aperceberam dela quando, falecida a vendedora “G”, se procedeu à recolha de elementos para organizar a relação de bens para instruir o processo de imposto de selo por óbito daquela, verificando, então, que se encontrava em seu nome, ainda, o prédio rústico “A S...”, o mesmo já não acontecendo com a “I...”, que consta da escritura referida, prédio em que o Réu jamais tentou apoderar-se, já que o Autor “F” é que tem vindo a cultivar a “I...”, cuidando da vinha, cavando a terra, podando e empando as vides, sulfatando, colhendo as uvas no ano agrícola de 2004/2005 tal como nos anteriores; entre as duas propriedades também não pode haver confusão pela geografia já que distam uma da outra 2 Km, 3 Km por caminho a pé. Existiu divergência entre a vontade real e a manifestada por erro quanto ao objecto, já que os vendedores apenas quiseram vender o prédio “A S...” e não o que consta da escritura, sendo que pretendiam deixar aos seus filhos como herança a mencionada vinha, pois é a única terra com valor que possuíam e pode ser vir para construção (art.ºs 19 a 35)
O Réu, citado, veio invocar a ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido de declaração de nulidade e a causa de pedir que apenas justifica a anulação, excepcionar a caducidade do direito de accionar a anulação pelo decurso de mais de um ano relativamente à data em que os Autores tiveram conhecimento do facto fundamentador, a nulidade do meio de prova consubstanciado na carta que o ilustre mandatário dos Autores dirigiu à Ré (art.º 87 do EOA), veio contestar e reconvir, ainda, pedindo a condenação dos Autores  a reconhecer o direito de propriedade do Réu sobre o prédio a restituí-lo, em suma dizendo:
· Admite art.ºs 6, 14, impugna os factos constantes dos art.ºs 7, 26, 34, e todos os outros factos alegados.
· Inexistiu qualquer contrato-promessa entre o R. a sua mãe em seu nome e o Autor “F” e “G”, antes um processo de negociação em que o 1.º Autor mostrou ao Réu várias das sua propriedades incluindo a S... e a I..., nomes que jamais foram referidos nas negociações, sendo que o “F” e falecida esposa e o próprio Réu durante a negociação sempre se referiram ao imóvel vendido como “Vinha da Pinta” ou simplesmente “Vinha” e uma vez na posse da caderneta predial como “Ribeira ... Pinta”, tendo a falec9ida “G” na presença de “F” indicado ao ora Réu a localização do imóvel junto à “Terra Nova” assinalando-o na caderneta predial, o 1.ª Autor propôs ao Réu a venda da “vinha da Pinta” desde que a sua mulher “G” estivesse de acordo, o que aconteceu, propondo os vendedores a venda por 2.500,00 EUR (art.ºs 27 a 40)
· Os vendedores conheciam perfeitamente as sua propriedades, as quais cultivavam, a “S...” não confina com a Ribeira ... Pinta, antes com a Ribeira do Muchalforro, não existiu qualquer erro, o imóvel negociado foi sempre a vinha, e o Réu bem sabia que estava a comprar a vinha, a escritura foi lida e explicada tendo sido mesmo chamada a atenção entre o valor patrimonial da vinha e o valor da respectiva venda, tendo sido um bom negócio para os vendedores porque adquiriram o imóvel em causa por 45 mil escudos, o que os herdeiros pretendem é desfazer injustificadamente o negócio porquanto o prédio, devido à construção do lanço de auto-estrada entre a ...e a ... a 5/5/2005 teve significativa valorização especulativa, assim como devido à construção a 100 metros da vinha de uma urbanização, mas o prédio não tem capacidade construtiva já que se situa na zona de reserva ecológica (art.ºs 41 a 69)
· O Réu não ocupa o terreno que comprou, na medida em que sendo médico de profissão, não se dedica ao cultivo deste nem de nenhum dos outros prédios rústicos de que é proprietário, tem residência na Madeira, onde passa grande parte do seu tempo; inexiste qualquer vício de vontade no negócio (art.ºs 70 a 95.
· O Réu não deu autorização a que o 1.º Autor cultivasse a vinha depois da venda que fez.
No saneador, foram julgadas improcedentes a ineptidão, nulidades e excepção, admitido o pedido reconvencional, organizados os factos assentes e os controvertidos, de que não houve reclamação. Instruídos os autos, foi requerida e deferida a perícia colegial aos prédios cujo relatório se encontra a fls. 212/217 do II volume. De que houve reclamação dos Autores, com resposta do Réu, após o que houve novo relatório de peritagem a fls. 241/243.
Tendo falecido o co-autor “F” em 22/04/2010, por decisão de 29/10/2010, de fls. 345 do II volume, foram habilitados para na posição do falecido prosseguirem a acção, os Autores “B”, “C”, “D” e “E”.
Marcado julgamento, a ele se procedeu nos dias 13/12/2010, 6/01/2011, com gravação dos depoimentos, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto controvertida, dia 21/01/2011.

Inconformado com a sentença de 21/02/2011 que, julgando a reconvenção improcedente por não provada e a acção procedente, por provada e, em consequência, anulou o contrato de compra e venda exarado na escritura pública a que se alude em 4 dos factos provados, ordenou o cancelamento da inscrição G-1 a favor do Réu e condenou o Réu a outorgar outra escritura com o objecto do prédio rústico inscrito na matriz cadastral do art.º 6 da secção D da freguesia da ... descrito na Conservatória respectiva sob n.º ... pelo preço acordado de 2.500,00 EUR, já pago, dela apelou o Réu em cujas alegações conclui:
A. Encontrando-se o julgador vinculado ao dever de fundamentar a sua decisão de facto com elementos de prova objectivos e demonstráveis, assim como à apreciação crítica das provas de acordo com as regras da lógica e da experiência comum (art.º 653/2 do CPC), foram estas regras violadas ao darem-se como provados os factos mencionados sob os números 10 a 27 inclusive. Ao darem-se como provados tais factos foi violado designadamente o disposto no art.º 515 do CPC, que manda tomar em consideração todas as provas produzidas.
B. A resposta aos factos 1, 2, 3 da Base Instrutória (10, 11, 12 da Sentença) deveria ter sido negativa, porquanto:
i) Remetiam tais factos para negociações preliminares ao negócio que nenhuma das testemunhas que o Tribunal considerou credíveis presenciou;
ii) A testemunha “I”, que o Tribunal parece ter relevado, referiu expressamente no seu depoimento nada saber do negócio em questão para além de um momento inicial em que “apresentou” as partes, não havendo qualquer razão para o seu depoimento ser considerado e, muito menos, determinante na resposta dada aos factos em apreciação.
iii) A testemunha “J”, única pessoa que esteve com os vendedores e com o comprador no momento da negociação, negou os factos peremptoriamente, devendo o seu depoimento ser levado em consideração, quanto mais não seja a título de contraprova.
iv) No facto assente designado na alínea I), da matéria de facto, restringem-se ainda tais negociações apenas ao vendedor “F” e ao Réu, donde se tem que retirar que a vendedora “G”, não participou nas negociações ou no acordo a que conduziram; e que o mesmo não foi celebrado através da mãe do Réu (como mencionado no facto 3 da base instrutória).
C. A resposta dada aos factos 4 e 5 da Base Instrutória (13 e 14 da sentença), deveria ter sido negativa, porquanto:
i) Quanto ao facto 4, as testemunhas dos Autores “L” e “M” referiram expressamente que o prédio rústico era mais do que “um mato”. A primeira das testemunhas retirava lenha e a segunda chegou a querer comprar o mesmo para pasto.
ii) Quanto ao facto 5, nenhuma das testemunhas referiu que presenciou a negociação. Pelo que nenhuma teve acesso à fixação do preço e à razão de ter sido fixado aquele preço e não outro.
iii) Ainda quanto a este facto, cotejando o preço, a área e as características do prédio em causa com um outro que o Réu adquiriu logo depois e referido na alínea G), dos factos assentes, verifica-se, ao contrário, do que o facto dado como provado indicia que o preço em questão é bastante elevado para tal terreno.
D. A resposta dada ao facto 6 ( 15 da base instrutória), deveria ter sido negativa, porquanto:
i) O mesmo é contraditório com o facto assente em I), ponto 9 da sentença.
ii) Nenhuma das testemunhas disse que foi o comprador quem tratou da documentação.
iii) A testemunha “L” disse que quem tratou da documentação foi a mãe do Réu.
iv) A mãe do Réu é analfabeta.
E. A resposta dada ao facto 7 (16 da sentença) deveria ter sido negativa, porquanto:
i) “G” jamais se apercebeu que aquela não era o prédio que alegadamente tinha querido vender. Não se apercebeu ao ouvir ler a escritura nem nunca. E tal constatação esvazia de conteúdo este quesito.
ii) Nenhuma das testemunhas ouvidas esteve presente ou acompanhou a escritura em causa.
iii) Quem esteve presente, leu e explicou a escritura aos VENDEDORES foi a senhora Notária, que para o efeito declarou solenemente: “esta escritura foi lida aos outorgantes e aos mesmos foi explicado o seu conteúdo” (doc. 5, junto com a p.i., alínea D), da matéria de facto assentes). A sua declaração faz prova plena (art.º 371 do Cciv). Havendo todas as razões para valorizar esta declaração, não nenhuma razão atendível para a inferiorizar face ao depoimento de testemunhas que nem sequer estiveram presentes no acto.
F. A resposta dada ao facto 9 (17 da sentença), deveria ter sido negativa porquanto:
i) Se terra em causa era, alegadamente, denominada “S...” pelos vendedores, não o era pelo comprador, nem tal vem alegado, pelo que o quesito parte desde logo de um equívoco.
ii) “S...” para o Réu foi a propriedade que o mesmo comprou pouco depois (alínea G) dos factos assentes)
iii) A única testemunha que declarou ter visto “F”  mostrar a “S...” ao Réu (“N”), o Tribunal qualificou como pouco credível.
G. A resposta dada ao facto 10 (18 da sentença), deveria ter sido negativa, devendo, de qualquer forma, o mesmo ser dado como não escrito, pelos seguintes motivos:
i) Nenhuma testemunha refere que o réu cuidou da obtenção dos documentos, tal como já mencionado.
ii) Nenhuma testemunha disse que o Réu ficou a conhecer a composição física do prédio em questão.
iii) O que parece resultar deste requisito é que o réu sabia da composição do prédio porque tratou dos documentos. É uma conclusão. Não é um facto.
H. A resposta dada ao quesito 11, também deveria ter sido negativa, porquanto:
i) Salvo melhor opinião, o que verdadeiramente releva neste quesito é saber se os Vendedores conheciam o prédio exclusivamente pelo nome “Engrés” e não por “Ribeira ... Pinta”. Tudo o resto já consta dos quesitos anteriores.
ii) A testemunha “L”, que o Tribunal considerou credível referiu expressamente que conheciam tal prédio por ambas as designações (o que conduz à conclusão que o poderia perfeitamente identificar na escritura).
I. A resposta dada aos factos 12, 13, 14 (20, 21 e 22 da Sentença), deveria ter sido negativa, pelos seguintes motivos:
i) a instrução de um processo inerente ao imposto de selo ocorre em regra logo após o falecimento e não 3 meses depois dessa data.
ii) O pagamento do IMI, é exigível a partir de Setembro de cada ano, o que determina que os vendedores, a partir de Setembro de 2004, devam ter recebido, como qualquer pessoa que é titular de imóveis, a respectiva liquidação que pensavam ter vendido, existindo pelo menos uma divergência de valores face ao que seria de esperar pagarem. Por isso, o que é razoável supor é que pelo menos a partir de Setembro se tenham  apercebido do erro e não o contrário.
iii) A testemunha “N”s, declarou, expressamente, todas as vezes que lhe perguntaram, que a “G” se apercebeu do erro em vida sendo que faleceu em 5/11/04.
iv) O registo do imóvel em questão foi efectuado muito antes, em 3/07/04. Tal registo destina-se a dar publicidade das situações como a dos autos, pelo que o mesmo se terá de presumir conhecer e não o contrário, sob pena de perversão do sistema instituído.
J. A resposta dada ao facto 15 (23 da sentença), deveria ter sido negativa, pelas seguintes razões:
i) Nenhuma das testemunhas ofereceu o grau de precisão do quesito, nem essa pergunta lhes foi feita.
ii) É incoerente dar-se com o provado que o Autor cultiva a terra, quando é articulado na p.i. a idade avançada e incapacidade do mesmo.
K. O facto 17 (24 da sentença) deve dar-se como não escrito (art.º 646/4 do COC), ou a resposta ao mesmo deve ser negativa, porquanto:
i) “Sabe” e “Sabia” que…são conceitos conclusivos. Não existe, para além disso, na base instrutória qualquer facto que concretize a abstracção inerente a estes conceitos.
ii) Nenhuma das testemunhas que o Tribunal considerou credíveis, tiveram qualquer tipo de contacto com o Réu, pelo que não poderiam saber algo que só o Réu lhes poderia transmitir.
iii) (Talvez por isso mesmo) nenhuma das testemunhas ofereceu depoimento sobre este assunto.
L. O facto 18 (25 da sentença), deve dar-se como não escrito (art.º 646/4 do CPC) ou a resposta deveria ter sido negativa, porquanto:
i) o conceito “jamais emitiriam essa declaração se estivessem conscientes”, é uma conclusão retirada do contexto. O contexto é o art.º 31 da p.i.
ii) Não existe na Base Instrutória qualquer outro facto que concretize a aludida conclusão.
iii) A resposta a este quesito não assenta no depoimento de nenhuma das testemunhas ouvidas.
M. A resposta ao facto 19 (21 da sentença) deveria ter sido negativa, uma vez que o valor do prédio em questão, à data do negócio, não foi apurado na arbitragem e nenhuma das testemunhas, designadamente “M”, revelou qualquer tipo de qualificação ou razão de ciência para saber o preço do prédio.
N. A resposta ao facto 21 (27 da sentença) deveria ter sido negativa ou ter-se o mesmo por não escrito uma vez que, para além de conclusivo, se desconhece qual é a fonte de rendimento em questão, sendo ainda que a idade avançada do Autor não permitiria a intensidade de trabalho que um terreno com a área mencionada exige para dele se poder dizer que retira rendimento (quanto? E com que periodicidade? – apenas resposta a estas perguntas poderia permitir resposta positiva a este quesito).
Quanto à matéria de direito
O. Mediante a prévia interpretação e integração da vontade dos declarantes é possível concluir que no caso dos autos não existe a divergência em que se consubstancia o erro. Vejamos:
i) O que resulta da alegação dos Autores é que o que induziu os vendedores em erro foi a denominação do prédio ser “Ribeira ... Pinta”, já que o que queriam vender era confinantes com uma Ribeira e, por conseguinte, confiaram que era ao mesmo prédio. Não se deu como provado que o prédio que alegadamente queriam vender confiava com uma Ribeira, pelo que não é aceitável o erro alegado.
ii) É contudo, possível, estabelecer uma relação de evidência entre “Ribeira ... Pinta”, “Vinha da Pinta”, ou “Sítio da Pinta”. Tal relação, se houvesse, deveria de imediato, alertar os declarantes para o mesmo.
iii) Para que exista erro é necessário que o declarante o identifique de algum modo. A declarante mulher jamais detectou o erro como tal.
iv) Não foi invocado qualquer tipo de impediente para que os declarantes pudessem identificar correctamente o prédio na escritura.
v) O preço de venda não indicia que não queriam vender aquele prédio porque, ao contrário do alegado, parece ser inferior ao praticado no mercado local.
vi) Numa escritura a obrigatoriedade de ler e explicar o conteúdo aos declarantes, destina-se juntamente a eliminar qualquer margem de erro. É preciso alegar ou que não foi explicado o conteúdo ou qualquer tipo de deficiência física ou outra susceptível de afectar o entendimento para que possa proceder a alegação de erro por se ter percebido mal.
P. Só faz sentido invocar as negociações preliminares para determinar a vontade dos declarantes se os respectivos vendedores e o comprador nela tiverem participado. O que resulta da interpelação feita pelo Mandatário dos Autores ao comprador é que a vendedora não participou nas mesmas; e o que resulta da p.i. é que foi a mãe do comprador que conduziu as negociações.
Q. Quanto aos pressupostos da aplicação do regime do erro sobre o objecto, verifica-se que os Autores não cumpriram o ónus que sobre si impendia de demonstrar a essencialidade do preço e da cognoscibilidade dessa essencialidade por parte do Réu, violando, assim, o disposto no art.º 342/2 do Cciv.
R. Não é irrelavante, ao contrário do que a sentença entendeu, pedir a nulidade ou a anulabilidade do contrato. O regime da anulabilidade é muito mais exigente porque impõe limites temporais e interesse específico na causa para intentar a competente acção. Limites temporais, sob pena de caducidade e interesse específico na causa, sob pena de ilegitimidade. No caso dos autos, é manifesto que os autores pediram a nulidade do contrato porque não reuniam os requisitos mínimos inerentes ao regime de anulabilidade. Em consequência, a sentença ao declarar a anulação quando os Autores pediram a declaração de nulidade e de nenhum efeito do negócio viola o disposto no art.º 668/1/e do CPC.
S. De igual foram não é admissível, nem existe ou foi adiantado qualquer fundamento pelos autores ou pelo Tribunal recorrido para condenar o Réu a celebra outro negócio. Tal condenação viola desde logo o seu direito constitucional à autodeterminação, o que também vai desde já alegado.
Os Autores, em contra-alegações,  em suma dizem:
a) Deve ser mantida a decisão sobre os factos em questão no recurso porque tal resulta dos depoimentos das testemunhas “J”, “I”; “N”, “M”; “L”, “O”;
b) Ocorreu o mencionado erro pela associação entre a propriedade denominada “S...” e a Ribeira de Maciel Forro Ou Ribeira Muchalforo com a qual a referida propriedade confina.
c) A diferença abissal dos valores das duas propriedades em confronto não permitem alicerçar outra conclusão acerca do objecto da compra e venda que não seja a de que o prédio acordado vender foi a S... e que jamais os vendedores alienariam o Engrés da escritura por 2.500,00 EUR.,, que era aterra preferida do vendedor que ele adquirira a prestações com muito sacrifício, donde tirava o rendimento, de nada lhes servindo a S... e o erro na identificação das parcelas foi essencial e o comprador Réu tinha obrigação de conhecer essa essencialidade e o erro dos vendedores do qual se aproveitaram.
d) Não ocorre a nulidade
e) Accionaram os Autores o Réu em devido tempo.
Recebido o recurso, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do recurso.

Questões a resolver:
A) Saber se a sentença é nula por declarar a anulação do negócio jurídico quando o que se pretende é a declaração de nulidade do mesmo (art.ºs 668/1/e do CPC).
B) Saber se ocorre erro de julgamento na decisão dos factos constantes dos artigos 10 a 27 da sentença (correspondentes a 1 a 21 da Base Instrutória).
C) Saber se ocorre erro de apreciação dos factos na medida em que os Autores não cumpriram o ónus de alegação e de prova da divergência da vontade e da essencialidade do preço e da cognoscibilidade dessa essencialidade por parte do Réu na concretização da venda.
D) Saber se a condenação do Réu a outorgar uma outra escritura de compra e venda viola o seu direito constitucional à autodeterminação.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal recorrido deu como assentes os seguintes factos:
A) Constantes dos factos assentes:
         1. No dia 10 de Agosto de 2005, no Cartório Notarial de M..., compareceram como outorgantes “P”, “Q” e “R”, as quais declararam que «têm conhecimento de que no dia cinco de Novembro de dois mil e quatro, na freguesia de ..., concelho de ..., faleceu “G”, também conhecida por “G”, natural da freguesia e concelho de M..., onde teve a sua última residência habitual na Estrada ..., no estado de casada com “F”, em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral;
Que a falecida não fez testamento ou qualquer outra disposição de sua última vontade, tendo deixado como únicos e universais herdeiros, por vocação legal e sem preferência ou concorrência de outrem (…) o cônjuge sobrevivo, “F” (…) e dois filhos (…) “B” (…) casada com “C” sob o regime de comunhão de adquiridos; e “D” (…) casado com “E” sob o regime da comunhão de adquiridos.».
2. O autor “F” nasceu no dia 05 de Maio de 1927.
3. “G” nasceu no dia 29 de Dezembro de 1928 e faleceu no dia 05 de Novembro de 2004.
4. No dia 20 de Julho de 2004, no Vigésimo Oitavo Cartório Notarial de L..., compareceram “F” e mulher, “G”, casados sob o regime da comunhão geral de bens, como primeiros outorgantes, e “A”, divorciado, como segundo outorgante, sendo exarada escritura a fls. 52 a 52 v. do Livro n° 3, a cargo da Notária ..., onde ficou a constar que os primeiros outorgantes livre de ónus ou encargos, VENDEM ao segundo outorgante, pelo preço de dois mil e quinhentos euros que já receberam o prédio rústico, denominado “Ribeira ... Pinta”, situado nos limites da Ribeira, na freguesia e concelho de M..., descrito na Conservatória do Registo Predial de M..., sob o número ..., a folhas ... do Livro-B-noventa e dois, e, na mesma registado a seu favor pela inscrição ..., a folhas ... do Livro G- quarenta e um, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... da secção O, com o valor patrimonial de 13.923,50 €, e que declarou o segundo outorgante aceitar a venda, nos termos exarados, com exibição de certidão passada pela Conservatória do Registo Predial, em 08 de Julho corrente e caderneta predial emitida em 05 de Julho corrente pela Repartição de Finanças de M....
5. Mostra-se inscrita a favor ao réu, pela AP. ..., a aquisição, por compra a “F” e mulher “G”, do prédio rústico composto de vinha, denominado “Ribeira ... Pinta”, com a área de 10.625 m2, nos limites da Ribeira, freguesia de M..., a confinar do Norte com ..., do Sul com ... , do Nascente com ... e do Poente com caminho, inscrito na matriz no artigo ... da Secção O.
6. Mostra-se inscrita a favor dos autores, em comum e sem determinação de parte ou direito, pela Ap. ..., a aquisição, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão de “G”, do prédio rústico composto de mato, com a área de 5.750 m2, denominado “S...”, sito nos limites ..., freguesia de M..., a confinar do Norte com ..., do Sul com “H”, do Nascente com rio e do Poente com ...e outros, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6° da Secção D e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o número ....
7. Mostra-se inscrita a favor do réu, pela Ap. ..., a aquisição, por compra a Província Portuguesa da Congregação da Missão (com anterior inscrição por compra a “H”, pela Ap. ...), do prédio rústico de cultura arvense e mato, com a área de 6.187 m2, denominado “S...”, da freguesia de ..., concelho de M..., a confinar do Norte com rio, do Sul com ... e ..., do Nascente com “F” e do Poente com ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 7º da Secção D e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o número ....
8. A escritura mencionada em 4. foi marcada pelo comprador no identificado Cartório Notarial e foi este quem para ali transportou o autor “F” e sua mulher, no dia assinalado.
9. Com data de 20 de Setembro de 2005, pelo ilustre mandatário dos autores, foi remetida missiva ao réu, em que, além do mais, se declara que «A questão é a seguinte: negociou V. Exa com o meu Cliente a aquisição de um mato sito na freguesia da ..., localizado entre uma propriedade pertencente à Senhora sua mãe (art. 5 da Secção D) e uma outra a si pertencente (art. 7 da Secção D) escriturada por si posteriormente.
Acontece que tal propriedade não se encontrava registada na Conservatória do Registo Predial e quem, a vosso rogo, tratou das diligências atinentes à escritura obteve a documentação de uma outra que ali se encontra inscrita em nome do meu Cliente (…)», sendo «manifesto o erro que urge corrigir através da rectificação da escritura».
B) Constantes da matéria de facto da base instrutória:
10. A falecida “G” e o autor “F” acordaram com o réu vender-lhe um seu prédio rústico denominado “S...” e descrito em 6..
11. Por 2.500 € (dois mil e quinhentos euros).
12. Tal acordo foi celebrado através da mãe do réu.
13. O dito prédio rústico é um mato situado numa vertente inclinada, de pouca valia.
14. Daí o valor acordado e mencionado em 11., malgrado a terra possuir 5.750 m2.
15. Como o autor e sua mulher não encontraram os documentos referentes ao dito prédio em sua casa, foi o comprador que de toda a documentação tratou.
16. Ao ouvir ler a escritura mencionada em 4., o autor “F” e sua mulher não se aperceberam de que a identificação do prédio a ser vendido não correspondia ao que efectivamente tinha sido acordado vender.
17. O autor “F” havia acompanhado o réu, a pedido deste, à terra denominada “S...”, a fim de lhe indicar quais as estremas da mesma, quer do lado do prédio pertencente à sua mãe, quer do lado do prédio que pertenceu a “H” e descrito em 7..
18. O réu, que cuidara da obtenção dos documentos necessários à escritura, ficou a conhecer perfeitamente a composição física do prédio acordado vender e a sua área.
19. Os elementos identificativos constantes da escritura correspondem a um outro prédio, que não o acordado vender, também pertença, então, do autor “F” e sua mulher, que conhecem pelo nome de “I...”.
20. Os autores apenas se aperceberam de que o prédio identificado na escritura aludida não correspondia ao acordado vender quando, falecida a vendedora “G”, procederam à recolha de elementos para organizar a relação de bens para instruir o processo de imposto de selo por óbito daquela.
21. Em Janeiro de 2005.
22. Constatando que nas matrizes cadastrais ainda se encontrava em seu nome o prédio rústico “S...”, o mesmo não sucedendo com o prédio “I...”.
23. É o autor “F” quem tem vindo a cultivar o prédio rústico “I...”, cuidando da vinha nele existente, cavando a terra, podando e empando as vides, sulfatando e colhendo as uvas no ano agrícola de 2004/2005, tal como nos anteriores.
24. O réu sabe e sabia que o autor “F” e sua falecida mulher apenas quiseram vender o prédio rústico descrito em 6..
25. Sendo que estes jamais emitiriam a declaração constante da escritura mencionada em 4. se estivessem conscientes de que se estavam a referir ao prédio rústico “I...” e não à “S...”, como pensavam.
26. Prédio “I...” esse com valor quarenta vezes superior a 2.500 € (dois mil e quinhentos euros).
27. Constituindo a fonte de rendimento do autor “F”.
*
O Réu impugna os factos constantes de 10 a 27, os quais, entende, deveriam ter sido dados como não provados.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
São as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto salvo as questões que são de conhecimento oficioso, e aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art.ºs 660, n.ºs 1 e 2, 288, 514, 684/3, 690/4, 713/2 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL 329-A/95, de 12/12, pelo DL 180/96 de 25/09, 183/2000, de 10/08, pelo DL 38/2003 de 8/3 e 199/2003 de 10/09[1]).
Inexistindo questões de conhecimento oficioso o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões de recurso, seja pelas questões enunciadas em I.
A) Saber se a sentença é nula por declarar a anulação do negócio jurídico quando o que se pretende é a declaração de nulidade do mesmo (art.ºs 668/1/e do CPC)
Os Autores pedem a declaração da nulidade do negócio jurídico de cumpra e venda do terreno com base no erro quanto ao imóvel vendido, na medida em que declararam vender um terreno quando quiseram vender outro e a sentença anulou o mesmo negócio com fundamentos no disposto nos art.ºs 247 e 250 do CCiv, ou seja com base no erro sobre os motivos do negócio determinantes do negócio que se referem ao seu objecto. Os factos que levam à consequência jurídica que constam na petição e na sentença são os mesmos, o efeito jurídico não é aparentemente o mesmo, já que a nulidade a anulação são fenómenos distintos.
Entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de uniformização de jurisprudência 3/2001 de 23/01/2001, publicado no D.R. I-A, n.º 34, de 9/2/2001: “Tendo o Autor, em acção de impugnação pauliana pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (n.º 1 do art.º 616 do Código Civil), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia como permitido pelo art.º 664 do Código de Processo Civil
Não se trata, no caso dos autos, de uma acção de impugnação pauliana em que o pedido correcto deve ser o da ineficácia e não o da anulação, como discutido no aresto de uniformização. Todavia, o que releva na doutrina desse acórdão de uniformização de jurisprudência é que o Tribunal não está sujeito à qualificação jurídica constante do pedido, já que, por força do disposto no art.º 664 o Tribunal, nesse domínio, não depende da alegação das partes. Resulta, ainda, da fundamentação do aresto uniformizador que o Tribunal deve interpretar a petição e o pedido tal como interpretaria uma declaração negocial e subsumir correctamente o direito. A doutrina desse acórdão uniformizador e a sua fundamentação são cruciais para se concluir, como concluímos, que o que os Autores pretendem na acção é a anulação (e não a nulidade tal como erradamente exprimiram no final da petição inicial) do negócio jurídico pois é essa a qualificação jurídica correcta resultante da interpretação dos factos alegados e que o tribunal deu como provados.
Nenhuma nulidade, pois, improcedendo nessa medida o recurso.
B) Saber se ocorre erro de julgamento na decisão dos factos constantes dos artigos 10 a 27 da sentença (correspondentes a 1 a 7, 9 a 15, 17 a 19 e 21 da Base Instrutória).
Pergunta-se nos quesitos em questão, à excepção do 3.º:
Quesito n.º 1: “A falecida “G” e o autor “F” acordaram com o réu vender-lhe um seu prédio rústico denominado “S...” e descrito em F)?”
Quesito n.º 2: “Por 2.500 € (dois mil e quinhentos euros)?”
Quesito n.º 4: “O dito prédio rústico é um mato situado numa vertente inclinada, de pouca valia?”
Quesito n.º 5: “Daí o valor acordado e mencionado em 11., malgrado a terra possuir 5.750 m2.?”
Quesito n.º 6: “Como o autor e sua mulher não encontraram os documentos referentes ao dito prédio em sua casa, foi o comprador que de toda a documentação tratou?”
Quesito n.º 7: “Ao ouvir ler a escritura mencionada em 4., o autor “F” e sua mulher não se aperceberam de que a identificação do prédio a ser vendido não correspondia ao que efectivamente tinha sido acordado vender?
Quesito n.º 9: “O autor “F” havia acompanhado o réu, a pedido deste, à terra denominada “S...”, a fim de lhe indicar quais as estremas da mesma, quer do lado do prédio pertencente à sua mãe, quer do lado do prédio que pertenceu a “H” e descrito em 7?
Quesito n.º 10: “O réu, que cuidara da obtenção dos documentos necessários à escritura, ficou a conhecer perfeitamente a composição física do prédio acordado vender e a sua área?”
Quesito n.º 11: “Os elementos identificativos constantes da escritura correspondem a um outro prédio, que não o acordado vender, também pertença, então, do autor “F” e sua mulher, que conhecem pelo nome de “I...”?”
Quesito n.º 12: “Os autores apenas se aperceberam de que o prédio identificado na escritura aludida não correspondia ao acordado vender quando, falecida a vendedora “G”, procederam à recolha de elementos para organizar a relação de bens para instruir o processo de imposto de selo por óbito daquela?”
Quesito n.º 13: “Em Janeiro de 2005?”
Quesito n.º 14: “Constatando que nas matrizes cadastrais ainda se encontrava em seu nome o prédio rústico “S...”, o mesmo não sucedendo com o prédio “I...”?”
Quesito n.º 15: “É o autor “F” quem tem vindo a cultivar o prédio rústico “I...”, cuidando da vinha nele existente, cavando a terra, podando e empando as vides, sulfatando e colhendo as uvas no ano agrícola de 2004/2005, tal como nos anteriores?”
Quesito n.º 17: “O réu sabe e sabia que o autor “F” e sua falecida mulher apenas quiseram vender o prédio rústico descrito em 6?”
Quesito n.º 18: “Sendo que estes jamais emitiriam a declaração constante da escritura mencionada em 4. se estivessem conscientes de que se estavam a referir ao prédio rústico “I...” e não à “S...”, como pensavam?”
Quesito 19: “Prédio “I...” esse com valor quarenta vezes superior a 2.500 € (dois mil e quinhentos euros)?”
Quesito 21: “Constituindo a fonte de rendimento do autor “F”?”
No quesito 3.º perguntava-se se “Tal acordo(o do quesito1) foi celebrado através da mãe do réu que disse, na oportunidade ser dona do prédio rústica com aquela confinante pelo lado Norte?” e o Tribunal respondeu: “Tal acordo foi celebrado através da mãe do réu”
O recorrente discorda e diz:
· Os quesitos 1 a 3 merecem resposta negativa na medida em que as testemunhas “I” disse nada saber, a “J” negou peremptoriamente e da alínea I) dos Factos assentes resulta que as negociações preliminares foram exclusivamente feitas entre o falecido “F” e o Réu e não também a com a falecida “G”.
· Os quesitos 4 e 5 deveriam ter tido resposta negativa na medida em que as testemunhas “L” e “M” referiram que o terreno era mais do que mato, nenhuma testemunha presenciou a negociação, e do cotejo com o terreno que o réu adquiriu e constante da alínea G) resulta que o preço é bastante elevado.
· O quesito 6 merece resposta negativa por ser contraditório com a alínea I), por nenhuma das testemunhas ter dito que foi o comprador que tratou da documentação, a testemunha “L” disse que quem tratou tudo foi a mãe do Réu que é analfabeta.
· O quesito 7 merece resposta negativa na medida em que nenhuma testemunha esteve presente na escritura a testemunha “G” jamais se apercebeu que aquele não era o prédio que alegadamente tinha querido vender
· O quesito 9 merece resposta negativa na medida em que não vem alegado e o comprador nunca o referiu que a terra em causa era denominada “S...” e a única testemunha , “N”, que declarou ter visto “F” a mostrar a “S...” o tribunal considerou-a pouco credível
· O quesito 10 merece resposta negativa na medida em que nenhuma testemunha o referiu.
· O quesito 11 merece resposta negativa na medida em que a testemunha “L” referiu expressamente que os Autores conheciam o prédios também pela designação de Ribeira ... Pinta.
· Os quesitos 12, 13, 14 mereciam resposta negativa na medida em que o IMI é exigível a partir de Setembro de cada ano, pelo que os vendedores devem ter recebido a respectiva liquidação do prédio que pensavam ter vendido, erro esse que de que devem ter apercebido logo nessa altura, a testemunha “N”s declarou expressamente que a falecida “G” se apercebeu do erro em vida, sendo que a mesma faleceu em 5/11/04 e o registo do imóvel é de 3/7/05
· O quesito 15 merece resposta negativa porque nenhuma testemunha foi rigorosa quanto à questão, sendo incoerente dar como provado tal quando é articulada a idade avançada
· O quesito 17deve dar-se por não escrito ou merecia resposta negativa por nenhuma das testemunhas ter oferecido depoimento sobre tal e por ser matéria conclusiva.
· O quesito 18 deve dar-se por não escrito ou merecia resposta negativa por nenhuma das testemunhas ter oferecido depoimento sobre tal e por ser matéria conclusiva.
· O quesito 19 merecia resposta negativa na medida em que o valor do prédio à data do negócio não foi apurado na peritagem, nem a testemunha “M” revelou qualificação ou razão de ciência para saber o preço.
· O quesito 21 deveria ser considerado não escrito ou mereceria resposta negativa.
Na sua motivação o Tribunal recorrido disse, entre o mais: “(…) “N”…que veio dar conta, segundo lhe contou o falecido Autor “F”, da venda, por este e pela mulher “G” ao réu do prédio denominado “S...”, constituído apenas por mato, por 500 contos, desconhecendo, no entanto, a área do mesmo, recorda-se de um dia ter visto “F” a mostrar ao réu as extremas da “S...”, referiu, ainda que “F” tinha também uma vinha denominada “I...” que, segundo julga saber nunca esteve à venda nem era desejo do seu dono vendê-la, disse ainda que “F” não se terá apercebido da troca da identificação do terreno na escritura celebrada com o Réu, o que só veio a acontecer, segundo julga, mais tarde mas quando a mulher “G” ainda era viva (esta faleceu em 5/11/04), nada mais sabendo esclarecer o Tribunal sobre os factos em discussão tendo prestado um depoimento pouco credível, não só pela forma vaga e imprecisa como o fez, como também, segundo declarou, por tal conhecimento lhe ter advindo indirectamente de conversas ouvidas a “F”); “M” (factos 1, 2 e 4 a 21…) que veio dar conta, segundo lhe contou a falecida “G”, da venda, por esta e pelo seu marido “F”, ao Réu, do prédio denominado “S...”, o qual se situa numa vertente inclinada e é constituído apenas por mato, por 500 contos, julgando ter cerca de um hectare de área, referiu, ainda, que este terreno confina com Ribeira do Maciel, disse ainda que “F” e mulher não se terão apercebido da troca da identificação do terreno na escritura celebrada com o réu, o que só veio a acontecer depois da morte da “G” “F” (esta faleceu em 5/11/2004), quando teve de ser organizada a relação de bens, referiu ainda que “G” e “F” nunca quiseram vender a vinha denominada “I...”, sendo que era dos seus rendimentos que eles viviam, referiu também que o prédio “I...” poderá valer no seu entender cerca de 70.000 contos, nada mais sabendo esclarece o Tribunal sobre os factos em discussão, tendo prestado depoimento isento e credível na medida do apurado); “I” (factos 1 a 5 e 11 a 21) (…)amiga dos Autores e do Réu há 40 anos que apenas veio dar conta de ter tido conhecimento da vontade da falecida “G” em vender o prédio denominado “S...” ao Réu, nada mais sabendo esclarecer o Tribunal sobre  os factos em discussão); “L” (factos 1 a 6 e 11 a 21), trabalha no campo, irmã de “G” e tia dos Autores, que veio dar conta da venda pela sua irmã e cunhado ao Réu do prédio denominado “S...”, o qual é constituído apenas por mato, por 500 contos, disse ainda que o cunhado nunca quis vender a vinha denominada “I...”, que a sua irmã e cunhado nunca se terão apercebido de troca da identificação do terreno na escritura celebrada com o Réu, o que só veio a acontecer muito depois de ser organizada a relação de bens, referiu, ainda, segundo lhe contou a sua irmã, que quem tratou de toda a documentação para a escritura foi a mãe do Réu, nada mais sabendo esclarecer o Tribunal sobre os factos em discussão, tendo prestado um depoimentos isento e credível na medida do apurado); “O” (factos 1, 2, 4, 5, 6, 11 a 21), (…) sobrinha de “G” e prima dos Autores, que veio dar conta da venda pelos seus tios ao Réu do prédio denominado “S...”, o qual é constituído apenas por mato, por 500 contos, disse ainda que os tios nunca quiseram vender a vinha denominada “I...”, sendo certo que sempre a trabalharam e tiraram rendimentos, que os seus tios não se terão apercebido da troca da identificação do terreno da escritura celebrada com o Réu, o que só veio a acontecer muito depois da morte da tia “G” (esta faleceu em 5/11/2004), quando teve de ser organizada a relação de bens, o que julga ter acontecido em Janeiro de 2005, pois recorda-se de ter sido depois do Natal, nada mais sabendo esclarecer o Tribunal sobre os factos em discussão, tendo prestado um depoimento isento e credível na medida do apurado); “J” (factos 3, 6, 9, 11 e 26) , (…) funcionária de lar/reformada, mãe do Réu, que veio dar conta de “F” e “G” terem falado com ela no sentido de procederem à venda da vinha da Pinta, de sua propriedade, ao filho, o aqui Réu, tendo a mesma transmitido ao filho tal intenção, referiu ainda que não foi ela que tratou da documentação necessária à celebração da escritura, nada mais sabendo esclarecer o Tribunal sobre os factos em discussão, tendo p+restado um depoimento que suscitou algumas dúvidas, não sé pela forma vaga e imprecisa como o fez, como também por alguma manifesta falta de isenção); “T” (factos 3 e 22…ex-mulher do Réu com quem foi casada  de 1996 a 2001) que apenas veio dar conta do Réu lhe ter comunicado, no Verão de 2004, que havia comprado uma vinha, nada mais sabendo esclarecer o Tribunal sobre os factos em discussão); com os documentos juntos aos autos pelos Autores a fls. 19 a 48 e 114, pelo Réu a fls. 78 a 100, a fls. 170 (ofício das Finanças), a fls. 212 a 218 e 241 a 243 (relatório de peritagem e esclarecimentos), que relevaram com os depoimentos das testemunhas no sentido do apurado(…)”.
Foi ouvido o suporte áudio.
Devemos começar por dizer que nenhuma das testemunhas ouvidas em Tribunal, tal como resulta da própria motivação, presenciou a leitura da escritura; a testemunha “I”, por exemplo, que, tanto quanto transparece da forma serena como depôs foi isenta, foi quem deu conta à mãe do Réu, a testemunha “J”, da intenção da venda da “S...” por parte dos falecidos “F” e “G”, tendo sido absolutamente clara quanto a isso ao invés do depoimento da mencionada “J”, que, parecendo ter discurso “preparado”, insiste que o terreno à venda era a vinha da Pinta (designação que nenhuma outra testemunha refere), que nunca ouvira falar no “I...”, nome pela qual todas as outras testemunhas conhecem a vinha dos falecidos “F” e “G”, diz que esteve ao pé dos vendedores e do filho aquando do negócio, presta atenção a umas coisas que foram ditas não presta atenção a outras, por isso o depoimento não pareceu valoração, tal como o Tribunal recorrido refere, e a este Tribunal de recurso também não, senão vejamos. Entre o mais e com interesse disse a testemunha “I”: “(…) Eu ía para Almada e perguntei à D. “G” (“G”) se tinha terrenos para vender e ela perguntou-me “queres comprar?” e eu respondi “É o Dr. “A” que quer compra” e ela disse-me “Eu até tenho lá uma propriedade ao pé da mãe dele na S..., diz-lhe a ela que fazemos negócio”…nunca mais soube de nada, só soube ao fim de um ano do negócio…a “G” tinha mais propriedades, o “F” tinha uma vinha, não sei como se chamava, ele vivia da agricultura…”
 Já a testemunha “J” disse, entre o mais: “O meu filho esteve sempre na Madeira e os senhores “F” e “G” falaram comigo. Diziam-me que iam vender a vinha da Pinta e eu dizia-lhes que ia telefonar ao meu filho, combinaram, o senhor “F” foi-nos mostrar a vinha da Pinta, sei agora onde é, até aí não sabia. Tenho um terreno lá para a ... mas como herdei do meu marido, não sei onde é, é uma mata grande…não tratei da documentação…só telefonava ao meu filho que me perguntava “isso está pronto?”, eu dizia-lhe…nunca ouvi falar na propriedade do I...… foi a D. “I” que falou com o “F” e com a “G” que lhe disseram que tinham uma terra para vender e ela disse-me que era a vinha da Pinta, informou-me onde aqueles moravam e eu fui falar com eles…disseram-me que tinham a vinha da Pinta para vender…não falaram da área…foi o senhor “F” que deu os papéis ao meu filho para marcar a escritura…quando o meu filho veio da Madeira fui mais eles falar com o “F”…o senhor “F” foi mostrar-lhe a terra, a mulher do senhor “F” ainda me perguntou você não quer vir também, eu respondi que não, que me custa a andar, tinha de ser operada…quando vieram, falaram os três…eles lá fizeram o negócio, estava ao pé deles, mas não era comigo e não dei atenção…”
 No que toca às negociações preliminares da compra e venda do terreno dito “S...”, deslocação do Réu ao mesmo, valores dessa fazenda e da vinha, as restantes testemunhas dão conta do interesse do Réu em comprar um terreno na zona da S..., da aquisição por ele, na mesma altura, de um outro terreno também na zona da S... e que as negociações foram feitas quer com o falecido “F” quer com a “G”; no dizer das mesmas, os falecidos nunca venderiam a vinha dita “I...” “a menina dos olhos do “F”” que queriam deixar aos filhos; também referem que os vendedores só se aperceberam do engano depois da morte da vendedora “G”, depoimentos esses que a esta Relação se afiguraram igualmente isentos. Disse a testemunha “M”, agricultor, entre o mais: “(…)O “F” e a “G” tinham a S..., o terreno ao pé da porta, o I.... O terreno ao pé da porta é grande, não sei qual a área…a mãe deste senhor perguntou-me se queria comprar a S... e eu disse que não queria que já tinha umas fazendas que não queria…a mãe do Dr. “A” tem uma fazenda que é a S..., primeiro disse-me que vendia, depois que não vendia…a mãe daquele senhor disse-me depois que já vendera a S... ao Dr. “A”…eu queria comprar a S... para pastar as minhas ovelhas, tinha fazendas pegadas, passava de umas para as outras…o Dr. “A” disse-me que ía comprar a dos Padres, que também fica na encosta da S..., que ía comprar a Será e também a dos Padres que também comprou a “folha” toda…a S... é terra inclinada, mato, a do “F” anda à volta de 1 há…a mãe desta senhora é que me contou como foi o negócio: que o “A” foi lá e que comprou a S..., vendeu-lhe a S... mas não sabia das cadernetas e a mãe do Dr disse”não se rale que se arranja uma caderneta nova e faz-se o negócio”, a mãe desta senhora estava muito doente e não sabia mais nada…voltei a falar com a mãe do Dr. “A” e disse-me “foi aquela a do I..., que ele comprou, eu disse-lhe, é mentira pois aquela fazenda por 500 contos quando vale mais de 70 mil contos…a S... confronta em baixo com o rio ou ribeira e o I... não confina com nenhuma ribeira…não sei qual a terra preferida mas a mulher dizia-me que queria vender a S... e dar uma fazenda aa cada filho…não foi a “G” que me falou no engano que só se descobriu depois…”
No mesmo sentido vai o depoimento da testemunha “L”, irmã da falecida “G”, que entre mais disse: “(…) a minha irmã tinha o I... que era vinha, a terra nova onde morava e a S...…vendeu a S... ao “A” por 2.500 euros…mato carrasco, urzes é o que a S... produz…fui lá várias vezes buscar lenha para o lume…está nomeio da fazenda que foi para a mãe do Dr. “A”, depois está a fazenda da minha irmã e a dos senhores Padres..ouvi dizer que o Dr. “A” comprou a terra dos Padres…a S... é boa para lá ter ovelhas ou cabras…não sei quantos metros tem…a terra ao pé da casa deles produz milho trigo o que lá puserem…o I... valia muito mais, basta lá ter uma vinha…o meu cunhado nunca se dispôs a vender a vender a vinha, nunca, ele adorava-a…quando a compraram o meu cunhado e a minha irmã foi com muito sacrifício…se ele soubesse que estava a vender essa terra o “F” tinha morrido naquele momento de desgosto…não me recordo em que dia morreu a minha irmã, parece-me que foi em Novembro…descobriu-se o engano quando começaram a tratar das coisas nas Finanças, na Câmara…a mãe do Dr. “A” é que tratou dos papéis, a minha irmã disse-me “ a mãe do “A” vai tratar dos papéis da venda da S... e depois só lá vou para assinar e receber a massa”…não sei se puseram o nome de Ribeira do Maciel do Forro Pinta ao “I...”…O I... pertence a M... e a S... pertence à freguesia da ....”
No mesmo sentido também o depoimento da testemunha “O”, filha da anterior, sobrinha da falecida “G”, prima dos Autores e que entre o mais disse: “(..:)A minha tia dizia-me que ía vender a S... do avôs ao Dr. “A”, tentando explicar-me quem era…mais tarde voltei a encontrá-la e disse-me que já tinha vendido a S... ao Dr. “A” por 500 contos por 500 contos…ele tinha ido buscá-la e pô-la a casa…eles é que tinha tratado de tudo, ela só foi assinar a escritura e receber o dinheiro e disse-me ela que era esse o valor justo pela S... por ser mato…o meu tio passava o tempo na vinha, no I..., vivia do vinho que de lá tirava, das batatas…conheço a S..., a parte de baixo confina com a Ribeira ..., o I... não tem nenhuma ribeira ao pé…a terra que consta da escritura tem o nome de Ribeira ... Pinta, soube eu agora…a vinha foi sempre o “I...”…no Natal do ano da escritura, já a minha tia “G” falecera, fui ao I... buscar umas couvinhas…só em Janeiro/Fevereiro o meu tio me falou da troca do terreno e pensou que a questão se resolvia facilmente mas como não foi assim ficou muito triste…jamais venderia o I...…era amenina dos olhos dele…o bem mais precioso que tinha…não vendia por dinheiro nenhum…ou o meu tio ou a minha prima ao tratar dos documentos aquando do falecimento da tia “G” é que descobriu o engano…até morrer o “F” cultivou sempre o I... dele…ele falava com o coração…queria deixar aquilo aos filhos…a S... não valia mais de 500 contos e a vinha valia muito mais…a minha tia ajudou muito o Dr. “A” com batatas…eram pessoas pobres, não sei se tinham intimidades, os meus tios confiavam no Dr. “A” e na mãe…o meu tio “F”, segundo ele, tentou junto do Dr. “A” ou melhor junto da mãe dele porque o Dr. “A” estava na Madeira, a resolução do engano…”
A pouca credibilidade que o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento da testemunha “N” reside na circunstância de a sua razão de ciência sobre a maior parte dos factos a que depôs, resultar daquilo que ouviu dizer ao “F”; contudo, a mesma testemunha declarou que “no dia em que o senhor “F” e o senhor “A” foram à S..., andava eu a carregar um tractor…não os vi ir, vi-os vir, o senhor “F” foi mostrar as estremas a esse senhor”. Aqui o depoimento é directo, nenhuma razão ocorre para não dar credibilidade ao depoimento.
No que aos quesitos 2, 4, 5 19 concerne e para além dos depoimentos das testemunhas existe o relatório de peritagem que é de Maio de 2008; neste relatório atribui-se ao terreno do art.º ... da secção O do concelho de M... o valor de 370.000,00 EUR e ao terreno do art.º 6.º da secção D da ... o valor de 18 112,50 EUR sendo esse valores reportados a Maio de 2008 conforme relatório de esclarecimentos de fls. 241/243. Já no relatório inicial de fls. 212/214 os senhores peritos, em relação ao prédio dito o I..., sem descreverem fisicamente (ou seja sem dizerem o que lá está plantado ou cultivado actualmente), fixaram o valor de mercado do mesmo tendo em atenção a sua aptidão para a construção; no relatório de esclarecimento, o segundo, os senhores peritos atribuíram ao prédio do art.º 6.º secção D da ..., o prédio dito S... o valor de 12 250,00 EUR a que aplicaram o factor de correcção de 1,05 para 2008 chegando ao valor de 18 112,50 EUR, partindo de um valor de 3,00 EUR por m2. Da planta cadastral de fls. 218 pode concluir-se que o prédio rústico n.º ..., o I..., é de vinha. Trata-se de um prédio rústico com o valor patrimonial de 754,06 EUR, com 10.625 m2 que vem designado na Conservatória do Registo Predial de M... como “Ribeira do Maciel-Forro Pinta”. No documento n.º 6 junto com a petição inicial de fls. 30/35 que é o livro das descrições prediais, relativamente ao prédio n.º 34 453 inscrito na matriz sob o n.º ... descreve-se o prédio rústico como sendo “Vinha denominada Ribeira ... Pinta, coma área de 10.625 m2, sendo certo que nas confrontações não consta nenhuma ribeira. Já o prédio rústico n.º ..., sob o art.º 6 da matriz é composto de “mato com a área de 5750 m2 denominada S...”-cfr. fls. 38 e 41. A matéria do quesito 6 nenhuma contradição tem com a alínea I), e dos depoimentos prestados resulta que foi o Réu, actuando a sua mãe como uma espécie de gestora de negócios, quem tratou da documentação; a matéria do quesito 10, muito embora não tenha tido um depoimento directo de nenhuma das testemunhas, infere-se dos depoimentos das mesmas, o juiz respondeu com base em regras de experiência de vida, ou seja se o Réu foi ver o terreno da S... se através da mães tratou dos documentos necessários à realização da escritura, forçosamente ficou a conhecer a composição desse terreno; a matéria do quesito 17, inferiu-a o tribunal recorrido dos depoimentos das testemunhas, designadamente do depoimento da testemunha “I” do de “N” que viu o falecido no dia em que foi mostrar ao Réu as estremas da S... e com base máximas de experiência de vida; a matéria do quesito 18 não é conclusiva, muito embora contenha juízos de valor de facto que ainda é matéria de facto, assim como o não é o conteúdo do quesito 21, sendo claramente matéria de facto perguntar se o falecido “F” trabalhou (entretanto faleceu) a vinha conforme podia e se tal é (era) a única fonte de rendimento do mesmo, sendo certo que sobre tal as testemunhas depuseram.
A matéria do quesito 7 versa sobre o dia da escritura de venda, sobre a leitura que a senhora notária (certificadamente) fez e sobre aquilo que os falecidos depreenderam dessa leitura: nenhuma das testemunhas ouvidas esteve presente no acto da leitura da escritura de compra e venda de 20/7/2004, conforme resulta dos respectivos depoimentos e da própria escritura junta a fls. 27 e ss. Na escritura apenas estiveram presentes os falecidos vendedores e “A” comprador e dela consta aquilo que resulta da lei, ou seja que a escritura foi lida aos outorgantes e explicado o seu conteúdo, o que se deve ter por plenamente provado (art.º 371/ do CCiv). Consta também que o valor patrimonial é de 13923,50 EUR e que a venda foi feita por 2 500,00 EUR. Relativamente a esta discrepância objectiva, foi formulado o quesito 23 (correspondente ao art.º 61 da contestação) onde se pergunta se “No acto da leitura da escritura mencionada em D), o autor “F” e sua falecida mulher foram chamados à atenção para a discrepância entre o valor patrimonial da vinha e o valor declarado de venda”, mereceu resposta de não provada, o que significa, tão-só que se deve ter tal matéria como nunca tendo sido alegada. Já a matéria do quesito 8.º da alegação dos Autores e que mereceu a resposta de não provado era do seguinte teor: “Ouvindo falar numa terra denominada Ribeira ... Pinta e sendo o prédio denominado S... confinante com a ribeira com tal nome, cuidaram estar tudo bem?”. E a resposta só poderia ter sido negativa, (não obstante não estar suficientemente motivada a decisão negativa), na medida em que nenhuma das testemunhas esteve presente no acto da escritura e pelas mesmas razões pelas quais o tribunal respondeu negativamente à matéria do quesito 23. A escritura foi lida, é o que com prova plena dela decorre e como nenhumas das testemunhas esteve presente não poderia pronunciar-se sobre as reacções dos falecidos nesse dia porque ali não estiveram presentes. Todavia, o que se pergunta é se os falecidos se não se aperceberam da discrepância entre o prédio que haviam negociado vender ao Réu e a identificação do prédio que consta da escritura. Mesmo que tivessem estado presentes as testemunhas, se não tivesse estado com a devida atenção, também nada diriam, ou seja, não é possível que alguém testemunhe uma distracção uma falta de percepção sobre determinado facto ou acontecimento por parte de alguém se esse alguém não disser que se não apercebeu. O erro, esse, só foi detectado mais tarde pelos falecidos como das respostas decorre, aquando do falecimento de “G” e ao tratar-se dos papéis e as testemunhas, embora de modo indirecto de ouvir dizer ao falecido “F” é que vieram dar conta que o “F” lhes tinha dito que ele não se apercebera dessa discrepância e isso inferiu-a também o Meritíssimo Juiz pelas regras e máximas de experiência
Nenhum erro pois relativamente à decisão de facto dos quesitos 1 a 7, 9 a 21.

c)Saber se ocorre erro de apreciação dos factos na medida em que os Autores não cumpriram o ónus de alegação e de prova da divergência da vontade e da essencialidade do preço e da cognoscibilidade dessa essencialidade por parte do Réu na concretização da venda
Sustentou o Tribunal recorrido com base na factualidade provada, em suam o seguinte:
· Atento do disposto no art.º 342/1 do CCiv cabia aos Autores provarem os factos integrantes dos pressupostos e requisitos do erro dos art.sº 247 e 251 do CCiv, ou seja que a vontade declarada esteja viciada por erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades e por isso seja divergente da vontade (conjectural ou hipotética) que o declarante teria tido sem tal erro, que para o declarante seja essencial esse erro, ou seja que sem ele não terá celebrado o negócio se se tivesse apercebido do erro e que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade referida.
· Conseguiram provar esses pressupostos o que resulta da matéria de facto.
Sustenta o Réu em suma:
· Se o que terá levado os declarantes a pensar que estavam a vender a S... foi o facto 8 e se o mesmo se tem por não provado, não ocorre qualquer divergência entre a vontade declarada e a vontade real.
· Alterando-se a decisão de facto como consta da impugnação, não é possível retirar qualquer informação no sentido de que os declarantes, vendedores e comprador, nas negociações preliminares ficaram conscientes de que o não queriam vender e comprar o prédio rústico que compraram mas um outro; dando-se como não provada a factualidade do quesito 18, falta a essencialidade do erro; dando-se como não provada a factualidade do quesito 17, fica por provar o conhecimento da essencialidade do erro.
A divergência entre a vontade real e a declarada pode ser intencional quando voluntária, consciente e livre, o declarante tem a consciência dela e todavia emite livremente a declaração, quer a declaração (comportamento declarativo) mas não o seu conteúdo ostensivo, do qual tem conhecimento, ou não o quer com significado negocial; a divergência capitula-se de não intencional quando o declarante se não apercebe dela, ou quando, não obstante é forçado a emitir a declaração.[2] O erro-vício consiste na ignorância (falta de representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta) por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se conhecesse o verdadeiro estado de coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.[3] O erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância se tivesse exacto conhecimento da realidade – o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o fez.[4]
O erro-vício é um erro na formação da vontade, um vício da vontade, o erro obstáculo ou erro na declaração é um erro na formulação da vontade, uma divergência entre a vontade e a declaração que pode incidir sobre a pessoa do declaratário sobre o objecto do negócio, erro sobre a causa ou sobre os motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio (art.º 252 do CCiv)[5]. Como motivo de anulabilidade do negócio o erro deve ser essencial e no que toca ao objecto do negócio a lei fala de “erro que atinja os motivos determinantes da vontade”, exigindo-se que “o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elementos sobre que incidiu o erro.”-art.ºs 251 e 247 do CCiv. A lei não exige o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro, contentando-se com o conhecimento ou a cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que ele incidiu, embora este conhecimento possa não ter suscitado ao declaratário qualquer suspeita ou dúvida acerca da correspondência entre a vontade real e a declarada.[6]
.Face aos factos provados, porque o Réu “A” conhecia a essencialidade para os falecidos vendedores da intenção de vender apenas a S... e não também o I... (quesitos 17 e 18), engano de que os vendedores se deram conta apenas posteriormente à escritura por não se terem apercebido da troca na data da escritura, o negócio é anulável nos termos das disposições dos art.ºs 247, 251 e 287, do CCiv, estando em tempo de pedir a anulabilidade na medida em que apenas se aperceberam da troca já a falecida “G” havia falecido, já em 2005, por isso antes do termo do prazo do art.º 287/1 do CCiv.

d)Saber se a condenação do Réu a outorgar uma outra escritura de compra e venda viola o seu direito constitucional à autodeterminação.
Condenou a sentença recorrida o Réu a outorgar uma escritura que tenha por objecto o prédio rústico denominado S... inscrito na matriz sob o art.º 6 secção D e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o n.º ....
Sustenta o recorrente em suma:
· A anulação do negócio determina a sua invalidade ou seja a sua destruição e nada mais do que isso, inexistindo permissão legal para, a partir da anulabilidade, condenar o declaratário que quis o negócio tal como se encontra (nada foi alegado em sentido contrário) a realizar outro negócio que os declarantes haveriam de querer se não se tivessem enganado na declaração.
· Tal condenação violaria inconstitucionalmente o direito do Réu à autodeterminação, inexistindo qualquer facto que seja susceptível de determinara a condenação do Réu a realizar outro negócio que não quis, já que o que foi alegado pelos Autores foi que o declaratário também não se apercebeu do erro, por isso, não é sequer aplicável aqui a possibilidade de conversão a que alude o disposto no art.º 293 do CCiv.
Embora não expressamente referido na sentença supõe-se que o fundamento da condenação seja o disposto no art.º 236/2 do CCiv segundo o qual “sempre que o destinatário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”
Tal disposição não é aplicável aos negócios formais como refere Castro Mendes.[7]
Como refere o ilustre civilista[8] é essencial que o declaratário se aperceba do erro e que aceite a vontade real do declarante ou seja, volvendo ao caso concreto era forçoso que o Réu se tivesse apercebido do erro aquando da declaração (não basta a cognoscibilidade da essencialidade para o vendedor de vender apenas a S... e não também a vinha, como provado ficou) e que conhecendo a vontade de vender a S... aceite comprá-la. Ora não está demonstrado desde logo que o Réu se tivesse apercebido do erro aquando da escritura e que aceite, agora, fazer uma escritura relativa à fazenda denominada S.... Na verdade o Réu não pretende, agora, fazer uma escritura de compra e venda da S... com os herdeiros dos vendedores. Mas mesmo que tais pressupostos se considerassem verificados, não é possível, por não haver cobertura legal no regime do erro, condenar o declaratário/réu a outorgar uma escritura de compra e venda da fazenda S..., correspondente à vontade real dos falecidos, com os herdeiros deste. Inexistindo cobertura legal para um tal decreto judicial, não há nenhuma questão de constitucionalidade a apreciar.
Procede, nesse ponto, o recurso.


IV- DECISÃO

Tudo visto, acordam os juízes em:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso, pelas razões constantes de III e revogar a sentença recorrida na parte em que condena o Réu “a outorgar outra escritura que tenha por objecto o prédio rústico inscritos na matriz cadastral do art.º 6 da secção D da freguesia da ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de M... sob o n.º ... a fls. 3 do Livro B-19 pelo preço acordado de €2500 já pago.”
b) Julgar improcedente o recurso quanto às outras questões suscitadas, mantendo-se a sentença recorrida quanto à anulação do contrato de compra e venda exarada na escritura a que alude 4 dos factos provados, com as consequências legais da anulação (art.º 289/1 do CCiv) ou seja a restituição do preço pago ao comprador Réu e do imóvel aos herdeiros dos vendedores ora Autores e cancelamento da inscrição G-1 efectuada aa favor do Réu e incidente sobre a descrição predial n.º .../M... (antiga descrição n.º ... a fls. 88 do Livro B-92) da Conservatória do Registo Predial de M....
c) Regime de Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade de Autores e Réu, na proporção do decaimento (art.º 446, n.sº 1 e 2), fixando-se essa proporção equitativamente tendo em conta a manutenção do essencial da sentença recorrida, em 9/10 para o Réu recorrente e 1/10 para os Autores.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2012

João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Pedro Martins
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[1] A acção deu entrada em juízo em 28/11/2005 via correio electrónico com marca do dia e foi distribuída, inicialmente, na 2.ª espécie, ao 2.º Juízo do Tribunal de Comarca de M... aos 28/11/05, por isso antes da entrada em vigor do DL 303/07 de 24/08, que alterou o Código de Processo Civil, que entrou em vigor, conforme art.º 12/1, no dia 1/1/08 e não se aplica aos processos pendentes por força do art.º 11/1 do mesmo diploma; ao Código de Processo Civil na mencionada redacção anterior à que lhe foi dada pelo DL 303/07, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] Manuel de Andrade Teoria Geral da Relação Jurídica, vol II, Almedina, 1974, págs 150.
[3] Manuel de Andrade, op.cit., pág. 233.
[4] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, , Coimbra editora, 1976, pág. 386; Também Castro Mendes, Lições de Direito Civil AAFDL 1973, pág. 125 sustenta que a declaração negocial é precedida no plano psicológico de uma deliberação em que o possível autor se representa o possível negócio e o seu circunstancialismo, representação essa em que podem faltar elementos ou haver elementos que não correspondam à realidade, estando abrangida a ignorância.
[5] Mota Pinto, obra citada págs. 387/388
[6] Mota Pinto, obra citada pág. 378; este autor entende quer teria sido mais razoável ter-se exigido o conhecimento ou a cognoscibilidade do próprio erro, ou falsa representação, todavia não foi isso que ficou consignado na lei.
[7] Direito Civil AAFDL 1973, págs 236/237. Como refere o Autor quando o negócio seja formal o encontro das vontades reais deve constar da forma exigida, quando esta o seja também no interesse de terceiros, na medida em que os destinatários são também terceiros.
[8] Obra e local citados.