Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1131/10.4TVLSB.L1-7
Relator: PIMENTEL MARCOS
Descritores: RÉPLICA
CONTRATO-PROMESSA
POSSE
DEFEITO DA OBRA
DENÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Após a reforma do Código de Processo Civil de 1985 passou a haver, em princípio, apenas dois articulados (a petição e a contestação), sendo a réplica admitida somente em três casos: para responder às excepções deduzidas na contestação (“e somente quanto à matéria desta”); para contestar o pedido reconvencional e para o autor modificar o pedido ou a causa de pedir, nos termos do artigo 273.º (artigos 502.º e 503.º do Código de Processo Civil).
II - O contrato promessa, só por si, não é susceptível de transferir a posse ao promitente-comprador, pelo que, se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não assume o animus possidendi, ficando na situação de mero detentor ou possuidor precário.
III - Há, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente-comprador pode preencher excepcionalmente os requisitos de uma verdadeira posse, o que poderá suceder nos casos em que a coisa é entregue ao promitente-comprador como se já fosse sua e, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, não havendo, nesse caso, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse.
IV - Constando do contrato-promessa que o promitente-vendedor entregou as chaves do imóvel ao promitente-comprador, ficando este como mero detentor, “não lhe sendo por isso transmitido qualquer direito, condição que desde já, é aceite pelas partes”, mas logo se acrescentando que ficariam a cargo do promitente-comprador «todos os encargos de condomínio, fiscais e outros devidos em virtude de ser detentor da fracção…», nada impede que o promitente-comprador, a quem foram entregues as chaves da fracção, possa usá-la e frui-la, dela retirando as utilidades que lhe pode proporcionar, em condições semelhantes ao que o faria se já tivesse sido celebrada a escritura.
V - Aquela ressalva constante do contrato-promessa (ficar o promitente-comprador como “mero detentor”) deve ser interpretada no sentido de que não foi transmitida ao promitente-comprador a posse da fracção (stricto sensu), não implicando, contudo, qualquer restrição aos poderes de uso e fruição.
VI - A caducidade tem por especial escopo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por períodos de tempo considerados excessivos, levando-os a que se extingam pelo decurso de determinado prazo; estão em causa considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e indiscutíveis; e, então, esses direitos apenas podem ser exercidos durante determinados prazos peremptórios.
VII - O prazo de 5 anos, dentro do qual o comprador dum imóvel, ou duma fracção autónoma, deve proceder à denúncia dos defeitos da obra, sob pena de caducidade, é o mesmo, quer na simples compra e venda de bens imóveis (artigo 916.º, n.º 3, do CC), quer nos casos em que o vendedor tenha sido simultaneamente seu construtor, o tenha modificado ou reparado (artigo 1225º do mesmo Código), quer por aplicação da “Lei do Consumidor” (Lei n.º 24/96) e do Decreto-Lei n.º 67/2003).
VIII - Esse prazo deve ser contado a partir da entrega do imóvel ou da sua fracção, pois é a partir dessa data que o promitente-comprador pode tomar conhecimento efectivo dos defeitos, sendo indiferente que este o ocupe efectivamente, uma vez que lhe foi a entregue para esse efeito.
IX - A data da escritura pública apenas define o momento da entrega, nos termos do art.º 879 do C.C., na falta de outra, nomeadamente aquela em que por via de um contrato-promessa, o promitente-comprador entrou na detenção da coisa.
X - Por isso, aquele prazo de cinco anos para o exercício da denúncia, quando as chaves da fracção tenham sido entregues ao promitente-comprador, na sequência do contrato-promessa de compra e venda, para que este a possa usar e fruir, deve contar-se a partir dessa data, e não desde a data da celebração da escritura.
( Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.
 
N… propôs a presente acção com processo ordinário contra
“J… SA”.

Para tanto alega, em síntese,
1 – A Ré é uma sociedade que se dedica no âmbito da sua actividade à construção civil industrial.
2 - Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 30 de Setembro de 2004, no cartório Notarial…., o R. declarou vender ao A., que lhas adquiriu, no estado de novo, livre de quaisquer ónus e encargos, as fracções autónomas designadas pelas letras "BG", correspondente ao 10º andar, A, bem como a fracção autónoma designada pela letra “G” e 1/50 avos da fracção designada pela letra “AD”, respectivamente arrecadação e estacionamento, do prédio sito no Lote 6, da AVª C de B, na freguesia de… em Lisboa.
3 – As referidas fracções foram adquiridas pelo preço total de € 148.680,14, integralmente pago pelo Autor à Ré.
4 – Após a entrega das fracções por si adquiridas, o Autor instalou-se nas mesmas.
5. A construção de todo o imóvel foi realizada pela ré, e terceiros com quem a ré celebrou contratos de subempreitada.
6. A fracção de habitação adquirida pelo autor apresenta alguns defeitos de construção que não eram visíveis nem detectáveis no momento em que foi adquirida.
7. O autor só detectou a existência dos defeitos após a entrega da fracção.
8 - O Autor requisitou os serviços de uma empresa de serviços de diagnóstico da qualidade de imóveis, a “Ch… Lda.”, à qual solicitou a inspecção técnica da fracção.
7 - Em 10/02/2009, a “Ch” procedeu à inspecção técnica da habitação, tendo elaborado um relatório dos defeitos de construção da fracção, confirmando as anomalias existentes no prédio.
8. Os defeitos resultaram das reacções dos materiais, mal aplicados na obra pela ré, existindo defeitos que se devem ao facto de os trabalhos de acabamentos da fracção terem sido mal executados.
9 – Por carta datada de 7 de Maio de 2009, o autor denunciou à ré os defeitos de construção da fracção habitacional
10 - Em 17 de Fevereiro de 2010, realizou-se nova vistoria à habitação do Autor, pelo representante da Ré.
11 - Por carta datada de 3 de Março de 2010, a Ré respondeu ao Autor e assumiu posição sobre os defeitos denunciados, de acordo com a listagem previamente enviada.
12 - Em 29 de Março de 2009, a mandatária do Autor respondeu à Ré solicitando a eliminação dos defeitos cuja responsabilidade foi assumida pela Ré, na comunicação enviada em 3 de Março de 2010.
13 - Por mensagem enviada por correio electrónico de 31 de Março de 2010, a Ré solicitou ao Autor um agendamento prévio dos trabalhos.
14 – A este e-mail respondeu a Autor por intermédio da sua Mandatária em 05/04/2010, informando qual a sua disponibilidade para o efeito.
15. A ré não reparou nenhum dos defeitos denunciados.
16. O autor não tem outra casa para morar, pelo que se tem sujeitado às condições deficitárias que esta apresenta.
17. Dado o estado de progressiva deterioração do imóvel em geral e da fracção em particular e da actual degradação dos móveis da cozinha nela instalados, o autor tem vergonha de residir nela e receber os amigos.
18. O autor tem sofrido de mau estar, irritação, desgosto e preocupação pelo facto de a sua fracção apresentar vários defeitos.

E termina formulando os seguintes pedidos:
a) Deve ser reconhecido ao autor o direito à eliminação dos defeitos denunciados;
b) Deve a ré ser condenada a executar os trabalhos necessários para reparar e eliminar os defeitos;
Em alternativa
c) Deve a ré ser condenada a custear a reparação e eliminação dos defeitos por terceiro;
d) Deve ser reconhecido ao autor o direito à redução do preço, que se pede em valor não inferior a 21% do preço da habitação;
Requer ainda que
e) a ré seja condenada a pagar ao autor a quantia de 3.000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, até efectivo e integral pagamento a contar da citação, devendo a taxa ser acrescida de 5% desde o trânsito em julgado da sentença condenatória por força do artigo 829.º-A do C. Civil;
Requer finalmente a condenação acessória à condenação principal, preventiva de um possível incumprimento futuro da obrigação por parte da ré, pelo que
f) deve ser fixada à ré uma sanção pecuniária compulsória em montante não inferior a 100,00 euros diários devida desde o prazo de 60 dias, para cumprimento da sentença, a contar do trânsito em julgado da mesma.

A ré contestou por impugnação e por excepção.
Por excepção invoca a caducidade do direito do autor, face ao disposto nos artigos 913.º e seguintes do C.C., nomeadamente pelo decurso do prazo previsto no artigo 916.º do mesmo diploma legal, alegando que a entrega da fracção ao Autor ocorreu em 27/02/2004, tendo este feito a denúncia dos defeitos na fracção em 07/05/2009, ou seja, mais de cinco anos após a entrega.
Alega ainda que o A. disse ter tido conhecimento desses defeitos após a entrega da fracção, pelo que deveria ter procedido à sua denúncia no ano subsequente.
Por último diz a ré que se se considerasse tempestiva a denuncia, a acção em causa teria sido instaurada já depois de ter decorrido o prazo de seis meses previsto no artigo 917.º do C. Civil.

A esta excepção respondeu o autor na réplica, dizendo não ser de aplicar o disposto nos artigos 913.º e seguintes do C.C., uma vez que a ré foi também a construtora do prédio, enquanto profissional, e vendedora das respectivas fracções, sendo assim aplicável o regime do artigo 1225.º do C.C.

Alegou também o autor que o prazo de garantia de cinco anos só se iniciou com a entrega efectiva da fracção ocorrida com a celebração da escritura pública de compra e venda, mais referindo que do documento junto pela Ré e denominado aditamento ao contrato-promessa de compra e venda resulta que o Autor era mero detentor precário da aludida fracção, sendo assim relevante para a contagem do prazo, não o momento em que foi entregue ao Autor a fracção autónoma, mas sim o momento em que o mesmo passou a estar em condições de poder exercer os seus direitos, ou seja na data da celebração da escritura pública.

Notificada veio a R. requerer que se considerassem “não escritos” os artigos 3, e 45 a 72 da réplica.

Por despacho de fls. 301 e seguintes foi decidido considerar “não escritos” os artigos 63 e seguintes da réplica.

No despacho saneador foi decidido ainda o seguinte:
Nos termos expostos, julgo parcialmente procedente a excepção de caducidade alegada pela R. e parcialmente procedente a acção e assim:
A) Absolvo a R. dos pedidos formulados no que toca aos defeitos descritos nos artºs artºs. 17º, 18º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 27º, 28º, 29º (pavimento e rodapés) 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 43º, 44º, 45º, 47º, 48º (no que se reporta ao pavimento e rodapés), 49º, 50º (no que se reporta ao pavimento e rodapés), 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º e 68º, por procedência da invocada caducidade.
B) Reconheço ao A. o direito à eliminação dos defeitos constantes dos pontos 8 a 18 da matéria assente e condeno-o a proceder à sua eliminação, no prazo de 60 dias e de acordo com a listagem anexa e junta a fls. 150, mais a condenando ao pagamento da sanção pecuniária compulsória de € 50,00 decorrido e findo este prazo, por cada dia de atraso (art.º 829-A do C.P.C.).
C) Absolvo a R. do demais peticionado.

Dele recorreu o autor, formulando, em síntese, as seguintes conclusões
1. O Autor/Apelante veio com a Réplica apresentada, completar, aperfeiçoar o já alegado na Petição Inicial, e uma vez que teria sempre direito a responder em início de audiência, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º4 do Código do Processo Civil, deveria a Meritíssima Juíza a quo ter considerado escritos os factos alegados nos artigos 63.º e seguintes da Réplica apresentada;
2. O Autor/Apelante e a Ré/Apelada trocaram correspondência, tentando resolver extrajudicialmente o assunto em litígio entre 7 de Maio de 2009 e 3 de Março de 2010, vindo a Ré/Apelada a tomar a posição através da carta datada de 3 de Março de 2010, a que se faz referência no ponto 30 do despacho saneador/sentença apelado;
3. Somente, em 3 de Março de 2010, houve uma posição definitiva da Ré/Apelada, sobre os defeitos denunciados em 7 de Maio de 2009;
4. Assim, nessa fase, ainda que a factualidade já assente seja suficiente para conhecer directamente do pedido, de acordo com a perspectiva jurídica da Meritíssima Juíza do processo, entende-se que deveria abster-se de tal conhecimento dado que subsiste factualidade controvertida e outras soluções jurídicas são plausíveis, não sendo os factos já assentes bastantes para decidir de acordo com tais outras perspectivas;
5. Além da posição jurídica seguida na decisão sob censura, outras são plausíveis. Os factos necessários para o conhecimento directo do pedido de acordo com tal ou tais perspectivas ainda não se mostram assentes, devendo os autos prosseguir os seus termos;
6. A redacção dada ao artigo 1225.º do Código Civil, nomeadamente o aditamento do n.º 4, com a introdução do conceito de vendedor/construtor, deve ler-se na sua materialidade (enquanto o vendedor acumule as duas condições) ou então, visando o vendedor o lucro, deve aproximar-se ao conceito de profissional, por oposição a consumidor, do artigo 2.º n. º1 da Lei da Defesa do Consumidor de 1996, vista a interpretação histórica e autêntica do preceito;
7. Neste sentido, para a integração do conceito de “vendedor de imóvel que o tenha construído” – artigo 1225.º n.º 4, do Código Civil – deve partir-se de um conceito de “profissional”, mesmo que haja dado a alguém de empreitada de uma obra, face a um “não profissional”;
8. A Ré/Apelada dedica-se ao comércio imobiliário desenvolvendo actividade de construção civil industrial, pelo que deve ser considerada construtora para efeitos da lei;
9.  O DL n.º 84/2008 estabeleceu «um novo prazo de dois e três anos a contar da data da denúncia, conforme se trate, respectivamente, de um bem móvel ou imóvel, para a caducidade dos direitos dos consumidores. Esta diferenciação de prazos justifica-se atendendo ao bem em causa e à complexidade de preparação de uma acção judicial consoante se trate de um bem imóvel ou imóvel» (cfr. preâmbulo do citado diploma);
10. O Autor /Apelante adquiriu as fracções à Ré/Apelada para seu uso e habitação, estabelecendo-se entre ambos uma relação de consumo – o primeiro como particular e a segunda no exercício da sua actividade com vista ao lucro;
11. A fls. 9 da escritura de compra e venda celebrada entre a Ré/Apelada e a sociedade “F... –…, S.A: “, que a primeira juntou aos autos, a mesma declarou que os imóveis se destinavam a revenda e mais declarou que se encontra colectada no respectivo Serviço de Finanças, pela actividade de compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim;
12. Pelo que lhe devem ser aplicada a Lei de Defesa do Consumidor – Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, com a redacção introduzida pelos Decretos-Lei nºs 67/2003, de 8 de Abril, e 84/2008, de 21 de Maio;
13. Nos termos do artigo 5.º do decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, o consumidor pode exercer os seus direitos dentro do prazo de cinco anos a contar da entrega do bem, caso se trate de bem imóvel;
14. Acresce que no tocante ao direito de acção, o decreto-lei n.º84/208, de 21 de Maio, entrou em vigor em 21 de Junho de 2008, vindo a ampliar os prazos de denúncia e de acção para um ano, o primeiro, e para três anos o segundo;
15. O Autor/Apelante não se instalou nas fracções, na data da assinatura do documento denominado “Aditamento ao Contrato de Promessa de Compra e Venda” que ocorreu em 27 de Fevereiro de 2004, nem decorre dos factos alegados pelas partes que tal tenha acontecido;
16. Afirmou ter-se instalado nas fracções após a aquisição, sendo que adquiriu as fracções com a celebração da escritura pública de compra e venda celebrada em 30 de Setembro de 2004;
17. Pelo que, foi tempestiva a denúncia de defeitos da fracção efectuada em 7 de Maio de 2009;
18. Aquando da entrega da chave das fracções o Autor/Apelante não pôde nelas se instalar, no edifício faltavam pelo menos as ligações de gás e as fracções não se encontravam munidas de ligações de água, electricidade, próprias;
19. No presente caso as partes, Autor/Apelante e Ré/Apelada expressamente quiseram que o Autor/Apelante ficasse mero detentor do imóvel, não lhe sendo transmitido qualquer direito, conforme resulta das declarações constantes do documento referenciado no ponto 39 do saneador/sentença apelado;
20. O Autor/Apelante carecia de legitimidade para invocar o direito à reparação de defeitos, pois entre as partes foi celebrado um contrato de promessa de compra e venda cujos efeitos consistem nas co-relativas obrigações de vender e de comprar o imóvel, sendo certo que a Ré/Apelada a mais nada se obrigou, enquanto promitente vendedora, designadamente no que respeita a qualidades especiais de acabamentos, do que a obter a licença de utilização camarária para poder vender o imóvel;
21. A não caducidade dos direitos do comprador Autor/Apelante é manifesta através de um outro enquadramento jurídico no caso feito em função do estatuído no artigo 329.º do Código Civil, segundo o qual prazo de caducidade só começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido;
22. Pelo que deverá concluir-se que é prematura a decisão final do caso na fase do despacho saneador e com os fundamentos aduzidos, já que é juridicamente plausível o entendimento do Autor/Apelante de que, a provarem-se os factos por si alegados, a Ré/Apelada deverá ser considerada construtora, e a excepção peremptória de caducidade deverá considerar-se improcedente;
23. Igualmente violou o disposto na lei n.º24/96, de 31 de Julho, com a redacção introduzida pelos Decretos – Lei nºs. 67/2003, de 8 de Abril e 84/2008, de 21 de Maio que estabelecem o Regime da Defesa do Consumidor;
24. O saneador/sentença ora apelado não pode subsistir, impondo-se a sua revogação, em ordem a possibilitar a produção de prova, em audiência de julgamento, sobre toda a factualidade articulada pelas partes.

A apelada pugna pela confirmação da decisão recorrida, juntando contra-alegações:
1ª. Ao julgar “não escritos” os artigos 63º e segts. da réplica por excederem o âmbito da resposta às excepções, o Tribunal a quo fez correcta interpretação e aplicação do artigo 502º do CPC que não admite que tal articulado possa servir para impugnar a impugnação feita pela recorrente na contestação como foi o caso.
2ª. Em nenhum dos artigos da réplica tidos como “não escritos”, o Autor invocou factos extintivos ou modificativos dos factos que suportaram a caducidade excepcionada pelo Réu, pelo que, mesmo que devessem ser relevados esses artigos, sempre procederia a excepção de caducidade, o que torna inútil e prejudicado o conhecimento de tal questão em torno da réplica.
3ª. O recurso jurisdicional tem por objecto sindicar a decisão concretamente proferida (procedência da excepção por decurso do prazo de garantia de cinco anos) e não um conteúdo decisório ficcionado que o recorrente atribui a essa decisão, não sendo o recurso a sede adequada à discussão de questões teóricas ou académicas.
4ª. Contrariamente ao que parece ser pressuposto pelo recorrente, o Tribunal a quo não julgou ultrapassado o prazo de 6 meses para a propositura da acção previsto no artigo 916º do C. Civil para o contrato de compra e venda - questão esta cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão - mas antes por ter entendido que o Autor denunciou os defeitos de construção já para além do prazo de cinco anos previsto na lei como “prazo de garantia”.
5ª. O prazo de garantia de 5 anos dentro do qual devem ser denunciados os defeitos do imóvel é o mesmo quer na “compra e venda‟ de bens imóveis (artigo 916º do Cód. Civil), quer na “empreitada‟ de obras de construção de imóveis (artigo 1225º do mesmo Código), tornando desajustada e inútil toda a discussão trazida pelo recorrente acerca da aplicabilidade ao caso do regime da empreitada ou da defesa do consumidor.
6ª. Ao contrário do entendimento expresso nas alegações de recurso, o momento da “entrega” do imóvel para efeitos de determinar o termo inicial do prazo de 5 anos dentro do qual devem ser denunciados os seus defeitos (quer na compra e venda, quer na empreitada) coincide com a entrega material, efectiva, do imóvel ao adquirente e não com a sua mera transferência formal ou jurídica.
7ª. Estando provado por acordo e por documento que a entrega material da fracção autónoma ao recorrente ocorreu no dia 27 de Fevereiro de 2004 – cfr. aditamento ao contrato-promessa junto aos autos – e que os invocados defeitos só foram denunciados por carta datada de 7 de Maio de 2009 e recebida pela recorrente em 13 de Maio de 2009, não restaria ao Tribunal outra solução senão com plena segurança julgar ultrapassado o prazo de cinco anos previsto na lei e declarar a caducidade.

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Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

Vêm dados como provados os seguintes factos:

1 – A Ré é uma sociedade que se dedica no âmbito da sua actividade à construção civil industrial.
2 - Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 30 de Setembro de 2004, No cartório Notarial…, o R. declarou vender ao A., que lhas adquiriu, no estado de novo, livre de quaisquer ónus e encargos, as fracções autónomas designadas pelas letras "BG", correspondente ao 10º andar, A, bem como a fracção autónoma designada pela letra “G” e 1/50 avos da fracção designada pela letra “AD”, respectivamente arrecadação e estacionamento, do prédio sito no Lote 6, da AVª C…, na freguesia de… em Lisboa, descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº…., inscrito na matriz predial urbana sob o art. provisório nº ….
3 – As referidas fracções foram adquiridas pelo preço total de € 148.680,14, (Cento e quarenta e oito euros e seiscentos e oitenta euros e catorze cêntimos), integralmente pago pelo Autor à Ré.
4 – A fracção autónoma destinada à habitação foi adquirida pelo preço de € 134.225,14 (Cento e trinta e quatro mil duzentos e vinte e cinco euros e catorze cêntimos).
5 – Após a entrega das fracções por si adquiridas, o Autor instalou-se nas mesmas.
6 - O Autor requisitou os serviços de uma empresa de serviços de diagnóstico da qualidade de imóveis, a “Ch.. Lda.”, à qual solicitou a inspecção técnica da fracção.
7 - Em 10/02/2009, a “Ch..” procedeu à inspecção técnica da habitação, tendo elaborado um relatório dos defeitos de construção da fracção junto a fls. 53 e seguintes.
8 – As paredes do hall de entrada e da sala apresenta fissuras no estuque.
9 – As paredes da cozinha apresentam fissuras no estuque entre a parede e o tecto, tendo ainda vários azulejos partidos.
10 – Na instalação sanitária 1 ao nível das paredes os betumes estão fissurados.
11 – No quarto 1 ao nível da caixilharia nas cantarias existem betumes fissurados.
12 – No quarto 2 ao nível da caixilharia nas cantarias existem betumes fissurados.
13 – As paredes do quarto 2 apresentam fissuras com os estuques soltos na parede oeste.
14 – As paredes do corredor apresentam fissuras com os estuques soltos na parede oeste.
15 – Na instalação sanitária 2 ao nível das paredes os betumes estão fissurados.
16 – Na varanda ao nível das paredes existem betumes fissurados.
17 – Na varanda ao nível das guarnições /muretes nas cantarias existem betumes fissurados.
18 – As paredes da varanda têm azulejos fissurados.
19 – Por carta datada de 7 de Maio de 2009 e recebida pela R. em 13/05, o A. comunicou o seguinte:
“Após ter adquirido o imóvel no empreendimento BL..., lote 6 10ºA foram detectados alguns problemas de construção do mesmo. Mais recentemente contratei um serviço de vistoria, que inclui um relatório completo e técnico, onde são detectadas diversas anomalias, incluindo as anomalias de que suspeitava e outras, entretanto detectadas por estudos técnicos incluídos no Relatório que anexo. Face ao exposto, venho por este meio e ao abrigo do art. 4º e 2º do Decreto-Lei 67/2003, solicitar a V.Excias. se dignem a resolver as anomalias identificadas no Relatório. Coloco-me, desde já, à V. inteira disposição para o agendamento das reparações das anomalias. Para tal agradeço que, e em virtude de estar a residir no estrangeiro, toda e qualquer comunicação seja enviada, também para o meu correio electrónico – N… Certo da V. melhor atenção, e na expectativa do V. rápido agendamento das reparações, subscrevo-me com elevada consideração e estima,”
20 – Em 15 de Julho de 2009, o Autor enviou nova carta à Ré, com o seguinte teor:
“ No passado mês de Maio dei a conhecer a Vencias e solicitei a reparação dos defeitos de construção do imóvel a vós adquirido no empreendimento…. Em virtude de não ter recebido qualquer resposta da V. parte, solicitei orçamento para a reparação das anomalias identificadas no Relatório CH.. (anteriormente enviado) e que se cifra em € 11.713,41 (Onze mil, setecentos e treze Euros e quarenta e um cêntimos), conforme anexo. Face ao exposto, venho por este meio e ao abrigo do art.º 4º e 2º do Decreto-Lei 67/2003, mais uma vez solicitar que V. Excitas se dignem a resolver as anomalias identificadas no Relatório no prazo de 30 dias, ou – caso a falta de resposta se mantenha; serei forçado a recorrer às instâncias competentes. Coloco-me, desde já, à V. inteira disposição para o agendamento das reparações das anomalias. Para tal agradeço que, e em virtude de estar a residir no estrangeiro, toda e qualquer comunicação seja enviada, também para o meu correio electrónico – N…. Certo da V. melhor atenção, e na expectativa do V. rápido agendamento das reparações,”
21 – Por carta datada de 6 de Agosto de 2009, a Ré comunicou ao Autor, o seguinte:
“ Acusamos a recepção das suas cartas datadas de 07 de Maio e de 15 de Julho de 2009, as quis mereceram a n/ melhor atenção. Na sua missiva de 7 de Maio de 2009, V. Exa. apresentou-nos um extenso relatório elaborado pela empresa “Ch.. Lda.”, sem contudo indicar quais as situações do mesmo que entende constituir defeito de construção e como tal susceptíveis de reparação. Assim, informamos que todas as situações indicadas como sujidade nas paredes, existência de fungos no tecto, quadro eléctrico com pó, lavatório entupido, não serão alvo de qualquer intervenção por se tratar de questões relativas à falta de limpeza e manutenção da fracção cuja responsabilidade incumbe ao proprietário da mesma. De igual modo, a falta de afinação de portas e puxadores, falta de silicones e risco no soalho flutuante respeitam à utilização da fracção e falta de manutenção da mesma, cuja responsabilidade caberá ao proprietário da mesma. No que respeita à existência de jornais nas grelhas de ventilação, esclarecemos que a nossa empresa não tem qualquer conhecimento desse facto nem procedeu à colocação de jornais nas mesmas, sendo claro que esse facto não consubstancia qualquer defeito de construção. Quando aos restantes pontos enunciados no relatório, os mesmos deverão ser devidamente analisados pelos n/ técnicos para aferir se correspondem ou não a defeitos de construção. Nessa medida, informamos que os n/técnicos terão disponibilidade para proceder a uma vistoria à sua fracção nos seguintes dias e horários: a segunda quinzena de Setembro, de Segunda a Sexta-Feira das 9h00-13h00 e das 14h00-18h00. Mais informamos que todas as situações que venham a ser comprovadas e sinalizadas pelos n/técnicos como defeitos de construção irão ser reparadas pela n/ empresa em data a acordar com V. Exa.”
22 – O Autor remeteu nova carta á Ré em 07 de Agosto de 2009, cujo conteúdo é o seguinte:
“Em primeiro lugar, gostaria de agradecer por, finalmente, terem respondido às minhas cartas de reclamação. Por outro lado, gostaria de mencionar os valores pelos quais V. Excitas se pautam e que devem ser mais do que meros escritos. Nomeadamente, " ... o primeiro são os clientes, visando a sua total satisfação ... ". Não esquecendo, a Vossa Missão: ", .. construir imóveis de grande qualidade ... ".
Assim sendo, cumpre-me informar que a segunda quinzena de Setembro, por vós proposta, parece-me um pouco tardia, tendo em consideração o vosso tempo de resposta. Contudo, se da Vossa parte houver um compromisso em finalizar as reparações dos defeitos de construção até, por exemplo, 15 dias após a visita dos Vossos técnicos, não vejo inconveniente em marcarmos a referida visita para 14 de Setembro pelas 10h da manhã. Até porque, a 30 de Setembro finalizará a garantia contra defeitos de construção e gostaria de ter tudo resolvido até essa data, como de certo compreenderá (anexo quadro com as reparações a efectuar).
Referiu na sua carta Ref.: PV.MSR.C34/09 que, entre outros, sujidade nas paredes, fungos no tecto, falta de silicone não seriam considerados defeitos de construção. Mas, permita-me esclarecer que a sujidade advêm da má calafetação das janelas, os fungos no tecto da não aplicação de tinta anti-fungos (ver mapa de acabamentos anexo ao contrato de promessa de compra e venda). E, finalmente, se não tem silicone, como pode respeitar à utilização da fracção?
Enfim, nada melhor que os técnicos para in-loco, analisarem todas as situações. Continuo a muito agradecer que, e em virtude de estar a residir no estrangeiro, toda e qualquer comunicação seja enviada, também, para o meu correio electrónico n…. Certo da V. melhor atenção, e na expectativa do V. rápido agendamento das reparações.”
23 - Em 14 de Setembro de 2009, a Ré enviou um seu representante à fracção em causa, a fim de ser feita a vistoria e levantamento de defeitos a corrigir.
24 – Após essa vistoria a Ré remeteu ao A. e-mail a 14 de Outubro de 2009, nos seguintes termos:
 “Acusamos a recepção do seu e-mail infra o qual mereceu a n/ melhor atenção. No seguimento das reclamações apresentadas por V. Exa., foi efectuada uma vistoria ao local em 14/09/09, na qual estiveram presentes os n/técnicos, bem como a sua mandatária e um seu representante. Da vistoria resultou a lista de defeitos reclamados que segue anexo e que foi dada por definitiva. Antes de mais, reiteramos o conteúdo do n/ e-mail datado de 04/08/2009, pelo que situações como falta de afinação de portas e puxadores, cifão entupido, limpeza de silicones, toalheiro com ferrugem e tomada da TV solta respeitam à utilização da fracção e falta de manutenção/limpeza da mesma, cuja responsabilidade caberá ao proprietário da mesma. Das restantes situações enumeradas na lista acima referida, cumpre-nos informar o seguinte:
1- Quanto à alteração das grelhas, entendemos não existir qualquer defeito de construção.
2- No que respeita aos silicones das janelas, já solicitámos assistência técnica ao fornecedor das mesmas para verificação desta situação. Estamos a aguardar que nos indiquem uma data para deslocação ao local.
3- No que respeita ao radiador, conforme decorre da legislação em vigor e do contrato-promessa celebrador com V. Exa. ao construtor é permitido fazer pequenas alterações na execução da obra, sendo certo que estas alterações em nada prejudicam ou afectam a uso a que destina a fracção ou a qualidade da mesma, pelo que não consubstancia qualquer defeito de construção passível de reparação
4- Em relação às fissuras e pintura geral, estas intervenções serão realizadas pela n/ empresa em data a acordar com V. Exa. tendo em conta a v/disponibilidade e a dos n/ técnicos de pós - venda
5- No que respeita aos azulejos rachados do WC e rectificação dos betumes na varanda, serão realizadas pela n/ empresa em data a acordar com V. Exa. tendo em conta a v/ disponibilidade e a dos n/ técnicos de pós-venda.
6- Quanto ao vídeo do porteiro torto e painel do WC cortado, entendemos que se encontra ultrapassado o prazo de garantia destes equipamentos.
Em relação ao disjuntor da banheiro com fios A+, esta situação terá de ser analisada por um técnico especializado (electricista), pelo que solicitámos a sua assistência e estamos a aguardar que nos indiquem uma data para deslocação ao local.
Deste modo, assim que nos forem apresentadas as datas para realização de deslocações pelos técnicos responsáveis entraremos em contacto consigo para agendar data da sua disponibilidade.”
25 – Por carta 18 de Novembro de 2009, que a Ré recepcionou em 19 de Novembro de 2009, o Autor através da sua mandatária, comunicou o seguinte:
“Venho pela presente, relativamente ao assunto supra, na qualidade de advogada e a pedido do meu cliente o Exmo. Sr. N…, responder à V/ missiva de 14/10/2009, que mereceu a minha melhor atenção. Atento o teor da mesma, e apesar da posição assumida por V. Exas. relativamente a parte dos defeitos reclamados, regista-se que lamentavelmente à data e volvidos dois meses da vistoria efectuada ao local, 35 dias da missiva supra mencionada, nada foi feito, apesar das legitimas interpelações do meu cliente, para que se agende os trabalhos num curto espaço de tempo. No entanto, quanto a alguns dos defeitos denunciados - substituição das grelhas, localização do radiador da sala, vídeo porteiro torto, painel do WC cortada - parece-nos com o devido respeito, que a resposta enviada traduz uma tentativa demasiado simples de resolver tais questões, imputando tais vícios ao dever de conservação a que o meu cliente bem sabe estar obrigado na sua condição de proprietário. Assim, não olvidando também que todos os “equipamentos" estão sujeitos a desgaste derivado do normal uso, relativamente aos seguintes componentes de construção, quando instalados com carácter de permanência no imóvel: as torneiras, os lavatórios, a banheira incorporada na casa - de -banho, as portas, as janelas, os estores, o sistema vídeo - ." porteiro, só poderão considerar-se bens imóveis para efeitos de garantia, pois com que aspecto e funcionalidade ficaria a fracção sem os supramencionados elementos?! Porém outros defeitos foram oportunamente denunciados pelo meu cliente sem que V. Exas. Se tivessem pronunciado quanto à sua eliminação, conforme se conclui da análise atenta do documento que se anexa à presente carta que constitui um resumo do relatório técnico elaborado, pelo que mais uma vez, se insiste junto de V/ Exas. para que procedam à reparação/eliminação. Com efeito, o meu cliente celebrou com V. Exas. um contrato oneroso de transmissão de direito real sobre edifício (fracção autónoma), de tal contrato resultou uma responsabilidade pelo cumprimento defeituoso, ou seja, ficaram obrigados perante o meu cliente a obter um resultado, sendo que, por a obra apresentar defeitos, conclui-se que o resultado não foi alcançado. Oportunamente, o meu cliente levou ao conhecimento de V. Exas. os vícios e defeitos existentes na fracção, os quais revelam que não terão sido cumpridas todas as obrigações assumidas contratualmente, quer relativamente aos acabamentos de qualidade da construção, designadamente em sede de insonorização da fracção, quer com as determinações legais de construção aplicáveis, conforme resulta das desconformidades que a obra apresenta relativamente ao projecto de construção designadamente o local escolhido para colocação do radiador da sala, e que V. Exas. justificam como sendo “ ... uma pequena alteração na execução da obra …”. Tomo a liberdade de discordar de V. Exas., pois sou de parecer salvo melhor opinião e com o devido respeito, que existindo tal desconformidade, a obra aparentemente não terá cumprido, isto é, observado o projecto aprovado e licenciado, bem como as normas técnicas gerais e específicas da construção. Bem sabendo V. Exas. que resulta das disposições urbanísticas que não são permitidas quaisquer alterações aos projectos que não decorram de "simples ajustamentos em obra", estando todas as demais sujeitas a novo licenciamento, e conforme se afirma na jurisprudência dos nossos tribunais tal definição corresponde ao acerto, rectificação ou modificação de pormenor que durante a execução da obra se tome necessário introduzir, que não se oponha às principais opções e soluções do projecto aprovado e que possa ser levado a cabo sem o apoio de peças desenhadas. A que acresce o facto de a escritura publica de compra e venda se ter realizado, sem a respectiva licença de habitação, mas apenas com a declaração por parte do transmitente de que a construção se encontrava concluída, que não estava embargada, que não fora notificado de apreensão do alvará de licença de construção e que o pedido de licença de utilização não fora indeferido, decorridos mais de cinquenta dias sobre a data do seu requerimento, não tendo sido notificado para o pagamento das taxas devidas. A Lei permite que se realize a transmissão, no entanto em tal circunstância são sempre responsáveis solidariamente por eventuais incumprimentos _ urbanísticos, o titular da licença de construção e o primeiro transmitente. Assim ao contrário da posição assumida por V. Exas., verificam-se vícios nas estruturas mal dimensionadas provocando fendas, isolamento térmico e acústico deficientes, instalações sanitárias e rede de esgotos mal executados, instalações eléctricas insuficientes, conforme decorre do relatório elaborado por entidade credenciada, cuja cópia foi oportunamente remetida para os V/ escritórios. Tais vícios constituem desvios estruturais à qualidade devida, que desvalorizam a habitação, vícios que impedem a realização da finalidade a que se destina, ou seja falta de qualidades asseguradas por V. Exas. e falta de qualidades necessárias à realização do fim a que se destina, que tomam o imóvel impróprio para o uso, e que afectam a saúde e segurança do meu cliente. V. Exas. não desconhecem que o meu cliente tem direito à eliminação dos defeitos, de exigir nova construção, redução do preço ou resolução do contrato e de que V. Exas. estão obrigados à eliminação de todos os defeitos. O estado de progressiva deterioração do imóvel, provocada pelos defeitos supra enumerados, provocam no meu cliente mau estar, irritação, desgosto e preocupação e tem mesmo vergonha de na sua própria casa, fazer a sua vida normal e conviver com amigos. O meu cliente tem o direito a exigir o reconhecimento da qualidade do bem que comprou, assim como, a responsabilização dos vários agentes intervenientes na construção e venda da habitação. Ora estes danos não são simples incómodos, mas revestem gravidade para serem indemnizados, pois consistem, para além do mais, no desconforto vivido pelo meu cliente na sua habitação, na ansiedade que a mesma lhe provoca, não desfrutando da mesma. Deste modo crente na V/ melhor compreensão para a resolução do presente ficarei a aguardar o V/contacto até ao próximo dia 27 de Novembro de 2009, a fim de ser agendada a eliminação dos defeitos, que de acordo mm a V/ mensagem de 14/10/2009, estaria pendente de agendamento com os técnicos responsáveis, bem como eliminação dos restantes defeitos para os quais uma vez mais, através da presente exposição, se reclama uma intervenção urgente. Findo tal prazo, encontrar-se-ão V. Exas. em situação de incumprimento, com as consequências daí advenientes, reservando-se desde já o meu cliente, o direito de accionar os meios legais para à resolução deste assunto.”
26 - Em 3 de Dezembro de 2009, o Autor através da sua mandatária enviou um fax à R., cujo teor é o seguinte:
“Venho pelo presente, relativamente ao assunto supra, na sequência do envio de carta datada de 18/11/2009, recepcionada por V. Exas. em 19/11/2009, e na ausência de qualquer resposta à mesma, uma vez mais reiterar a posição do meu cliente e insistir no agendamento dos trabalhos que assumiram realizar de acordo com o teor da V/ mensagem de 14/10/2009. Aproveito ainda para solicitar a V. Exas. uma posição relativamente aos restantes trabalhos de reparação, que se reclamam. Não logrando obter qualquer resposta da V/ parte, até ao próximo dia 10/12/2009 ver-me-ei na imposição de propor a respectiva acção judicial”.
27 - Por carta datada de 19 de Janeiro de 2010, a Ré comunicou o seguinte à Ilustre Mandatária do Autor:
“Antes de mais pedimos as n/sinceras desculpas pelo atraso na resposta à sua missiva datada de 18 de Novembro de 2010, o que se deveu a um lapso dos n/ serviços administrativos. Em 14 de Setembro de 2009, foi realizada uma vistoria à fracção do seu cliente, a qual contou com a presença dos n/ técnicos do Serviço de Pós-Venda, da Drª. M… e de V. Exa. da referida vistoria resultou a listagem de defeitos a reparar que constam do e-mail que foi remetido pela Dra. M.. ao seu cliente, em 14 de Outubro de 2009, e que ora anexamos. Sucede que após a realização da referida vistoria, vem V. Exa. solicitar a reparação de alegados defeitos que não foram mencionados por V. Exas. na data da vistoria, nem verificados pelos n/ técnicos e/ou sobre os quais a n/ empresa já se pronunciou no sentido de entender que os mesmos não configuram qualquer defeito de construção passível de reparação. Assim, informamos que estamos disponíveis para proceder às reparações já mencionadas no e-mail em anexo. No entanto, tais reparações apenas serão realizadas assim que concluída a vistoria sobre todos os alegados defeitos de construção sobre os quais V. Exas. entendem que deverá existir intervenção, sendo certo que situações como afinações de portas, dobradiças, existência de fungos, sujidades na pintura, ferrugens e tomadas soltas não constituem defeitos de construção mas antes situações derivadas de falta de manutenção da fracção em causa. Nessa medida, solicitamos a V. Exas. que nos remetam definitivamente uma listagem das situações sobres as quais deverá ser realizada uma nova vistoria, bem como datas disponíveis para a realização da mesma, reiterando que deverá ser esta a listagem final para que se possam iniciar as reparações com a maior brevidade possível. Mais informamos, que em relação a situações de isolamento acústico e térmico apenas serão tidos em conta pela n/ empresa relatórios apresentados por entidades oficiais e devidamente credenciadas para o efeito como o ISO. Cumpre-nos ainda referir que não podemos deixar de lamentar que V. Exa. venha na sua missiva alegar que o seu cliente tenha vindo a sofrer mau estar, irritação por se encontrar privado de fazer na fracção em causa uma vida normal e conviver com os seus amigos, quando a verdade é que o seu cliente - conforme documentos escritos remetidos pelo mesmo - nos informou que não se encontra a habitar a casa por estar a residir fora, por motivos relacionados com a sua actividade profissional, e a mesma se encontrar fechada há muito tempo. Este tipo de atitude não se coaduna com o espírito de colaboração e entendimento que entendemos que para o bem comum deverá preponderar”.
28 - O A. por intermédio da sua Mandatária, remeteu carta à R. datada de 4 de Fevereiro de 2010, nos seguintes termos:
“Vimos pela presente, relativamente ao assunto supra, acusar a recepção de V/carta datada de 19/01/2010 que muito agradecemos e atento o teor da mesma e após conferência com o meu cliente, cumpre-nos tecer os seguintes comentários:
Permitam-nos desde já discordar de V. Exas. e designadamente quanto à afirmação de que: " ... da referida vistoria resultou a listagem de defeitos a reparar que constam do e-mail que foi remetido ....pois aquando da vistoria fora já enviada a listagem de todos os defeitos que se reclamavam e reclamam. Com efeito, naquela vistoria ao local em que esteve presente um único técnico do grupo "Ob.", o Sr. SL, o qual eu própria acompanhei e não tendo contado com a presença da Dra. M.. contrariamente ao invocado na missiva a que se responde, terão V. Exas. procedido então ao levantamento e à verificação de apenas alguns dos defeitos, porém o meu cliente é alheio a tal situação. Pois os defeitos foram objecto de um relatório técnico do qual resultou uma listagem exaustiva de todos os vícios e defeitos de construção detectados na habitação, o qual foi oportunamente enviado a V. Exas. Por se tratar de um relatório extenso e para mais fácil apreensão do seu conteúdo, procedeu-se à elaboração de um resumo dos defeitos cuja cópia foi igualmente remetida para V. Exas., antes da vistoria, e foi ainda junto à carta enviada em 18/11/2009. Assim, não nos parece razoável vir agora argumentar que determinados defeitos que alegadamente não terão sido denunciados, não foram verificados. Na posse da listagem de todos os defeitos cuja reparação, o meu cliente reclama, V. Exas. enviaram um V/ representante para respectiva verificação. Parece-nos, com o devido respeito e salvo melhor opinião que o levantamento e verificação dos defeitos, cabia ao V/ técnico de acordo com a listagem já enviada, até porque V. Exas. não podem desconhecer que o direito de reparação na venda de coisa defeituosa assenta na culpa presumida do vendedor, cabendo a este ilidir tal presunção. No entanto, o meu cliente não se opõe a que uma vez mais V. Exas. procedam à verificação dos defeitos mediante vistoria ao local, e urna vez mais remetesse em anexo a listagem dos defeitos. Relativamente ao isolamento acústico e térmico, tais anomalias resultam evidentes do relatório elaborado peja CH. a pedido do meu cliente, que aliás recorreu a uma entidade externa, idónea e detentora de credenciação ao nível da qualidade (conforme resulta do relatório enviado), conferido por organismo técnico de acreditação, tendo sido reconhecida a competência técnica dos seus agentes de avaliação de conformidade, (entidades que efectuam calibrações. ensaios. Inspecções e certificações) de acordo com referências internacionais. Assim entendemos, com o devido respeito e salvo melhor opinião, que o relatório emitido por entidade devidamente credenciada como é o IPAC (Instituto Português de Acreditação, I.P., vai de encontro ao pretendido por V. Exas. pois tal entidade enquadra-se no Subsistema da Qualificação do Sistema Português da Qualidade {SPQ} constituindo-se como o topo e o regulador dos processos e agentes de avaliação da conformidade. Salienta-se ainda que a acreditação diferencia-se da certificação por não só exigir um sistema da Qualidade, mas ainda requerer a necessária competência técnica para garantir confiança nos resultados e produtos das actividades acreditadas. Pelo que, a alusão feita por V. Exas. à eventual falta de idoneidade do relatório apresentado pelo meu cliente deve-se, com toda a certeza a falta de atenção. No entanto o meu cliente não se opõe à verificação dos defeitos na sua habitação por parte de outra entidade credenciada, considerando-se porém inútil, estando já devidamente verificada a existência de todos os defeitos denunciados e a respectiva origem. Uma vez mais, tomo a liberdade de informar V. Exas. de que o meu cliente se encontra munido da melhor boa vontade na resolução extra judicial do presente assunto e Quando alega ter sofrido prejuízo sério no que respeita à utilização da sua casa, tal corresponde à verdade. Trata-se de uma situação em que o bem vendido não dispõe da qualidade assegurada pelo vendedor, não cumprindo assim o fim a que se destina, aliás acrescenta-se que a delimitação do conceito de …defeito" a imputar na presente situação, com vista à responsabilidade de V. Exas., enquanto construtora peja sua reparação, assume a natureza de vício que desvaloriza uma vez que, em termos de expectativa razoável do consumidor, não se mostra usual a existência de tais defeitos após um espaço de tempo tão curto e com tal dimensão, provocando danos que pela sua gravidade merecem a tutela do direito. O direito à reparação, neste caso, terá de ser perspectivado com apelo ao conceito de idoneidade do "bem" face à função a que se destina e que se prende, indubitavelmente, com aspectos de ordem estética e não, propriamente e tão só, com as condições de segurança e protecção na utilização do imóvel, tendo em vista proteger o meu cliente enquanto adquirente relativamente à aptidão da coisa, isto é, a utilidade que aquele espera dela. Do exposto resulta evidente, que a responsabilidade na reparação dos defeitos não depende do uso continuo do bem pelo meu cliente. Adianta-se no entanto que a fracção constitui a sua residência e que ainda que dela se ausente durante determinado período de tempo, a fracção não está fechada e tem tido a utilização inerente ao uso a que destina e contrariamente ao que V. Exas. invocam, a casa não está fechada nem nunca esteve fechada, pelo que o meu cliente nunca poderia ter dado informação contrária. Assim, afigura-se-nos ser de concluir, salvo o devido respeito por opinião contrária, completamente desajustada a ideia de que o meu cliente não pretende colaborar na resolução deste assunto. A situação é considerada, pelo meu cliente, grave e não lhe é indiferente conforme posição já manifestada e que reitera, no entanto em sede de resolução extra judicial o meu cliente, em clara manifestação da sua boa vontade, encontra-se disposto a abdicar do seu direito a ser indemnizado pelos danos não patrimoniais decorrentes da existência dos defeitos denunciados. Bem sabendo V. Exas., que quanto aos danos não patrimoniais a sua ressarcibilidade, no âmbito da responsabilidade contratual, tem o apoio da maioria da doutrina e da jurisprudência. Deste modo atento o supra exposto, e conforme V/ solicitação sugerimos o próximo dia 11/02/2010 ou 12/02/2010 no período da manhã, para a realização de nova vistoria ao local”.
29 - Em 17 de Fevereiro de 2010, realizou-se nova vistoria à habitação do Autor, pelo representante da Ré.
30 - Por carta datada de 3 de Março de 2010, a Ré respondeu ao Autor:
“Acusamos a recepção da missiva do seu e-mail de 17 de Fevereiro de 2010, o qual mereceu a n/melhor atenção. Em resposta ao mesmo, e uma vez que foram já verificados pelos n/ técnicos todos os pontos respeitantes à lista de alegados defeitos de construção elaborados pela firma "Ch... -…, Lda.", vimos pela presente apresentar de forma discriminada a posição da n/ empresa face aos mesmos, pelo que solicitamos que verifiquem o quadro que se junta como anexo 1. Cumpre-nos desde já informar que a n/ empresa irá proceder à reparação de todos os defeitos de construção ou anomalias em conformidade com o referido no Anexo I. No entanto e como as intervenções a realizar na fracção do seu cliente irão implicar a execução de trabalhos de pintura, entendemos ser conveniente que tais trabalhos se venham a realizar durante a primavera. Nessa medida, solicitamos que nos indique datas disponíveis para procedermos ao agendamento dos trabalhos em causa.”
31- Foi anexa a esta carta uma listagem elencando os defeitos que se comprometia a reparar, junta aos autos a fls. 157 a 165.
32 - Em 29 de Março de 2009, a mandatária do Autor respondeu à Ré solicitando a eliminação dos defeitos cuja responsabilidade foi assumida pela Ré, na comunicação enviada em 3 de Março de 2010.
33 - Por mensagem enviada por correio electrónico de 31 de Março de 2010, a Ré solicitou ao Autor um agendamento prévio dos trabalhos com uma antecedência mínima de 15 dias.
34 – A este email respondeu a Autor por intermédio da sua Mandatária em 05/04/2010, informando que “ o meu cliente tem disponibilidade para receber as vossas equipas a partir de 15/04. No entanto o meu cliente irá ausentar-se a 19 de Abril regressando a 26 de Abril pelo que, voltará a estar disponível a 27 de Abril.”
35 - A sociedade comercial “F SA.” procedeu à construção do empreendimento denominado comercialmente por “BL”, incluindo o edifício sito no Lote 6 da Av. C…., em Lisboa., tendo sido emitido o alvará de utilização nº … e o alvará de licença de obras de construção nº … a favor de F.. SA.
36- Por escritura pública datada de 30/09/2004 e outorgada no Cartório Notarial… pelo F S.A., foi declarado vender à ora Ré que declarou comprar as fracções autónomas designada pelas letras "G", "AD" e "BG", entre outras, do prédio designado por Lote 6, sito no prolongamento da Avenida…, tendo pela Ré nesse acto sido declarado que estes imóveis de destinam a revenda.
37-Por documento escrito denominado Contrato de Promessa de Compra e Venda, outorgado entre a Ré e o ora Autor, foi declarado o seguinte:
“ Considerando A) A PROMITENTE VENDEDORA prometeu adquirir para revenda as fracções autónomas correspondentes ao edifício implantado no lote de terreno nº 6, que resulta da divisão das actuais Lotes 1 e 3 licenciados pelo alvará de loteamento Municipal nº.., de 21 de Setembro de 2000 referente à denominada Q.., no Cruzamento da Avenida… com a Avenida ….pela Câmara Municipal de …. Considerando B) A PROMITENTE VENDEDORA e o PROMITENTE COMPRADOR, de ora em diante também designados conjuntamente por Partes, pretendem desde já vincular-se à celebração de um a promessa de compra e venda de uma ou duas fracção a constituir no edifício a implantar no referido lote nº 6, nos termos que constam do presente contrato.
Cláusula Primeira : A PROMITENTE VENDEDORA vai promover a construção de um complexo imobiliário denominado comercialmente por “BL”, na denominada Q…, no Cruzamento da Avenida…. com a Avenida ..., Lisboa, que integra, além do mais, a construção de um edifício no lote de terreno nº 6 referenciado no Considerando A).
Cláusula Segunda: 1 – Pelo presente contrato a PROMITENTE VENDEDORA promete vender ao PROMITENTE COMPRADOR, e este promete comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, a fracção autónoma que vier a corresponder ao piso 10, letra A, do edifício a implantar no lote nº 6, do referido complexo dos “BL”, fracção com a tipologia T2, que se encontra identificada nas plantas em anexo (v. Anexo I; II e III).
2 – A fracção habitacional em causa integra ainda a utilização exclusiva do estacionamento nº 58, sito no piso (-1) “.
38 – Este documento encontra-se datado e assinado, sendo a data nele posta de 31/10/2003.
39 – Por documento escrito denominado Aditamento ao Contrato de Promessa de Compra e Venda, pelo Autor e Ré foi declarado o que consta do teor das seguintes Cláusulas: “ PRIMEIRA - 1 – Por contrato promessa de 31 de Outubro de 2003, a PRIMEIRA OUTORGANTE prometeu vender ao SEGUNDO OUTORGANTE, e este prometeu comprar, a fracção que vier a corresponder ao Piso 10, Letra A (T2), do Lote 6, do Empreendimento BV, situado no Cruzamento da Avenida… com a Avenida…
2 - A presente aquisição contempla ainda a fracção ou parte de fracção que vier a corresponder ao estacionamento nº 58, sito no piso (-1)
SEGUNDA – Pelo presente aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda, os outorgantes declaram que, a PRIMEIRA OUTORGANTE entrega nesta data as chaves do referido imóvel ao SEGUNDO OUTORGANTE, ficando este como mero detentor do referido imóvel, não lhe sendo por isso transmitido qualquer direito, condição que desde já, é aceite pelas partes.
TERCEIRA - Ficam por conta do SEGUNDO OUTORGANTE todos os encargos de condomínio, fiscais e outros devidos em virtude de ser detentor da fracção objecto deste aditamento.
QUARTA - O SEGUNDO OUTORGANTE compromete-se ainda a liquidar, nesta data, a importância de 113.175,81 € (CENTO E TREZE MIL CENTO E SETENTA E CINCO EUROS E OITENTA E UM CENTIMOS), por conta da referida aquisição, através de cheque, o qual será apresentado pela PRIMEIRA OUTORGANTE ao Banco, na data marcada para a celebração da escritura de compra e venda.”
40 – Este documento encontra-se datado e assinado, sendo a data nele posta de 27/02/2004.
41 - Para a promoção da venda das fracções em causa, a ora Ré contratou a com a firma “I… Lda.”, sociedade para a qual o ora Autor prestava a sua actividade como comercial/vendedor imobiliário.
42 - Desde o ano 2002 até ao inicio do ano de 2005, o ora Autor foi um dos dois comerciais/vendedores imobiliários responsáveis por promover as vendas dos apartamentos existentes nos Lotes do empreendimento em causa, denominado comercialmente por “BL”.
 
O Direito.

É pelas conclusões que se determinam o âmbito e os limites do recurso (art. 684.º, n.º 3 do CPC).
Assim, há que averiguar o seguinte:
a) Saber se devem ser considerados como “não escrito” os artigos 63 e seguintes da réplica;
b) Saber se dos autos já constam os elementos suficientes para uma decisão conscienciosa;
c) Desde quando deve ser contado o prazo de cinco anos dentro do qual pode ser exercido o direito de denúncia dos defeitos, sob pena de caducidade do direito.

I
Vejamos em primeiro lugar a questão relativa ao despacho que decidiu dar como “não escritos” os artigos 63 e seguintes da réplica.

Foi decidido no despacho saneador:
«No caso em apreço, e sendo certo que estamos no âmbito de uma acção na qual peticiona o A. que a R. seja condenada na eliminação dos defeitos existentes na fracção prometida vender ao mesmo A., devendo ser condenada a executar os trabalhos que sejam necessários a essa remoção, tendo a R. vindo apresentar contestação, nos termos da qual alega que não foi o construtor do prédio, mas apenas o seu promotor/vendedor, mais alegando a caducidade do direito do A., por aplicação dos prazos constantes do regime da compra e venda defeituosa, a esta matéria o A. podia responder.
Já não podia é pronunciar-se também sobre a matéria de impugnação da R., debatendo de novo os defeitos existentes e a impugnação que deles é feita, o que faz nos seus artigos 63 e seguintes da réplica.
Assim sendo, se defere o requerido, mas apenas no que toca aos artigos 63 e seguintes da réplica que se consideram por não escritos».

O apelante alega que é admissível a réplica para explicar e desenvolver a petição inicial, relativamente à nova configuração dada aos factos deduzidos pelo réu na contestação, pelo que, tendo o autor completado e aperfeiçoado o já alegado naquele articulado, e uma vez que sempre teria direito a responder no início da audiência, deveriam ter sido considerados escritos os factos alegados nos artigos 63 e seguintes da réplica.

Vejamos.
Conforme preceituado no n.º 1 do artigo 502.º do C.P.C. «à contestação pode o autor responder na réplica, se for deduzida alguma excepção e somente quanto à matéria desta; a réplica serve também para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, mas a esta não pode ele opor nova reconvenção».
E, nos termos do n.º 1 do artigo 503.º, «se houver réplica e nesta for modificado o pedido ou a causa de pedir, nos termos do artigo 273.º, ou se, no caso de reconvenção, o autor tiver deduzido alguma excepção, poderá o réu responder, por meio de tréplica, à matéria da modificação ou defender-se contra a excepção oposta à reconvenção».
 Após a reforma de 1985 passou a haver, em princípio, apenas dois articulados. Por isso, a réplica deixou de ser um articulado normal, sendo admitida apenas em três casos: para responder às excepções deduzidas na contestação (“e somente quanto à matéria desta”); para contestar o pedido reconvencional; para o autor modificar o pedido ou a causa de pedir, nos termos do artigo 273.º.
In casu, e relativamente aos artigos 63 e seguintes da réplica não se verificam notoriamente os dois primeiros casos, o que, de resto, não vem posto em causa.
Mas também não se verifica o terceiro, pois nem sequer vem alegado que o autor alterou o pedido ou a causa de pedir. O apelante diz que completou e aperfeiçoou o já alegado na petição, citando em abono da sua tese dois acórdãos.
Ora, por um lado, isso não se traduz de forma alguma na alteração da causa de pedir e, por outro, os acórdãos citados foram proferidos no domínio da legislação anterior a 1985.
Até á reforma de 1985, a réplica constituía um articulado normal no processo ordinário, pelo que o autor podia deduzir nela factos que completassem ou esclarecessem os alegados na petição inicial. Daí poder dizer-se que a réplica servia também para explicitar e desenvolver a petição inicial.
Após aquela revisão, não tendo o réu deduzido reconvenção ou excepções, a fase dos articulados termina com a contestação[1], não podendo ser utilizada a réplica para alegar factos novos, nem sequer par esclarecer ou completar os invocados na petição.
Improcede, pois, a apelação, nesta parte.

II
1. Perante os factos dados como assentes foi abordada na douta decisão recorrida (relativamente à natureza jurídica do contrato celebrado entre A. e R.) a questão de saber se se trata somente de um contrato de compra e venda de coisa defeituosa ou se, pelo contrário, a vendedora foi também a construtora do prédio (sendo, neste caso, aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 1225.º do C. Civil):
«Dos factos provados resulta que a sociedade comercial “F..SA.” procedeu à construção do empreendimento denominado comercialmente por “B…”, incluindo o edifício sito no Lote 6 da Av…, em Lisboa., tendo sido emitido o alvará de utilização nº … e o alvará de licença de obras de construção nº … a favor de F.. SA., que posteriormente esta entidade procedeu à venda de fracções deste empreendimento, à ora R. e que esta R. por sua vez e por intermédio de uma sociedade imobiliária para a qual o A. prestava serviços e que foi a mediadora na venda por sua vez feita pela R. ao A.
Aliás do registo dos mesmos consta esta realidade.
A própria licença de obras encontra-se em nome de quem construiu, não estando alegados factos de onde decorra realidade diversa, nem podendo os alegados pôr em causa a prova documental junta.
Não existem alegados factos, nem juntos documentos de onde se retire como pretende o A. que o vendedor deu a obra a terceiro para a levar a efeito por conta dele (mediante a celebração de uma empreitada entre o vendedor e esse construtor), sendo assim considerado vendedor/construtor.
Não faria sentido, nem existem factos de onde se retire, que o empreiteiro por conta da R., fosse ao mesmo tempo o proprietário e vendedor à R. destas fracções.
Temos assim, dos factos dados como assentes que a R. não foi a empreiteira deste imóvel, nem construtora/vendedora, mas a sua vendedora, não sendo de aplicar assim o regime jurídico da empreitada, mas antes o de compra e venda de imóveis».
Portanto, segundo a sentença, a ré seria apenas vendedora das fracções.

Todavia, o apelante continua a defender que a obra foi realizada por conta da ré “que já tinha prometido vender as fracções que viessem a resultar da constituição em propriedade horizontal do prédio construído por sua conta”, pelo que deverá ser aplicado o n.º 4 do artigo 1225.º.

2. Cremos, porém, que se trata duma questão sem relevância para a decisão do recurso, pois, seja qual for o entendimento perfilhado a este respeito, a solução será a mesma, ou seja, em ambos os casos o prazo de caducidade é de 5 anos, a contar da entrega da coisa, como melhor se verá. E é esta a questão essencial a decidir neste recurso.
E isto é assim desde a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, que deu nova redacção aos artigos 916.º e 1225.º do C. Civil agora em causa:
«Artigo 916
(denúncia do defeito)
1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo.
2. A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.
3. Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel»
«Artigo 1225º
(imóveis destinados a longa duração)
1.Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219° e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2. A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
3. Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221°.
4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado e reparado.

Esclarece-se, contudo, que, entre A. e R. não foi celebrado qualquer contrato de empreitada, mas sim um contrato de compra e venda de imóvel destinado a habitação.
Não obstante, poderia ser aplicável o aludido n.º 4 do artigo 1225.º, desde que se verificassem os atinentes pressupostos.
3. E ao mesmo resultado se chega por aplicação da “Lei do Consumidor” (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho) e do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril.
Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, «considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios».
É o caso, pois o autor comprou o andar com destino a habitação própria e a ré exerce uma actividade comercial (é, aliás, uma sociedade comercial que tem por escopo o lucro).
Como resulta do n.º 3 do artigo 4.º, o consumidor tem direito a uma garantia mínima de cinco anos para os imóveis. E, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º, o consumidor deve denunciar os defeitos no prazo de um ano, no caso de se tratar de imóveis, após o seu conhecimento, e dentro dos prazos de garantia previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 4.º.
Portanto, o autor teria uma garantia de cinco anos e devia denunciar os defeitos no prazo de um ano a contar do seu conhecimento e dentro do prazo da garantia.
O Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril, procedeu à transposição para o direito português da Directiva nº 1999/44/CE, do Parlamento e do Conselho Europeu de 25 de Maio de 1999.
Pode ler-se no seu preâmbulo: «No que diz respeito aos prazos, prevê-se um prazo de garantia, que é o lapso de tempo durante o qual, manifestando-se alguma falta de conformidade, poderá o consumidor exercer os direitos que lhe são reconhecidos. Tal prazo é fixado em dois e cinco anos a contar a recepção da coisa pelo consumidor, consoante a coisa vendida seja móvel ou imóvel». É o que consta do n.º 1 do artigo 5.º: «O comprador pode exercer os direitos previstos no artigo anterior [que se refere aos direitos do consumidor] quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel»
E o mesmo regime resultaria da aplicação do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, que entrou em vigor em 20 de Junho de 2008, nomeadamente do artigo 5.º-A, relativo ao “prazo para exercício de direito”. No seu n.º 3 é fixado um novo prazo de caducidade de três anos. Todavia, esse prazo não está aqui em causa. Para o que importa à decisão deste recurso, o prazo de garantia é o mesmo.
Portanto, o prazo de garantia de 5 anos, dentro do qual devem ser denunciados os defeitos do imóvel, é o mesmo, quer na compra e venda de bens imóveis (artigo 916.º, n.º 3, do CC), quer nos casos em que o vendedor tenha sido simultaneamente seu construtor, o tenha modificado ou reparado (artigo 1225º do mesmo Código), quer pela aplicação da “Lei do Consumidor” (Lei n.º 24/96) e do Decreto-Lei n.º 67/2003).
III
1. Seguidamente, no despacho saneador procedeu-se à apreciação das restantes questões, tendo sido referido nomeadamente:
«Qualificada a relação jurídica em causa, cumpre-nos passar a apreciar as seguintes questões, postas à nossa consideração:
Existem defeitos, vícios na coisa, que a desvalorizem?
Se sim, estes defeitos foram denunciados às RR., em prazo e a acção interposta no prazo previsto nos artºs 916 e 917 do C.C.?  É este o prazo aplicável ao caso em apreço?».

E foi salientado:
«Ora, dos factos provados, por confissão da R., resultou a existência de todo um conjunto de defeitos, enumerados nos factos nºs 8 a 18, aceites como tal pela R. que aliás se propõe repará-los, que desvalorizam e degradam o imóvel em causa.
À R. caberia a sua reparação, que aliás refere pretender nos autos.
No entanto, alega a R. a decorrência do prazo de caducidade do direito de peticionar a reparação dos defeitos da coisa, por a denúncia destes ter sido efectuada decorridos mais de cinco anos da entrega da coisa. (artº 916 nº2 e 3 do C.C.)
Ora, a entrega da fracção ocorreu em 27/02/04, tendo o A. após a entrega das fracções, instalando-se nas mesmas.
A carta remetida pelo A. data de 07/05/2009, data em que procedeu à denúncia dos defeitos».
E concluiu-se dizendo que à data da denúncia (07/05/09), já tinha decorrido o prazo de cinco anos para o A. poder exercer os seus direitos.
E foi ainda referido:
«No entanto, no art.º 60 da sua contestação, a R. expressamente reconhece a existência de fissuras no locado, comprometendo-se a proceder á sua reparação, em conformidade aliás com o que já constava das cartas enviadas ao A. e constantes dos pontos 24 e segs. e mais concretamente dos pontos 30 e 31,
Ora, tal afirmação equivale á renúncia do direito de arguir a caducidade, que é um direito disponível, tendo de ser expressamente arguida nos autos.
Estas cartas e esta afirmação reiterada nos autos, pese embora já caducado o direito do A., constituem assim uma renúncia ao direito a invocar a caducidade, mas apenas no que toca a estes defeitos reconhecidos e constantes dos artºs 8 a 18…».

Finalmente foi declarada a caducidade do invocado direito em relação à generalidade dos alegados defeitos, prosseguindo os autos apenas para apreciação dos que não foram abrangidos pela declaração de caducidade e que constam dos artigos 8 a 18 dos “factos assentes”.

Relativamente a esta última parte da decisão não foi interposto recurso, razão pela qual está somente em causa a excepção da caducidade em relação aos restantes alegados vícios.
 
2. No que respeita à caducidade há que apreciar e decidir desde quando é contado o prazo de cinco anos para a denunciada dos defeitos a fim de evitar a caducidade do direito: a partir da “entrega” feita no aditamento ao contrato-promessa (de 27.02.2004) ou desde a celebração da escritura (de 30.09.2004).

Como determina o artigo 914.º, o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela.

Com efeito, a coisa entregue pelo vendedor pode estar afectada por vícios materiais ou vícios físicos, ou seja por defeitos intrínsecos da coisa, inerentes ao seu estado material, em desconformidade com o contratado, por não corresponder às características acordadas, ou legitimamente esperadas pelo vendedor.

Ponderou-se na sentença recorrida:
«Para verificar se caducou o direito do A. de demandar a Ré nesta acção, deve ter-se presente que o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade do imóvel vendido, até um ano depois de conhecido o defeito e dentro de cinco anos após a entrega da coisa, como resulta do nº 3 do art. 916º do referido Código, preceito aditado pelo Dec. Lei nº 267/94, de 25 de Outubro».
«Do exposto flui que o A. tinha que observar três prazos: de um ano para fazer a denúncia, contado a partir do conhecimento dos defeitos; de cinco anos para a denúncia poder ser feita, contado a partir da entrega da coisa imóvel; e de seis meses para propor a acção, contado a partir da denúncia.
Ora, ao contrário do que alega o A., a entrega das fracções só pode ser entendida como a sua entrega material, a data em que ao autor efectivamente elas foram entregues e nelas ele se pode instalar, podendo nessa ocasião aferir da sua conformidade com o adquirido e podendo desde essa data verificar a existência de defeitos».
E concluiu-se que, à data da denúncia operada por carta de 07/05/09, já tinha decorrido o prazo de cinco anos (…) para o A. poder exercer os seus direitos.

Com efeito, o autor dispunha, na parte que agora importa considerar, do prazo de cinco anos para fazer a denúncia dos alegados defeitos, “após a entrega da coisa” (ou seja contado a partir da entrega das fracções).
Como vimos, constam do aditamento ao contrato-promessa, designadamente, as seguintes cláusulas:
«SEGUNDA – Pelo presente aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda, os outorgantes declaram que a primeira outorgante entrega nesta data as chaves do referido imóvel ao segundo outorgante, ficando este como mero detentor do referido imóvel, não lhe sendo por isso transmitido qualquer direito, condição que desde já, é aceite pelas partes.
TERCEIRA - Ficam por conta do segundo outorgante todos os encargos de condomínio, fiscais e outros devidos em virtude de ser detentor da fracção objecto deste aditamento».

Temos pois que, com este aditamento, foram entregues ao promitente-comprador as chaves do andar, assim se verificando a tradição simbólica das fracções. Mas ficou também acordado que o promitente-comprador ficaria como “mero detentor”. Além disso foi estabelecido que ficariam por conta do mesmo todos os encargos de condomínio, fiscais e outros “devidos em virtude de ser detentor da fracção…”.

3. Conforme os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela[2] «o contrato promessa, só por si, não é susceptível de transferir a posse ao promitente-comprador. Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não assume o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário».
«Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real» (artigo 1251º do C.C.).
Mas para que tal aconteça torna-se necessário que se verifiquem cumulativamente os dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus (exercício do poder de facto sobre a coisa) e o animus (intenção de agir como titular de um direito real) (artºs. 1251º e 1252º). E esta ideia é logo reforçada pelo artigo 1253º, onde se distingue claramente a posse (jurídica) da mera detecção (sendo esta apenas o exercício de poderes de facto, sem animus possidendi, ou seja, sem intenção de agir como beneficiário do direito).
O corpus consiste, pois, do domínio de facto sobre a coisa e identifica-se com os actos materiais praticados sobre essa mesma coisa. O animus possidendi caracteriza-se pela intenção de alguém agir como titular do direito correspondente aos actos realizados.
Diferente é a situação do mero detentor ou possuidor precário que é a daquele que, tendo embora o corpus da posse (detenção da coisa), não exerce esse poder de facto com o animus de exercer o direito real correspondente (animus possidendi).
Com efeito, como estabelece o artigo 1253º, são havidos como detentores ou possuidores precários, nomeadamente, os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito e os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular desse direito. Em relação a estes (ou seja, aos simples detentores ou possuidores precários) não se pode falar de uma verdadeira posse.
Assim, a qualificação da natureza da posse do beneficiário da traditio, no contrato promessa de compra e venda, depende, no essencial, de uma apreciação casuística.
Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero possuidor ou detentor precário[3].
«São concebíveis, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse. Suponha-se, por exemplo, que havendo sido paga já a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo (a fim de, v.g., evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício de um direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade. Tais actos não são realizados em nome do promitente vendedor, mas sim em nome próprio, com intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real. O promitente-comprador actua, aqui, uti dominus, não havendo, por conseguinte, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse»[4].
Mas, segundo consta do contrato-promessa, o ora autor teria ficado na posição de mero detentor das fracções.
4. É certo que a simples tradição da coisa realizada a favor do promitente-comprador, no caso de promessa de compra e venda sinalizada, não investe o accipiens na qualidade de possuidor da coisa[5].
«O que a entrega (tradição) do móvel ou imóvel atribui ao promitente-comprador é um direito pessoal de gozo sobre a coisa, semelhante ao do locatário ou do comodatário, e mais forte, em certos aspectos, do que o direito conferido ao mandatário….
E em todos os casos em que a pessoa detém, usa, frui a coisa ou dispões dela, sem a intenção de agir como beneficiária de um direito real, embora com intenção de exercer qualquer direito pessoal de gozo ou outro direito de conteúdo mais fraco, manda a lei que se fale em simples detenção ou posse precária art.º 1253.º do Cod. Civil), sem embargo de a algumas de tais situações aproveitar aquele instrumento fundamental de tutela da sujeição da coisa a certas necessidades da pessoa, que são as denominadas acções possessórias»[6].
Entretanto, «[o]s poderes em que o promitente-comprador fica investido com a traditio da coisa objecto da promessa integram, sem sombra de dúvida, um verdadeiro direito de uso»[7]. E,
em certos casos, quando se transmite a faculdade de usar e fruir a coisa, o promitente-comprador passa a deter mesmo um direito de uso e fruição.
Com efeito, o promitente-comprador, com a tradição da coisa, passa a poder aproveitar directamente as utilidades que o imóvel pode proporcionar.
No caso em apreço, a promitente-vendedora facultou ao autor o uso e fruição do andar, operando-se assim a sua tradição. E não é pelo facto de não se encontrar na sua posse[8] (com as consequências daí derivadas) que o impede de o usar e fruir. Trata-se de situações completamente diferentes: uma coisa é o promitente-comprador ter a posse da fracção para, querendo, poder exercer os direitos a ela inerentes; outra, bem diferente, é poder usar e fruir essa mesma fracção, para, assim, poder, por exemplo, conhecer os eventuais defeitos. Se, na data em que ocupou o andar (ou pôde ocupá-lo), em virtude do aditamento ao contra-promessa o ora autor/apelante tivesse celebrado a escritura pública, a situação de facto seria mesma, até porque a denúncia dos vícios só foi feita em 07/05/09 ou seja, algo mais de cinco anos após a celebração da escritura e quase cinco desde a data do contrato-promessa.
Tal como vem provado, após a entrega das fracções por si adquiridas, o autor instalou-se nas mesmas. E foi entendido na decisão recorrida que essas fracções foram entregues na data do aditamento ao contrato promessa ou seja, em 27 de Fevereiro de 2004, data em que o apelante neles se teria instalado.
Porém, nas alegações deste recurso, o autor/apelante diz que não se instalou no andar naquela data e que não decorre dos factos alegados que tal tenha acontecido. E diz também que no artigo 5 da petição alegou ter-se instalado nas fracções após a aquisição, o que teria ocorrido com a celebração da escritura, isto e, é em 30.09.2004.
Mas esta afirmação não corresponde à realidade dos factos, pois o que o autor alegou na PI foi exactamente: “Após a entrega das fracções por si adquiridas, o autor instalou-se nas mesmas”. E são coisas diferentes: ou se instalou na data da entrega efectiva das fracções (contrato promessa) ou após a sua aquisição com a celebração da escritura pública.

Sucede, porém, que a entrega das chaves não foi feita com a escritura pública, mas sim na data, e na sequência, do aditamento ao contrato- promessa. E não há qualquer dúvida de que consta expressamente deste aditamento que as fracções foram entregues ao autor na data dele constante, ou seja, 27.02.2004.

Mas diz também agora o apelante que à data da entrega das chaves não podia instalar-se no andar porque no edifício faltavam pelo menos as ligações de gás, e as fracções não se encontravam munidas de ligações de água e electricidade próprias.
A verdade é que podia utilizar o andar nessas condições, pelo menos por algum tempo, e até poderia não o habitar efectivamente ou até poderia prometer revendê-lo e não chegar a utilizá-lo. Uma coisa é certa: foram-lhe entregues as chaves e no contrato-promessa foi dito expressamente que o promitente-comprador ficava na qualidade de mero detentor.
Uma coisa é o autor ter-se instalado na fracção após a aquisição pela escritura pública e outra, bem diferente, ter passado a ocupá-la (ou ter possibilidade de o fazer) após a entrega na sequência do contrato-promessa, mais precisamente do aditamento ao contrato-promessa (de 27.02.2004). O que conta para o efeito é a possibilidade que lhe foi dada para habitar o andar, na sequência da tradição operada pelo contrato-promessa.
Ora, o “mero detentor”, ao usar e fruir a fracção prometida vender pratica os respectivos actos em nome próprio, com a intenção de exercer sobre ela um verdadeiro direito real, como se de coisa própria se tratasse. Não actua seguramente em nome da promitente-vendedora

5. A questão que se coloca é, pois, a de saber se, não obstante o autor ser mero detentor dos andares até à celebração da escritura de compra e venda, o prazo de cinco anos se pode contar desde a data da tradição da coisa operada pelo contrato-promessa.
Os problemas suscitados nas várias decisões dos tribunais superiores acerca da situação do promitente-comprador põem-se geralmente nas acções possessórias. No caso que originou o citado acórdão do STJ de 25.02.86, anotado por Antunes Varela tratava-se de uma providência cautelar de restituição provisória de posse.
Nestes casos é fundamental a distinção que é feita entre a posse e a mera detenção. É por isso que a posse precária, exercida em nome alheio, assente num contrato-promessa de compre e venda, não constitui fundamento válido para, por exemplo, o promitente-comprador poder deduzir embargos de terceiro.
Na simples detenção ou posse precária, o interessado exerce os poderes correspondentes ao direito (corpus), mas não o faz como se fosse titular desses poderes (animus sibi abendi).
Aqui não se trata, naturalmente, de uma acção possessória, ou de qualquer questão relacionada com a posse.
Mas, o ora apelante, tendo o andar ao seu dispor, podia usá-lo e fruí-lo como se fosse o seu dono, em condições semelhantes ao que o faria se já tivesse sido celebrada a escritura. Ao dizer-se que o promitente-comprador ficava como mero detentor não queria, naturalmente, dizer-se que não o podia usar e fruir. Era precisamente o contrário. Nenhuma restrição foi feita relativamente aos poderes de uso e fruição, como aliás, não poderia deixar de ser. Quiseram os contraentes estabelecer-se a distinção entre o detentor e o possuidor. Mas, como é evidente, nada impedia que o promitente-comprador usasse e fruísse o andar, pois, caso contrário, não faria qualquer sentido que lhe fossem entregues as chaves.

O réu (promitente-comprador) não podia, naturalmente, exercer os direitos relativo à posse. Mas podia exercer todos os direitos compatíveis com a situação em que foi investido, na medida em que podia usar e fruir o andar, uma vez que já lhe tinha sido o corpus.
É com a entrega efectiva, e só com ela, que o promitente-comprador está em condições de se aperceber dos defeitos.

Como se disse, são havidos como detentores ou possuidores precários, nomeadamente, os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito e os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular desse direito.
Com a tradição, o promitente-comprador passa a estar nas melhores condições para poder conhecer eventuais defeitos de construção existentes no andar.
É certo que consta do contrato-promessa que, apesar de as fracções terem sido entregues ao autor, este ficaria como mero detentor, não lhe sendo por isso transmitido qualquer direito. Mas logo se acrescenta que ficariam a seu cargo «todos os encargos de condomínio, fiscais e outros devidos em virtude de ser detentor da fracção objecto deste aditamento». Ou seja, enquanto “detentor” (e por via disso) ficaria a suportar aqueles encargos.
Ora, estes encargos são geralmente suportados pelo dono das fracções e não pelos promitentes-compradores, como é natural: ubi commoda ibi incommoda. Só nos casos em que estes passam a usá-los e a fruí-los (tendo havido tradição) é que se justifica que sejam eles a suportar tais encargos, pois são também eles que passam a retirar deles os correspondentes benefícios.
Não teria a menor justificação afirmar-se que ao promitente-comprador não foi «transmitido qualquer direito» e logo a seguir sujeitá-lo a suportar aqueles encargos. Se esta expressão fosse levada à letra teríamos que concluir que o promitente-comprador receberia as chaves, mas nada podia fazer no andar.

6. O autor dispunha do prazo de cinco anos para fazer a denúncia, “após a entrega da coisa”.
A caducidade tem por especial escopo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por períodos de tempo considerados excessivos, levando-os a que se extingam pelo decurso de determinado prazo. Estão em causa considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e indiscutíveis. E, então, esses direitos apenas podem ser exercidos durante determinados prazos peremptórios.
Na verdade, a caducidade destina-se, como refere Aníbal de Castro, «a limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de assegurar-se a eficácia, de que é condição, mediante o exercício tempestivo do direito, a pôr termo a um estado de sujeição decorrente dos direitos potestativos»[9].
Tal como sucede com a prescrição, a caducidade tem a sua razão de ser na inércia do titular do direito, e ambas têm que ver com o tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas.
Acresce que, tendo a caducidade por objectivo conferir certeza às situações jurídicas e solucionar com brevidade os conflitos, os prazos a ela respeitantes, incluindo os do direito de acção, são normalmente curtos.
Como vimos, o Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro, veio aditar ao artigo 916.º do CC um n.º 3, que alarga os prazos da denúncia dos defeitos, para um ano depois deles serem conhecidos, e cinco anos depois da entrega, caso a coisa vendida seja um imóvel.
E, conforme resulta do preâmbulo deste diploma, pretendeu inovar-se, alargando o prazo para a denúncia dos defeitos e bem assim, o período dentro do qual a denúncia é admissível, no caso do contrato de compra e venda a que se refere o artigo 916, no respeitante a imóveis.
Assim, salvo melhor opinião, não vemos qualquer razão para que este prazo não seja contado a partir da entrega efectiva do andar. É a partir desta data que o promitente-comprador pode tomar conhecimento efectivo dos defeitos da construção, e, no caso sub Judice a denúncia foi feita quase cinco anos depois da celebração da escritura, pelo que não poderá dizer-se que o autor não teve tempo suficiente para detectar e denunciar os defeitos.

7. Não se ignora, contudo, que, nos termos do artigo 329.º do C.C. «o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido».
Mas, há casos em que a lei fixa um momento determinado, ou seja, a data da “entrega da coisa”. E é lógico que assim seja, pois, como se disse, é nesse momento que o titular do direito está em condições de o poder exercer.
Parte-se do pressuposto que o prazo de 5 anos é suficiente para serem conhecidos e denunciados os defeitos. E nada melhor do que a data da entrega efectiva do imóvel para se contar o início desse prazo.
Na falta doutro critério, essa data será a da escritura de compra e venda. In casu, o andar foi entregue em data anterior, ou seja, com o contrato-promessa. E o que conta é a entrega efectiva, pois é partir daí que o titular do direito pode conhecer os eventuais defeitos.
A data da escritura pública apenas define o momento da entrega, nos termos do art.º 879 do C.C., na falta de outra, nomeadamente aquela em que por via de um contrato-promessa, o promitente-comprador entrou na detenção material da coisa.
A entrega do andar foi feita em 27.02.2004, na sequência do aditamento ao contrato promessa; a escritura foi feita em 30.09.2004; a denúncia só foi feita em 07.05.2009.
E, para o efeito, é indiferente que o promitente-comprador, neste caso o autor/apelante, ocupe efectivamente o andar, uma vez que lhe foi a entregue para esse efeito. Por isso, deve entender-se que aquela ressalva (ficar o promitente-comprador como mero detentor) apenas se justifica para ficar bem claro que não foi transmitida a posse (stricto sensu) para o exercício de eventuais direitos que o promitente-comprador pudesse invocar futuramente, com fundamento neles.
A partir do momento em que se opera a tradição da coisa, o promitente-comprador está em condições de conhecer os defeitos, tal como se já tivesse sido celebrada a escritura. Aliás, são muitos os casos em que os promitentes-compradores ocupam os andares vários meses ou até anos antes da celebração da escritura, assim os usando e fruindo, deles retirando todas as utilidades que podem proporcionar, como se donos fossem, procedendo mesmo à realização de pequenas obras. Com a escritura pública, a situação de facto não se alterou.
De alguma maneira até poderá dizer-se que há uma contradição nas condições constantes do aditamento ao contrato-promessa, pois, se, por um lado, se diz que o promitente-comprador ficou como mero detentor, não lhe sendo por isso transmitido qualquer direito, por outro ficou consignado que todos os encargos de condomínio, fiscais e outros devidos em virtude de o mesmo ser detentor da fracção, seriam da responsabilidade deste.
Seja como for, não vem posto em causa que o ora autor não pudesse ocupar a fracção, utilizando-a como se já tivesse sido feita escritura, o que resulta claramente dos termos do contrato, pois, caso contrário não lhe teriam sido entregues as chaves e não suportaria os encargos do condomínio.
É certo que não poderia vendê-la, arrendá-la ou mesmo emprestá-la. Mas não é isso que está em causa.
Se assim fosse, poderíamos chegar ao absurdo de a denúncia dos defeitos poder ser feita passados muito mais de cinco anos após o seu conhecimento efectivo se, por exemplo, por qualquer razão (mesmo que imputável ao promitente-comprador) a escritura só fosse celebrada alguns anos depois da entrega.
IV
O apelante alega que a questão não deveria ter sido decidida no saneador por ser juridicamente plausível o entendimento de que, a provarem-se os factos por si alegados, a ré deveria ser considerada construtora, e a excepção peremptória de caducidade deveria considerar-se improcedente.
A verdade é que, pelas razões referidas, não vemos qualquer necessidade de se proceder a audiência de julgamento, pois, no fundo, toda a questão está em saber desde quando deve ser contado o prazo de 5 anos.
E, como vimos, o prazo de garantia de 5 anos dentro do qual devem ser denunciados os defeitos do imóvel é o mesmo quer na “compra e venda‟  de bens imóveis (artigo 916º), quer na “empreitada‟ de obras de construção de imóveis (artigo 1225º) e ainda pela aplicação das leis relativas à defesa do consumidor, pelo que seria inútil a discussão acerca da aplicabilidade ao caso do regime de qualquer destes regimes
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Assim, formulam-se as seguintes conclusões:
1. Após a reforma do Código de Processo Civil de 1985 passou a haver, em princípio, apenas dois articulados (a petição e a contestação), sendo a réplica admitida somente em três casos: para responder às excepções deduzidas na contestação (“e somente quanto à matéria desta”); para contestar o pedido reconvencional e para o autor modificar o pedido ou a causa de pedir, nos termos do artigo 273.º (artigos 502.º e 503.º do Código de Processo Civil).
2. O contrato promessa, só por si, não é susceptível de transferir a posse ao promitente-comprador, pelo que, se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não assume o animus possidendi, ficando na situação de mero detentor ou possuidor precário.
3. Há, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente-comprador pode preencher excepcionalmente os requisitos de uma verdadeira posse, o que poderá suceder nos casos em que a coisa é entregue ao promitente-comprador como se já fosse sua e, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, não havendo, nesse caso, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse.
4. Constando do contrato-promessa que o promitente-vendedor entregou as chaves do imóvel ao promitente-comprador, ficando este como mero detentor, “não lhe sendo por isso transmitido qualquer direito, condição que desde já, é aceite pelas partes”, mas logo se acrescentando que ficariam a cargo do promitente-comprador «todos os encargos de condomínio, fiscais e outros devidos em virtude de ser detentor da fracção…», nada impede que o promitente-comprador, a quem foram entregues as chaves da fracção, possa usá-la e frui-la, dela retirando as utilidades que lhe pode proporcionar, em condições semelhantes ao que o faria se já tivesse sido celebrada a escritura.
5. Aquela ressalva constante do contrato-promessa (ficar o promitente-comprador como “mero detentor”) deve ser interpretada no sentido de que não foi transmitida ao promitente-comprador a posse da fracção (stricto sensu), não implicando, contudo, qualquer restrição aos poderes de uso e fruição.
6. A caducidade tem por especial escopo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por períodos de tempo considerados excessivos, levando-os a que se extingam pelo decurso de determinado prazo; estão em causa considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e indiscutíveis; e, então, esses direitos apenas podem ser exercidos durante determinados prazos peremptórios.
7. O prazo de 5 anos, dentro do qual o comprador dum imóvel, ou duma fracção autónoma, deve proceder à denúncia dos defeitos da obra, sob pena de caducidade, é o mesmo, quer na simples compra e venda de bens imóveis (artigo 916.º, n.º 3, do CC), quer nos casos em que o vendedor tenha sido simultaneamente seu construtor, o tenha modificado ou reparado (artigo 1225º do mesmo Código), quer por aplicação da “Lei do Consumidor” (Lei n.º 24/96) e do Decreto-Lei n.º 67/2003).
8.  Esse prazo deve ser contado a partir da entrega do imóvel ou da sua fracção, pois é a partir dessa data que o promitente-comprador pode tomar conhecimento efectivo dos defeitos, sendo indiferente que este o ocupe efectivamente, uma vez que lhe foi a entregue para esse efeito.
9. A data da escritura pública apenas define o momento da entrega, nos termos do art.º 879 do C.C., na falta de outra, nomeadamente aquela em que por via de um contrato-promessa, o promitente-comprador entrou na detenção da coisa.
10.  Por isso, aquele prazo de cinco anos para o exercício da denúncia, quando as chaves da fracção tenham sido entregues ao promitente-comprador, na sequência do contrato-promessa de compra e venda, para que este a possa usar e fruir, deve contar-se a partir dessa data, e não desde a data da celebração da escritura.
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Por todo o exposto acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2012.

José David Pimentel Marcos.
Tomé Gomes.
Maria do Rosário Morgado.
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[1]  Veja-se contudo o n.º 2 do artigo 502.º relativamente às acções de simples apreciação negativa.
[2]  Código Civil Anotado, com a colaboração de Henrique Mesquita,  vol. III, 2ª Edição, pág. 6.
[3]  Antunes Varela, RLJ Ano 124, pág. 348.
[4]  Esta posição tem sido sufragada quer pela doutrina (Antunes Varela, RLJ, Ano 124/348; Vaz Serra, RLJ, Ano 109-314 e Ano 114-20; Calvão da Silva, BMJ 349-86, nota 55), quer pela jurisprudência do STJ, nomeadamente nos seguintes acórdãos de: 19.11.96, Col. Jurp. III, 3.º, 109; 11.03.99, Col. Jurisp. VII, 1.º,137; 23.05.06, Col. Jurisp. XIV, 2.º, 97; 3.11.09, Col. Jurisp. XVII, 3.º, 132 e 29.11.2011 (proc. 322-D/1999.ES.S2) , que acompanhámos em parte neste n.º 3
[5]  Em anotação ao acórdão do STJ de 25.02.86 (RLJ 124-339 e segs.) escreve ANTUNES VARELA: «A verdade, porém, é que a tradição da coisa, móvel ou imóvel, realizada a favor do promitente-comprador, no caso da promessa de compra e venda sinalizada, não investe o accipiens na qualidade de possuidor da coisa. E, se a entrega da coisa não confere a posse dela ao promitente-comprador, nenhum sentido fará crismar a situação com o nome de posse legítima, em oposição à chamada mera posse precária, de que fala o acórdão e a que se refere o artigo 1253.º do Código Civil».
[6]  Antunes Varela, RLJ, Ano 124, págs. 347/348
[7]  Cfr. Antunes Varela, RLJ, Ano 128, págs. 145/146.
[8]  Aqui na verdadeira acepção de posse (estritamente jurídica).
[9]  Cfr. A caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência, pag. 28.