Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
179/08.3TBVFC-B.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: PRÉDIO INDIVISO
ARRENDAMENTO
NULIDADE DO CONTRATO
COMPROPRIETÁRIO
CONSENTIMENTO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Já a anterior redacção do citado nº2 do artº 1024º do CC exigia que os restantes consortes dessem o seu consentimento ao arrendamento de prédio indiviso, sendo que a vantagem da última alteração introduzida pela Lei 6/06, de 27-2/NRAU é a de facilitar a prova do consentimento dos outros comproprietários que tem obrigatoriamente que existir para que o contrato se possa considerar validamente celebrado.
II - No caso vertente, previamente, ao problema da confirmação da bondade da procuração que permitiu os mandatários de outros co-herdeiros outorgar o referido contrato de arrendamento, está a questão da invalidade desse mesmo contrato à luz daquele preceito legal.
III - Acresce que a co-titularidade não se verifica em relação ao prédio “locado”, mas tão só relativamente às benfeitorias e ficou também por demonstrar que os consortes que contrataram com os executados pudessem sequer dispor do prédio e nessa qualidade ceder o seu gozo temporário a terceiros.
IV- Estamos, assim, na presença dum contrato nulo, e por isso, não oponível à exequente.
( Da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA (1ª SECÇÃO)

A e B (identificados a fls. 1/87 e 1/92, respectivamente) executados nos autos de execução comum para entrega de coisa – cfr. apenso - em que é exequente C , também com os sinais nos autos (fls. 1), deduziram oposição à execução alegando, para tanto e em suma, que:
- Já depois do acordo que veio a ser homologado por sentença e que aqui serve de título executivo, vieram a celebrar “contrato de arrendamento” com os demais titulares do direito de propriedade do imóvel dos autos, tendo assim passado a dispor de título válido para a sua ocupação, já que os subscritores desse “contrato” representam 5/6 do imóvel e a exequente apenas representa 1/6;
- Para além do que, segundo acrescentam, a requerente (crê-se que a referência aponta para a executada mulher) é procuradora de duas das titulares cada uma de 1/6 do imóvel, o que sempre permitira exercer os direitos dessas titulares.
Notificada a exequente apresentou-se a deduzir contestação, onde pugna pela improcedência da oposição, sustentando, resumidamente, que:
- O “contrato de arrendamento” não lhe é oponível, já que ao mesmo não deu qualquer consentimento.
Considerando que o estado dos autos permitia, desde logo, o conhecimento do mérito da presente oposição à execução, foi dispensada a realização de Audiência Preliminar e exarado o seguinte Saneador/Sentença - artigos 817º, 787º nº1 e 510º, nº 1, alínea b), do CPC:
“-…-
DISPOSITIVO
- Por todo o exposto e de harmonia com as normas legais citadas, julgo a oposição à execução improcedente, por não provada, ordenando-se, em consequência, o prosseguimento da execução, com entrega do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … - Açores, sob o nº 000/..., e inscrito na matriz predial, sob o artigo …-P, sito em ….., freguesia de…,
- Custas pelos executados (artigo 446°, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
-…-”
Desta sentença vieram os executados e opoentes recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
E fundamentou o respectivo recurso, alegando e concluindo do seguinte modo:
1- A recorrida é comproprietária de 1/7 da casa cuja entrega é pedida nestes autos.
2 - Os restantes 6/7 são propriedade em comum de pessoas que encontram a residir no estrangeiro e que pediram aos recorrentes para morarem naquela casa, a fim de a conservarem, evitando assim a sua ruína (que lá estava a acontecer), como acontece a dezenas e dezenas de casas pertencentes a emigrantes destas ilhas os quais constituem cerca de um milhão de pessoas contra os 230.000 habitantes que elas têm hoje.
3 - A vontade de que os recorrentes vivessem e conservassem a casa (na dita condição de a conservarem que tem sido sempre cumprida) e que, quando algum deles viesse a esta ilha, teriam sempre o direito a usar uma divisão que estaria (e está) sempre guardada para seu uso.
4 - Aconteceu esse acordo no Verão de 2007.
5 - Entretanto, a recorrida, que também vive no Canadá e que arrematou (em processo de inventário já findo) 1/7 da casa (e o chão dela) começou a querer que os recorrentes saíssem da casa.
6 - Estes, que entretanto ali tinham construído (com licença de quem com eles contratou) um quarto de banho, onde despenderam todas as suas economias, perguntaram então aos restantes comproprietários o que ficara decidido.
7 - Por eles foi-lhes garantido que podiam permanecer ali com o seu consentimento pois eram a maioria dos proprietários e iriam proceder à partilha e a divisão de coisa comum do imóvel.
6 - E assim fizeram, dando essa sua vontade dinamismo à acção de inventário 120/07.OTSVPC, já pendente no tribunal recorrido.
9 - Com efeito, o primitivo dono dessa casa teve sete filhos e nela sucederam os sete.
10 - Desses filhos apenas ainda vivem duas filhas, precisamente as que outorgaram a procuração para os recorrentes e que vieram propositadamente a esta ilha resolver esse assunto.
11 - Não deu foi tempo de preparar tudo durante o tempo (que coincidiu com as férias judiciais e as do signatário) em que cá estiveram, pelo que deixaram a procuração junta aos autos em que expressamente lhes era permitido negociar consigo próprios, pois os mandantes não podiam ficar mais tempo nesta ilha, a fim de outorgarem um documento que garantisse a estadia dos recorrentes na casa até à sua partilha/divisão e adjudicação.
12 - Tal foi a satisfação que elas sentiram ao viverem na casa que era de seus pais (e onde elas próprias nasceram) e pela forma como os recorrentes a vinham conservando e as trataram, que não tiveram dúvidas em proporcionarem tal documento e constituírem mandatário na acção para partilha judicial, entretanto requerida pela exequente.
13 - Por outro lado, nessa acção, apesar de ter dado entrada em Outubro de 2008, ainda não conseguiram citar-se todos os herdeiros.
14 - E foi esta mesma dificuldade que impediu que a procuração emitida a favor dos recorrentes fosse outorgada por todos eles (menos a recorrida) pois, a geração mais nova não pára em ramo verde e muda de residência quase tanto como muda de camisa e, apesar de amarem as tias, só contactam com elas quando o Rei faz anos e, em alguns casos, nem isso.
15- Optou-se então por fazer um contrato de arrendamento, na medida em que, em se tratando de facto dum arrendamento em que a renda é paga em serviços prestados pelos inquilinos, parecia ser a fórmula jurídica mais adequada a acautelar os interesses de todos.
16 - A douta decisão recorrida, entendeu porém que, apesar de haver desentendimento doutrinário em relação à natureza dum contrato elaborado sem a participação de todos os consortes, considerar que ele não era oponível àquele dos consortes que reivindicasse o imóvel no seu todo.
17 - Todavia, parece manifesto que um arrendamento de coisa comum que é feito a favor de terceiro por parte de alguns dos consortes, para ser disponível a outro deles, há-de ser anulado judicialmente, primeiro.
18 - É facto que a procuração dos autos não está subscrita por todos os outros co-herdeiros, mas a verdade é que a mesma dificuldade que o tribunal recorrido tem em citá-los para o inventário referido, correspondeu à dificuldade em obter-se as respectivas assinaturas, a tempo de se poderem os recorrentes opor à presente execução, pois a intenção dos senhorios dos recorrentes nesse arrendamento, é licitarem em toda a casa, na partilha e na divisão de coisa comum que se terá de fazer (pois a recorrida já é dona de 1/7) e, após isso, deixarem os recorrentes como estão até morrer a última das velhinhas, únicas filhas vivas dos antigos donos da casa: as mandantes na procuração em causa.
19 - Mas, a douta decisão recorrida refere ainda que os recorrentes não juntaram aos autos documento comprovativo da titularidade dos senhorios no contrato de arrendamento em causa. É verdade, mas não é menos verdade que é do conhecimento oficioso do tribunal a sua posição, já que, como se alegou, penderam e pendem os autos de inventário neste mesmo tribunal de onde constam essas qualidades. De qualquer dos modos os recorrentes sempre poderão juntar até ao fim da discussão da causa tais documentos mas até lá sempre ficariam com o ónus de provar a veracidade da sua alegação nesse particular, o que concede à douta decisão recorrida uma prematuridade que não pode prevalecer perante as regras processuais de produção da prova.
20 - Estuda ainda a douta decisão recorrida a hipótese de as mandantes terem querido usar por interposta pessoa o direito de co-uso da coisa comum mas, como não é o caso, e neste particular parece nada haver a apontar aquele douto aresto, nada se dirá.
Assim e concluindo:
a) Os comunheiros de determinado imóvel abandonado por todos e por isso em vias de arruinar-se, podem fazer com terceiro, contrato de arrendamento que, não ofendendo o direito de nenhum deles, salvaguarde o interesse de todos;
b) Opondo-se algum deles a esse contrato, este toma-se anulável não inexistente;
c) A qualidade de co-herdeiros dos mandantes numa procuração que permitiu os mandatários outorgar em seu nome no contrato de arrendamento, é de conhecimento oficioso do tribunal recorrido por nele pender inventário para partilha do imóvel arrendado e estarem aqueles já citados e não o impugnaram;
d) De quaisquer dos modos essa prova pode fazer-se até ao fim da discussão da causa;
Ao decidir considerar esse arrendamento ineficaz, a douta decisão recorrida não fez a melhor aplicação do disposto no artigo 1024º nº2 do CC, pelo que deve ser revogada.
Contra - alegou a exequente e concluiu da seguinte maneira:
1 - Os recorrentes confessam que a recorrida é dona de 1/7 das benfeitorias e proprietária da nua propriedade da casa que ocupam.
2 - É completamente falso que a casa estivesse em pré-ruínas dado que a recorrida sempre a conservou.
3 - Ao invés são os recorrentes quem a pretexto de a conservarem estão a fazer obras que em nada a beneficiam e que cada vez mais a degradam e desvalorizam, tudo contra vontade e autorização da exequente que, inclusive, já os notificou judicialmente para se absterem de levar a cabo na casa qualquer tipo de obras.
4 - Notificação que os recorrentes não acataram incorrendo na responsabilidade que se vier a apurar aquando da entrega judicial do imóvel.
5 - Quem intentou acção de inventário para partilha da casa foi a recorrida e não os restantes herdeiros.
6 - As duas filhas que outorgaram a procuração a favor dos recorrentes e que lhes permitiram a ocupação da casa estão de relações cortadas com a recorrida, com o fim de impedir que a exequente dela tomasse conta como sempre o fez desde o falecimento do pai e dela cuidasse aquando da sua vinda anual à ilha de S. Miguel.
7 - Nunca tais tias se interessaram pela casa a não ser agora.
8 - E tanto a querem prejudicar que não se coibiram de juntar aos autos contrato de arrendamento assinado por herdeiros que nunca o fizeram, falsificando as suas assinaturas, nos casos de M ……, Ar……, F ….., An ….., J ….., E ……e M…., conforme declarações destes juntas aos autos.
9 - Os comunheiros não podem dispor da coisa comum sem o consentimento de todos, designadamente dar de arrendamento as benfeitorias dos autos (nº 1 do art. 1408º do C. Civil).
10 - Fazendo-o, tal arrendamento é havido como disposição de coisa alheia e como tal inexistente e de nenhum efeito (nº 2 do art. 1408º do Código Civil).
11 - O contrato celebrado com os executados é totalmente inoponível à exequente que a eles não deu qualquer consentimento.
12 - A disposição de coisa comum a terceiros não é uma questão de maiorias ou minorias.
13 - É uma questão de direito. É necessário o consentimento de todos os comunheiros.
14 - A douta sentença recorrida fez plena e correcta integração dos factos ao direito pelo que nenhuma censura merece.
Concluindo:
- O contrato de arrendamento de benfeitorias de coisa comum celebrado sem a presença de todos os comunheiros é havido corno disposição de coisa alheia, inexistente e inoponível aos que nele não consentiram.
- A douta sentença recorrida ao reconhecê-lo, julgando a oposição totalmente improcedente por não provada aplicou o direito aos factos não merecendo qualquer reparo ou censura.
Termos em que deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente por não provado, mantendo-se a sentença proferida em primeira instância.
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APRECIANDO E DECIDINDO
Thema decidendum:
- Em função das conclusões do recurso são estas as questões de direito a tratar por este Tribunal de Recurso:
1 - É válido o contrato de arrendamento dum imóvel ainda indiviso e em que não tenha intervindo um dos comproprietários?
2 - Opondo-se algum dos co-titulares do mesmo imóvel ao referido contrato, este toma-se anulável mas não inexistente?
3 - A qualidade de co-herdeiros dos mandantes numa procuração que permitiu os mandatários outorgar em seu nome no contrato de arrendamento, é de conhecimento oficioso do tribunal recorrido por nele pender inventário para partilha do imóvel arrendado, sendo certo que aqueles aí já citados, não o impugnaram, e essa prova poderia ser feita até ao fim da discussão da causa?
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- Apuraram-se (com base na prova documental oferecida e no acordo das partes) os seguintes FACTOS:
A) Por sentença transitada em julgado, proferida em 04.11.2004 nos autos de acção declarativa, sob a forma de processo sumário nº 179/08.3TBVFC, deste tribunal, foi homologada a transacção entre a autora C e os réus B e A , nos seguintes moldes;
1º Os réus reconhecem a autora como dona e legítima proprietária da nua propriedade do prédio dos autos e co-proprietária numa proporção de um sétimo das benfeitorias nele implantadas.
2º Os réus comprometem-se a entregar o prédio dos autos, livre e desembaraçado de quaisquer ónus ou encargos, pessoas ou bens, no prazo de três meses a contar da presente data.
3º No prazo atrás referido os réus entregarão as chaves do prédio no escritório do mandatário da aurora.
B) Os executados não procederam conforme se comprometeram nas cláusulas 2ªe 3ª que antecedem.
C) O prédio referido em A) mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de … - Açores, sob o nº 000/..., e inscrito na matriz predial, sob o artigo …-P, sito em ….., freguesia de ….
D) Por acordo escrito datado de 1 de Janeiro de 2010, intitulado de “Contrato de Arrendamento para Habitação”, os primeiros contraentes declaram que são comunheiros de 6/7 do prédio urbano referido em C) e que arrendam para habitação dos segundos contraentes, os aqui executados, a casa existente nesse mesmo prédio, pelo prazo que durar a comunhão.
E) No dia 7 de Janeiro de 2010, no Cartório Notarial de ... (Açores), compareceu M …., também conhecida por M.M, a qual declarou que constitui sua bastante procuradora A , a quem confere os seguintes poderes a usar por ela nos termos e segundo as cláusulas que entender:
a) Para administrar e gerir os seus bens situados na ilha de São Miguel, para alienar, a titulo gratuito ou oneroso, nas condições e/ou pelo preço que entender o usufruto de bens imóveis (...); e dar o tomar de arrendamento e fazer denúncias dos contratos feitos, fazer doações, permutas, dações em pagamento, podendo hipotecá-los ou onerá-los por qualquer forma legalmente permitida.
(…)
g) A mandatária fica autorizada a negociar consigo própria, ficando dispensada da prestação de contas.
F) Por documento intitulado de “Procuração”, M … também conhecida por M do N…. e ainda por Maria do N…S.D. declarou que constitui procuradora: A , a quem confere os seguintes poderes de usar por ela nos termos e segundo as cláusulas que entender:
a) Para administrar e gerir os seus bens situados na ilha de São Miguel para alienar, a título gratuito ou oneroso, nas condições e/ou pelo preço que entender o usufruto de bens imóveis (...); e dar o tomar de arrendamento e fazer denúncias dos contratos feitos, fazer doações, permutas, dações em pagamento, podendo hipotecados ou onerá-los por qualquer forma legalmente permitida;
(…)
g) A mandatária fica autorizada a negociar consigo própria, ficando dispensada da prestação de contas.
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- O DIREITO
A oposição à entrega do imóvel tem por base um contrato de arrendamento para habitação que não é subscrito pela autora na acção declarativa que deu origem ao título executivo presentemente em discussão e a que os executados então réus se opõem.
Nessa acção declarativa a autora e agora exequenda acordaram com os executados e ali réus o seguinte:
1º Os réus reconhecem a autora como dona e legítima proprietária da nua propriedade do prédio dos autos e co-proprietária numa proporção de um sétimo das benfeitorias nele implantadas.
2º Os réus comprometem-se a entregar o prédio dos autos, livre e desembaraçado de quaisquer ónus ou encargos, pessoas ou bens, no prazo de três meses a contar da presente data.
3º No prazo atrás referido os réus entregarão as chaves do prédio no escritório do mandatário da aurora.
Tal transacção foi homologada por sentença proferida em 4-11-2004 e transitada em julgado (processo sumário nº 179/08.3TBVFC).
Como bem se explicou na decisão recorrida:

“-…-
O título dado à execução, no âmbito do que estabelece o artigo 46°, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, se trata de sentença condenatória, onde se enquadram as sentenças homologatórias (cfr. LEBRE DE FREITAS, in, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. 1°, pág. 91).
De acordo com o que preceitua o artigo 814º, nº 1, alíneas a) a h), aplicável ex vi artigo 929º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, baseando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) O Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.
Olhando à alegação dos executados, facilmente se infere que apenas a alínea g) deverá ser convocada, pois a única circunstância que merece apreciação prende-se com a existência de uma nova situação jurídica a envolver os executados e o prédio dos autos, cuja entrega é peticionada.
Tem sido entendido que, diversamente dos restantes fundamentos, a sobredita alínea constitui uma oposição de mérito à execução, por abranger as várias causas de extinção das obrigações, designadamente, o pagamento, a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação, a novação, a remissão e a confusão (artigos 837º e seguintes, do Código Civil), bem como aquelas que as modificam (designadamente por substituição do seu objecto, extinção parcial, alteração de garantias ou modificação do esquema do cumprimento), a prescrição e, no que respeita às pretensões reais, as causas de extinção e modificação do direito em que se baseiam (incluindo aquelas de que decorre a transmissão do direito real), bem como a usucapião.
Ainda assim, introduz-se um desfasamento entre o direito substantivo, ao ser exigido prova documental dos factos que suportem as asserções antecedentes.
Ora, no caso concreto, estando em causa nos autos a entrega de coisa certa a análise do alegado pelos executados, através da existência de “contrato de arrendamento” e de “procurações” a seu favor que juntam, poderá configurar causa modificativa do titulo dado à execução.
-…-”
Analisemos pois o contrato de arrendamento a fim de dar resposta as questões suscitadas no presente recurso.
Provou-se que:
- Por acordo escrito datado de 1 de Janeiro de 2010, intitulado de “Contrato de Arrendamento para Habitação”, os primeiros contraentes declaram que são comunheiros de 6/7 do prédio urbano referido em C) e que arrendam para habitação dos segundos contraentes, os aqui executados, a casa existente nesse mesmo prédio, pelo prazo que durar a comunhão.
- No dia 7 de Janeiro de 2010, no Cartório Notarial de … (Açores), compareceu M M…, também conhecida por M. dos A.S.M. , a qual declarou que constitui sua bastante procuradora A , a quem confere os seguintes poderes a usar por ela nos termos e segundo as cláusulas que entender:
a) Para administrar e gerir os seus bens situados na ilha de São Miguel, para alienar, a titulo gratuito ou oneroso, nas condições e/ou pelo preço que entender o usufruto de bens imóveis (...); e dar o tomar de arrendamento e fazer denúncias dos contratos feitos, fazer doações, permutas, dações em pagamento, podendo hipotecá-los ou onerá-los por qualquer forma legalmente permitida.
(…)
g) A mandatária fica autorizada a negociar consigo própria, ficando dispensada da prestação de contas.
F) Por documento intitulado de “Procuração”, Maria …. também conhecida por MN…. e ainda por M N….. declarou que constitui procuradora: A , a quem confere os seguintes poderes de usar por ela nos termos e segundo as cláusulas que entender:
a) Para administrar e gerir os seus bens situados na ilha de São Miguel para alienar, a título gratuito ou oneroso, nas condições e/ou pelo preço que entender o usufruto de bens imóveis (...); e dar o tomar de arrendamento e fazer denúncias dos contratos feitos, fazer doações, permutas, dações em pagamento, podendo hipotecados ou onerá-los por qualquer forma legalmente permitida;
(…)
g) A mandatária fica autorizada a negociar consigo própria, ficando dispensada da prestação de contas.
Escreveu-se na decisão recorrida:
“-…-
Tendo presente o documento que titula esse mesmo “contrato” e independentemente de resultar à evidência que não se encontra subscrito por todos aqueles que nele figuram como “primeiros contraentes”, uma coisa é ainda mais incontornável e que se prende com o facto desses mesmos “contraentes” declararem que são comunheiros de 6/7 do prédio urbano sito em ….., freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … - Açores, sob o nº 000/... e inscrito na matriz predial, sob o artigo …-P, o mesmo prédio referenciado no título dado à execução, no qual os aqui executados reconheceram a autora e aqui exequente como dona e legitima proprietária da nua propriedade da prédio dos autos e co-proprietária numa proporção de um sétimo das benfeitorias nele implantadas.
Estamos, pois, perante coisa indivisa, a mesma cuja entrega é pedida.
Em matéria de arrendamento dispõe o nº 2, do artigo 1024º, do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei 6 /2006,de 27 de Fevereiro, aqui aplicável atenta a data da celebração do “contrato” – 01.01.2010), que: “O arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só é válido quando os restantes comproprietários manifestem, por escrito e antes ou depois do contrato, o seu assentimento”.
Têm sido divergentes as posições doutrinárias quanto à natureza do vício decorrente de imóvel dado de arrendamento por um ou alguns dos contitulares do direito sem o assentimento dos restantes.
Simplesmente, qualquer que seja essa natureza, de pura e simples nulidade (cfr. ISIDORO DE MATOS, in “Constituição da Relação de Arrendamento Urbano”, pág. 284), mera anulabilidade (cfr. RUI VIEIRA MILLER, in “Arrendamento Urbano: breves notas às correspondentes disposições do Código Civil”, Almedina, pág. 24), nulidade sujeita a um regime especial (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 346) ou ineficácia (cfr. VAZ SERRA, in, “Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 100º, pág. 202) dúvidas não se têm colocado que sempre ao consorte que não tenha prestado consentimento não lhe é oponível esse mesmo negócio, a quem assistirá o direito de invocar tal vício, assim decidindo a jurisprudência unanimemente (cfr. por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.09.2009, in www.dgsi.pt - processo nº 743912000.S1).
Nos autos resulta claro que a exequente, sendo co-titular de 1/7 das benfeitorias implantadas no prédio objecto do arrendamento (casa de moradia), não só não prestou o seu consentimento, como manifesta a sua oposição na contestação que deduziu a esse mesmo arrendamento.
Sem mais considerandos, naturalmente que o aventado “contrato de arrendamento”, por carecer de validade e, como tal, insusceptível de produzir efeitos relativamente à exequente, não constitui fundamento de oposição à execução, pois não extingue ou sequer modifica o direito que decorria do título executivo.
-…-”
- Quid juris?
Já a anterior redacção do citado nº2 do artº 1024º do CC exigia que os restantes consortes dessem o seu consentimento ao arrendamento de prédio indiviso, sendo que a vantagem da última alteração introduzida pela Lei 6/06, de 27-2 (Nova Lei do Arrendamento Urbano/NRAU) é a de facilitar a prova do consentimento dos outros comproprietários que tem obrigatoriamente que existir para que o contrato se possa considerar validamente celebrado.
A outra inovação da actual lei do arrendamento urbano é que o exigido consentimento deixa de ter que ser formalizado através de escritura pública.
Acontece que no caso vertente, previamente, ao problema da confirmação da bondade da procuração que permitiu os mandatários de outros co-herdeiros outorgar o referido contrato de arrendamento, está a questão da invalidade desse mesmo contrato à luz do enunciado artº 1024º nº2 do NRAU.
Acresce que a co-titularidade não se verifica em relação ao prédio “locado”, mas tão só relativamente às benfeitorias.
Significa isto que a divisão a efectuar no inventário que está correr só poderá ter como objecto as aludidas benfeitorias e não o prédio em causa de que a exequente tem a nua propriedade.
Deste modo, ficou também por demonstrar que os consortes que contrataram com os executados pudessem sequer dispor do prédio e nessa qualidade ceder o seu gozo temporário a terceiros.
Estamos, efectivamente, na presença dum contrato nulo como correctamente foi qualificado pelo Tribunal recorrido e não anulável como defendem os recorrentes.
Logo, não é oponível à exequente, nos termos do artº 814º nº1, h) do CPC.
Tudo visto, nenhuma censura nos merece a decisão objecto de recurso.

DECISÃO
- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar improcedente a apelação e consequentemente, mantêm o decidido pelo Tribunal a quo.
- Custas pelos apelantes.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2012

Relator:Afonso Henrique Cabral Ferreira
1º Adjunto: Rui Torres Vouga
2º Adjunta: Maria do Rosário Barbosa