Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1551/09.7TTLSB.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
AUMENTO DA RETRIBUIÇÃO
ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I - Se, de acordo com o regime o regime jurídico do empregador (pessoa colectiva de direito público), este não podia proceder a um aumento de retribuição sem autorização ministerial, não poderá licitamente ser considerada como aumento de retribuição, a atribuição fictícia de um subsídio cuja única finalidade fosse proceder a esse aumento, sendo, nesse caso, a alteração do contrato em que se traduziu tal atribuição, nula por contrária à lei.
II - Embora a matéria de facto não refira concretamente que a A. tivesse estado submetida ao regime de isenção de horário de trabalho, mas apenas que lhe foi atribuída e paga, durante mais de seis anos, uma quantia a título de subsídio de isenção de horário, na medida em que a A. desempenhava funções de direcção e está assente que sempre cumpriu o horário de 8 h e muitas vezes mais, é possível extrair daí a ilação de que esteve, de facto, submetida a tal regime, ainda que se desconheça se porventura isso foi formalizado.
III - Desde a entrada em vigor do CT, porque a isenção de horário de trabalho depende de acordo escrito, só por acordo das partes lhe pode ser posto fim.
IV - A indemnização por danos não patrimoniais também pode ter lugar no âmbito da responsabilidade contratual.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

            “A” intentou a presente acção declarativa com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra ““B”, EPE – ..., Entidade Pública Empresarial”, alegando, em síntese que foi admitida, em 01.01.1981, ao serviço “C” (“C”), à qual sucedeu o ora réu (por força do Dec. Lei n.º 160/2007 de 27.04), tendo exercido desde aquela data as funções de Bailarina, Professora de Bailado, Assessora da Direcção Artística, Directora do Centro de Formação de Bailarinos da “C”, Directora de Produção e Assessora da Direcção de Espectáculos do “D” (“D”), esta última em regime de comissão de serviço desde 15.05.2008. Desde que o réu foi criado, as funções que a autora exercia desde 01.01.1997, e inerentes à categoria de Directora de Produção, foram abrangidas na sua quase totalidade pelas funções que passaram a ser desempenhadas pela trabalhadora “E”, que foi nomeada Directora de Espectáculos do réu. Em consequência, e desde Janeiro de 2008, a autora interpelou o réu, por escrito e verbalmente, solicitando que lhe fossem definidas funções, uma vez que não lhe era distribuído qualquer tipo de trabalho. Só em Maio de 2008 o réu outorgou com a autora um Acordo de Comissão de Serviço, por um período compreendido entre 15.05.2008 e 14.05.2009, mediante o qual a autora passaria a  desempenhar as funções de Assessora da Direcção de Espectáculos  do “D”. Contudo, a autora continuou sem qualquer trabalho efectivo distribuído, apesar de continuar a solicitá-lo. Em 16.03.2009 foi-lhe comunicado que, com efeitos a partir de 29.03.2009, e até 12.08.2009, deveria gozar dias de descanso compensatório por trabalho prestado de 2003 a 2007. O réu violou, assim, o dever de ocupação efectiva da autora, o que lhe acarretou uma depressão psicológica grave que se «vem adensando desde Dezembro de 2007», e que implicou o seu tratamento psiquiátrico. A autora é conhecida por ter uma carreira brilhante, de excelência, tendo-se sentido humilhada perante colegas e terceiros pela forma como foi tratada pelo réu.
Concluiu pedindo que o réu seja condenado ao pagamento da indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de € 25.000,00 por violação do direito de ocupação efectiva da autora e a pagar, desde a data da citação, uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 200,00 devida até à data de atribuição de efectivas funções à autora, ocorrida em Setembro de 2010[1].
            O réu contestou, impugnando parte dos factos alegados pela autora e sustentando que, por força da criação do ““B””, foi necessário proceder a uma reestruturação de departamentos e serviços (que ainda não se encontrava concluída à data da Contestação) e que quando foram apresentadas propostas à autora esta entendeu sempre precisar, negociar e discutir as mesmas, antes de iniciar funções. Mais alegou a inexistência de nexo causal entre os danos que a autora alegou e a conduta do réu ou que este tenha agido ilicitamente ou de forma culposa. Concluiu pedindo que fosse a acção declarada improcedente, por não provada, e o réu absolvido dos pedidos.
            A autora respondeu, invocando litigância de má-fé do réu, pelo facto de este não desconhecer os factos alegados na p. i., pedindo a condenação deste em multa não inferior a 15 UCs e em indemnização cujo valor relegou para liquidação posterior.
Após o saneamento do processo, a autora veio deduzir articulado superveniente alegando, em síntese, que em 16.09.2009 o réu propôs à autora uma alteração do objecto do contrato de trabalho, em que esta passaria a desempenhar as funções de Gestor de Procedimento, integrada na Direcção Financeira e Administrativa. Como as novas funções não exigiriam a respectiva prestação fora dos limites máximos do período normal de trabalho, o réu entendia que deveria cessar o pagamento da quantia recebida pela autora a título de isenção de horário. A autora disponibilizou-se para negociar tal proposta, desde que não implicasse prejuízo patrimonial sério como o que encerrava a proposta de deixar de receber a quantia mensal de € 1.034,10 a título de isenção de horário, por entender que esta quantia devia ser entendida como uma verdadeira retribuição, atentas as condições em que foi atribuída e recebida. O réu deixou de pagar, em 23.10.2009 a mencionada quantia, paga sob a denominação de isenção de horário de trabalho. A autora foi colocada a substituir uma colega, exercendo funções não compreendidas no objecto do seu contrato, não estando preenchidos os pressupostos da mobilidade funcional. Entretanto, a autora sente-se vexada e o seu estado de saúde agravou-se, tendo passado a frequentar a consulta de psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, encontrando-se incapacitada temporariamente, à data do requerimento de articulado superveniente, para exercer as suas funções.
Concluiu pedindo que a quantia auferida a título de isenção de horário seja considerada como fazendo parte da retribuição base, que seja declarada ilegal a decisão da ré de, ao abrigo da mobilidade funcional, ordenar à autora o desempenho de funções desempenhadas por outro trabalhador e a “reintegração” da autora na sua categoria profissional de Directora de Produção, com pagamento das quantias em dinheiro que ilicitamente lhe foram retiradas ou, caso não se entenda que está verificada a modificação substancial da posição da autora, ainda assim seja o réu condenado a devolver a quantia retirada, atento o princípio da irredutibilidade da retribuição e, em qualquer caso, condenar o réu a pagar à autora a quantia de € 25.000,00 a título de danos morais.
O réu respondeu, impugnando os factos e o direito alegados pela autora, concluindo pela improcedência dos pedidos formulados.
Após audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência,
1. condenou o réu a pagar à autora, como parte da sua retribuição, a quantia mensal ilíquida de € 1.034,10 (mil e trinta e quatro euros e dez cêntimos) desde 23.10.2009, até ao trânsito em julgado da presente decisão e para o futuro, excepto as vencidas entre 12.11.2009 e 30.06.2010, acrescidas dos respectivos juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde as datas dos respectivos vencimentos e até efectivo e integral pagamento,
2. condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) a título de indemnização por danos morais, acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data da citação do réu e até efectivo e integral pagamento,
3. absolveu o réu dos demais pedidos formulados pela autora e, ainda, do pedido de litigância de má fé.
            O R. recorreu, formulando nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
            (…)
            A A. contra- alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

            O objecto do recurso consiste na reapreciação das questões de saber se a prestação paga a título de “isenção de horário” podia ser suprimida por decisão do R. e, por outro lado, se estão preenchidos os pressupostos “ilicitude” e “nexo de causalidade” para a condenação em indemnização por dano não patrimonial.
           
            Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. A autora trabalhou, desde 01.01.1981, sob as ordens, direcção e fiscalização da “C”, tendo exercido, desde aquela data, as funções inerentes às categorias de Bailarina, Professora de Bailado, Assessora da Direcção Artística, Directora do Centro de Formação de Bailarinos da “C” e Directora de Produção.
2. A autora exerceu as funções de Directora de Produção desde 01/01/1997 e incumbiam-lhe as seguintes funções:
• Planificar, de acordo com as indicações do Director Artístico, a prestação do Elenco Artístico, dos artistas convidados e dos criadores;
• Negociar a contratação de artistas, criadores e técnicos especializados;
• Fazer as consultas necessárias à elaboração dos orçamentos relativos à aquisição de materiais para cenários e figurinos, som, iluminação e outros equipamentos;
• Colaborar na organização de ensaios, espectáculos, digressões e estadias, quer do elenco artístico, quer do pessoal técnico, quer ainda dos artistas convidados e dos criadores;
• Elaborar os cálculos para pagamento dos Direitos de Autor e direitos conexos;
• Apoiar administrativa e logisticamente o elenco artístico;
• Elaborar informações, propostas e mapas de despesas;
• Gerir o Stock e a distribuição de sapatilhas/calçado de dança;
• Estabelecer ligação funcional entre a Direcção de Produção e o Coordenador Técnico, designadamente fornecendo material e diligenciando pela reparação de material;
• Auxiliar o Coordenador Técnico na elaboração do Inventário do equipamento que seja propriedade da ré.
3. O “B”, EPE”, ora réu, foi criado pelo Dec-Lei n.º 160/2007 de 27.4 e passou a integrar o “D” (“D”) e a “C” (“C”).
4. Sucedendo automática e globalmente à “C”, continuando a personalidade jurídica desta e conservando a universalidade de direitos e obrigações integrantes da sua esfera jurídica no momento da transformação, sendo o novo titular do acervo de direitos e obrigações emergentes da relação jurídico-laboral celebrada entre a autora e aquela Companhia.
5. O descrito em 3. impôs a reestruturação de departamentos e serviços da “C” e do “D”.
6. Na “C” existiam duas Directoras de Produção: a de Produção da “C” e a de Produção do “F”.
7. Uma das medidas de reestruturação foi unir, sob a figura de uma única Directora, as estruturas afectas às produções da “C” e do “F”.
8. Em 19.12.2007 foi entregue à autora, e aos demais trabalhadores do réu, o Regulamento Interno do “B”, cujo documento se encontra junto a fls. 37 a 58 e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. Em 21.12.2007 foi comunicado à autora e a todos os trabalhadores do “B” a Ordem de Serviço nº 01/07, com um Organigrama como anexo I e com entrada em vigor em 02.01.2008 que, entre outros aspectos, procedeu à nomeação da trabalhadora “E” para a Direcção de Espectáculos “C”.
10. A partir desta data a autora deixou de exercer a maior parte das funções descritas em 2.
11. Em 07.01.2008, a autora enviou ao Presidente do Conselho de Administração do “B” uma carta, junta sob o documento n.º 11 a fls. 61 a 63, onde, face ao referido em 9. e 10. e por entender que as funções da nova Directora de Espectáculos “C” eram, «na sua quase totalidade», as funções que cabiam à autora no exercício das suas funções enquanto Directora de Produção da “C”, questionava:
«a) Qual é a partir de 02.01.2008 o conteúdo funcional da Categoria de Directora de Produção?
b) Qual será a minha posição hierárquica no Organograma (Anexo I) junto à ordem de Serviço 01/07?
c) Se se verificou alguma vicissitude contratual enquadrável nos artigos 313º e 314º do Código do Trabalho?»
12. Na sequência desta carta, a autora reuniu com o réu em 08.01.2008, que lhe sugeriu que apresentasse um projecto de actividade.
13. Em 29 de Janeiro de 2008 a autora enviou ao réu, através do seu mandatário, uma carta, junta sob o documento nº 12 a fls. 64 a 66, na qual a autora, repetindo o referido em 11, comunica que entenderá que «a assunção formal da posição» do réu em sugerir que seja a autora a apresentar um projecto de actividade «implicará a violação do dever de ocupação efectiva» e onde junta, como anexos, quinze documentos – «correspondência recebida» pela autora «e que ilustra bem o seu percurso profissional ímpar, assim como o reconhecimento do seu desempenho de excelência» - fazendo menção de que irá juntar mais.
14. Em 8 de Fevereiro de 2008 a autora, através do seu mandatário, enviou ao réu uma carta, junta sob o documento nº 13 a fls. 69 e 70, em aditamento à anterior, juntando mais correspondência relativa ao seu percurso profissional e onde comunica que «face à emergência de danos não patrimoniais, cujo real alcance começa a assumir foros de gravidade extrema, porque conexos com questões de saúde» irá ser dado conta de todo o dossier da autora ao Senhor Ministro da Cultura.
15. Em 3 de Março de 2008, a autora, o seu mandatário e o Presidente do Conselho de Administração do réu reuniram, tendo aquela manifestado o seu desagrado pela situação em que se encontrava.
16. Nessa reunião a autora foi inquirida sobre a possibilidade de assessorar o Director de Espectáculos do “D”.
17. Em 6 de Março a autora reuniu com o Director de Espectáculos do “D” para conhecer e discutir as funções de Assessora da Direcção de Espectáculos do “D”.
18. Em 24 de Março de 2008 o réu, através do seu Presidente do Conselho de Administração, enviou à autora a carta junta como documento n.º 14 a fls. 73, na qual comunica, em face do interesse manifestado pela autora nas reuniões ocorridas em 3 e 6 de Março que «as funções que desempenhará, caso aceite, serão nomeadamente as de assessoria àquele Director, de organização administrativa do trabalho de produção afecta àquele titular, bem como as de instrução de todos os procedimentos tendentes à aquisição de bens e serviços que se encontra encarregue o Director de Espectáculos do “D”, a pedido e de acordo com instruções deste. Aguardamos a sua resposta».
19. Em 27 de Março de 2008 a autora, através do seu mandatário, enviou carta ao réu, junta como documento n.º 15 a fls. 74 e 75, na qual solicita que o réu defina «em que categoria profissional a autora estará enquadrada, se mantém ou não a sua categoria de origem, qual o seu local de trabalho, qual o regime de vinculação/afectação, qual o seu estatuto remuneratório, qual a definição funcional que precisa».
20. Em 11 de Abril de 2008 a autora voltou a reunir com o Director de Espectáculos do “D”.
21. Em 11 de Abril de 2008 o réu, através do seu presidente do Conselho de Administração, enviou à autora a carta junta como documento n.º 16, a fls. 78 e 79, na qual pergunta à autora se tem ou não interesse em «integrar a Direcção de Espectáculos e aí desempenhar as funções que se enumeram (…) e que resultam de uma outra reunião havida hoje» entre a autora e o Director de Espectáculos do “D”, esclarecendo que a autora «integraria a Direcção de Espectáculos do “D” como Assistente da Direcção de Espectáculos do “D”, o seu local de trabalho seria nas instalações do “B”-EPE, mantendo a sua remuneração actual».
22. Em 21 de Abril de 2008 a autora, através do seu mandatário, enviou uma carta ao réu, junta como documento n.º 17 a fls. 80 a 81, na qual aceita assumir, em regime de comissão de serviço as funções de Assessora do Director de Espectáculos do “D”, mantendo a categoria de origem de Directora de Produção da “C”, a retribuição que detinha como Directora de Produção, aceitando ainda o local de trabalho e o conteúdo funcional da categoria de Assessora que constam da carta de 11 de Abril de 2008.
23. Em 8 de Maio de 2008 a autora e o réu reuniram de novo.
24. Em 8 de Maio de 2008 o réu enviou ao mandatário da autora um telefax, junto como documento n.º 22 a fls. 185, com o seguinte teor: «De forma a esclarecer a proposta que é apresentada à sua constituinte e para a qual reiteramos o nosso pedido sobre a sua disponibilidade, alinhamos o seguinte: Acorda-se na assumpção das funções de Assessora do Director de Espectáculos do “D” pela Senhora Dª “A” em regime de comissão de serviço, passando a sua Constituinte a assumir aquelas funções, com manutenção da categoria de origem; Acorda-se na manutenção do vencimento base que aufere neste momento, bem como da retribuição especial auferida em razão da isenção de horário de trabalho.».
25. No dia 9 de Maio de 2008 o réu enviou ao ilustre mandatário da autora uma minuta do Acordo de Comissão de Serviço, para apreciação.
26. A autora, através do seu mandatário, respondeu em 11 de Maio de 2008 através de telefax, comunicando estar de acordo com a proposta, sugerindo a alteração de duas cláusulas.
27. Em 15 de Maio de 2008 a autora e o réu outorgaram o Acordo de Comissão de Serviço e a autora passou a exercer funções de Assessora da Direcção de Espectáculos do “D” desde aquela data.
28. As funções acordadas consistiam no seguinte:
• Organização das reuniões de Coordenação (Produção, Gestão Artística, Coro, e OSP e Pesquisa e Documentação Musical);
• Controlo do circuito dos contratos celebrados (Gestão Artística);
• Recolha das listas da OSP com, pelo menos, um mês de antecedência da realização das produções;
• Realização de Arquivo;
• Planeamento das digressões (respectivos orçamentos);
• Obtenção, com a devida antecedência dos orçamentos dos diferentes sectores da Direcção de Espectáculos;
• Estabelecimento de contactos com os coralistas chamados a desempenhar pequenos papéis (negociação e respectiva informação à Direcção de Recursos Humanos);
• Organização administrativa de todo o trabalho de Produção designadamente:
- Elaboração das autorizações de despesa;
- Controlo do circuito a realizar entre o Conselho de Administração e a Contabilidade;
• Viabilização de todo o processo legal de aquisição de bens e serviços relacionados com a Produção, designadamente:
- Proposta Prévia de aquisição de bens e serviços;
- Pedido de orçamento respectivo;
- Controlo e escolha da melhor proposta.
29. Em 23 de Setembro de 2008 a autora enviou carta ao réu, junta como documento nº 18 a fls. 84 a 85, solicitando o agendamento de uma reunião, a fim de tratar da sua situação jus laboral.
30. O réu não respondeu a esta carta.
31. Enquanto a trabalhadora do réu, Sra. D. “G”, esteve de baixa, entre Novembro e Dezembro de 2008, a autora substituiu-a, prestando apoio à gestão Artística do “D”, deslocando-se algumas vezes para o efeito às instalações deste teatro.
32. De Setembro a Dezembro de 2008 a autora esteve a preparar a produção do Bailado ..., com participação da “C” e da Orquestra ... (orquestra residente do “D”), no “D”.
33. Em 16.03.2009 foi comunicado pelo réu à autora que, com efeitos a partir de 23 de Março de 2009, e até 12 de Agosto de 2009, deveria, em cumprimento de deliberação do Conselho de Administração do “B”, gozar os dias de descanso compensatório a que tinha direito em função de trabalho prestado nos anos de 2003 a 2007.
34. Em 16 de Setembro de 2009 o réu enviou à autora uma carta junta como documento n.º 1 a fls. 315 a 317, propondo-lhe uma «alteração do objecto do seu contrato com vista a nele passar a prever o desempenho de funções de Gestor de Procedimento, integrada na Direcção Financeira e Administrativa», elencando as funções que passaria a desempenhar e esclarecendo que a retribuição não sofreria alterações.
35. Mais comunicou que a resposta deveria ser dada até 23 de Setembro sob pena de ser considerada recusada, estando a autora dispensada, até àquela data, da prestação de trabalho.
36. Em 23 de Setembro de 2009 a autora respondeu ao réu que a proposta apresentada significaria uma «desvantagem patrimonial séria» e que, não tendo sido admitida uma contra-proposta, continuava «aberta a equacionar e discutir de forma aberta e leal qualquer proposta que entendam fazer».
37. O réu, através da Ordem de serviço n.º 02/2009 de 24 de Setembro de 2009 decidiu, por deliberação do seu Conselho de Administração, que a autora passaria a desempenhar temporariamente funções anteriormente desempenhadas pela Sra. D. “H” «enquanto a mesma se encontrar ausente por incapacidade temporária para o seu trabalho e até ao se regresso, previsivelmente após gozo da respectiva licença de Maternidade, em Maio de 2010».
38. A autora ficou assim incumbida de exercer as seguintes funções:
• Apoiar o director Artístico da “C” e executar todas as tarefas que por este lhe forem atribuídas na área técnico-artística;
• Apoiar os Mestres de Bailado, Ensaiadores e Professores em tarefas de carácter técnico-artístico;
• Elaborar as tabelas de serviço do corpo artístico da “C”, de acordo com as indicações facultadas pelo Director Artístico;
• Controlar a presença dos bailarinos da “C” nas aulas e ensaios;
• Reportar quinzenalmente à Direcção de Recursos Humanos todo o tipo de ausências verificado, acompanhado dos respectivos documentos de justificação.
39. A trabalhadora “H” encontrava-se ausente por incapacidade temporária para o trabalho desde Junho de 2009 e as suas funções foram sendo asseguradas por outras trabalhadoras do réu até Setembro de 2009.
40. A autora, no exercício das funções descritas em 38, dirigia-se aos estúdios onde decorrem aulas e ensaios para apontar quem estava presente e, com as referidas folhas elaborava mapas de assiduidade, que entregava na Direcção de Recursos Humanos.
41. Atendia telefonemas e secretariava o Director Artístico.
42. A trabalhadora “H” auferia um vencimento base de € 2.561,97 e exercia as funções de Coordenadora Artística Executiva.
43. A autora esteve de baixa por doença de 12 de Novembro de 2009 até 30 de Junho de 2010.
44. Após gozo de férias, e a partir de Setembro de 2010 até hoje, a autora voltou ao trabalho, exercendo as seguintes funções: de Setembro a Dezembro de 2010 esteve no Centro de Medicina para as artes performativas; de Janeiro até hoje está no Centro Histórico do réu, a exercer funções de investigar e curar o património, no âmbito do bailado, desde a criação do “D”, compreendendo designadamente a obrigação de exercer funções de ligação a organismos e/ou comissões em que o réu deva participar e que para tal seja nomeada.
45. Os locais de trabalho são o “B” e aqueles em que implique permanecer por força do exercício de funções de ligação.
46. A autora aufere actualmente a quantia ilíquida de € 2.280,19 a título de vencimento base, acrescido de € 105,90 de diuturnidades e acrescido de subsídio de refeição, incidindo sobre todos os abonos as reduções determinadas pela Lei do Orçamento.
47. Desde a criação do “B” a autora manteve o gabinete que ocupava desde que exercia as funções de Directora de Produção, sito (…), em Lisboa.
48. O horário de trabalho do pessoal ao serviço do réu comunicado, por este, ao IDICT, em 18 de Julho de 2000, é o seguinte:
Hora de Entrada: 09,30 horas;
Hora de Saída: 18,30 horas;
Período de Almoço: 13,30 às 14,30 horas;
Período Normal de Trabalho: 40 horas
Dia de Descanso semanal Complementar: Sábado
Dia de Descanso semanal obrigatório: Domingo;
49. A entrega do “F” à “C” em 2003 implicou uma reorganização e aumento do trabalho nessa altura.
50. Como não lhe era possível aumentar os salários, por falta de autorização ministerial, a Directora da “C” entendeu atribuir, temporariamente, uma quantia em dinheiro a título de isenção de horário de trabalho para compensar o trabalho para além das horas permitidas pelo trabalho extraordinário.
51. Tendo comunicado tal facto à autora e demais trabalhadores a quem atribuiu tal quantia a título de isenção de horário de trabalho.
52. A autora sempre cumpriu o horário de oito horas que lhe incumbia e, muitas vezes, mais horas.
53. Existiu um sistema de controlo de ponto às horas de entrada e saída dos trabalhadores do réu entre, pelo menos, 2005 e 2007.
54. Nos recibos da autora, desde Maio de 2003, o réu sempre declarou uma remuneração a título de isenção de trabalho.
55. O réu, em simultâneo com o pagamento da referida retribuição a título de isenção de horário de trabalho, pagava à autora quantias em dinheiro a título de trabalho suplementar por ela realizado nos seguintes termos:
• Em Outubro de 2003, pagou € 263,13 referente aos meses de Junho e Julho de 2003;
• Em Dezembro de 2003, pagou € 3064,91 referente aos meses de Setembro a Dezembro de 2003;
• Em Janeiro de 2005, pagou € 93,65 referente ao mês de Dezembro de 2004;
• Em Fevereiro de 2006, pagou € 654,05 referente ao ano de 2005;
• Em Outubro de 2007, pagou € 6.566,91 referente aos anos de 2006 e 2007;
56. Quando, em 23 de Outubro de 2009, a autora recebeu o seu salário, constatou que o réu não lhe pagara a quantia de € 1.034,10, o mesmo acontecendo em 23 de Novembro de 2009.
57. O desempenho profissional da autora foi sempre considerado, por colegas e pessoas, singulares e colectivas, que com ela trabalharam, como excelente.
58. A situação profissional da autora descrita supra foi e é do conhecimento dos trabalhadores do réu e de várias personalidades do “mundo” da dança.
59. Atento a tudo o supra descrito, a autora sentiu-se angustiada e humilhada.
60. Desenvolveu uma depressão psicológica a partir, pelo menos, do ano de 2008.
61. O que implicou o seu tratamento psiquiátrico e, posteriormente, a frequência da consulta de psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
62. Tendo sofrido alteração do comportamento alimentar.
63. Apesar de submetida a tratamento, pesava 45 a 46 Kgs em Fevereiro de 2009.

            Apreciação
            A Srª Juíza, apreciando a questão “Da isenção de horário e da noção de retribuição” expendeu, no essencial  “… ficou provada uma clara intenção de aumento do salário da autora em 2003 e que, face à impossibilidade (por falta de autorização ministerial) de o fazer, foi atribuída à autora (que já exercia funções de Directora de Produção da “C”), sob a designação de “isenção de horário de trabalho”, a quantia de € 1.034,10, que lhe foi paga mensalmente desde aquela data até Outubro de 2009.
Ora, esta factualidade consubstancia, no nosso entender, a noção de verdadeira retribuição.
Com efeito, e como dispõe o artigo 258º do Cód. do Trabalho, considera-se retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, incluindo a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo-se retribuição, até prova em contrário, toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Ora, não resulta da factualidade provada qualquer facto que permita ao tribunal concluir que a quantia recebida sob a denominação de isenção de horário de trabalho tivesse outra intenção que não fosse uma forma de aumentar o salário da autora.
O facto de essa necessidade se ter feito sentir quanto o “F” foi entregue à “C”, altura em que se provou que houve um aumento de trabalho, não é suficiente para colocar em crise a convicção do tribunal, porquanto tal situação foi temporária e a autora continuou a receber a mesma quantia, sob aquela designação.
Mas ainda que assim não se entendesse, e se admitisse que estamos perante uma verdadeira prestação/ complemento que se destina a compensar a penosidade/incomodidade resultante da disponibilidade que a autora tinha de ter (colocando a tónica no facto de não se ter provado um controle efectivo e regular das horas de entrada e saída da autora do seu local de trabalho, desde 2003 até hoje, excepto no período de tempo que decorreu entre 2005 e 2007 – cfr. facto provado sob o n.º 53), a verdade é que em nenhum momento as partes acordaram na cessação da isenção de horário de trabalho.
Com efeito, foi o réu quem decidiu, unilateralmente, deixar de pagar tal prestação, em Outubro de 2009.
Ora, tal só seria admissível se esta decisão tivesse sido tomada num determinado contexto, designadamente, de alteração das funções e/ou mudança da categoria do trabalhador, posto que só nesta situação se pode ponderar a alteração da compensação do regime de isenção de horário de trabalho sem consentimento do trabalhador.
Sucede que, no caso em apreço, não ficou demonstrado (prova que incumbia ao réu) que tivesse ocorrido uma alteração de funções e/ou de categoria da autora em Outubro de 2009 que justificasse a decisão do réu e a impossibilidade de oposição por parte da autora (recorde-se que nessa data tinha terminado o acordo de comissão de serviço celebrado em Maio de 2008 e a autora tinha recusado uma proposta de alteração do objecto do contrato que a unia ao réu, por este apresentada em Setembro de 2009).
Em suma, da factualidade apurada entende-se que não resultam preenchidos os pressupostos de existência de um verdadeiro acordo de isenção de horário de trabalho, com consequente pagamento da respectiva compensação, razão pela qual se entende que a quantia auferida pela autora, sob a denominação de isenção de horário de trabalho, apesar do nome que lhe foi atribuído, nada tem a ver com a isenção de horário de trabalho e, ao invés, deve ser entendida como fazendo parte integrante da sua retribuição.
Em consequência, não podia o réu ter deixado de proceder ao seu pagamento, como sucedeu a partir de Outubro de 2009, sob pena de violação do princípio da irredutibilidade da remuneração, plasmado no artigo 129.º n.º 1 al. d) do Cód. Trabalho.
Reafirma-se que, ainda que se entendesse que a quantia era auferida como verdadeira compensação pela isenção de horário de trabalho, o réu não podia deixar de a pagar sem o consentimento da autora, sendo certo que não demonstrou quaisquer factos reveladores de uma alteração de circunstâncias que justificassem a impossibilidade de a autora se opor à cessação de tal isenção e correspondente pagamento.
Nestes termos, julga-se procedente o pedido da autora, formulado no articulado superveniente, de o réu ser condenado a pagar-lhe os montantes vencidos desde 23.10.2009 até à data do trânsito da presente decisão, e para o futuro, no valor mensal de € 1.034,10, anteriormente pagos sob a denominação de “isenção de horário”.
Este pagamento não inclui, naturalmente, o período da baixa por doença da autora, ocorrido entre 12.11.2009 e 30.06.2010”.
O recorrente insurge-se contra tal apreciação, sustentando que a factualidade apurada consubstancia causa válida de atribuição à recorrida do complemento remuneratório de isenção de horário de trabalho; que não corresponde a uma correcta valoração dos factos ver nessa atribuição um intuito defraudatório ou dissimulatório de aumento da retribuição base. A inexistência de autorização ministerial decorrente da natureza de pessoa colectiva de direito público da “C” torna legalmente impossível a atribuição desse aumento por via da sentença, não podendo a recorrida, porque informada dessa impossibilidade legal, considerar-se de boa-fé.
Vejamos se lhe assiste razão.
Desde logo, temos de reconhecer que a conclusão de que a atribuição à A. do que se designou como “isenção de horário” foi uma forma de aumentar o salário da A. tem suporte no facto consignado sob o nº 50. Não vem impugnada a decisão da matéria de facto quanto a esse (nem quanto a nenhum outro) ponto. Ele é, pois, um dado de facto assente.
Ora, sendo a “C” uma pessoa colectiva de direito público, com autonomia administrativa e financeira e património próprio, sujeita à tutela e superintendência do Ministério da Cultura (art. 1º do DL 245/97, de 18/9), que se regia pelo disposto neste diploma, pelos seus regulamentos internos, aprovados pelo Ministro da Cultura e subsidiariamente, pelo ordenamento jurídico das empresas públicas (art. 3º); sendo, por outro lado, que a tutela, nos termos do art. 7º nº 2 compreende, além do mais, o poder de intervir em matérias relevantes em domínios como homologar padrões gerais de gestão, aprovar os regulamentos internos, bem como as propostas de contratação de colaboradores técnicos e artísticos que envolvam a assunção de encargos permanentes [al. b)]; sendo ainda que, nos termos do art. 30º nº 2 do mesmo diploma, os parâmetros a que obedece o sistema retributivo do pessoal sujeito ao regime de contrato individual de trabalho, teria de ser aprovado por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Cultura, é pertinente discutir se pode ser reconhecido como juridicamente aceitável que - como parece decorrer do facto consignado sob o nº 50 - sob a capa de um complemento remuneratório de isenção de horário, fosse atribuído um verdadeiro aumento salarial, para o qual era exigível autorização ministerial, sem que essa autorização tivesse sido concedida.  
Afigura-se-nos que, se de acordo com o regime jurídico da “C”, a Directora  não podia proceder a um aumento da retribuição sem autorização ministerial, não poderá ser considerado como aumento de retribuição lícito a atribuição fictícia de um subsídio cuja única finalidade fosse proceder a esse aumento, sob pena de se estar a convalidar uma  fraude à lei pela qual se regia a “C” e a que devia observância. Por isso, se, como entendeu a Srª Juíza, a atribuição do designado subsídio de isenção de horário visasse apenas aumentar a retribuição, sem a aprovação do ministro da tutela, teria de considerar-se a alteração ao contrato de trabalho em que se traduziu, nula, por contrária à lei, sendo que, tendo isso sido comunicado à A. (cf. nº 51), esta não ignorava a falta do requisito autorização ministerial.
Mas, porque  não decorre do referido nº 50 que aquele fosse o único propósito daquela atribuição, importa também verificar se, face aos elementos de facto apurados, a mencionada prestação configurava, na realidade, subsídio de isenção de horário.
O facto em questão (nº 50) não está devidamente localizado no tempo, sabendo-se apenas que ocorreu em 2003, na sequência da entrega do “F” à “C” (o que implicou aumento do trabalho, nessa altura). Mas, dado que o nº 54 revela que tal prestação foi paga à A. desde Maio de 2003 - antes, portanto, da entrada em vigor do CT aprovado pela L. 99/2003 de 27/8 – há que atender ao disposto no art. 50º da LCT (DL 49.408, de 24/11/69) e 13º a 15º do DL 409/71, de 27/9, pelos quais se regia, então, a isenção de horário de trabalho.
A A., porque exercia um cargo de direcção (era Directora de Produção), podia ser isenta de horário de trabalho [art. 13º nº 1 al. a) DL 409/71], o que, todavia dependia de autorização da IGT, devendo o requerimento de isenção ser acompanhado de declaração de concordância do trabalhador. Ignoramos se foi observada essa tramitação e se, na realidade, o regime de prestação de trabalho a que a A. ficou sujeita desde então foi efectivamente de isenção, ou seja, de não estar sujeita aos limites máximos dos períodos normais de trabalho (sem prejuízo do direito aos dias de descanso semanal e complementar e aos feriados obrigatórios – cf. art. 15º DL 409/71). Certo apenas é que a prestação em causa foi paga consecutivamente durante mais de seis anos, até Setembro de 2009.
Na medida em que se indica como motivação da atribuição de tal prestação remuneratória que era “para compensar o trabalho para além das horas permitidas pelo trabalho extraordinário” (sendo certo que também foi atribuído “por não ser possível aumentar os salários, por falta de autorização ministerial”), dá a entender que a A. não estaria, afinal, isenta de horário, mas sujeita aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, com pagamento, como trabalho suplementar, daquele que era prestado para além desses limites e até ao limite do trabalho suplementar, destinando-se o chamado subsídio de isenção a remunerar o trabalhado suplementar que excedesse os respectivos limites legais (art. 5º nº 1 DL 421/83, de 2/12). Essa hipótese, que parece ser a que subjaz à atribuição da prestação em causa (atenta a formulação da parte final do nº 50), não configura, em rigor, uma situação de isenção de horário, mas apenas de eventual ultrapassagem dos limites do trabalho suplementar, o que não cremos seja conforme à lei. Com efeito, se, como refere a Profª. Maria do Rosário Palma Ramalho[2], “a doutrina e a jurisprudência têm chamado a atenção para a necessidade de conter o tempo de trabalho exigido ao trabalhador dentro de limites de razoabilidade, para impedir que esta figura (a isenção de horário) se transforme numa forma de defraudar os limites ao trabalho suplementar” por maioria de razão se tem de considerar contrária à lei a exigência de trabalho suplementar para além dos limites legais para tal estabelecidos, a não ser nos casos de força maior (art. 5º nº 2 e 4º nº 2 do DL 421/83 de 2/12).
 Havendo isenção de horário de trabalho na modalidade única prevista no DL 409/71 e que corresponde à modalidade supletiva, prevista nos CT [art. 178º ns 1 al. a) e nº 2 do CT 2003 e 219º nº 1 al. a) e nº 2 do CT de 2009], não há direito ao pagamento de remuneração pelo trabalho suplementar, a não ser daquele que for prestado em dias de descanso semanal e complementar e dias feriados[3], sendo, em contrapartida, devida a retribuição especial pela isenção de horário  (art. 50º LCT, 14º do DL 409/71, 256º CT de 2003 e 265º do CT de 2009).
É sabido que a A. sempre cumpriu o horário de oito horas que lhe incumbia e, muitas vezes, mais horas (nº 52) e que o R. simultaneamente com o pagamento da retribuição a título de isenção de horário, pagava trabalho suplementar, designadamente o discriminado no nº 55. Desconhecemos, porém, se o trabalho suplementar discriminado neste nº 55 terá sido prestado em dias de descanso semanal ou feriado ou em dia normal de trabalho.
Em suma, embora a A., pelo facto de exercer um cargo de direcção, pudesse ser isenta de horário de trabalho – o que, após a entrada em vigor do CT de 2003, deixou de carecer de autorização da IGT, exigindo apenas acordo escrito das partes e comunicação à IGT (art. 177º nºs 1 al. a)  e 3)[4] e podia revestir três modalidades (art. 178º nº 1), sendo a modalidade supletiva a não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho (nº 2 do último preceito referido) – é duvidoso, face aos elementos de facto apurados (mormente o pagamento de trabalho suplementar), que se possa concluir que a A. tivesse estado efectivamente submetida a regime de isenção de horário de trabalho desde Maio de 2003.
Em todo o caso, mesmo que seja de admitir, como nos parece que é, que a A. esteve de facto submetida a isenção de horário - até porque tal regime não implica necessariamente que não se cumpra um horário, apenas permite que, se necessário, ele não seja cumprido – e, por isso, sendo de concluir que a prestação com essa denominação revestia efectivamente a qualidade de compensação pela maior disponibilidade da trabalhadora, coloca-se a questão de saber se o empregador podia, por decisão unilateral suprimir tal prestação.
É certo que, correspondendo o subsídio de isenção de horário a uma remuneração específica por uma situação transitória, em princípio apenas é devido enquanto se verificar a situação que lhe deu causa, sem que isso signifique violação do princípio da irreversibilidade da retribuição, porque este se refere apenas à retribuição em sentido estrito, e esta não abrange as prestações que sejam reversíveis.
Mas, como assinalam vários juslaboralistas, o CT, ao exigir o acordo escrito das partes, inviabiliza que a situação seja feita cessar por vontade unilateral do empregador.
Com efeito, refere, por exemplo, Monteiro Fernandes[5] “Desta mudança de regime decorre uma consequência importante. Encarada, na lei anterior, fundamentalmente como uma facilidade ou um benefício para o empregador, que, assim, adquiria um meio excepcional de dispor flexivelmente da força de trabalho, ela podia cessar por sua iniciativa unilateral, que, em regra, se exprimiria pela omissão do pedido de renovação anual a dirigir à IGT. E, cessando a isenção, cessaria também o direito à correspondente retribuição especial. O CT, ao invés, confia a gestão do assunto a ambas as partes, faz assentar a isenção em acordo escrito e inviabiliza, com isso, a hipótese de cessação por vontade unilateral do empregador.”.
Pedro Romano Martinez[6], por sua vez, escreve “O subsídio de isenção de horário de trabalho (art. 265º do CT2009), por se encontrar dependente deste regime, será retirado quando cessar a situação de isenção; constituindo, pois, uma situação reversível. Cessando a isenção de horário, o trabalhador perde o direito ao suplemento retributivo, mas importa saber se, como a isenção é estabelecida por acordo, pode cessar por vontade unilateral do empregador sempre que deixe de se justificar tal regime. Ajusta-se, normalmente a isenção atendendo a situações temporárias ou durante um período estipulado, mas se assim não for, na dúvida, deve dar-se prevalência ao acordo das partes, que só pode ser alterado por mútuo consenso.”
Também Maria do Rosário Palma Ramalho se pronunciou sobre a questão, nos seguintes termos “Coloca-se ainda o problema  da cessação da isenção de horário de trabalho.
Sendo o regime de isenção instituído por acordo entre o trabalhador e o empregador, as regras gerais remetem para a exigência de um acordo das partes no sentido da respectiva cessação. No entanto, crê-se que esta regra deve ser aplicada cum grano salis, tendo em conta o facto de, com muita frequência, a isenção de horário de trabalho estar associada directamente ao exercício de determinadas funções ou a certas categorias profissionais. Nestes casos, a alteração das referidas funções ou a mudança da categoria do trabalhador deve entender-se como abrangendo a alteração do regime de isenção que lhes estava associado – assim se por hipótese, o trabalhador deixar de desempenhar uma função na qual tinha isenção de horário de trabalho, para passar a desenvolver outra que não prevê tal isenção, não pode opor-se à cessação daquele regime.”
E António Nunes Carvalho[7] “…É, pois, clara a contratualização deste regime, daqui se extraindo como corolários, que quando desse acordo seja fixado um termo não será possível a cessação antecipada por decisão unilateral de qualquer das partes e que, não existindo termo, qualquer delas o poderá fazer cessar a todo o tempo (desde que comunique à outra parte com a antecedência exigida pelo princípio da boa-fé)”.
Ora, no caso, não consta que tivesse havido acordo escrito quanto à isenção de horário de trabalho, nem sequer (visto o início da situação remontar a Maio de 2003), que tivesse sido requerida autorização à IGT, acompanhada de declaração de concordância da trabalhadora, sendo que, nesses casos, era, em regra, definido um limite de tempo à autorização concedida. Não se mostra pois que a isenção de horário de trabalho tivesse sido formalmente contratualizada, se bem que, na medida em que a trabalhadora a acatou, seja de concluir ter sido tacitamente aceite e portanto efectivamente contratualizada.
Assim sendo, não poderia ser feita cessar unilateralmente, a não ser que, se mostrasse cessada a situação temporária que a tivesse determinado ou que como refere M. Rosário P. Ramalho, estivesse directamente associada ao exercício de determinadas funções ou categoria e estas tivessem sido alteradas.
Ora isso não resulta com segurança da matéria de facto.
O facto consignado sob o nº 50, embora refira que a atribuição foi definida como temporária, não fornece quaisquer elementos que permitam delimitar o horizonte temporal então tido em conta. Ainda que se possa admitir que a decisão tivesse tido a ver, em parte com o aumento de trabalho verificado na altura, devido à reorganização decorrente da entrega do “F” à “C”, em parte com as funções inerentes ao cargo de Directora de Produção que a A. exercia, não é seguro que assim fosse, tanto mais que ela as exercia desde 1997, e não é crível que o aumento de trabalho decorrente da reorganização se tivesse prolongado por mais de seis anos, como sucedeu com a prestação em causa. Recaía sobre o R. o ónus de prova das razões determinantes da isenção e da respectiva cessação.
Face à impossibilidade de determinar se ocorreu o termo da situação de isenção e não sendo inequívoco que a atribuição do regime de isenção de horário de trabalho à A. tivesse estado directamente associada a determinadas funções ou categoria, que tivesse cessado e a que a trabalhadora não se pudesse opor, na dúvida, na linha do defendido por Soares Martinez, no excerto atrás transcrito, entendemos que só por acordo podia ser feita cessar a situação e consequentemente suprimida a prestação remuneratória correspondente.
Pelo exposto, embora não acompanhemos a sentença recorrida quando qualifica a prestação por isenção de horário de trabalho como retribuição em sentido estrito, porque a recorrida não deu o seu acordo à alteração, não foi lícita a supressão da remuneração por isenção de horário de trabalho, sendo por isso de manter a condenação do R. a pagar-lhe a referida prestação no valor de € 1034,10 mensais, desde 23/10/2009 até ao trânsito em julgado e para o futuro, descontado o período em que a A. esteve na situação de baixa (12/11/2009 a 30/6/2010), acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal desde o vencimento de cada prestação até integral pagamento.
Improcede, por conseguinte o recurso nesta parte.

No que concerne à indemnização pelos danos não patrimoniais, também o recorrente não tem razão.
Desde logo, quando afirma que a cessação do complemento de isenção não constitui acto ilícito. Como deixámos dito atrás, na medida em que o empregador só podia fazer cessar a isenção de horário de trabalho por acordo – atenta a contratualização da situação, após a entrada em vigor do CT - e dado que não se mostra que tivesse existido tal acordo, a cessação do pagamento da pertinente remuneração por isenção de horário de trabalho constitui um manifesto ilícito contratual. Porque não foi ilidida a presunção resultante do art. 799º nº 2 do CC, verifica-se também o elemento culpa.
No que concerne aos danos: é certo que o teor do nº 59 atribui o dano referente à “angústia” e “humilhação” “a tudo o supra descrito”, que engloba muita da matéria, inerente às vicissitudes relativas à reestruturação, subsequente à criação do R., passando pela extinção do posto de trabalho da A. e a temporária sub-ocupação ou ocupação em funções diversas, e que se prendia com os pedidos atinentes ao direito à ocupação efectiva e à declaração de ilicitude da decisão de mobilidade funcional. Dessa matéria, aquilo que não foi abrangido na extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, declarada a fls. 488 (na sequência do acordo parcial sobre matéria de facto) em grande medida não foi considerado ilícito, mas mereceu essa valoração a cessação de pagamento da “isenção de horário” ocorrida a partir de 23/10/2009, e, como bem refere a Srª Juíza, “não releva o que consta do facto provado sob os nºs 60 a 62 até àquela data e o consta do facto provado sob o nº 63.
Temos assim que, quanto à depressão psicológica e consequente tratamento, não ficou apurado se os mesmos sofreram agravamento com esta conduta ilícita do R..
Não obstante, devem reconhecer-se perdas no bem-estar físico e psíquico – designadamente angústia, como consta do facto provado sob o nº 59 – numa situação de diminuição de retribuição, quer em face das circunstâncias apuradas (atente-se ao valor da redução; mais de mil euros mensais, sobretudo depois de a A. reassumir as suas funções em 1/7/2010), quer por força das regras da experiência”.
Afigura-se-nos estar suficientemente explicitado no excerto transcrito como se considera que a supressão de uma parcela tão relevante da retribuição global da A. é adequada a causar numa pessoa que está numa situação de depressão psicológica um sentimento de angústia e humilhação, que, no caso é merecedor da tutela do direito. Temos pois por verificado o dano e o nexo de causalidade.
E, por último, o facto de se estar no âmbito da responsabilidade contratual não obsta a que haja lugar à reparação dos danos morais, uma vez que, como refere Menezes Cordeiro[8], o art. 496º nº 1 do CC tem aplicação geral, nada o afasta.
Mantém-se pois também a condenação pelos danos não patrimoniais.

                        Decisão
            Pelo exposto se acorda em dar parcial provimento ao recurso, alterando a sentença apenas no que se refere à qualificação da prestação mencionada no ponto 1 do dispositivo, como retribuição pela isenção de horário de trabalho, mantendo a condenação nos termos aí definidos, mas a este título, assim como na indemnização por danos morais.
            Custas pelo recorrente.

Lisboa, 28 de Março de 2012

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira
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[1] Relativamente a outros pedidos que havia formulado, foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, face ao acordo parcial sobre a matéria de acto lavrado na acta de fls. 443/444 – cf. despacho de fls. 488.
[2] In Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 3ª ed., pag. 540.
[3] E, nas novas modalidades de isenção previstas tanto no CT de 2003 [art. 178 nº 1 al. b) e c)] como no de 2009 [art. 219º nº 1 al. b) e c)], que Mª do Rosário Palma Ramalho designa como “isenção parcial” e “isenção modelada”, do  trabalho prestado durante o período normal de trabalho semanal, para além dos limites da isenção.
[4] Desconhecendo-se, igualmente, se no período subsequente a Dezembro de 2003 foi observado este formalismo.
[5] Direito do Trabalho,  Almedina, 14ª ed.  pag. 384.
[6] Direito do Trabalho, Almedina, 5ª edição, pag. 575.
[7] In “Duração e Organização do Tempo de Trabalho no Código do Trabalho, Memórias do VI Congresso Nacional de Direito do Trabalho, pag. 113.
[8] Direito do Trabalho, Almedina, 1991, pag. 846.
Decisão Texto Integral: