Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5750/06.5TCLRS.L1-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
FORMA
PRAZO
CONTRATO-PROMESSA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
RESTITUIÇÃO DO SINAL EM DOBRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Prevalece largamente também na jurisprudência, o entendimento segundo o qual o regime legal do sinal é inaplicável em caso de simples mora, só tendo lugar as sanções da perda do sinal ou da sua restituição em dobro, bem como a da exigência do valor actualizado da coisa deduzido do preço convencionado (cit. art. 442º, nº 2) no caso de incumprimento definitivo da promessa.
II - Podendo a mora converter-se em incumprimento definitivo na sequência de uma interpelação/notificação admonitória ( cfr. artº 808º,nº1, do CC), ou intimação para o cumprimento, e dentro de um prazo/dilação razoável, nada obsta a que seja tal interpelação efectuada - pelo credor ao devedor - verbalmente, pois que a respectiva eficácia não está sujeita a qualquer forma legal.
III - Prima facie, o prazo de 8 dias concedido ao devedor para a entrega de todos os documentos necessários para a marcação e realização da escritura de compra e venda, sob a cominação de o credor deixar de ter interesse na consumação do negócio, não se revela de todo e à partida como irrazoável, nos termos e para os efeitos previstos no cit. art. 808º-1 do CC.
IV - Efectivamente, “Qualquer pessoa que esteja munida de todos os documentos necessários para a outorga de uma escritura de compra e venda de um imóvel consegue a sua marcação num prazo de oito dias (até em menos tempo)”.
V - Acresce que, ao nada dizer o devedor interpelado ( pelo menos até ao termo do aludido prazo de 8 dias, solicitando à Autora uma prorrogação de tal prazo ou alegando que o mesmo era insuficiente ), e tendo pura e simplesmente permanecido em silêncio, reservando para a contestação da acção a invocação do argumento da irrazoabilidade do aludido prazo admonitório de 8 dias, atenta gravemente contra a boa-fé que deve sempre nortear o comportamento dos contraentes (art. 762º-2 do Cód. Civil: “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.”).
VI - Assim sendo, não pode senão concluir-se pela eficácia e validade da mencionada interpelação admonitória verbal feita pela mandatária da Autora, em 19/5/2006, aos legais representantes da Ré, quando lhes entregou, em mão, uma carta pela qual concedia a esta mais 8 dias para lhe entregarem todos os documentos para a marcação da escritura de compra e venda, sob a cominação de, não sendo entregue tal documentação e marcada a escritura, a sua constituinte deixar de ter interesse na consumação do negócio.
VII - Consequentemente, uma vez transcorrido o aludido prazo peremptório de 8 dias, sem que a Ré tenha curado de entregar os documentos em questão e/ou procedido à marcação da escritura pública de compra e venda, o contrato-promessa em questão não pode senão ser havido como incumprido definitivamente pela promitente/vendedora ora Ré, nos termos do cit. art. 808º-1 do CC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:

A , residente na Rua ..…,  ..., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra  B (Construções ……, Lda ), com sede na Rua ….., ..., peticionando que:
a) fosse declarado resolvido o contrato - promessa celebrado entre Autora e Ré;
b) fosse a Ré condenada a restituir à A. a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no montante de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), acrescida de juros à taxa legal, contabilizados desde a citação da R., até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
- no dia 7.11.2005, foi celebrado entre a Autora e a Ré um contrato-promessa de compra e venda, tendo-se a Autora comprometido a comprar, pelo preço de € 160 000, o apartamento correspondente ao 4° Dto., com box n.° 7, correspondente aos estacionamentos 21 e 22, no piso -1, do prédio urbano designado por ….., em ..., sendo que a título de sinal e princípio de pagamento a Autora entregou à Ré, naquela data € 60.000,00, tendo as partes acordado que o remanescente seria entregue na data da celebração da escritura;
- Nos termos do contrato referido, foi convencionado que a escritura seria realizada no prazo de 180 dias a contar da data de assinatura do acordo;
- Porém, tal prazo não foi cumprido por culpa exclusiva da Ré, a qual se tinha comprometido a entregar-lhe a fracção antes da data de celebração da escritura;
- A A. enviou, em 12 de Abril de 2006, uma carta à Ré, interpelando-a ao cumprimento do prazo estipulado no contrato-promessa para a realização da escritura pública, solicitando toda a documentação necessária, carta essa que foi devolvida à A. por falta de reclamação;
- No dia 9 de Maio de 2006, a A. enviou nova carta à Ré, na qual a informava de que dispunha de um prazo de 8 dias para entregar à A. toda a documentação necessária para a marcação de escritura;
- Nessa sequência, a Autora perdeu o interesse na celebração do negócio definitivo.
A Ré contestou, alegando, em síntese, que:
- Em sede do contrato-promessa de compra e venda celebrado pelas partes, não obstante ter sido convencionado o prazo de 180 dias após a celebração daquele, nada se estipulou relativamente a quem competia a marcação da escritura;
- A Autora sabia que a marcação da escritura estaria sempre sujeita à emissão da respectiva licença de utilização nos termos legais;
- Acresce que a Ré não recebeu qualquer uma das cartas alegadamente enviadas pela A.;
- Em 18 de Maio de 2006, a Ré elaborou e entregou o pedido de emissão da respectiva licença de habitação junto da Câmara Municipal de ..., tendo dado conhecimento de tal facto e de todas as diligências subsequente s à A, sendo que esta, desde o início de Março de 2006, já habitava a referida fracção, sendo possuidora das chaves respectivas;
- Em 21 de Julho de 2006, a Ré convocou a A. para a celebração da escritura pública, a ter lugar no dia 18 de Agosto de 2006, não tendo, porém, a A. comparecido no local e dia indicados, razão pela qual a Ré resolveu o contrato-promessa celebrado entre as partes.
A Ré deduziu pedido reconvencional, peticionando que a Autora reconvinte fosse condenada a pagar-lhe € 2.500,00, alegando, para tanto, que aquela residiu na fracção autónoma em causa de Março a Maio de 2006, tendo, nesse período, procedido a diversas obras por sua iniciativa e sem autorização da Ré, designadamente, à substituição dos móveis de uma casa-de-banho e à montagem de prateleiras na garagem da respectiva fracção autónoma, o que obrigou a Ré a proceder à respectiva reparação, causando-lhe, assim, um prejuízo no valor acima referido.
Em 21.10.2008, foi proferido despacho saneador, no qual i) foi admitido o pedido reconvencional deduzido pela Ré, ii) foram julgados improcedentes os pedidos deduzidos pela Autora e iii) foi seleccionada a matéria de facto relevante considerada assente e a que constituía a base instrutória relativa ao pedido reconvencional (cfr. fls. 99 a 107).
Na sequência da arguição, pela Autora, da nulidade do processado posterior ao requerimento datado de 02-02-2007, no qual a respectiva Mandatária declarou renunciar ao mandato, foi proferido despacho que determinou a anulação do processado subsequente a tal requerimento (cfr. fls. 131 a 134).
A Autora veio então replicar, respondendo à matéria das excepções peremptórias inominadas deduzidas pela Ré e à matéria da reconvenção.
Nesse articulado, a Autora requereu a ampliação da causa de pedir.
Neste âmbito, a Autora alegou que, como o contrato prometido não foi outorgado no prazo contratual, que era um prazo final (veja-se cl. 7ª) e tão pouco foi outorgado no prazo admonitório ulteriormente concedido à Ré, a Autora veio a celebrar com um terceiro (a sociedade comercial “…..Sociedade de Construções, Lda.”), no dia 7 de Junho de 2006,  outro Contrato Promessa de Compra e Venda, pelo qual prometeu comprar àquela sociedade a fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao 1º Dtº, com arrecadação e 2 lugares de estacionamento, no prédio urbano designado pelo lote ….. e concelho de ..., vindo a ser outorgada a correspondente escritura pública de compra e venda no dia 5 de Setembro de 2006, no Cartório Notarial de ... – factos estes que demonstrariam, categoricamente, ter a Autora, em Junho de 2006, com a assinatura de novo Contrato Promessa de Compra e Venda, perdido definitivamente e objectivamente o interesse na compra do andar da Ré.
Findos os articulados, foi proferido um 2º Despacho Saneador (em 29 de Julho de 2009), no qual:
i) foram admitidos o pedido reconvencional deduzido pela Ré, bem como a ampliação da causa de pedir feita pela Autora na réplica;
ii) foram consideradas parcialmente inadmissíveis a réplica (tendo-se por não escritos os factos invocados sob os artºs.1ª a 27º desse articulado) e a tréplica (tendo-se por não escritos os factos invocados sob os artºs.1º e 2º e 20º e ss. desse articulado);
iii) foram julgados improcedentes os pedidos deduzidos pela Autora; e
iv) foi seleccionada a matéria de facto relevante considerada assente e a que constituía a instrutória relativa ao pedido reconvencional (cfr. fls. 99 a 107).
 Por requerimento datado de 1 de Setembro de 2009, a Autora veio interpor recurso de apelação contra o despacho saneador, no segmento em que conheceu do mérito dos pedidos por si formulados - o qual foi admitido, com efeito devolutivo e subida a final (cfr. fls. 210).
Instruída a causa, teve, entretanto, lugar a Audiência de Discussão e Julgamento, finda a qual foi proferida Sentença (datada de 30/9/2010), que julgou o pedido reconvencional deduzido pela Ré Reconvinte B , improcedente e, consequentemente, absolveu a Autora Reconvinda, A , do mesmo pedido, ficando as Custas da instância reconvencional a cargo da Ré Reconvinte.
Não tendo a Ré interposto recurso ordinário dessa sentença, a mesma transitou em julgado (art. 677º do C.P.C.)
Nas alegações respeitantes ao recurso de Apelação interposto do 2º Despacho Saneador (na parte em que o mesmo conheceu do mérito dos pedidos por si formulados nesta acção), a Autora formulou as seguintes conclusões:
“1) O Tribunal “a quo” decidiu sem julgamento e sem apuramento da matéria de facto provada e a não provada (excepto para o julgamento da reconvenção);
2) Consequentemente também não fez qualquer exame crítico sobre a prova apresentada;
3) Tudo em clara violação do previsto nos nºs. 2 e 3 do artº 659º do CPC;
4) Termos pelos quais se conclui que a decisão ora recorrida é nula, por força do previsto na alínea b), do nº 1, do artº 668º d CPC.
Noutra perspectiva, mas sem conceder, sempre se acrescenta o seguinte:
5) No contrato promessa de compra e venda ficou prevista no nº 2, da cláusula 7ª, uma norma contratual pela qual a recorrente podia exigir à recorrida as quantias entregues a título de sinal, em dobro, caso a escritura não fosse outorgada dentro do prazo contratual por facto não imputável à promitente compradora;
6) O Tribunal “a quo” não apreciou nem se pronunciou sobre esta cláusula do contrato;
7) Esta cláusula contratual confere à recorrente um direito potestativo;
8) Além disso tem de se considerar que esta cláusula atribui ao prazo contratual, de 180 dias, para a outorga da escritura o carácter de termo essencial;
9) Acresce que, esta cláusula não obrigava a A. a declarar resolvido o contrato, porque lhe conferia o direito de imediatamente exigir as quantias entregues em dobro;
10) O contrato prometido não foi outorgado por culpa exclusiva da recorrida, que não tratou no prazo de 180 dias conseguir a licença de utilização;
11) Está assim verificado o segundo requisito da cláusula contratual: o incumprimento não ser devido a facto imputável à recorrente;
12) Com o decurso do prazo de 180 dias, previsto no contrato promessa, por facto que não lhe é imputável a A. ganhou de imediato o direito de receber as quantias entregues, em dobro;
13) É esse montante que a A. veio a juízo pedir e que a Ré deve ser condenada a pagar.
Ainda que assim não se entenda, mas também sem conceder, sempre se acrescenta o seguinte:
14) Para a A. e ora recorrente está verificado o incumprimento definitivo da Ré e ora recorrida;
15) E tal ocorre seja porque o prazo admonitório concedido produziu os seus efeitos ou porque ocorreu a perda de interesse da recorrente, objectivamente considerado;
16) Com os argumentos expendidos, sobre estes fundamentos, pelo Tribunal “a quo” o que se extrai é que quem incumpre é premiado e quem procura por todos os meios cumprir e fazer com que a outra parte cumpra é prejudicado;
17) Esclarece-se que quem entrou em situação de mora ou incumprimento temporário foi a recorrida e não a recorrente;
18) Nesta fase têm se considerar todas as circunstâncias envolventes ao caminhar do contrato promessa;
19) Que a recorrente enviou uma carta registada para a recorrida ainda antes do término do prazo contratual, que veio devolvida mas que foi para a morada do contrato; que enviou nova carta após o decurso do prazo, para outra morada e que também veio devolvida; que entregou em mão aos gerentes da Ré uma carta no dia 19.05.2006; que celebrou contrato promessa da compra de outra habitação no dia 7.6.2006 e outorgou a respectiva escritura no dia 5.9.2009;
20) Acresce que, durante a vida do contrato promessa e até ao dia 21/6/2006 (já em mora) a Ré nada fez ou disse para demonstrar à A. que queria cumprir o contrato prometido;
21) O prazo admonitório de 8 dias para outorgar a escritura de compra e venda comunicado à Ré no dia 19.05.2006 é suficiente e normal;
22) Este prazo admonitório era para a outorga da escritura e não para a Ré conseguir a licença de utilização;
23) A licença de utilização devia ter sido conseguida pela Ré durante os 180 dias previstos no contrato promessa;
24) Após o decurso do prazo do contrato promessa só tinha de ser cumprido o contrato prometido: a escritura pública;
25) Repete-se que oito dias para marcar e outorgar uma escritura de compra e venda é um prazo perfeitamente normal;
26) A Ré teve seis meses para se munir de todos os documentos para outorgar a escritura e não o fez - não pode a A. ser prejudicada pelos incumprimentos da Ré, nem pode ser premiado quem incumpre;
27) Estão assim verificados os três requisitos para que o prazo admonitório tenha produzido os seus efeitos: transformar a mora da Ré em incumprimento definitivo;
28) Termos pelos quais se conclui que a A. tem direito a ser ressarcida das quantias entregues, em dobro.
29) Por outro lado, e tendo em conta todas as circunstâncias acima relatadas, que atestam a boa fé da A. e o incumprimento repetido da Ré, tem de se considerar que com a aquisição de outro apartamento há uma perda de interesse da A. no contrato promessa de compra e venda aqui em causa;
30) E essa perda de interesse é objectiva e também transforma o incumprimento retardado da Ré em incumprimento definitivo, sem necessidade de qualquer declaração de resolução;
31) A A. não adquiriu outra habitação, própria e permanente, por qualquer capricho;
32) Tal ocorreu no seguimento das circunstâncias relatadas, em particular o total desinteresse da Ré em conseguir durante o decurso do contrato a licença de utilização e de não cumprir o prazo admonitório;
33) Termos pelos quais deve ser conhecida e declarada a perda de interesse da A. na aquisição da fracção prometida comprar à Ré, com as devidas consequências legais.
Faz-se ponto nestas alegações de Apelante, confiado em que menos por elas e mais pelo douto Suprimento de V. Exas. A sentença deve ser revogada, e em sua substituição ser proferido douto Acórdão que condene a Ré a pagar à Autora a quantia de 120.000,00 €, acrescida de juros de mora desde a data de citação porque assim se fará a costumada Justiça.”
A Ré/Apelada contra-alegou, pugnando pelo não provimento da Apelação da Autora e formulando, a rematar a sua contra-alegação, as seguintes conclusões:
«1º) O Senhor Juiz a quo ao proferir no despacho saneador, decisão sobre o mérito da causa, não tinha de obedecer aos requisitos formais previstos para a sentença.
2º) Por tal, o Senhor Juiz a quo não violou os n.ºs 2 e 3, art.º 659º C.P.C.,
3º) não devendo ser declarada nula a decisão de mérito por ele proferida.
4º) Em cumprimento da cláusula 6ª e do ponto 7.2. da cláusula 7ª do contrato promessa celebrado entre a ora recorrente e a ré, não tendo esta (por culpa a si imputada) agendado nem celebrado o contrato prometido em 180 dias, entrou em mora.
5º) Não obstante a mora da ré ter tido início em 7 de Maio de 2006 esta remeteu carta à ré - em 18 de Maio de 2006, a dar-lhe conhecimento de esforços que estava a fazer para o agendamento e celebração do contrato definitivo no mais breve espaço de tempo possível.
6º) Tendo em conta os expressos esforços feitos pela ré para o agendamento e celebração do contrato prometido com a ora recorrente e os factos carreados aos autos de 1ª instância, aquela (ré) sempre demonstrou ter intenção em celebrar o contrato definitivo.
7º) Não obstante o incumprimento do referido contrato promessa, estando em causa a formalização do contrato prometido (de natureza burocrática) e atendendo aos factos trazidos aos autos vindos da primeira instância, tal agendamento podia ocorrer em momento posterior.
8º) O prazo de 180 dias previstos no contrato promessa para a celebração do contrato definitivo, não é essencial.
9º) Os 3 meses de mora da ré, para o homem médio, não é um período de tempo demasiado longo ou gravoso para a ora recorrente ou justificador de perda do seu interesse contratual,
10º) nem evidenciador de a ré poder ter intenção de não cumprir definitivamente a prestação a que se obrigou- celebrar o contrato definitivo.
11º) A ora recorrente em 9 de Maio de 2006 tentou efectuar a interpelação admonitória da ré, dando-lhe porém 8 dias para que esta agendasse e celebrasse o contrato definitivo, sob pena de decorrido tal prazo ela (ora recorrente) perder o seu interesse na celebração do mesmo (contrato definitivo).
12º) Interpelação esta que pela exiguidade do prazo indicado- 8 dias, não pode ter validade.
13º) Tanto mais, que quando a ora recorrente remeteu tal interpelação à ré tinha consciência que esta não tinha toda a documentação reunida para celebrar o contrato definitivo, pois caso assim não fosse tinha-o celebrado atempadamente.
14º) A acrescer ainda, a referida interpelação da recorrente à ré foi remetida para uma morada que não está indicada no contrato promessa como sendo a sede desta (ré),
15º) a qual por não ter recebido, não pode a mesma ter sido eficaz.
16º) Foi a ora recorrente quem injustificadamente perdeu interesse na celebração do contrato prometido com a ré.
17º) A ora recorrente, não obstante ter conhecimento dos esforços da ré em celebrar o contrato prometido e sem a ter informado (à ré), em 7 de Junho de 2006 celebrou contrato promessa de compra e venda de fracção autónoma destinada a habitação com a sociedade comercial ...- Sociedade de Construções, Lda.
18º) A acrescer, tendo a ora recorrente conhecimento que a escritura do contrato prometido a ser celebrada com a ré estava agendado para 18 de Agosto de 2006, nesta data faltou injustificadamente,
19º) tendo em 5 de Setembro de 2006 celebrado o contrato prometido com a sociedade comercial …..- Sociedade de Construções, Lda..
20º) A ora recorrente perdeu o interesse contratual na celebração do contrato definitivo com a ré injustificadamente, tendo celebrado o contrato com a aqueloutra sociedade comercial por mero capricho,
21º) não tendo restado à ré outra alternativa senão em resolver o contrato promessa celebrado com a ora recorrente.
Por todo o exposto, deverá a decisão proferida pelo Senhor Juiz a quo se manter inalterada, devendo o presente recurso ser julgado improcedente.»
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O  OBJECTO  DO  RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Autora ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a 4 (quatro) questões:
a) Se o Saneador/Sentença recorrido padece da nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil (falta de fundamentação);
b) Se, desde que ficou expressamente clausulado no contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes (cfr. o nº 2 da cláusula 7ª) que a promitente-compradora (ora Recorrente) podia exigir à promitente-vendedora (ora Recorrida) as quantias entregues a título de sinal, em dobro, caso a escritura não fosse outorgada dentro do prazo contratual por facto não imputável à promitente compradora, o mero decurso do prazo de 180 dias para a outorga do contrato definitivo conferia à Autora/Recorrente o direito potestativo de exigir à Ré/Recorrida as quantias entregues, em dobro, sem necessidade de declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda;
c) Se o prazo admonitório de 8 dias para outorgar a escritura de compra e venda comunicado pela Autora à Ré no dia 19/05/2006 é suficiente e normal, dado que este prazo admonitório era para a outorga da escritura e não para a Ré conseguir a licença de utilização (a licença de utilização devia ter sido conseguida pela Ré durante os 180 dias previstos no contrato promessa);
d) Se, tendo em conta todas as circunstâncias que atestam a boa fé da Autora e o incumprimento repetido da Ré, tem de se considerar que, com a aquisição de outro apartamento, ocorreu uma perda objectiva do interesse da Autora no contrato promessa de compra e venda em causa.
MATÉRIA DE FACTO
Conquanto o Saneador/Sentença recorrido se tenha (indevidamente) dispensado de os elencar, mostram-se provados (seja por acordo das partes [art. 490º-2 do CPC], seja por documentos dotados de força probatória plena [nos termos dos arts. 374º, nºs 1 e 2, e 376º, nºs 1 e 2, do Cód. Civil]) os seguintes factos:
A) Por escrito datado de 7.11.2005, os legais representantes de B declararam prometer vender e A declarou prometer comprar,  pelo preço de € 160 000,  o apartamento correspondente ao 4º Dtº., com box nº.7, correspondente aos estacionamentos 21 e 22, no piso -1, do prédio urbano designado por …., em ...;
B) Nos termos do escrito referido em A), foi convencionado que a escritura seria realizada no prazo de 180 dias a contar da data de assinatura do acordo;
C) Na data da assinatura do escrito referido em A), a Autora entregou à Ré, a título de sinal, a quantia de € 60 000, da qual recebeu quitação, tendo as partes estabelecido que o remanescente do preço seria pago no acto da escritura de compra e venda;
D) No escrito referido em A), ficou clausulado o seguinte: “7.2- No caso de a compra e venda prometida não poder realizar-se dentro do prazo convencionado no presente contrato, por motivo não imputado ao promitente comprador (Segunda Contraente), são-lhe devidas todas as quantias que tiver entregue ao promitente vendedor (Primeiro Contraente), a título de sinal e princípio de pagamento, sem prejuízo do disposto no artº 442º do Código Civil”;
E) Em 12.4.2006, a Autora remeteu à Ré uma carta interpelando-a ao cumprimento do prazo estipulado para a outorga da escritura de compra e venda prometida, disponibilizando-se para proceder à respectiva marcação, para o que solicitou o envio da documentação necessária.
F) Essa carta, apesar de endereçada para a morada da Ré constante do escrito referido em A), foi devolvida à Autora, por não reclamada pelo destinatário;
G) Em 9.5.2006, a Autora dirigiu à Ré nova carta - que endereçou para uma morada alegadamente constante nos registos da PT e em capas daquela empresa, mas diversa da indicada no escrito referido em A) como sendo a sua sede social - informando-a que dispunha de 8 dias para entregar à Autora a documentação necessária à marcação da escritura ou proceder ao seu agendamento.
H) Nessa carta, a Autora dava conta à Ré que, não sendo praticados quaisquer dos actos por si indicados, perderia interesse na celebração do contrato definitivo;
I) A carta referida em G) e H) foi devolvida à Autora.
J) No dia 19 de Maio de 2006, a mandatária da A. entregou, em mão, aos legais representantes da Ré uma carta pela qual concedia a esta mais 8 dias para lhe entregarem todos os documentos para a marcação da escritura de compra e venda;
L) Dessa carta constava o seguinte: “Caso a documentação não seja enviada e a escritura pública marcada no prazo mencionado, a minha constituinte deixará de ter interesse na consumação do negócio”;
M) Em 18 de Maio de 2006, a Ré elaborou e entregou o pedido de emissão da licença de habitação do imóvel identificado em A), junto da Câmara Municipal de ...;
N) Por carta de 20.7.2006, recebida em 31.7.2006, a Ré convocou a Autora para a escritura pública de compra e venda do apartamento referido em A), a ter lugar no Cartório Notarial …., na Alameda …., em Oeiras, a 18.8.2006, pelas 11H.
O) A Autora não compareceu na data e lugar referidos em N), não justificou a sua ausência, nem entregou a documentação necessária à outorga da escritura.
P) Por escritura pública de 5.9.2006, a A. declarou comprar e ….- Sociedade de Construções, Lda. declarou vender,  pelo preço de € 142 500,  a fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao 1º Dtº., destinado a habitação, do prédio urbano sito na Quinta …., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº.0000.
Q) Por carta datada de 8.3.2007, remetida à Autora e por esta recebida, a Ré declarou-lhe “proceder à resolução do contrato promessa” referido em A).
O  MÉRITO  DA  APELAÇÃO
1) Se o Saneador/Sentença recorrido padece da nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil (falta de fundamentação).
A Autora/Apelante assaca ao Saneador/Sentença recorrido a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC (falta de fundamentação).
Isto porque não foram elencados – na decisão sob censura - os factos dados como provados e os factos não provados, bem como não se fez qualquer exame crítico da prova, em clara violação do contido nos nºs. 2 e 3 do artº 659º do CPC. Donde que, na óptica da Apelante, o saneador/sentença recorrido padece de falta de fundamentação, porquanto não se vislumbra no processo a matéria de facto assente e a convicção do Tribunal sobre a mesma.
Quid juris ?
Como se sabe, «a lei não traça um conceito de nulidade de sentença, bastando-se com a enumeração taxativa de várias hipóteses de desconformidade com a ordem jurídica que, uma vez constatadas na elaboração da sentença, arrastam à sua nulidade»[5]. Esse elenco taxativo das causas de nulidade da sentença consta das alíneas a) a e) do nº 1 do art. 668º do C.P.C..
A al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC comina a sentença de nulaquando [ela] não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
As decisões judiciais (sejam elas sentenças ou simples despachos) carecem de ser fundamentadas: assim o impõem, desde logo, o art. 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e, ao nível da lei adjectiva ordinária, o art. 158º, nº 1, do CPC.
Especificamente no que à sentença diz respeito, o art. 659º, nº 2, do CPC (aplicável à 2ª instância ex vi do art. 716º, nº 1, do mesmo Código), ao ocupar-se daquela parte da sentença que designa por “fundamentos”, impõe ao juiz o dever de “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes”.
Porém, «para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» [6] [7] [8] [9].
Por isso, «a motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso»[10] [11].
«Para que haja falta de fundamentos de facto, como causa de nulidade de sentença, torna-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considere provados, de harmonia com o que se estabelece no nº 3 do art. 659º, e que suportam a decisão»[12] [13].
No caso sub judice, o saneador/sentença recorrido, ao menos no segmento – posto em crise na presente Apelação – em que conheceu do mérito dos pedidos formulados pela Autora/Apelante, dispensou-se, efectivamente, de enumerar os factos tidos por provados, conquanto a mesma decisão não tenha deixado, na sua parte final, de seleccionar a matéria factual considerada assente e a controvertida, relativa ao pedido reconvencional (cfr. fls. 99 a 107).
Isto porque, na economia do Saneador/Sentença recorrido, teve-se por dispensável a enumeração dos factos susceptíveis de ser considerados já adquiridos nesta fase processual, em vista da manifesta improcedência da acção, mesmo à luz do quadro fáctico desenhado na petição inicial e na réplica, ainda que se soubesse que parte dos factos alegados pela demandante foram impugnados pela Ré (cfr. fls. 191).
Dito doutro modo: no entender do tribunal “a quo”, ainda mesmo que viessem a provar-se em julgamento todos os factos articulados pela Autora na PI e na Réplica (incluindo aqueles que, por terem sido impugnados pela Ré na sua contestação, se mostravam ainda controvertidos nesta fase processual), os pedidos formulados pela Autora não deixariam de improceder.
A esta luz, tem de considerar-se que, no caso concreto ora em apreciação, não se fazia absolutamente mister que o saneador/sentença recorrido enumerasse todos e cada um dos factos passíveis de ser considerados já então provados (seja por acordo das partes, seja por documentos dotados de força probatória plena), já que o facto de se mostrarem ainda controvertidos alguns dos factos invocados pela Autora nos seus articulados não constituía (na óptica do tribunal “a quo”) impedimento à apreciação imediata do mérito da acção, no tocante às pretensões formuladas pela Autora/Apelante. Neste quadro fáctico-jurídico, não pode, por isso, afirmar-se existir falta de fundamentação da matéria de facto.
Improcede, portanto, a arguição da pretensa nulidade do saneador/sentença recorrido, por putativa falta de fundamentação (nos termos do al.b) do nº 2 do art. 668º do CPC).
2) Se, desde que ficou expressamente clausulado no contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes (cfr. o nº 2 da cláusula 7ª) que a promitente-compradora (ora Recorrente) podia exigir à promitente-vendedora (ora Recorrida) as quantias entregues a título de sinal, em dobro, caso a escritura não fosse outorgada dentro do prazo contratual por facto não imputável à promitente compradora, o mero decurso do prazo de 180 dias para a outorga do contrato definitivo conferia à Autora/Recorrente o direito potestativo de exigir à Ré/Recorrida as quantias entregues, em dobro, sem necessidade de declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda.
O saneador/sentença recorrido julgou improcedente o pedido de condenação da Ré/Apelada a restituir à A. a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no montante de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), acrescida de juros à taxa legal, contabilizados desde a citação da R., até efectivo e integral pagamento, com base na seguinte linha argumentativa:
«Nos autos a A., A, pede a declaração de resolução do contrato-promessa de compra e venda por si celebrado com a R., B respeitante à aquisição da fracção autónoma que identifica no artº.2ºPI e bem assim a condenação da demandada na restituição da quantia de € 120 000, correspondente ao dobro do sinal por si entregue, quantia esta acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.
Para tanto alega que, por escrito de 7.11.2005, pelo preço de € 160 000, prometeu comprar e a R. prometeu vender-lhe a fracção autónoma correspondente ao 4º Dtº. e aos estacionamentos 21 e 22 do piso -1 do prédio sito nas ……,em ..., então em construção.
Mais referiu que, na mencionada data, a título de sinal, entregou à demandada a quantia de € 60 000, da qual recebeu quitação, tendo as partes estabelecido que o remanescente do preço seria pago no acto da escritura de compra e venda, a celebrar no prazo de 180 dias contados sobre a data de assinatura do contrato-promessa.
Por outro lado, sustentou que o prazo de outorga da escritura pública não foi cumprido, da mesma forma que a fracção não lhe foi entregue até à data prevista para sua efectivação, não obstante as promessas da demandada nesse sentido.
Numa outra linha invocou que, em 12.4.2006, remeteu à demandada uma carta interpelando-a ao cumprimento do prazo estipulado para a outorga da escritura de compra e venda prometida, disponibilizando-se para proceder à respectiva marcação, para o que solicitou o envio da documentação necessária.
Esclareceu que a dita missiva lhe foi devolvida, por não reclamada pelo destinatário, e que não recebeu a documentação necessária à marcação do acto público,cuja celebração também não foi agendada pela R..
Ademais alegou que, em 9.5.2006, dirigiu à R. nova carta, que endereçou para uma morada constante nos registos da PT e em capas daquela empresa, informando-a que dispunha de 8 dias para entregar à A. a documentação necessária à marcação da escritura ou proceder ao seu agendamento, carta essa que também foi devolvida.
Nessa missiva dava conta que não sendo praticados quaisquer dos actos por si indicados perderia interesse na celebração do contrato definitivo.
Por fim sustentou ainda a demandante que, em função das vicissitudes anotadas e por ter de ter marcado e pago a vistoria do gás da fracção, por a R. não lhe ter entregue a totalidade das chaves da mesma e por saber que a R. usava fracções habitadas como modelo para venda, perdeu o interesse no negócio.
Para o que também concorreu o facto de, em 7.6.2006, ter outorgado com outra sociedade um contrato promessa de aquisição de uma outra fracção habitacional, cuja compra veio a ser consumada por escritura de 5.9.2006.
Ora, neste quadro fáctico crê-se evidente a manifesta improcedência da acção, tanto mais que, de forma incontroversa entre as partes, se sabe que, em 21.7.2006, a R. convocou a A. para, em 18.8.2006, outorgar na escritura prometida, sem que ela tenha comparecido, justificado a ausência ou procedido à entrega da documentação necessária para o efeito.
Improcedência manifesta que se desenha, mesmo sabendo que parte dos factos alegados pela demandante foram impugnados pela R.
Explicitando:
De acordo com o artº.432º, nº.1 CC a resolução do contrato é admitida quando fundada em convenção das partes ou na lei.
No caso dos autos inexiste convenção das partes em matéria de resolução do contrato entre ambas celebrado, cabendo por isso recorrer à lei na indagação de um fundamento resolutivo que pudesse acolher a pretensão da A.
E esse fundamento, se bem se vê, não poderia ser outro que não o instituído no artº.801º, nº.2 CC, sendo certo que vem sendo dominantemente entendido pela doutrina e pela jurisprudência, a que se adere, que a obrigação de restituição em dobro do sinal prestado instituída pelo artº.442º, nº.2 CC só tem lugar quando ocorra uma situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa e não de simples mora.
Neste sentido veja-se p. ex., entre muitos outros, os Acs. STJ de 26.10.2006, 7.2.2008 e 10.7.2008 disponíveis em www.dgsi.pt sobre o descritivo “contrato-promessa” “prazo” e Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág.353.
Isto porque não se antevê qualquer razão que justifique que o contrato-promessa seja, em matéria de incumprimento, excepcionado ao regime geral dos contratos.
Pelo contrário, a norma do artº.410º, nº.1 CC, inculca a orientação de que o contrato-promessa está por regra sujeito à disciplina relativa ao contrato prometido.
O que no caso da compra e venda é dizer: sujeito ao regime geral de incumprimento estabelecido no Código Civil.
Ora, sucede que, a factualidade invocada pela demandante não revela por parte da R. uma situação de incumprimento culposo definitivo da prestação a que estava adstrita, que viabilize o exercício do direito de resolução do contrato-promessa que funda a acção.
Se não vejamos:
Sendo evidente que até 8.3.2007, data da comunicação resolutiva do negócio remetida pela R. à A., a prestação daquela, consistente na transmissão a favor da demandante da propriedade da fracção autónoma objecto do contrato prometido, era objectivamente possível e que, pelo menos até então, a demandada não manifestou indisponibilidade para a satisfazer, crê-se que, com interesse para o caso, importa sobretudo analisar o regime legal da resolução do negócio com fundamento na mora do devedor.
Em primeiro lugar, parece de deixar expresso que, na situação vertente, se crê que não há razão para admitir a possibilidade de estarmos em presença de uma caso de incumprimento definitivo do contrato resultante de perda do interesse do credor subsequente à mora do devedor.
De facto, sendo pacífico que a escritura de compra e venda prometida entre as partes não foi outorgada dentro dos 180 dias subsequentes à celebração do contrato promessa, conforme no mesmo convencionado, não é menos verdade que, ante os termos do acordo promissório, não é possível afirmar que tal prazo de outorga do contrato prometido fosse essencial absoluto para qualquer dos outorgantes.
Acresce que a essencialidade do referido prazo de outorga do contrato prometido também não decorre da lei ou da natureza do negócio, nem de quaisquer circunstâncias carreadas ao processo.
Por isso se afirma que o decurso dos aludidos 180 dias não acarreta em si a impossibilidade da prestação de qualquer das partes ou a caducidade do negócio, nem pode ser tido como sinónimo da perda de interesse subjectivo ou objectivo de qualquer delas na realização do negócio prometido.
Pelo contrário, o dito prazo deve haver-se como fixo relativo, determinando o seu decurso a constituição em mora do contraente a que seja imputável o seu desrespeito, circunstância que confere ao contraente cumpridor o direito de exigir o seu cumprimento, exigir a indemnização moratória e/ou accionar a interpelação admonitória.
Veja-se que estando em causa a formalização da compra de uma casa não se vê nos factos trazidos ao processo que ela não pudesse ocorrer num momento posterior ao estipulado, nem que só no decurso do período previsto algum dos outorgantes tivesse interesse na sua efectivação.
Diversamente, o normal é que quem pretende adquirir uma casa mantenha esse interesse enquanto não satisfaz a sua necessidade habitacional e que quem faz da venda de imóveis actividade procure alienar todos os que tem em carteira.
Debrucemo-nos por isso sob o regime da resolução do contrato emergente da mora.
A este propósito estabelece o artº.808º, nº.1 CC que “se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.
Acrescenta o nº.2 da norma que “a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente”.
Das normas transcritas resulta que basilar à aplicabilidade do instituto previsto é a mora do devedor, sem a qual o credor não pode accionar o mecanismo instituído.
Por isso, no caso, chamam-se à colação as normas dos artºs.779º e 799º, nº.1 CC, da conjugação das quais se retira, no quadro dos factos alegados pelas partes, que o prazo de 180 dias fixado no contrato promessa para outorga do contrato prometido se deve considerar estabelecido em benefício da R. e que o seu decurso sem que o mesmo tenha sido formalizado se presume a si imputável a título de culpa.
Asserções que no caso dos autos são confirmadas pelo texto do contrato-promessa celebrado, onde se refere que a promessa de transmissão incidiu sobre um andar de um prédio em construção pela demandada, a constituir em propriedade horizontal.
E pelas alegações das partes que apontam no sentido de que o prazo estabelecido no contrato-promessa não foi respeitado em virtude de a R. não ter reunido condições de efectuar a prestação por si prometida no seu decurso.
De facto, se por um lado a A. invoca que procurou obter junto da R. os elementos documentais necessários à marcação da escritura antes do termo do prazo, por outro sabe-se, por confissão, que a demandada só após a ocorrência deste solicitou a emissão da licença de utilização do prédio e obteve o seu deferimento tácito para efeitos de escrituração.
Acresce que os usos apontam no sentido de que a si cabia marcar a escritura.
Ou seja, os factos trazidos ao processo mostram que a R. se constituiu em mora no cumprimento da sua obrigação.
Todavia, crê-se que apesar desse facto não existem circunstâncias alegadas que permitam concluir que a mora da A. se converteu em incumprimento definitivo, por perda do interesse do credor.
Em primeira linha impõe-se evidenciar que o termo do prazo de 180 dias previsto pelas partes ocorreu em 7.5.2006 e que, segundo posição convergente de ambas, a R., em 21.7.2006, marcou a escritura para 18.8.2006.
Ou seja, para pouco mais de 3 meses volvidos sobre o termo contratualmente instituído.
Ora, à luz de critérios de normalidade, atendendo à natureza do negócio gizado entre A. e R., tal período de mora não pode considerar-se demasiado longo, excessivo ou demasiado gravoso para a demandante e nessa medida evidenciador da desrazoablidade de, volvido o mesmo, se considerar ela ainda adstrita à realização da prestação prometida.
Pelo contrário, tratando-se de negócio de compra e venda de um imóvel destinado à habitação permanente, em relação à aquisição do qual não se invocam necessidades habitacionais ou de investimento pontuais, prementes ou peculiares por parte da A., que possam ter desaparecido em razão do simples curso do tempo ou da perda da oportunidade do negócio, é de assumir que o interesse na compra do imóvel se mantém inalterado 3 meses depois do momento limite idealizado para a sua aquisição formal.
Ou seja, é de considerar que a marcação da escritura feita pela R. pôs validamente termo à mora em que se constituiu e que não estamos em presença de uma demora na concretização do contrato prometido que objectivamente possa considerar-se relevante para efeitos de desvinculação da parte fiel ao seu cumprimento, em razão de a mora da contraparte poder ser havida como incumprimento definitivo da sua parte.
Neste sentido veja-se com interesse o Ac. STJ 24.10.2006 disponível in www.dgsi.pt sobre o descritivo “contrato-promessa” “prazo”.
Ao que acresce que, a par de não poder considerar-se que o simples curso do prazo justifica no caso a perda do interesse da A. na outorga da escritura de compra e venda, se vê dos factos por si alegados que também não logrou levar a cabo a interpelação admonitória da R.
Na verdade, segundo vem sendo comummente aceite na jurisprudência, de que exemplificativamente se indica o Ac. STJ 1.4.2004, a interpelação admonitória a que se refere o artº.808º, nº.1 CC tem de respeitar as seguintes características:
a) conter uma intimação clara para o cumprimento;
b) conter a fixação de um termo razoável peremptório para o cumprimento;
c) indicar que a obrigação da contraparte se terá por definitivamente incumprida se não for respeitado o prazo fixado;
Ora, segundo a A., com vista à celebração da escritura de compra e venda, a mesma remeteu à R. duas cartas, sendo uma anterior ao decurso do prazo estabelecido entre as partes para a outorga do contrato definitivo e outra posterior.
Isto é, uma anterior à constituição da R. em mora e outra posterior a essa constituição.
Assim, a primeira das missivas enviadas à demandada em nada releva para o caso, dado ser a constituição do devedor em mora o primeiro pressuposto do recurso à interpelação admonitória.
Diferentemente no que respeita à segunda das cartas enviadas, datada de 8.5.2006, o dia subsequente à constituição da R. em mora, cuja cópia se encontra a fls.32 e da qual, com interesse, se transcreve que: “(…) Assim sendo, solicita-se o envio da documentação necessária para a marcação e realização da escritura pública de compra e venda no prazo máximo de 8 (oito) dias. Caso a documentação não seja enviada e a escritura pública marcada no prazo mencionado, a minha constituinte deixará de ter interesse na consumação do negócio.
Ante tal interpelação, parece não poderem suscitar-se dúvidas quanto ao facto de a A. cabalmente ter satisfeito dois dos requisitos da interpelação admonitória que lhe cabia fazer com vista à conversão da mora da demandada em incumprimento definitivo, a saber: a interpelação para o cumprimento e a comunicação da perda do interesse no negócio prometido, caso aquele não ocorresse dentro de certo limite temporal.
O que certamente não pode em circunstância alguma considerar-se é que a A. estabeleceu para esse cumprimento um prazo peremptório razoável.
De facto, estabelecer, na data de constituição em mora, em 8 dias o prazo para a R. reunir a documentação necessária à celebração do contrato definitivo, que a A. sabe que a demandada não tem, e agendar a escritura de compra e venda do imóvel é, aos olhos de qualquer cidadão e de um homem médio, um lapso de tempo demasiadamente curto para permitir o cumprimento da obrigação pela demandada.
A tudo acresce que se sabe que a R. não recebeu a missiva que lhe era destinada, circunstância que inibe que da mesma possam retirar-se quaisquer efeitos, já que estamos em presença de uma declaração receptícia, cuja eficácia está portanto dependente da sua recepção ou conhecimento pelo destinatário – cf. artº.224º, nº.1 CC.
Diga-se ademais que o facto de a carta em referência ter sido remetida para uma morada da R. localizada através da PT e constante de elementos promocionais da mesma impede que possa fazer-se actuar a norma do artº.224º, nº.2 CC.
Na verdade, para além de se desconhecer, e não estar alegado, que esse local corresponde à sede ou escritórios da demandada ou ao local onde recebe correspondência ou notificações, verifica-se que o mesmo não coincide com lugar de domicílio social da R. referido no contrato.
Dito de outro modo, não é viável afirmar que a não recepção da declaração enviada pela A. procede de culpa da R., designadamente por falta de recolha da correspondência.
Em suma, para além de a A. não ter dirigido à demandada uma interpelação admonitória válida aos olhos da lei, também não lhe dirigiu uma comunicação a que possa atribuir-se qualquer eficácia.
Analisando friamente, o que o comportamento precipitado da A. denuncia é uma perda infundada do interesse na prestação da R. e a tentativa de a ver tutelada pelo direito.
Perda de interesse essa cuja causa é clarificada pela demandante na réplica oferecida, na qual trouxe ao conhecimento do tribunal que, em 7.6.2006, optou pela aquisição de um outro imóvel que veio a comprar em 5.7.2006.
Ora, sendo certo que a satisfação da necessidade habitacional da demandante através da aquisição de uma casa pode justificar para si o desinteresse na compra do imóvel que havia prometido adquirir à R. com a mesma finalidade, não é menos certo que essa circunstância não legitima a resolução do contrato promessa celebrado entre as partes por perda do interesse do credor.
É que, como sublinha o artº.808º, nº.1 CC, a perda de interesse na prestação que viabiliza a resolução do negócio por parte do credor tem de ser directamente resultado da mora do devedor, não podendo ter na origem qualquer outra circunstância, designadamente a obtenção por outro meio pelo credor do resultado previsto com o contrato.
Por outro lado, com interesse, importa não descurar que a perda de interesse do credor está sujeita a um escrutínio objectivo de razoabilidade em função das circunstâncias do negócio – cf. artº.808º, nº.2 CC –, de modo a que estas tornem aceitável e normal, em termos de experiência comum, para um cidadão médio, que o credor não permaneça vinculado ao cumprimento da prestação que sobre si impende.
No caso dos autos, tanto não sucede.
Na verdade, não é razoável, nem aceitável, que se admita a resolução do contrato outorgado entre as partes por a A. ter, por razões de índole pessoal e subjectiva, modificado a sua intenção aquisitiva e optado por comprar uma casa diferente daquela que se comprometeu a adquirir à R..
Na situação vertente, o que os factos conhecidos mostram é que na génese do desinteresse da A. na concretização do contrato que celebrou com a R. não está a mora intolerável desta, mas sim a sua preferência pela compra de um outro andar.
Como se torna evidente pela circunstância de a demandante ter concretizado a compra da habitação onde se supõe que reside em momento posterior àquele para que a R. a convocou para outorgar na escritura prometida.
Neste quadro, tendo a R. feito cessar a sua mora, agendando a escritura prometida, a que a A. não compareceu, é evidente que a pretensão por esta trazida a juízo não tem qualquer viabilidade, mesmo a provarem-se todos os factos que invocou.»
Dissentindo deste enquadramento jurídico-factual, sustenta agora, ex adverso, a Autora/Apelante que, com o mero decurso do prazo de 180 dias, previsto no contrato promessa para a celebração do contrato definitivo, sem que este tenha sido celebrado por facto que não lhe é imputável, a promitente-compradora ora Autora ganhou de imediato o direito de receber as quantias entregues, em dobro, sem necessidade de declarar resolvido o contrato-promessa.
Isto porque, afinal, aquele prazo contratual para outorga da escritura pública de compra e venda tinha o carácter de termo essencial, à face do nº 2 da cláusula 7ª da contrato-promessa, nos termos da qual: 
7.2- No caso de a compra e venda prometida não poder realizar-se dentro do prazo convencionado no presente contrato, por motivo não imputado ao promitente comprador (Segunda Contraente), são-lhe devidas todas as quantias que tiver entregue ao promitente vendedor (Primeiro Contraente), a título de sinal e princípio de pagamento, sem prejuízo do disposto no artº 442º do Código Civil”.
Quid juris ?
Desde logo, há que registar que, ao invocar, nas alegações respeitantes ao presente recurso de Apelação, a cláusula contratual em questão, para o efeito de sustentar a tese segundo a qual o prazo contratual para outorga da escritura pública de compra e venda teria, afinal, o carácter de termo essencial, o que consequenciaria que o mero decurso do prazo de 180 dias para a outorga do contrato definitivo conferia à Autora/Recorrente o direito potestativo de exigir à Ré/Recorrida as quantias entregues, em dobro, sem necessidade de declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda, a Autora/Apelante veio aditar às duas causas de pedir por si oportunamente invocadas nos seus articulados (a saber: a) resolução do contrato-promessa de compra e venda, fundada em incumprimento definitivo do mesmo, decorrente da conversão da mora da promitente-vendedora ora Ré/Apelada em incumprimento definitivo, por virtude da interpelação admonitória que a promitente-compradora ora Autora/Apelante lhe fez, na carta que lhe endereçou em 9/5/2006, - informando-a que dispunha de 8 dias para entregar à Autora a documentação necessária à marcação da escritura ou proceder ao seu agendamento, sob pena de, não sendo praticados quaisquer dos actos por si indicados, ela [Autora] perder interesse na celebração do contrato definitivo; b) ter perdido o interesse no negócio, devido à circunstância de, em 7.6.2006, ter outorgado com outra sociedade um contrato promessa de aquisição de uma outra fracção habitacional, cuja compra veio a ser consumada por escritura de 5.9.2006) uma nova causa de pedir, consubstanciada na cessação automática da vigência do contrato-promessa celebrado entre as partes, pelo decurso do prazo essencial nele fixado para a outorga do contrato definitivo.
Ora – como se sabe -, os recursos visam tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Desde que a Autora/Apelante jamais invocou perante o tribunal “a quo” o teor da aludida cláusula contratual, ao abrigo da qual veio agora pugnar pela natureza de termo essencial do prazo contratualmente fixado para a celebração do contrato definitivo, tanto bastaria para obstar à apreciação, nesta sede, desta questão ora suscitada ex novo no recurso.
Acresce que, de qualquer modo, esta Relação não partilha a interpretação que a ora Apelante faz da aludida Cláusula contratual, segundo a qual o mero decurso do prazo de 180 dias para a outorga do contrato definitivo conferia à Autora/Recorrente o direito potestativo de exigir à Ré/Recorrida as quantias entregues, em dobro, sem necessidade de declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda.
Vejamos porquê.
«Questão fulcral do cumprimento das obrigações emergentes de um contrato-promessa é, como relativamente a qualquer outra obrigação, a da determinação do momento do seu vencimento»[14].
«A primeira observação que a este propósito há que enunciar é a de que (…) as obrigações emergentes do contrato-promessa carecem, pela sua própria natureza – quando não também em razão das circunstâncias -, de um prazo de cumprimento, pelo que, se ele não tiver sido estabelecido por acordo das partes, não é lícito a nenhuma delas interpelar o respectivo devedor para o cumprimento imediato após a celebração do contrato-promessa, cabendo nesse caso ao interpelado o direito a obter a fixação judicial do prazo, caso não haja acordo dos contraentes»[15] [16] [17].
«É frequente que as partes convencionem que o cumprimento de um contrato-promessa deverá verificar-se até certo momento, hipótese em que, referido o prazo ao cumprimento das obrigações, não é de duvidar de que se trate de um prazo destas, desencadeador do respectivo vencimento; em dúvida pode ficar, isso sim, se o prazo convencionalmente estabelecido é ou não essencial, isto é, se o seu esgotamento sem que tenha havido cumprimento basta ou não para constituir o devedor numa situação de definitivo não cumprimento»[18].
A solução desta questão depende essencialmente da interpretação da vontade negocial[19].
Segundo ANA PRATA[20], «a jurisprudência italiana tem entendido que, para que se possa falar de prazo essencial, é necessária uma clara vontade negocial nesse sentido, não bastando, para o efeito, o uso de expressões como “até e não depois” ou “improrrogavelmente”, antes admitindo a compatibilidade da essencialidade do prazo com a concessão de sucessivas prorrogações».
Entre nós, BRANDÃO PROENÇA[21] preconiza que «o significado do prazo certo fixado para serem emitidas as declarações de vontade (…) terá que ser “deduzido” do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes (existência ou não de prorrogações) ou de outras circunstâncias coadjuvantes».
Ainda assim - segundo este Autor[22] -, «parece poder ser transposto para esta sede, e por maioria de razão, o princípio de que, em regra, o prazo essencial não é “absolutamente fixo” (não há por parte dos promitentes um interesse temporalmente delimitado), mas apenas “relativamente fixo”». Dito isto, «pode, no entanto, concluir-se pela essencialidade absoluta (em regra, subjectiva ou pactícia) ou, até, por uma “finalidade essencial”, sempre que aos promitentes só interesse celebrar o contrato dentro do prazo fixado (normalmente o maior interessado será o promitente-comprador ou o promitente-arrendatário), por razões jurídicas (necessidade de serem observados outros prazos), materiais (carência absoluta do bem em causa ou do preço em dívida) ou quando certas circunstâncias coenvolventes o imponham (p. ex., caducidade do empréstimo bancário deferido, se a escritura de compra e venda não for realizada dentro de certa data)»[23].
«A maior ou menor “força” das expressões empregues pelas partes constituirá – segundo BRANDÃO PROENÇA[24] – um elemento hermenêutico a ter em conta (p. ex., cláusulas do tipo “…até final de certa data, sob pena de ser rescindido, sem direito à devolução do sinal” ou “…dentro de certo prazo prorrogável por mais algum tempo improrrogável”)[25] [26].
Na jurisprudência nacional, também prevalece o entendimento segundo o qual, «no contrato-promessa, quando se fixa um prazo final para o cumprimento de uma promessa sinalagmática, há que ver, em cada hipótese, se se quer estabelecer um prazo findo o qual o contrato caduca automaticamente, ou findo o qual assistirá a qualquer das partes ou a uma delas o direito de o revogar [rectius, de o resolver], se entretanto ele não tiver sido cumprido»[27] [28] [29].
De todo o modo, «nada tendo sido alegado, nesse sentido [isto é, no sentido de que, decorrido o prazo previsto no contrato-promessa para a celebração da escritura definitiva de compra e venda, o contrato deixaria de interessar aos intervenientes], pelas partes, deve considerar-se que, decorrido o prazo consignado, o contrato não caducou»[30].
Por outro lado, o comportamento das partes posterior à ultrapassagem  do prazo inicialmente fixado no contrato-promessa para a celebração do contrato definitivo é susceptível, por si só, de revelar o carácter não essencial daquele prazo. É que, «decorrido o prazo, estipulado no contrato-promessa, para a celebração da escritura do contrato definitivo de compra e venda, sem que esta se tenha efectivado, o contrato não se resolve automaticamente; a resolução depende de acto concreto das partes, e estas podem prorrogar o prazo por acordo»[31] [32] [33]. Na verdade, «os promitentes podem prorrogar tacitamente o termo final para a celebração do contrato prometido, mantendo entretanto o contrato-promessa total eficácia e irrelevando a eventual mora anterior de algum dos contraentes»[34]. Assim, por exemplo, «se, num contrato-promessa de compra e venda de imóvel, posteriormente ao termo do prazo para celebração do contrato prometido, ambos os promitentes marcam data e local para lavrarem a escritura, embora fossem diferentes os cartórios notariais, há acordo tácito na sua prorrogação»[35].
No caso dos autos, o clausulado do contrato-promessa de compra e venda firmado entre a Autora ora Apelante (como promitente-compradora) e a Ré ora Apelada (como promitente-vendedora) aponta decisivamente no sentido do carácter não essencial ou relativo do prazo nele fixado para a celebração do contrato definitivo.
De facto, tudo quanto nele ficou estipulado, a tal respeito, foi que a escritura notarial de compra e venda seria realizada no prazo de 180 dias a contar da data de assinatura do acordo.
Ora, segundo um entendimento consensual na jurisprudência, «clausulado num contrato promessa de compra e venda de imóvel que a escritura teria de ser realizada dentro de 120 dias a contar da data da celebração do contrato, não pode considerar-se a data da realização da escritura como termo essencial do contrato» (Acórdão da Relação do Porto de 23/11/1999, proferido no Proc. nº 9921137 e relatado por CÃNDIDO DE LEMOS, cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
«Do contrato promessa de compra e venda em que se estipulou o "prazo máximo" de trinta dias a contar da data da assinatura daquele para a outorga da escritura da compra e venda prometida, não se pode concluir, sem mais, tratar-se de um prazo absoluto fixo ou essencial fixo» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/1/2007, proferido no Proc. nº 06A4514 e relatado por JOÃO CAMILO, cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
«A previsão feita no contrato-promessa de outorga da escritura, até Junho de 2004, não se confunde com impreteribilidade, sendo manifesto que com tal previsão não quiseram as partes fixar um data-limite e impreterível, um prazo final e essencial para a conclusão da construção e outorga da escritura» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/6/2011, proferido no Proc. nº 7005/06.6TBMAI.P1.S1 e relatado por FERNANDO BENTO, cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Efectivamente, o teor da cláusula não aponta, só por si, para a natureza essencial do prazo, enquanto reportada ao interesse contratual das partes, não sendo bastante para se concluir “que, pelo simples decurso desse prazo, ocorre a perda de interesse caracterizadora das situações de fixação de prazo-limite absoluto, tanto mais quanto surge desacompanhada de qualquer outra indicação nesse sentido, designadamente de expressões como improrrogável, impreterivelmente, sob pena de o contrato deixar de subsistir, sob pena de imediata resolução ...” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/7/2001, publicado in Col. Jur. (Acs. do STJ), ano IX, tomo III, pág. 33).
Acresce que «a previsão expressa da possibilidade de execução específica exclui que se possa entender que os efeitos do contrato promessa cessam pelo simples decurso do prazo nele estipulado para a celebração do contrato definitivo» - Ac. do STJ de 25/3/2010 (Proc. nº 408.06.8TBACN.C1.S1; Relatora – MARIA DOS PRAZERES BELEZA), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Ora, no caso dos autos, o nº 1 da invocada Cláusula 7ª do Contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes estipulava, expressamente, que: «Em caso de incumprimento de qualquer das obrigações assumidas neste contrato, o Contraente não faltoso poderá exigir a execução específica deste contrato, nos termos expostos no artº 830º do Código Civil».
A existência duma cláusula deste teor é, por si só, logicamente incompatível com a cessação automática da vigência do contrato-promessa pelo mero decurso do prazo nele previsto para a outorga do contrato definitivo.
Consequentemente, não merece censura o juízo do tribunal “a quo”, no sentido de que nenhum prazo fatal, nenhum termo essencial absoluto foi estabelecido no contrato-promessa em apreço.
É certo que o termo essencial subjectivo não carece de ser expresso, podendo também ser tácito.
«É expresso, quando a essencialidade é expressamente clausulada; é tácito, quando a essencialidade “deriva de especiais circunstâncias do contrato, conhecidas de ambas as partes, especialmente do escopo a que o credor destina a prestação, do facto de ele se propor utilizá-la em determinado momento futuro, etc...”» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/5/2009, proferido no Processo nº 09B0641 e relatado por SANTOS BERNARDINO, cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt).
«Por outro lado, a essencialidade do termo subjectivo pode ser absoluta ou relativa. No primeiro caso, o termo fixado constitui o prazo-limite, improrrogável, para o adimplemento, e a sua não observância implica o incumprimento definitivo da obrigação, fundamento imediato da resolução – é, v.g., o caso de, no contrato, se clausular que o promitente comprador pode desde logo declarar-se desvinculado se o promitente vendedor não outorgar a escritura de venda até ao fim do ano; no segundo, o desrespeito do termo constitui apenas fundamento do direito de resolução para o credor, que, neste caso, poderá recusar a prestação ou optar por exigir o cumprimento retardado» (cit. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/5/2009).
«A hipótese-regra, a valer em caso de dúvida, é esta segunda» (ibidem). Na dúvida, “se de um concurso inequívoco de circunstâncias se não conclui com segurança que o termo é absoluto, ele deve ser interpretado como relativo” (BAPTISTA MACHADO, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Obra Dispersa, vol. I, Braga – 1991, págs.184 e ss).
De todo o modo, no caso dos autos, não foi sequer invocada pela Autora ora Apelante nenhuma circunstância exterior ao texto do contrato mas inerente ao negócio nele corporizado da qual decorresse a essencialidade do prazo contratualmente estipulado para a outorga do contrato definitivo.
Como certeiramente observou a este respeito o saneador/sentença recorrido, “estando em causa a formalização da compra de uma casa não se vê nos factos trazidos ao processo que ela não pudesse ocorrer num momento posterior ao estipulado, nem que só no decurso do período previsto algum dos outorgantes tivesse interesse na sua efectivação”.
“Diversamente, o normal é que quem pretende adquirir uma casa mantenha esse interesse enquanto não satisfaz a sua necessidade habitacional e que quem faz da venda de imóveis actividade procure alienar todos os que tem em carteira” (ibidem).
Acresce, finalmente, que – como vimos supra -, o comportamento das partes posterior à ultrapassagem  do prazo inicialmente fixado no contrato-promessa para a celebração do contrato definitivo é susceptível, por si só, de revelar o carácter não essencial daquele prazo.
Ora, no caso dos autos, está demonstrado que a própria Autora, já depois de ultrapassado o prazo contratualmente fixado para a outorga da escritura pública de compra e venda – o qual expirou em 7/5/2006 -, dirigiu à Ré (em 9/5/2006) uma carta  informando-a que dispunha de 8 dias para entregar à Autora a documentação necessária à marcação da escritura ou proceder ao seu agendamento, sob pena de, não sendo praticados quaisquer dos actos por si indicados, ela (Autora) perder interesse na celebração do contrato definitivo.
Esta carta não chegou, é certo, a ser recebida pela sua destinatária, dado ter sido devolvida à Autora, mas o simples facto de a Autora a ter escrito e haver remetido à Ré revela, por si só, o carácter não essencial do prazo fixado no contrato-promessa para a celebração do contrato definitivo.
Assim sendo, indemonstrada a essencialidade do prazo de cumprimento de contrato-promessa, deve ter-se por excluído o direito de resolução do contrato, fundado no simples esgotamento do prazo acordado.
Consequentemente, a Apelação da Autora improcede, necessariamente, quanto a esta 2ª questão.
3) Se o prazo admonitório de 8 dias para outorgar a escritura de compra e venda comunicado pela Autora à Ré no dia 19/05/2006 é suficiente e normal, dado que este prazo admonitório era para a outorga da escritura e não para a Ré conseguir a licença de utilização (a licença de utilização devia ter sido conseguida pela Ré durante os 180 dias previstos no contrato promessa);
Segundo a melhor doutrina, embora a expressão "não cumprimento", utilizada no art. 442º, nº 2, do Cód. Civil – no segmento em que estatui que, "se o não cumprimento do contrato for devido...[ao contraente que recebeu o sinal], tem aquele [o contraente que constituiu o sinal] a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago " -, seja susceptível de ser duplamente interpretada, ora num sentido restrito (segundo o qual o corpo deste preceito tem apenas em vista o incumprimento definitivo da promessa ou a impossibilidade de cumprimento), ora num sentido mais amplo (segundo o qual a norma do cit. art. 442º-2 poderia funcionar independentemente de o contrato ser resolvido e poderia haver desvinculação contratual sem um incumprimento definitivo), «a existência de sinal e a estrutura da promessa bilateral parece tornar, aqui, sem sentido, uma escolha puramente indemnizatória e mesmo que se adira à interpretação mais moderna do art. 801º, 2 [do Código Civil], o pedido indemnizatório assenta necessariamente num incumprimento definitivo com exoneração recíproca da obrigação de conclusão do contrato»[36].
Na jurisprudência, também prevalece largamente o entendimento segundo o qual o regime legal do sinal é inaplicável em caso de simples mora, só tendo lugar as sanções da perda do sinal ou da sua restituição em dobro, bem como a da exigência do valor actualizado da coisa deduzido do preço convencionado (cit. art. 442º, nº 2) no caso de incumprimento definitivo da promessa [37] [38] [39] [40] [41] [42] [43] [44] [45] [46] [47] [48] [49] [50] [51] [52] [53] [54] [55] [56] [57] [58] .
Tudo está, portanto, em saber se, no caso dos autos, ocorreu (ou não) o incumprimento definitivo do contrato-promessa, por parte da promitente-vendedora ora Ré/Apelada.
«O incumprimento definitivo só ocorre perante situações que, inequivocamente, o indiciem (declaração antecipada de não cumprir, termo essencial, cláusula resolutiva expressa e perda de interesse na prestação)» - Ac. do STJ de 18/4/2006 (Proc. nº 06A844; Relator – SEBASTIÃO PÓVOAS), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt..
O termo essencial pressupõe que, aquando da celebração do contrato, seja clausulado, expressamente, um prazo fatal, em termos explícitos, claros e inequívocos.
«Se o prazo fixado num contrato-promessa para a celebração da escritura de compra e venda não for essencial, necessário ou absoluto, uma vez ultrapassado não se segue daí, de forma automática, a atribuição do direito de resolução do contrato-promessa ao contraente não faltoso» - Ac. do STJ de 14/11/2006 (Proc. nº 06A3344; Relator – SILVA SALAZAR), cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
«Quando não tiver sido indicado no contrato-promessa dia, hora e local para a celebração do contrato definitivo, e, assim, for incerto ou infixo o prazo para tanto acordado, a celebração do contrato definitivo fica dependente de interpelação para esse efeito, com indicação de dia, hora e local para a efectivação desse contrato» - Acórdão do STJ de 20/1/2005 (Proc. nº 04B4389; Relator – OLIVEIRA BARROS), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt..
«Não estabelecido a qual das partes cabia marcar a realização da escritura, nenhuma delas pode considerar-se em mora antes de interpelada pela outra para outorgá-la com indicação da data, hora e local designados para tanto» - ibidem.
Na cláusula resolutiva expressa, as partes convencionam «o direito de resolver o contrato quando certa e determinada obrigação não seja cumprida conforme o estipulado contratualmente, incluindo o prazo» (CALVÃO DA SILVA in "Cumprimento e sanção pecuniária compulsiva", 1982, p. 299).
Segundo o art. 808º-1 do Cód. Civil, a mora converte-se em incumprimento definitivo, quer mediante a perda (subsequente à mora) do interesse do credor, quer em resultado da inobservância do prazo suplementar ou peremptório que o credor fixe razoavelmente ao devedor relapso (prazo admonitório).
«Está-se perante um definitivo não-cumprimento se, não cumprida a obrigação no momento do seu vencimento, por ser essencial o prazo da obrigação ou por qualquer outra razão, o credor perde objectivamente o interesse na conclusão do contrato prometido»[59].
Esta perda do interesse do promissário no cumprimento da obrigação (isto é, na celebração do contrato definitivo) deve – segundo determina o nº 2 do cit. art. 808º - ser apreciada objectivamente, «isto é, não pode consubstanciar-se numa mera alegação infundamentada de desinteresse ou ser contraditória com comportamentos seus reveladores de subsistência de interesse no cumprimento»[60].
«A perda do interesse na prestação, sendo também consequência da mora, independe de interpelação cominatória, gerando-se – verificada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de valoração “a se” e perceptíveis por qualquer pessoa – o incumprimento definitivo» - Acórdão do STJ de 13/12/2007 (Proc. nº 07A2378; Relator – SEBASTIÃO PÓVOAS), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Para transformar a mora em incumprimento pode ser necessária a fixação de um prazo suplementar cominatório, sendo que essa interpelação admonitória é, na expressão de ANTUNES VARELA (in R.L.J, ano 128º, p. 138) «uma ponte obrigatória de passagem para o não cumprimento (definitivo) da obrigação».
E esse prazo suplementar «tem de ser uma dilação razoável» (ANTUNES VARELA in " Das Obrigações em geral", vol. II, p. 119).
«A interpelação/notificação admonitória só produz o efeito previsto no artigo 808º nº1 do CC (conversão da mora em incumprimento definitivo) se se traduzir numa intimação para o cumprimento, dentro de um prazo razoável em vista dessa finalidade, e em termos de directamente deixar transparecer a intenção do credor de ter a obrigação como definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo» - Ac. do STJ de 6/2/2007 (Proc. nº 06A4749; Relator – SEBASTIÃO PÓVOAS), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
«O prazo cominatório destina-se (e é fixado para) à celebração do contrato prometido, que não para o cumprimento de quaisquer outras obrigações acessórias ou complementares que integrem o “iter” negocial» (cit. Ac. do STJ de 6/2/2007).
Só se decorrido o novo prazo para o devedor não cumprir, é que o credor pode resolver o contrato.
Finalmente, verificando-se uma inequívoca e peremptória recusa de cumprimento, há equivalência à interpelação antecipada, sendo dispensada a interpelação admonitória – Ac. do STJ de 5/12/2006 (Proc. nº 06A3914; Relator – SEBASTIÃO PÓVOAS), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
«A recusa de cumprimento - "repudiation of a contract", "anticipatory breach of contract" ou "riffuto di adimpieri" - tem de se traduzir numa declaração absoluta, inequívoca e clara que anuncie o propósito de não cumprir» (ibidem).
«Impõe-se que o renitente emita uma declaração séria, categórica e que não deixe que subsistam quaisquer dúvidas sobre a sua vontade (e propósito) de não outorgar o contrato prometido» (ibidem)[61] [62].
De igual modo, «a declaração resolutória, arbitrária ou caprichosa, sem justificação ou fundamento, consubstancia declaração ou comportamento inequívoco de não cumprir» - Acórdão do STJ de 27/5/2010 (Proc. nº 6882/03.7TVLSB.L1.S1; Relator – PEREIRA DA SILVA), cujo sumario  está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt [63] [64].
Porém, «o conceito de recusa de cumprimento não se restringe à declaração expressa de não querer cumprir, antes se compreendendo, em geral, nesse conceito todo e qualquer comportamento que indique de maneira certa e unívoca que o devedor não pode, ou não quer, cumprir, devendo, quando tal se constate, ser, sem mais, considerado inadimplente de forma definitiva» - Acórdão do STJ de 3/3/2005 (Proc. nº 05B002; Relator – OLIVEIRA BARROS), cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Por exemplo, «a alienação consumada a terceiro do bem objecto mediato do contrato-promessa de compra e venda, na vigência deste, por banda do promitente vendedor, manifestando uma absoluta e inequívoca intenção de o contrato repudiar, deve conduzir a ter-se aquele como definitivamente incumprido pelo predito contratante, sem necessidade de prévia interpelação ou de notificação admonitória, as quais, em tais circunstâncias, não constituiriam, senão, actos inúteis, meras perdas de tempo» - Acórdão do STJ de 15/5/2008 (Proc. nº 08B773; Relator – PEREIRA DA SILVA), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Do mesmo modo, «se a promitente compradora se recusou a receber uma carta registada remetida pela promitente vendedora através da qual era feita a sua convocação para comparecer no Cartório Notarial; se, numa segunda ocasião, deixou de comparecer, apesar de ter sido avisada de que era a "última marcação"; se, finalmente, faltou uma terceira vez, depois de ter sido convocada, deve concluir-se pela verificação de comportamento que equivale à recusa de cumprimento» - Acórdão da Rel. de Coimbra de 26/9/2000 (Proc. nº 1561/2000 Relator – ABRANTES GERALDES), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Assim também, «não concluído o prédio no prazo por fim indicado pelos promitentes-compradores, o facto de o promitente-vendedor ter deixado a obra parada e ter desaparecido constitui comportamento que revela recusa de cumprimento, que, por sua vez, importa incumprimento definitivo do contrato» - Acórdão do STJ de 22/6/2006 (Proc. nº 06B1272; Relator – OLIVEIRA BARROS), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
De igual modo, «tem-se por inquestionável que a actuação dos RR., promitentes-vendedores, revela definitiva vontade de não cumprir; desde logo, pelo facto de terem recebido desde há mais de sete anos o preço total do prometido contrato de compra e venda; a incumbência de marcarem a escritura pública o que não fizerem desde 1998; o facto de terem assumido o compromisso de prometerem vender o imóvel livre de ónus e encargos e, entretanto, terem deixado que o prédio fosse alvo de hipoteca judicial a favor de terceiro, acentuando o risco do direito do promitente-comprador» - Acórdão do STJ de 22/6/2010 (Proc. nº 6134/05.8TBSTS.P1.S1; Relator – FONSECA RAMOS), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt..
Ainda no mesmo sentido, entendeu-se que «o reiterado e prolongado comportamento do promitente vendedor no sentido de não proceder à celebração do contrato prometido; a sua recusa em proceder à formalização da acordada revogação do mesmo; bem como a sua posterior atitude de marcação da escritura pública respeitante ao contrato prometido, sem, porém, apresentar qualquer dos documentos necessários à outorga do referido documento notarial, consubstanciam um comportamento manifestamente indiciador da sua recusa na celebração do contrato prometido» - Acórdão do STJ de 13/7/2010 (Proc. nº 395/09.0TBSJM.P1.S1; Relator – SOUSA LEITE), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt..
«A recusa, absoluta e inequívoca, de cumprimento, por parte daquele, outorgante do contrato-promessa, que está a ele obrigado, operada através de declaração clara, séria, categórica e definitiva (ou o comportamento inequívoco evidenciador da vontade de não cumprir, ou da impossibilidade, antes do tempo, de cumprir), configura hipótese de incumprimento definitivo, sem necessidade de prévia interpelação, notificação admonitória ou prova, pelo credor, da insubsistência do seu interesse no cumprimento» - Acórdão do STJ de 21/4/2010 (Proc. nº 9673/04.4TBVNG.P1.S1; Relator – PEREIRA DA SILVA), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Isto posto, vejamos se, no caso dos autos, ocorreu uma efectiva conversão da mora da promitente/vendedora ora Ré/Apelada em incumprimento definitivo, por via duma válida e eficaz interpelação admonitória para cumprir a ela feita pela promitente-compradora ora Autora/Apelante.
Como vimos, a sentença recorrida concluiu que a Autora/Apelante não levou a cabo uma interpelação admonitória válida e eficaz da Ré, porquanto, em síntese:
a) a Autora, com vista à celebração da escritura de compra e venda, remeteu à Ré duas cartas, sendo uma anterior ao decurso do prazo estabelecido entre as partes para a outorga do contrato definitivo e outra posterior, isto é, uma anterior à constituição da Ré em mora e outra posterior a essa constituição;
b) a primeira das missivas enviadas à Ré em nada releva para o caso, dado ser a constituição do devedor em mora o primeiro pressuposto do recurso à interpelação admonitória;
c) quanto à segunda das cartas enviadas, datada de 8.5.2006, o dia subsequente à constituição da R. em mora, não estabelecia um prazo peremptório razoável para o cumprimento, já que “estabelecer, na data de constituição em mora, em 8 dias o prazo para a R. reunir a documentação necessária à celebração do contrato definitivo, que a A. sabe que a demandada não tem, e agendar a escritura de compra e venda do imóvel é, aos olhos de qualquer cidadão e de um homem médio, um lapso de tempo demasiadamente curto para permitir o cumprimento da obrigação pela demandada”;
d) ademais, a Ré não recebeu a missiva que lhe era destinada, circunstância que inibe que da mesma possam retirar-se quaisquer efeitos, já que estamos em presença de uma declaração receptícia, cuja eficácia está portanto dependente da sua recepção ou conhecimento pelo destinatário – cf. artº.224º, nº.1, do CC -, sendo certo que a não recepção da declaração da Autora não é imputável à Ré, já que tal carta foi endereçada para uma morada que não corresponde à sede ou escritórios da demandada ou ao local onde esta recebe correspondência ou notificações, nem tão pouco coincide com o lugar do domicílio social da Ré referido no contrato, não sendo suficiente, para o efeito de fazer funcionar a norma do artº.224º, nº.2, do CC, o facto de a mesma carta ter sido remetida para uma morada da Ré localizada através da PT e constante de elementos promocionais da mesma.
Quid juris ?
É pacífico que a 1ª das duas cartas remetidas à Ré pela Autora nunca seria susceptível de operar a conversão da mora da Ré em incumprimento definitivo, ex vi do cit. art. 808º-1 do CC, já que foi enviada numa data (12/4/2006) em que a Ré ainda não estava sequer constituída em mora (o termo do prazo de 180 dias previsto no contrato para a outorga da escritura pública de compra e venda ocorreu em 7/5/2006).
Relativamente à 2ª carta enviada pela Autora à Ré (a que ela lhe dirigiu em 9/5/2006), irreleva saber se o prazo nela fixado para o envio da documentação necessária para a marcação e realização da escritura pública de compra e venda (oito dias, no máximo), sob pena de a Autora deixar de ter interesse na consumação do negócio, era ou não razoável.
Desde que essa missiva não chegou a ser recebida pela sua destinatária e que tal facto não é imputável à Ré, porque a carta não foi endereçada para a morada indicada no contrato como sendo a sede social da Ré, nem para uma morada alternativa a essa mas efectivamente correspondente à sede social ou aos escritórios da Ré, mas sim para uma morada da Ré alegadamente localizada através da PT e constante de elementos promocionais da mesma, tanto basta para que a declaração nela dirigida pela Autora à Ré seja destituída de qualquer eficácia, sabendo-se – como se sabe – que a interpelação admonitória para o cumprimento prevista no art. 808º-1 do CC constitui uma declaração receptícia (art. 224º-1 do CC).
Simplesmente, o saneador/sentença recorrido descurou indevidamente, não lhe dedicando uma só linha, aqueloutra interpelação admonitória feita verbalmente, pela Autora à Ré, através da sua Mandatária, numa reunião havida no dia 19 de Maio de 2006.
Está, efectivamente, assente por acordo das partes (nos termos do art. 490º-2 do CPC, aplicável à réplica ex vi do art. 505º do mesmo Código) que, no dia 19 de Maio de 2006, a mandatária da A. entregou, em mão, aos legais representantes da Ré uma carta pela qual concedia a esta mais 8 dias para lhe entregarem todos os documentos para a marcação da escritura de compra e venda, sendo que dessa carta constava ainda o seguinte: “Caso a documentação não seja enviada e a escritura pública marcada no prazo mencionado, a minha constituinte deixará de ter interesse na consumação do negócio”.
Nenhuma dúvida se suscita quanto à eficácia desta interpelação verbal, dado que a interpelação admonitória feita pelo credor ao devedor, prevista no cit. art. 808º-1 do Cód. Civil, não está sujeita a qualquer forma legal.
Tudo está, porém, em saber se essa interpelação pode ser considerada substancialmente válida.
Como vimos, o saneador/sentença recorrida entendeu, a propósito daqueloutra interpelação admonitória ineficaz contida na carta que a Autora enviou à Ré em 9/5/2006 mas que não chegou a ser recebida pela sua destinatária, por facto não imputável a esta, que o prazo de 8 dias concedido à Ré para ela enviar à Autora toda a documentação necessária à marcação da escritura pública de compra e venda não era um prazo razoável, já que “estabelecer, na data de constituição em mora, em 8 dias o prazo para a R. reunir a documentação necessária à celebração do contrato definitivo, que a A. sabe que a demandada não tem, e agendar a escritura de compra e venda do imóvel é, aos olhos de qualquer cidadão e de um homem médio, um lapso de tempo demasiadamente curto para permitir o cumprimento da obrigação pela demandada”.
A Autora/Apelante repudia esta tese, sustentando (nas alegações do presente recurso) que oito dias para marcar uma escritura de compra e venda é um prazo perfeitamente normal. “Qualquer pessoa que esteja munida de todos os documentos necessários para a outorga de uma escritura de compra e venda de um imóvel consegue a sua marcação num prazo de oito dias (até em menos tempo)”.
O que acontece é que tal não foi, in casu, possível apenas porque a Ré não dispunha ainda da licença de utilização e – como se sabe - conseguir a licença de utilização é que não era possível no prazo de oito dias.
Simplesmente, a Ré dispôs de 180 dias (seis meses) – precisamente o prazo previsto no contrato-promessa para a outorga do contrato definitivo - para se munir de todos os documentos para outorgar a escritura de compra e venda. Mas não o fez. Só depois de decorridos os 180 dias previstos no contrato promessa para a celebração da escritura pública de compra e venda é que a Ré foi pedir à Câmara Municipal de Loures a emissão da licença de utilização (documento imprescindível para a realização da escritura pública de compra e venda).
Se, no termo do prazo contratual, a Ré tivesse já reunido todos os documentos necessários para a outorga da escritura, a mesma podia ter-se realizado nos oito dias concedidos pela Autora.
Ora, o prazo de oito dias estabelecido pela Autora no referido dia 19/5/2006 não era para a Ré conseguir esses documentos. O prazo de oito dias concedido pela Autora era para a outorga da escritura de compra e venda.
Quid juris ?
«A interpelação admonitória traduz-se na fixação de um prazo razoável, podendo até, marcar a escritura para a nova data, e no acto dessa fixação, determinar a cominação da resolução (automática) do contrato (interpelação cominatória)» - Acórdão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/2/2007 (Processo nº 06A4749; Relator – SEBASTIÃO PÓVOAS), acessível (o texto integral) in www.dgsi.pt.
«Coenvolve uma intimação de cumprimento, a fixação de um termo peremptório e uma declaração de que a obrigação padecerá de incumprimento definitivo, se não cumprido dentro do novo prazo então fixado» (ibidem).
«A razoabilidade do prazo conecta-se com os princípios da boa fé, da cooperação de ambas as partes e do exercício não abusivo do direito» (ibidem).
«Resulta do exposto que o novo prazo independe do que fora fixado “ab initio”, salvo se este tiver sido clausulado, expressa e inequivocamente, como prazo fatal» (ibidem).
«O artigo 1454.º do Código Civil italiano estipula não dever esse prazo ser inferior a 15 dias, o que para nós pode constituir ponto de referência, diz-nos a doutrina [Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª edição, Julho de 2001, pág. 125, nota 2], na falta de disposição afim no direito português» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/9/2005 (Processo nº 03B4389; Relator – LUCAS COELHO), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt.
«A razoabilidade do prazo a que alude o artigo 808.º, n.º1 do Código Civil deve ser entendida tendo em conta que assenta já numa situação negativa por parte daquele a quem é fixado esse prazo» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/1/2011 (Processo nº 5462/04.4YXLSB.L1.S1; Relator – JOÃO BERNARDO), acessível (o texto integral) no sítio da Internet www.dgsi.pt.
«Apesar disso, sob pena de negação da própria figura da intimação admonitória, não pode ser fixado um prazo que, precisamente em termos razoáveis, conduza categoricamente ao não cumprimento», sendo que «está neste caso, a fixação de dez dias para que um devedor em má situação económica, conhecida do credor, consiga dez mil euros para pagamento, em ordem a proceder-se à outorga dum contrato» (ibidem).
«A lei não fixa, ela própria, o prazo suplementar concedido ao devedor para sair da mora, pela compreensível razão de que esse prazo não pode ser sempre o mesmo, devendo variar consoante as circunstâncias de cada caso»[65].
«Confia, pois, tal fixação ao critério do credor, que deverá proceder em termos de razoabilidade, estando sujeito a controlo jurisdicional o prazo por ele estabelecido»[66].
Deve considerar-se que «o prazo é razoável, se foi fixado segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, permite ao devedor cumprir o seu dever de prestar»[67].
Dito isto, há que dizer que – contrariamente ao que foi entendido na decisão recorrida – não temos por inequívoco que o prazo de 8 dias concedido à ora Ré/Apelada pela mandatária da Autora, em 19/5/2006, para que lhe fossem entregues todos os documentos necessários para a marcação e realização da escritura de compra e venda, sob a cominação de a sua constituinte (a ora Autora/Apelante) deixar de ter interesse na consumação do negócio, não seja um prazo razoável, nos termos e para os efeitos previstos no cit. art. 808º-1 do CC.
Efectivamente – como bem observa a Autora/Apelante (nas suas alegações), “Qualquer pessoa que esteja munida de todos os documentos necessários para a outorga de uma escritura de compra e venda de um imóvel consegue a sua marcação num prazo de oito dias (até em menos tempo)”.
Dizer-se – como faz o saneador/sentença recorrido – que esse prazo é demasiadamente curto, porque a credora sabia antecipadamente que a sua devedora não tinha em seu poder todos os documentos imprescindíveis para a realização da escritura pública de compra e venda (designadamente, a licença de habitação do imóvel prometido comprar/vender) e esses documentos são insusceptíveis de ser reunidos em apenas 8 dias – como é do conhecimento de qualquer cidadão e de um homem médio – carece totalmente de sentido.
A Autora/Apelante não tinha de saber – porque a Ré/Apelada não alegou sequer que lhe tivesse dado a conhecer tal facto – se a promitente/vendedora já tinha ou não em seu poder a licença de habitação. Só com a leitura da contestação da presente acção é que a Autora/Apelante ficou a saber que a Ré/Apelada apenas elaborou e entregou o pedido de emissão da licença de habitação do imóvel em causa, junto da Câmara Municipal de ..., em 18 de Maio de 2006, isto é, na véspera da interpelação admonitória verbal feita pela mandatária da Autora em 19/5/2006.
Por outro lado, a Ré/Apelada não alegou sequer (na contestação e na tréplica apresentadas na presente acção) que, ao ver-se confrontada com a aludida interpelação admonitória de 19/5/2006, tivesse reagido, pelo menos até ao termo do aludido prazo de 8 dias, solicitando à Autora uma prorrogação de tal prazo ou alegando que o mesmo era insuficiente para a reunião da documentação necessária à outorga da escritura pública. O que se depreende dos articulados é precisamente o contrário: a Ré/Apelada, quando confrontada com aquela interpelação admonitória verbal de 19/5/2006, ter-se-á, pura e simplesmente, remetido ao silêncio, nada tendo dito ou solicitado durante os 8 dias que a Autora/Apelante lhe concedeu para que entregasse todos os documentos necessários para a marcação e realização da escritura de compra e venda.
Ora – como é evidente -, este silêncio a que a Ré/Apelada se remeteu, reservando para a contestação da presente acção a invocação do argumento da irrazoabilidade do aludido prazo admonitório de 8 dias, atenta gravemente contra a boa-fé que deve sempre nortear o comportamento dos contraentes (art. 762º-2 do Cód. Civil: “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.”).
Assim sendo, não pode senão concluir-se pela eficácia e validade da mencionada interpelação admonitória verbal feita pela mandatária da Autora, em 19/5/2006, aos legais representantes da Ré, quando lhes entregou, em mão, uma carta pela qual concedia a esta mais 8 dias para lhe entregarem todos os documentos para a marcação da escritura de compra e venda, sob a cominação de, não sendo entregue tal documentação e marcada a escritura, a sua constituinte deixar de ter interesse na consumação do negócio.
Consequentemente, uma vez transcorrido o aludido prazo peremptório de 8 dias, sem que a Ré tenha curado de entregar os documentos em questão e/ou procedido à marcação da escritura pública de compra e venda, o contrato-promessa em questão não pode senão ser havido como incumprido definitivamente pela promitente/vendedora ora Ré, nos termos do cit. art. 808º-1 do CC.
Eis por que a Apelação da Autora procede, ao menos quanto a esta 3ª questão, o que consequência que o saneador/sentença recorrido não pode subsistir, por isso que, incumprido definitivamente o contrato-promessa, por parte da promitente/vendedora ora Ré/Apelada, a promitente/compradora ora Autora/Apelante tem, irrecusavelmente, direito a exigir daquela a devolução, em dobro, da quantia que lhe entregou, a título de sinal (€ 60 000), na data da assinatura do escrito particular que consubstancia o contrato-promessa, ex vi do cit. art. 442º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil.
A procedência da Apelação da Autora, quanto a esta 3ª questão, torna discipienda (nos termos e para os efeitos do art. 660º, nº 2, 1ª parte, do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) a apreciação daqueloutra questão suscitada em 4º lugar nas conclusões da alegação de recurso da Apelante: a de saber se, tendo em conta todas as circunstâncias que atestam a boa fé da Autora e o incumprimento repetido da Ré, tem de se considerar que, com a aquisição de outro apartamento, ocorreu uma perda objectiva do interesse da Autora no contrato promessa de compra e venda em causa.
                                                        *
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento à Apelação, revogando o Saneador/Sentença recorrido, na parte em que julgou improcedentes os pedidos deduzidos pela Autora, e julgando a acção totalmente procedente, em consequência do que:
a) declaram resolvido, com fundamento no seu incumprimento definitivo por parte da Ré/Apelada, o contrato - promessa celebrado entre Autora e Ré;
b) condenam a Ré/Apelada a restituir à Autora/Apelante a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no montante de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), acrescida de juros à taxa legal, contabilizados desde a citação da Ré/Apelada para os termos desta acção (12/2/2007), até efectivo e integral pagamento.
Custas da acção e da Apelação a cargo da Ré/Apelada.

Lisboa, 27 de Março de 2012

Rui Torres Vouga
Maria do Rosário Barbosa.
Maria do Rosário Gonçalves
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5] FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed., Abril de 2003, pp. 46-47.
[6] ANTUNES VARELA  in “Manual de Processo Civil”, 2.ª ed., 1985, pág. 687.
[7] Neste mesmo sentido, cfr. LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.°, 2001, pág. 669, e jurisprudência aí referida.
[8] Cfr., igualmente no sentido de que «a falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito», FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA (in ““Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed., Abril de 2003, p. 48).
[9] Cfr., ainda no sentido de que «a nulidade da alínea b) do artigo 668.º do Código de Processo Civil não se basta com uma justificação deficiente ou pouco convincente, antes impondo ausência de motivação que impossibilite a revelação das razões que levaram à opção final», o recente Acórdão do STJ de 22/2/2011 (Proc. nº 31/05 – 4TBVVD – B.G1.S1; Relator – SEBASTIÃO PÓVOAS), acessível (o texto integral) no sítio da Internet www.dgsi.pt.
[10] FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA in “Manual…” cit., p. 48.
[11] Cfr., no sentido de que «o facto de no acórdão recorrido se não indicarem as disposições legais que fundamentam a decisão não implica nulidade, embora seja essencial que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a decisão se apoia», o Ac. do STJ de 22/1/1998 (publicado in BMJ nº 473, p. 427).
[12] FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, ibidem.
[13] Cfr., no mesmo sentido, ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., 1985, p. 688.
[14] ANA PRATA in “O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil”, 1995, pp. 632-633.
[15] ANA PRATA in “O Contrato-Promessa…” cit., p. 633.
[16] «De facto, se as partes optaram pela conclusão de uma promessa em vez de celebrarem de imediato o contrato definitivo, tal opção tem, pelo menos, o significado de não poderem ou quererem desde logo tal celebração: daí ser coessencial ao contrato-promessa um prazo de cumprimento» (ANA PRATA, ibidem).
[17] Cfr., no sentido de que, «fixado um prazo, em contrato-promessa de compra e venda, para a celebração da correspondente escritura, mas acordando posteriormente as partes em que esta escritura seria celebrada em data a fixar posteriormente, a obrigação ficou sem prazo certo, havendo que fazer a sua determinação nos termos do nº 2 do art. 777º do Cód. Civil, e sendo, portanto, irrelevante a fixação unilateral, pelo promitente-comprador, da data para a celebração da escritura», o Ac. do S.T.J. de 6/7/1978 (in BMJ nº 279, p. 134).
[18] ANA PRATA in “O Contrato-Promessa…” cit., p. 634.
[19] ANA PRATA in “O Contrato-Promessa…” cit., p. 636, in fine.
[20] Ibidem, nota 1495.
[21] In “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral. A Dualidade Execução Específica-Resolução”, 1987, p. 110.
[22] In “Do Incumprimento…” cit., p. 112.
[23] BRANDÃO PROENÇA, ibidem.
[24] Ibidem.
[25] Cfr., no sentido de que «a cláusula de contrato-promessa de compra e venda de que a escritura relativa ao contrato prometido seria celebrada “no máximo” até certa data, traduz-se no estabelecimento de um prazo fixo ou absoluto ou numa data-limite para o cumprimento do contrato-promessa», o Ac. da Rel. do Porto de 16/12/1996, proferido no Proc. nº 9551141 e relatado pelo Desembargador COUTO PEREIRA (cujo sumário consta da Base de dados jurídico-documentais da Direcção Geral de Serviços Informáticos, acessível via internet [www.dgsi.pt]).
[26] Cfr., no sentido de que «uma cláusula contratual inserta em um contrato-promessa de compra e venda em que se estipulou que “o prazo máximo da escritura definitiva de compra e venda e bem assim a tradição do imóvel não poderá exceder um ano a partir da presente data”, sujeita o contrato a um termo essencial», o Ac. do S.T.J. de 15/12/1998, proferido no Proc. nº 98B502 e relatado pelo Conselheiro QUIRINO SOARES (cujo sumário consta da Base de dados jurídico-documentais da Direcção Geral de Serviços Informáticos, acessível via internet [www.dgsi.pt]).
[27] Ac. da Rel. do Porto de 4/10/1990, proferido no Proc. n 22524 e relatado pelo Desembargador LOPES FURTADO (cujo sumário consta da Base de dados jurídico-documentais da Direcção Geral de Serviços Informáticos, acessível via internet [www.dgsi.pt]).
[28] Cfr., igualmente no sentido de que «o prazo previsto num contrato-promessa para a celebração do contrato prometido pode revestir a natureza de prazo limite ou absoluto, cujo decurso determina o imediato incumprimento definitivo e possibilita a resolução ou de prazo fixo relativo, determinante da simples situação de mora», sendo que «a qualificação do prazo em absoluto ou relativo depende da interpretação da vontade das partes e das suas declarações negociais», o Ac. da Rel. do Porto de 1/4/2003, proferido no Proc. nº 320650 e relatado pelo Desembargador FERNANDO SAMÕES (cujo texto integral consta da Base de dados jurídico-documentais da Direcção Geral de Serviços Informáticos, acessível via internet [www.dgsi.pt]).
[29] Cfr., de igual modo no sentido de que a estipulação, feita em contrato-promessa de compra e venda, segundo a qual a escritura pública será celebrada até determinada data, «pode ser entendida, em princípio, com dois sentidos: como prazo-limite, absoluto ou improrrogável, cujo decurso determina o incumprimento definitivo do contrato e a sua imediata resolução ou caducidade, ou como prazo relativo ou não essencial, apenas determinante de uma situação de mora e conferindo ao credor o direito de pedir o cumprimento do contrato, a sua resolução ou indemnização moratória», sendo que «a opção por uma ou outra dessas soluções depende da natureza do negócio ou da interpretação da vontade das partes», o Ac. do S.T.J. de 24/10/1995 (in Col. Jur./Acórdãos do STJ, 1995, tomo III, p. 78).
[30] Ac. do S.T.J. de 3/6/1992, proferido no Proc. nº 082107 e relatado pelo Conselheiro MIGUEL MONTENEGRO (cujo sumário consta da Base de dados jurídico-documentais da Direcção Geral de Serviços Informáticos, acessível via internet [www.dgsi.pt]).
[31] Ac. do S.T.J. de 18/1/1995, proferido no Proc. nº 85695 e relatado pelo Conselheiro SAMPAIO DA NÓVOA (cujo sumário consta da Base de dados jurídico-documentais da Direcção Geral de Serviços Informáticos, acessível via internet [www.dgsi.pt]).
[32] Cfr., no sentido de que «os contraentes de contrato-promessa, decorrido o prazo estipulado para a celebração do contrato prometido, continuam vinculados ao seu cumprimento, desde que não o tenham resolvido», o Ac. desta Rel. de Évora de 19/1/1984  (in Col. Jur., 1984, tomo I, p, 284).
[33] Cfr., porém, no sentido de que, «desde que se fixou prazo para o cumprimento do contrato-promessa e tal prazo expirou, sem que se celebrasse o contrato prometido, há que concluir que o seu incumprimento se verificou findo esse prazo», o Ac. do S.T.J. de 13/2/1985 (in  BMJ nº 344, p. 419).
[34] Ac. da Rel. de Lisboa de 24/5/1993, proferido no Proc. nº 74182 e relatado pelo Desembargador ANTÓNIO ABRANCHES MARTINS (cujo sumário consta da Base de dados jurídico-documentais da Direcção Geral de Serviços Informáticos, acessível via internet [www.dgsi.pt]).
[35] Ac. da Rel. de Lisboa de 1/7/1993, proferido no Proc. nº 69962 e relatado pelo Desembargador LOUREIRO FONSECA (cujo sumário consta da Base de dados jurídico-documentais da Direcção Geral de Serviços Informáticos, acessível via internet [www.dgsi.pt]).
[36] JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA in "Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral. A Dualidade Execução Específica-Resolução", 1987, p. 122.
[37] Cfr., no sentido de que «a resolução da promessa e as sanções da perda do sinal ou da sua restituição em dobro (art. 442º do Código Civil) só têm lugar no caso de inadimplemento definitivo da promessa», pelo que, «se houver simples mora da parte de algum dos promitentes, já não se aplica o disposto no art. 442º, nº 2, do Código Civil,, embora o promitente lesado tenha direito a uma reparação pelos danos causados, nos termos do art. 804º do Código Civil», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2/5/1985 (in BMJ nº 347, pp. 375 e segs.).
[38] Cfr., também no sentido de que «a resolução do contrato-promessa e as sanções da perda do sinal ou da sua restituição em dobro só têm lugar no caso de inadimplemento definitivo do mesmo contrato», o Ac. da Rel. de Lisboa de 2/6/1987 (in Col. Jur., 1987, tomo 3, p. 108).
[39] Cfr., igualmente no sentido de que «a simples mora não é suficiente para desencadear o mecanismo indemnizatório do sinal», o Ac. da Rel. de Lisboa de 6/7/1989 (in Col. Jur., 1989, tomo 4, p. 113).
[40] Cfr., de igual modo no sentido de que a mora do promitente-vendedor (resultante do não cumprimento do prazo acordado entre as partes para a celebração da escritura pública de compra e venda) «não é o suficiente para conduzir á revogação ou extinção do contrato-promessa e ao pagamento do sinal em dobro, já que não houve interpelação para fixação de prazo certo e determinado ou de prazo suplementar», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14/2/1990 (sumariado in Actualidade Jurídica, 2º, p. 90).
[41] Cfr., uma vez mais no sentido de que «a resolução do contrato-promessa e a sanção da restituição do sinal em dobro só tem lugar no caso de inadimplemento definitivo do mesmo contrato (imputável ao promitente vendedor)», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 7/3/1991 (in BMJ nº 405, p. 456).
[42] Cfr., ainda no sentido de que a faculdade conferida ao promitente-comprador pelo art. 442º, nº 2, do Cód. Civil (de, ocorrendo incumprimento imputável ao promimente-vendedor, exigir, como indemnização, o valor da coisa ao tempo do cumprimento, determinado objectivamente, deduzido do preço convencionado, e sem prejuízo da restituição do sinal e da parte do preço que tenha sido paga), «para ser exercida, está dependente da verificação simultânea do não cumprimento e da tradição da coisa, [mas] não é necessária a existência de sinal», «só que a modalidade do não cumprimento é o definitivo e não a simples mora», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 12/3/1991 (in BMJ nº 405, p. 434).
[43] Cfr., novamente no sentido de que «a sanção prescrita no nº 2 do art. 442º do Cód. Civil, na redacção anteror ao Decreto-Lei nº 379/86, que permite ao pomitente-vendedor fazer seu o sinal recebido e ao promitente-comprador exigir o dobro do sinal prestado, pressupõe uma situação de incumprimento definitivo, dado que à mora só pode corresponder a obrigação de indemnizar o dano moratório, de harmonia com o disposto no nº 1 do art. 804º do mesmo Código», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2/12/1992 (in BMJ nº 422, p. 335).
[44] Cfr., ainda e sempre no sentido de que «só no caso de incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo promitente-vendedor há lugar à restituição do sinal em dobro», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 4/11/1993 (in Col. Jur./STJ, 1993, Tomo 3, P. 105).
[45] Cfr., uma vez mais no sentido de que «o nº 2 do art. 442º do Cód. Civil, mesmo pela nova redacção do Dec-Lei nº 379/86, de 11-11, só tem aplicação, tal como antigamente, nos casos de incumprimento definitivo, não bastando a simples mora», o Ac. da Rel. de Évora de 28/9/1994 (sumariado in BMJ nº 439, p. 671).
[46] Cfr., ainda e sempre no sentido de que «a aplicação das sanções previstas no art. 442º do Cód. Civil pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-prmessa e não a simples mora, depois das alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº 379/86, de 11-11», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 24/10/1995 (in Col. Jur./STJ, 1995, tomo 3, p. 78).
[47] Cfr., novamente no sentido de que, «no regime do Dec-Lei nº 379/86, de 11-11, as sanções previstas no art. 442º do Cód. Civil, à excepção da execução específica, dependem do incumprimento definitivo, não bastando a mora», o Ac. da Rel. de Lisboa de 28/11/1996 (in Col. Jur., 1996, tomo 5, p. 118).
[48] Cfr., no sentido de que «constitui diferença na estrutura do funcionamento das sanções do sinal e da indemnização do aumento do valor do objecto mediato do contrato-promessa sobre o preço convencionado – a admissão, quanto a esta, da excepção de cumprimento, que o regime do sinal recusa», pelo que, «da inovadora admissão desta excepção, no art. 442º, nº 3, do Cód. Cvil, na redacção do Dec-Lei nº 379/86, de 11-11, e dessa diferença estrutural da “nova sanção” – é mera decorrência a sua aplicação em situação de mora debitoris», sendo que «a sua introdução no sistema sancionatório do contrato-promessa não conduz à subversão do regime do sinal, funcionando este em situação de definitivo incumprimento», o Ac. da Rel. do Porto de 10/7/1997 (in Col. Jur., 1997, tomo 4, p. 183).
[49] Cfr., uma vez mais no sentido de que «a aplicação das sanções previstas no nº 2 do art. 442º do Cód. Civil pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa, não bastando a simples mora», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 8/2/2000 (in Col. Jur./STJ, 2000, tomo 1, p. 72).
[50] Cfr., novamente no sentido de que «só o incumprimento definitivo dá lugar à aplicação do nº 2 do artigo 442º do Código Civil, embora o promitente lesado possa pedir reparação de danos causados pela mora», o Ac. do STJ de 18/4/2006 (Proc. nº 06A844; Relator – SEBASTIÃO PÓVOAS), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[51] Cfr., uma vez mais no sentido de que «fora casos especiais como o da pura e simples recusa do cumprimento, destruição da coisa, alienação a terceiro ou fixação de prazo essencial, a aplicação das sanções previstas no art. 442.º do CC pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa e não a simples mora»; [isto porque] «as indemnizações aí previstas têm natureza compensatória, o que pressupõe a resolução ou extinção do contrato-promessa; já a simples mora apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados (art. 804.º, n.º 1, do CC), com indemnização a fixar nos termos gerais», o Ac. do STJ de 14/11/2006 (Proc. nº 06A3344; Relator – SILVA SALAZAR), acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt.
[52] Cfr., ainda no sentido de que «a simples mora não é suficiente para desencadear o mecanismo indemnizatório do sinal, que pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa, não permitindo, por via de regra, fora das três hipóteses tipificadas [uma deliberada e definitiva intenção do promitente-vendedor de não cumprir a obrigação contratual de celebrar a escritura; perda do interesse na celebração do contrato definitivo por parte do promitente-comprador; interpelação admonitória do promitente-vendedor para celebrar o contrato definitivo] a imediata resolução do contrato, e bem assim como do pagamento do sinal em dobro», o Ac. do STJ de 27/10/2009 (Proc. nº 449/09.3YFLSB.C1.S2; Relator – HÉLDER ROQUE), acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[53] Cfr., porém, no sentido de que, «no actual regime do contrato-promessa a mora na realização da prestação de contratar dá lugar às sanções correspondentes (devolução, em dobro, do sinal prestado ou perda do sinal), independentemente de existir (ou não) incumprimento definitivo», o Ac. da Rel. de Coimbra de 13/5/1992 (sumariado in BMJ nº 417, p. 830).
[54] Cfr. todavia, no sentido de que «o promitente-comprador pode resolver o contrato-promessa e exigir a restituição do sinal em dobro, verificada a simples mora do promitente-vendedor, não tendo que comprovar a perda do interesse objectivo no cumprimento ou que recorrer previamente à intimação admonitória para cumprimento, e aguardar o decurso do prazo fixado, nos termos do art. 808º do Cód. Civil», o Ac. da Rel. do Porto de 21/9/1992 (in Col. Jur., 1992, tomo 4, p. 240).
[55] Cfr., contudo, no sentido de que «o direito do promitente não faltoso de resolver o contrato-promessa de compra e venda e exigir o valor da coisa ou o aumento intercalar do valor depende da simples mora», o Ac. da Rel. do Porto de 31/5/1993 (sumariado in BMJ nº 427, p. 580).
[56] Cfr., no entanto, no sentido de que «a constituição em mora determina para o vendedor a restituição do sinal em dobro», sendo que «o direito a haver sinal em dobro é de vencimento automático, determinando-se pelo incumprimento da prestação prometida», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 9/12/1993 (in Col. Jur./STJ, 1993, tomo 3, p. 170 e também in BMJ nº 432, p. 362).
[57] Cfr., porém, no sentido de que, enquanto «no regime do art. 442º do Cód. Civil (redacção do Dec-Lei nº 236/80) a resolução do contrato-promessa exigia o incumprimento definitivo de um dos contraentes; no regime actual (Dec-Lei nº 379/86) para a resolução basta a simples mora», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 10/2/1998 (in Col. Jur./STJ, 1998, tomo 1, p. 63).
[58] Cfr., todavia, no sentido de que, «no regime actual do contrato-promessa, face ao disposto no art. 442º, nºs 2 e 3, do Cód. Civil, na redacção introduzida pelo Dec-Lei nº 379/86, de 11 de Novembro, a sanção de exigência pelo promitente-comprador não faltoso do dobro do sinal é aplicável logo que o devedor incorra em mora na realização da obrigação de contratar», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/1998 (in BMJ nº 482, p. 243).
[59] ANA PRATA in “O Contrato-Promessa e o seu regime civil”, 1995, p. 709.
[60] ANA PRATA in “O Contrato-Promessa…” cit., p. 716.
[61] Assim, por exemplo, «se os vendedores recusarem-se a outorgar na escritura de compra e venda de certo imóvel, alegando que não têm dinheiro para o distrate da hipoteca que onerava esse imóvel, incorrem em incumprimento definitivo» - Acórdão do STJ de 22/4/2004 (Proc. nº 04B634; Relator – BETTENCOURT DE FARIA), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt. Nesta hipótese, «não se trata só de um comportamento susceptível de indicar a vontade inequívoca de não cumprir, mas de uma declaração expressa nesse sentido» (ibidem).
[62] Também «perante a declaração ou recusa do promitente-vendedor a celebrar o negócio prometido -- o que deve consubstanciar um comportamento que indique de maneira certa e unívoca que o devedor não quer ou não pode cumprir --, a não ser que haja alteração do preço acordado, pode o mesmo outorgante, desde logo e sem mais, ser considerado inadimplente de forma definitiva, sem necessidade de recurso a qualquer interpelação admonitória do mesmo para cumprir» – Ac. da Rel. do Porto de 5/6/2008 (Proc. nº 0833079; Relator – FERNANDO BAPTISTA), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt..
[63] Cfr., igualmente no sentido de que a simples declaração de resolução do contrato, quando destituída de fundamento legal, consubstanciando um comportamento inequívoco de não cumprir, configura um incumprimento definitivo do contrato por parte do promitente-comprador, o Ac. desta Rel. de Lisboa de 1/2/2011 (Proc. nº 606/09.2TVLSB.L1-7; Relatora MARIA JOAO AREIAS), cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt..
[64] Cfr., também no sentido de que «a declaração de resolução de um contrato-promessa, sendo ilegítima, é uma manifestação clara e ilegítima da vontade de não cumprir, constituindo uma situação de incumprimento definitivo; por sua vez, legitima a resolução do contrato pelo outro contraente, mesmo sem a verificação dos pressupostos do art. 808º do CC», o Ac. da Rel. do Porto de 17/12/2008 (Proc. nº 0855816, Relatora ANABELA LUNA DE CARVALHO), cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt..
[65] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in “Direito das Obrigações”, 7ª ed., 1997, p. 312.
[66] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, ibidem.
[67] BAPTISTA MACHADO in “Pressupostos da resolução por incumprimento”, Obra Dispersa, vol. I, 1991, p.164.