Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7/24.2JBLSB-A.L1-9
Relator: FERNANDA SINTRA AMARAL
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO
MEDIDA DE COAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora):
I. A nulidade por inobservância do disposto no art.194º, nº 6, do C.P.P., ou seja, por falta de fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, tem de ser arguida no próprio acto a que o interessado assista, antes desse acto ter terminado – art.120º, nº 3, al.a) do C.P.P. – sob pena de ficar sanada, o que é por dizer que tem de ser arguida perante o Tribunal de 1ª instância, só havendo recurso da decisão que conhecer da arguição de tal nulidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
I.1 No âmbito dos autos de inquérito n.º 7/24.2JBLSB do Ministério Público - Procuradoria da República da Comarca de Lisboa Oeste, Departamento de Investigação e Ação Penal - 3ª Secção da Amadora, e a correrem termos (actos jurisdicionais) no Comarca de Lisboa Oeste - Serviço de Turno, Sintra, a 13 de Janeiro de 2024, foi, entre outros, o arguido AA sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, na sequência do qual foram-lhe aplicadas, para além do TIR, as medidas de coacção de Proibição de contactos com a vítima e com as testemunhas, nos termos do disposto no artigo 200.° nº1 al. a) do Código Processo Penal.; e Prisão Preventiva, nos termos do disposto nos artigos 191.°, 192.°, 193.°, 196.°, 202.° n°1 al. a) e b), 1°, alínea j), 204.° alíneas a), b) e c) do Código Processo Penal.
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I.2 Recurso da decisão
Inconformado com tal decisão, na parte relativa à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“(…)
EM CONCLUSÃO
I. O Despacho que determina a aplicação da medida de coação imposta ao ora recorrente, está ferida de vício de deficiente ou exígua fundamentação fáctica, limitando-se a remeter para os preceitos legais, sem fazer a devida valoração do depoimento do Recorrente, bem como da sua situação familiar e profissional;
II. Perante a ausência de matéria de facto que suporte a decisão foi violado pelo Tribunal recorrido o disposto no artigo 191.º (Princípio da Legalidade), artigo 193.º (Princípio de Adequação e Proporcionalidade) e 202.º, 204.º e 212.º, todos do Código de Processo Penal.
III. A prisão preventiva é uma medida de coação que pela, sua gravidade, assume carácter excecional de entre as restantes medidas, e só deve ser aplicada quando se verifiquem os pressupostos objetivos e cumulativos estabelecidos nos artigos 193.º n.º 2, 202.º n.º 1 e 204.º todos do Código de Processo Penal;
IV. Tal como proclama o artigo 27º da Constituição da República Portuguesa a liberdade individual é um direito fundamental;
V. Sendo o perfil constitucional da prisão preventiva sublinha o seu carácter excecional, precário e temporariamente limitado;
VI. O recorrente é primário;
VII. A não opção por outra medida de coação, deverá ser feita através de Despacho que aprecie objetiva e fundamentadamente os indícios existentes e os meios de prova que suportam essa decisão.
VIII. Ao Despachar como despachou, sem fundamentar nos termos supra a decisão de aplicar a medida de coação mais gravosa e não outra violou o Tribunal ora recorrido o disposto nos artigos 191.º, 193.º, 202.º, 204.º e 212.º do Código Processo Penal e 27.º e 32.º da C.R.P.
IX. Consequentemente, deverá ser ANULADO o Despacho que determina a prisão preventiva de AA.
X. Ordenando-se a substituição por outra medida de coação não detentiva da liberdade e, consequentemente, a sua imediata restituição à liberdade, nomeadamente, a que em sede de 1.º Interrogatório Judicial, foi requerida pela Defesa, obrigação de apresentação periódica, ou em alternativa, a medida de coação prevista no artigo 201.º do Código Processo Penal, que se mostrará com toda a certeza suficiente, por adequada, e proporcional, admitindo-se por ultimo como possível e afim de obstar ao período de reclusão, a aplicação do seu n.º 3, a utilização de meios técnicos de controlo à distância.
Pelo exposto, e demais de Direito,
Ao revogar o Despacho que ordena a prisão preventiva de AA, substituindo-o por outro que ordene a sua restituição à liberdade
Fará esse Venerando Tribunal a costumada
JUSTIÇA
(…)”
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Foi admitido o recurso nos termos do despacho proferido a 21/02/2024, com os efeitos de subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
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I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, a Digna Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso interposto pela arguida, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
“ (…)
III — CONCLUSÕES
1 - O arguido encontra-se indiciado pela prática em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de extorsão, p. e p. pelos artigos 22.°, 23.° e 223.° n.° 1 do Código Penal...
2- Da prova recolhida e constante dos autos, afigura-se que o arguido teve participação nos factos, exactamente da forma descrita no despacho de apresentação.
3 - Alega o recorrente que a medida de coacção de prisão preventiva é excessiva no presente caso.
4 -No caso concreto, a aplicação de qualquer outra medida, (caução, obrigação de apresentação periódica, suspensão do exercício de funções, de profissões e de direitos, proibição de permanência, de ausência e de contactos e a obrigação de permanência na habitação) deixaria o arguido com liberdade de movimentos que lhe permitiriam continuar a praticar factos da mesma natureza, tanto mais que a "alegada" dívida em causa ainda não se encontra paga.
5- Os crimes praticados são graves, atenta a moldura penal de cada um deles.
6 - Face ao exposto, não se vislumbra que outra medida de coacção, além da prisão preventiva, possa ser aplicada ao arguido, sem pôr em causa as exigências cautelares que o caso merece.
7 - Assim sendo, é nosso entendimento não ter violado o douto despacho recorrido, qualquer dispositivo legal.
8 — Não tendo sido violados quaisquer preceitos legais entendemos, pois, dever ser negado provimento ao recurso e confirmado o douto despacho recorrido.
Todavia, V.as Ex. as, Venerandos Desembargadores, decidirão conforme for de
Justiça
(…)”
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I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao dito parecer.
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I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal3, relativas a vícios que devem resultar directamente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do C.P.P.).
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Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto, as questões a apreciar e decidir consistem em apurar:
- se o despacho que determina a aplicação da medida de coacção imposta ao recorrente está ferido de vício de deficiente ou exígua fundamentação fáctica;
- se a medida de prisão preventiva que lhe foi aplicada deverá ser revogada, ordenando-se a sua imediata restituição à liberdade e substituída por outras, tais como, obrigação de apresentação periódica, ou em alternativa, a medida de coacção prevista no artigo 201.º do CPP, que se mostrará suficiente, por adequada, e proporcional, admitindo-se a utilização de meios técnicos de controlo à distância.
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II.2- Da decisão recorrida
Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foi proferido despacho que aplicou ao recorrente, além do mais, a medida de coacção de prisão preventiva, com o seguinte teor que a relatora, à sua inteira responsabilidade, transcreve [extraindo do mesmo as palavras repetidas e expressões próprias da linguagem oral], nas partes ora com relevância para a decisão:
“ (…)
O Tribunal validou a detenção porque efectuada nos termos legais, tendo os mesmos, os arguidos, sido apresentados no prazo legal das 48 horas.
Feito o interrogatório, o tribunal, considerando as declarações dos arguidos, uma vez que ambos prestaram declarações, considera que as declarações dos mesmos, neste momento, não possuem qualquer credibilidade por si só consideradas, ou seja, os arguidos negam a prática dos factos. É isso que se procede de forma inequívoca.
E quanto ao mais, o senhor AA, o primeiro arguido que prestou declarações, prestou declarações de forma totalmente baralhada, contraditória, mal explicada, sem se perceber, pese embora o esforço que o Tribunal fez, por existir, querer saber, uma vez que era apresentada uma versão, querer perceber como é que o arguido actuou, e porquê. Foi muito difícil que o arguido conseguisse explicar e de facto, aquilo que consta, de acordo com a versão que apresentou, os factos relevantes, que seria importante que explicasse, não se perceberam, não tiveram lógica, não demonstraram qualquer consistência e, portanto, o Tribunal não lhes pode atribuir, neste momento, qualquer credibilidade.
Por sua vez, o senhor BB conseguiu ser um pouco mais seguro e um bocadinho mais explicado nas suas declarações, aliás, inicialmente isso aconteceu, porém, quando surgem as perguntas mais relevantes, porque é que não se pode falar ao telefone sobre o assunto? Porque é que uma pessoa que não conhece ninguém não tem nada a ver com o assunto, a não ser conhecer o arguido e tem as filhas para levar à escola e trabalho etc? Porque é que se envolve numa situação destas, usando o seu carro para fazer transportar pessoas que não conhece de lado nenhum, à excepção do co-arguido e que ia relativamente a um assunto que não sabe o que é e de que lado é que está a razão e prontifica-se, diz ele, a ajudar, e que só quer ajudar, sem saber muito bem explicar o quê que quer ajudar e quem é que quer ajudar, e porquê, assumindo, a dada altura, acreditar naquilo que lhe é dito pelo Senhor CC e ouvindo, em voz alta, o choro de alguém do ..., mas, afinal, não consegue explicar que dinheiro era aquele, para quê que era aquele dinheiro. As explicações que acaba por apresentar não assumem credibilidade, não têm qualquer consistência, não são lógicas.
O comportamento que os arguidos aqui declararam terem assumido não tem qualquer lógica. As pessoas, o comum dos cidadãos, não se envolvem neste tipo de situações sem saber ao que vai, mesmo que queira ajudar, saber ao que vai e porquê que vai ajudar. Os arguidos não conseguiram aqui explicar, antes, pelo contrário, entraram em contradição e não explicaram aquilo que era relevante e, portanto, não se pode neste momento, considerar estas declarações como credíveis.
E, pese embora estas declarações, a verdade é que existem já elementos probatórios nos autos que vão em versão absolutamente contrária àquela que os arguidos aqui tentaram explicar, e, portanto, o Tribunal considera que, de facto, resultam fortemente indiciados neste momento, a prática pelos factos constantes do requerimento que os apresentou em interrogatório judicial, a fls. 140 e 141, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e consequentemente, a prática dos crimes por que vêm indiciados pelo Ministério Público, a prática em co-autoria material, na forma consumada, de um crime de roubo [aqui constata-se um manifesto lapso na indicação do tipo de crime, quer pela indicação do normativo que o prevê, quer porque claramente a intenção manifestada pela Mmª JIC é de manter a qualificação jurídica constante do despacho do Ministério Público, de apresentação dos arguidos a 1º interrogatório, pretendendo, portanto, manifestamente ter dito rapto agravado – sendo que, pouco depois, já faz expressa referência a crime de rapto agravado], na previsão do artigo 161º, nº 1, als. a) e c) do Código Penal e também do crime de extorsão, na forma tentada, na previsão dos artigos 22º, 23º e 223º, nº 1 do Código Penal. Aliás, os arguidos sabem bem a quantia que está em causa, ambos, que não sabem nada de coisa nenhuma, mas a quantia, sabiam qual era a quantia que estava em causa e não se pratica um crime de rapto para fim nenhum.
E aqui o dinheiro, obviamente que era, tudo indicia que era, esse o objectivo e, portanto, também este crime se encontra fortemente indiciado na forma tentada, naturalmente, mas que não conseguiram obter esta quantia ou parte desta quantia, uma vez que não só estão os dois envolvidos, como como resulta dos autos que há mais pessoas aqui envolvidas na prática destes crimes.
Os elementos probatórios que o Tribunal considera que são, que indiciam nos autos fortemente a prática desses crimes, para além das declarações dos arguidos, e das contradições e da falta de lógica das mesmas, são os elementos probatórios indicados a fls. 141 dos autos, cujo teor aqui se dá também por integralmente reproduzido.
Assim sendo, resulta que se indicia a prática de dois crimes e um de especial gravidade, como é o crime de rapto e nos termos que resulta indiciado, conforme consta da actuação, em que há violência física, em que há ameaça e, portanto, este crime não só é grave por força da previsão legal e da forma como é punido, como é grave, no caso concreto, nos termos em que resultou indiciado.
Assim sendo, o Tribunal considera naturalmente que o estatuto coactivo dos arguidos não se pode bastar com o TIR e, aliás, não se pode bastar com outra medida de coacção que não sejam aquelas que foram aqui promovidas pelo Ministério Público.
Efectivamente, verifica-se e resulta indiciado e fortemente indiciado, neste momento, todos os perigos que constam do artigo 204º do Código de Processo Penal, ou seja, existe um perigo de fuga, os arguidos são ambos nascidos na ... e, portanto, o perigo de fuga tem naturalmente que ser, neste momento, aqui ponderado.
E existe também o perigo de perturbação do decurso do inquérito. Há certamente mais diligências a fazer, por parte do Ministério Público, e das polícias e os arguidos em liberdade e sem proibição de contacto, poderão tentar constranger aqueles que eventualmente venham ser ainda ouvidos em sede de inquérito, para prestarem as declarações que eventualmente venham a prestar.
Existe, obviamente, perante este tipo de criminalidade, que aliás o crime de rapto está integrado na criminalidade violenta, segundo o artigo 1º, al. j) do Código de Processo Penal, é óbvio que existe um forte alarme social relativamente à prática destes crimes e existe o perigo de continuação da actividade criminosa por parte dos dois arguidos.
Assim sendo, de forma a acautelar estes perigos, o Tribunal considera que os arguidos terão e deverão ficar sujeitos a TIR, já prestado; à proibição de contactos, nos termos do artigo 200º, nº 1, al. a), bem como à prisão preventiva, tudo nos termos dos artigos 191º a 193º, 196º, 200º, nº 1, al. a), 202º, nº 1, als. a) e b), por referência ao artigo 1º, al. j), e art. 204º, nº 1, als. a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, motivo pelo qual se determina que sejam emitidos mandados de condução dos dois arguidos ao estabelecimento prisional competente.
(…)”
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Os crimes e factos de que o arguido se encontra indiciado e que foram informados ao mesmo, conjuntamente com os correspondentes meios de prova, no âmbito do seu primeiro interrogatório judicial, foram os seguintes [transcrição]:
“(…)
Motivos da Detenção:
Os arguidos BB e AA foram detidos fora de flagrante delito, ao abrigo do disposto no artigo 257.° n. °2 do Código de Processo Penal, porquanto recaem sobre si fundadas suspeitas de que terão praticado factos que se traduzem em co-autoria material e na forma consumada de um crime de rapto agravado, p. e p. pelo artigo 161°, n° 1, alínea a) e c) do Código Penal e um crime de extorsão na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22°, 23° e 223°, n° 1 do Código Penal.
Porquanto, compulsados os autos, verifica-se existirem fortes indícios de que os arguidos praticaram os seguintes factos:
DD é irmão do ofendido EE.
Em data não concretamente apurada, DD combinou com FF,
receber na na conta da sua empresa "..." a quantia de €87.000, que depois entregaria aquele em numerário e através de transferência bancária.
Apesar de DD ter transferido a aludida quantia para a pessoa supra referida, em Janeiro de 2024 começou a receber contactos telefónicos de um indivíduo apelidado de "CC ", dizendo-lhe que aquele teria ficado com o dinheiro.
Por insistência de tal suspeito que queria ver um extrato bancário que comprovasse a transação, llídio solicitou ao seu irmão EE para se encontrar com o "CC" e lhe mostrasse no computador, o aludido comprovativo de transferência.
No dia 10.01.2024, o ofendido EE encontrou-se com o CC na .... Contudo, como o mesmo queria que aquele entrasse num carr'd dpor não se sentir em segurança, recusou e apanhou o metro para o Colégio Militar.
Ao chegar ali, o suspeito CC abordou-o e disse-lhe que tinha de o acompanhar, tendo acrescentado: "Eu vaso um tiro, temos que ir para o carro".
Após, surgiram mais três indivíduos, entre os quais os arguidos, que o empurraram e forçaram a entrar numa viatura e o levaram para uma residência sita na ....
Durante o período em que ali permaneceu, os arguidos juntamente com os demais suspeitos, tentaram encetar contactos com o irmão do ofendido, DD, para que aquele pagasse o dinheiro em causa.
Contudo, por não conseguirem, levaram o ofendido à casa da mulher de llídib;',sita na ..., tendo como objectivo falar com aquele.
Todavia, por o mesmo não se encontrar ali, os arguidos levaram o ofendido novamente ao local inicial, tendo ali permanecido por mais de três horas.
Após os arguidos e os suspeitos levaram o ofendido para a morada indicada por este, sita na ..., libertando-o, tendo-lhe retirado o telemóvel da marca Xiaomi Redmi, no valor de € 130 e o computador portátil de marca Acer, no valor de € 500, tendo aqueles referido que lhe devolveriam tais bens no dia seguinte.
Os arguidos agiram, mediante plano que previamente elaboraram, e ao transportarem o ofendido para diversos locais, quiseram e conseguiram privar o mesmo na respectiva liberdade ambulatória, para que o irmão daquele lhes entregasse a quantia de € 87.000.
Os arguidos sabiam que estavam a privar o ofendido EE da sua liberdade de locomoção e, ainda assim, quiseram agir da forma descrita como forma de o fazer entregar-lhes a referida quantia em dinheiro.
Ao agir da forma descrita criaram os arguidos, um plano que se traduziu em, através de privação de liberdade de EE, causar medo e receio até pela sua vida de DD, o que conseguiram, tentando forçar o ofendido ao pagamento de uma quantia de € 87.000 pela o que apenas não lograram porquanto o ofendido DD não transferiu qualquer quantia.
Os arguidos bem sabiam que não teriam qualquer direito ao dinheiro do ofendido e que o mesmo não lhes pertencia e que com a sua conduta lhe causariam medo e receio pela sua integridade fisica e até pela sua vida, o que conseguiram.
Os arguidos agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
PROVA:
Auto de notícia de fls. 01-04;
Inquirição de DD de fls. 06;
Folha de suporte de fls.18-24;
Auto de revista e apreensão de fls.31;
Auto de revista de fls.34-35;
Auto de busca e apreensão de fls.38;
Reportagem fotográfica de fls.39-43;
Inquirição de EE de fls.62;
Reportagem fotográfica de fls.69-71;
Inquirição de GG de fls. 77-79;
Auto de reconhecimento de pessoas de fls. 80-91.
Extracto bancário
(…)”
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II.3- Apreciação do recurso
Vejamos, antes de mais, a primeira questão recursiva: se o despacho que determina a aplicação da medida de coacção imposta ao recorrente está ferido de vício de deficiente ou exígua fundamentação fáctica.
Alega o arguido recorrente que o Tribunal a quo limita-se a remeter para os preceitos legais, sem fazer a devida valoração do depoimento do recorrente, bem como da sua situação familiar e profissional, violando o disposto nos artigos 191.º, 193.º, 202.º, 204.º e 212.º do Código Processo Penal e 27.º e 32.º da C.R.P..
Mais alega que a não opção por outra medida, que não seja a prisão preventiva, deverá ser feita através de despacho que aprecie objectiva e fundamentadamente os indícios existentes e os meios de prova que suportam essa decisão, concluindo, assim, que tal despacho deverá ser anulado.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
Efectivamente, o despacho de aplicação de uma medida de coacção, sendo um despacho judicial decisório, tem de ser sempre fundamentado, por força do art. 97.º nº 5, do C.P.P [“Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”]. Tal obrigatoriedade de fundamentação dos actos decisórios decorre, aliás, do art.º 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
E, de harmonia com o disposto no art. 194º, nº 6 do C.P.P., na fundamentação do despacho que aplicar uma medida de coacção, à excepção do termo de identidade e residência, o juiz a quo tem de respeitar as exigências descritas nas suas als. a) a d), ou seja:
a) descrever os factos concretamente imputados ao arguido (indiciados ou fortemente indiciados), incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo (al.a));
b) enunciar os elementos de prova que indiciam os factos que imputou ao arguido, sempre que essa comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime (al.b));
c) proceder à qualificação jurídica dos factos imputados (al.c)); e
d) referir os factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida de coacção, incluindo os previstos nos art. 193º (necessidade, proporcionalidade e adequação) e 204º (verificação dos requisitos que justifiquem a aplicação da medida de coacção) do C.P.P. (art. 194º, nº 6, al.d) do C.P.P.
A consequência da falta de fundamentação do despacho que aplica medida de coacção é, nos termos do próprio art. 194º, nº 6 do C.P.P., a nulidade.
Constitui entendimento pacífico na jurisprudência e doutrina que a falta de fundamentação das decisões judiciais, situação que se traduz na falta de especificação dos motivos de facto e de direito da decisão (artigos 205°, nº 1, da C.R.P. e 97º, nº 5, do C.P.P.), constitui mera irregularidade (artigo 118º, nºs 1 e 2), a menos que se verifique na sentença, acto processual que, conhecendo a final do objecto do processo (artigo 97º, nº 1, al. a), do C.P.P.), a lei impõe que obedeça a uma fundamentação especial, sob pena de nulidade (artigos 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2, do mesmo diploma legal), ou que se verifique no despacho que decreta uma medida de coacção ou de garantia patrimonial (artigo 194º, nº 6, do C.P.P.) ou no de pronúncia (artigos 308º, nº 2 e 283º, nº 3, do mesmo diploma), em que o legislador, como dissemos supra, igualmente comina a falta de observância do específico dever de fundamentação desses actos com nulidade.
Atente-se na sistematização do Código de Processo Penal, que nos arts. 118º e ss (Título V do Livro I), de forma decrescente, trata dos casos de violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal.
Começa pelos vícios mais graves (nulidades insanáveis – art.119º), passa às nulidades dependentes de arguição (art.120º), seguem-se as irregularidades com um regime mais apertado de arguição (art.123º, nº1), para finalmente tratar das irregularidades do art. 123º, nº 2.
Ocorrendo a nulidade prevista no nº 6, do art.194º do C.P.P., a mesma tem de ser arguida no próprio acto a que o interessado assista, antes desse acto ter terminado – art.120º, nº 3, al.a) do C.P.P. – sob pena de ficar sanada – vd. entre outros, o Acórdão da Relação de Guimarães, relatora Desembargadora Maria Luísa Arantes, P. nº 189/08.OJABRG-B.G1, datado de 10/03/2011, publicado in www.dgsi.pt..
Portanto, a nulidade por inobservância do disposto no art.194º, nº 6, do C.P.P. tem de ser arguida perante o Tribunal de 1ª instância, só havendo recurso da decisão que conhecer da arguição da nulidade - cfr., neste sentido, o estudo do Conselheiro Dr. Manuel Joaquim Braz, “As medidas de Coacção no Código de Processo Penal revisto. Algumas notas”, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXXII, tomo 4, pág. 6, e Ac.R.Porto de 20/10/2010, relatado pelo relator Desembargador Melo Lima, in www.dgsi.pt..
Mantém-se actual a jurisprudência a que Alberto dos Reis aludia, em sede de processo civil, quando citava o postulado «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se». Só a nulidade de sentença penal pode ser arguida em sede de recurso da decisão final (art.379.º do C.P.Penal).
Ora, no caso vertente, o arguido recorrente, devidamente representado pelo seu ilustre mandatário, não arguiu a nulidade no próprio acto, pelo que a mesma, a existir, ficou sanada.
Nesta conformidade, não pode agora, em sede de recurso, vir o arguido arguir a nulidade do despacho recorrido, quando não a invocou na altura própria, ou seja, no acto de interrogatório de arguido detido.
De todo o modo, sempre se diga, que, ainda que assim não se entendesse, a decisão recorrida descreve os factos concretamente imputados ao recorrente, os elementos probatórios que indiciam os factos imputados, efectua a qualificação jurídica dos factos imputados e enuncia as razões da necessidade de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, ainda que, no que se refere ao perigo de continuação da actividade criminosa, tenha sido deficiente porque meramente conclusiva, mas o mesmo já não acontecendo quanto ao perigo de fuga, que é fundamentado em facto concreto, assim como ao perigo de perturbação do decurso do inquérito e ao forte alarme social inerente a este tipo de criminalidade.
De notar que, como bem elucida Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, Ed. Univ. Católica, pág. 268, a fundamentação “é um raciocínio argumentativo que possa ser entendido e reproduzido (Nachvollziehbar) pelos destinatários da decisão”.
A mesma argumentação pode ser lida, entre outros, no Acórdão da Relação do Porto, Relatora Desembargadora Maria Ermelinda Carneiro, de 15/02/2019, proferido no P. nº 108/10.4PEPRT-H.P1, onde se explana que a fundamentação de um acto decisório deve estar devidamente exteriorizada no respectivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido, ainda que não se deva exigir que “no acto decisório fiquem exauridos todos os possíveis posicionamentos que se colocam a quem decide, esgotando todas as questões que lhe foram suscitadas ou que o pudessem ser”, pois “não pode escamotear-se que, a ser assim, ou seja, a exigir-se uma tão exaustiva fundamentação a todos os despachos judiciais como a imposta para as sentenças finais, estar-se-ia a postergar a almejada celeridade processual que, como é consabido, é pedra de toque no nosso processo penal.”
E mais acrescenta que “O que importa é que a motivação seja necessariamente objetiva e clara, e suficientemente abrangente em relação às questões aí suscitadas, de modo que se perceba o raciocínio seguido. Motivação da fundamentação e prolixidade não são sinónimos, sendo que esta apenas serve para confundir ou obnubilar a compreensibilidade que deve ser uma característica daquela.”
Portanto, só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial - o que claramente não acontece in casu.
Veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão da Relação de Guimarães, Relator Desembargador António Barroca Penha, P. nº 42/14.9TBMDB.G1, datado de 02-11-2017, publicado in www.dgsi.pt..
Por outro lado, também não assiste qualquer razão ao arguido recorrente quando alega que o Tribunal a quo, no despacho recorrido, limita-se a remeter para os preceitos legais – ora isto não acontece, de todo, sendo, pois, desnecessários ou desmerecidos demais considerandos, nesta parte.
Por outro lado, alega o recorrente que o Tribunal a quo não fez a devida valoração do depoimento do recorrente, bem como da sua situação familiar e profissional, violando o disposto nos artigos 191.º, 193.º, 202.º, 204.º e 212.º do Código Processo Penal e 27.º e 32.º da C.R.P., o que igualmente não colhe.
Na verdade, as declarações do arguido recorrente, assim como toda a sua situação pessoal, foram devidamente ponderadas pelo Tribunal recorrido, apenas não coincidindo a valoração que este lhes deu, comparativamente com a valoração que o recorrente pretendia que aquele tivesse dado, tendo-o feito de forma clara e lógica, e, assim, ao abrigo de qualquer censura, tudo em respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, decorrente do art. 127º do Código de Processo Penal.
Na decisão recorrida, entendeu o Tribunal a quo, de modo que acompanhamos totalmente, após a audição da gravação das declarações do arguido, que estas se revelaram contraditórias e feridas de total falta de lógica, e, acrescentamos nós, completamente inverosímeis e tendenciosas.
Não vemos, pois, que o Tribunal recorrido tenha violado qualquer um dos preceitos legais concretos, que indica na sua peça recursória.
Improcede, pois, este segmento de recurso.
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Vejamos, ora, a segunda questão recursiva: se a medida de prisão preventiva que lhe foi aplicada deverá ser revogada, ordenando-se a sua imediata restituição à liberdade e substituída por outras, tais como, obrigação de apresentação periódica, ou em alternativa, a medida de coacção prevista no artigo 201.º do CPP, que se mostrará suficiente, por adequada, e proporcional, admitindo-se a utilização de meios técnicos de controlo à distância.
Alega o arguido recorrente que não se justifica a limitação da sua liberdade, através da aplicação de prisão preventiva, pois é primário.
Vejamos se assiste razão ao arguido recorrente.
O direito à liberdade pessoal, no que tange à liberdade ambulatória, é um direito fundamental, com assento constitucional no art.º 27º da nossa Lei Fundamental, de cujo nº 2 decorre que “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.».
Por sua vez, prevê-se no seu nº 3, entre outras excepções a tal princípio, a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, por aplicação da prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.
Enquanto medida restritiva de direitos, liberdades e garantias do cidadão, qualquer medida de coacção está sujeita ao princípio da legalidade, terá de ter consagração legal [artigos 18º, nºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa], decorrendo, por sua vez, do nº 1, do artigo 191º do Código de Processo Penal, que “a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei”.
Versando sobre os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, prevê o artigo 193.º, do Código de Processo Penal que:
1 - As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
2 - A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.
3 - Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.
4 - A execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer.”.
Com fundamento no princípio da proporcionalidade, o legislador processual penal condicionou a aplicação das medidas de coacção mais restritivas dos direitos e liberdades do cidadão à existência de fortes indícios da prática de crime doloso [cfr. artigos 200º, 201º e 202º do Código de Processo Penal] e ao máximo da pena correspondente ao crime que justifica a medida [artigo 195º do Código de Processo Penal].
Por fim, em obediência ao princípio da subsidiariedade, as medidas coactivas privativas da liberdade, ou seja, as mais gravosas [a saber: a obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva] só podem ser aplicadas quando as restantes se revelem, concretamente, inadequadas ou insuficientes [cfr. artigo 28º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e artigos 193º, nº 2, 201º, nº 1, e 202º, nº 2, do Código de Processo Penal] e, dentro destas, a prisão preventiva é, ainda, uma medida subsidiária a aplicar, em relação à obrigação de permanência na habitação [artigo 193º, nº3, do Código de Processo Penal].
Por outro lado, cumpre trazer à colacção os requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção, diferentes do TIR, vertidos no art.º 204º do mesmo Código de Processo Penal, do qual decorre que:
«1 - Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
2 - Nenhuma medida de coacção, à exceção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada a pessoa coletiva ou entidade equiparada arguida se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida, perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo ou perigo de continuação da atividade criminosa.
3 - No caso previsto no número anterior, a adoção e implementação de programa de cumprimento normativo deve ser tida em conta na avaliação do perigo de continuação da atividade criminosa, podendo determinar a suspensão da medida de coacção.»
Por fim, no que contende com a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, estabelece o art.º 202º do Código de Processo Penal que:
«1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;
b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;
c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.
(…)»
Ou seja, aquando da aplicação de uma medida de coacção, impõe-se determinar qual a medida que melhor se adequa à atenuação ou eliminação dos perigos que tais medidas visam acautelar e que, ao mesmo tempo, se revele proporcional à gravidade do crime e às sanções previsivelmente aplicáveis, tendo sempre presente que a prisão preventiva, bem como a obrigação de permanência na habitação, só devem ser aplicadas se todas as demais se revelarem inadequadas ou insuficientes.
Aqui chegados, cumpre analisar a situação dos presentes autos.
Efectivamente, da prova indiciária carreada aos autos, na fase investigatória em que estes se encontram, mencionada na fundamentação do despacho recorrido e na sequência do qual veio a ser aplicada ao arguido recorrente a medida de coacção de prisão preventiva, só se pode chegar à conclusão a que chegou o Tribunal a quo, no sentido, por um lado, que se indicia, de forma suficiente e forte, a prática, pelo arguido recorrente, em co-autoria material e na forma consumada de um crime de rapto agravado, p. e p. pelo artigo 161°, n° 1, alínea a) e c) e um crime de extorsão na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22°, 23° e 223°, n° 1, ambos do Código Penal [tendo o primeiro como ofendido a vítima EE e o segundo o irmão deste, DD], sendo aquele punido com pena de prisão de 2 a 8 anos e, por outro lado, que as medidas cautelares impostas in casu, pela gravidade dos concretos contornos dos factos indiciados, não se podem bastar com outra qualquer medida que não a prisão preventiva.
Com efeito, da análise da prova indiciária invocada, a saber: Auto de notícia de fls. 01-04; Inquirição de DD de fls. 06; Folha de suporte de fls.18-24; Auto de revista e apreensão de fls.31; Auto de revista de fls.34-35; Auto de busca e apreensão de fls.38; Reportagem fotográfica de fls.39-43; Inquirição de EE de fls.62; Reportagem fotográfica de fls.69-71; Inquirição de GG de fls. 77-79; Auto de reconhecimento de pessoas de fls. 80-91 e Extracto bancário, resulta fortemente indiciada a factualidade descrita no despacho de apresentação do arguido a 1º interrogatório, que aqui damos por reproduzido, tal como a gravidade concreta dos factos indiciados, que reclama, sem dúvida, a aplicação de tal medida, em detrimento das demais, designadamente das requeridas pelo arguido recorrente.
Veja-se que, da descrição dos factos fortemente indiciados, resulta que o arguido indiciariamente actuou em co-autoria material com uma pluralidade de indivíduos, encontrando-se o ofendido EE sozinho, tendo sido exercida violência contra este, consubstanciada na ameaça agravada que lhe foi dirigida (de levar um tiro, caso não entrasse no carro), e no facto de ter sido empurrado e forçado a entrar nessa viatura automóvel, na companhia daqueles indivíduos, tendo, depois, andado com estes “de trás para a frente”, diversas horas (desde as 16h até às 20h):
“(…) Ao chegar ali, o suspeito CC abordou-o e disse-lhe que tinha de o acompanhar, tendo acrescentado: "Eu vaso um tiro, temos que ir para o carro".
Após, surgiram mais três indivíduos, entre os quais os arguidos, que o empurraram e forçaram a entrar numa viatura e o levaram para uma residência sita na .... (…)”
Como se refere na decisão recorrida, maxime o crime de rapto agravado encerra em si mesmo uma particular gravidade, atento o bem jurídico em causa (liberdade pessoal de locomoção), ao que acresce o referido concreto e especial modo de execução prosseguido pelo arguido recorrente, gerador certamente um enorme pânico ao ofendido e, bem assim, de um forte alarme social, pondo em causa a ordem e tranquilidade públicas, desde logo pelas consequências que lhe subjazem.
Por outro lado, estamos perante um caso em que o arguido é estrangeiro, ainda que tenha companheira cá, no nosso País, que se encontra grávida, mas sem demais indicadas sólidas ligações a Portugal, o que, por si, permite indiciar a existência de um concreto perigo de fuga que cumpre acautelar.
A actuação, em co-autoria material, por parte do arguido, nos moldes que temos vindo a referir, faz também indiciar o perigo de perturbação do decurso do inquérito, havendo, ainda, certamente mais diligências a fazer, por parte do Ministério Público, e das polícias, sendo que o arguido em liberdade poderá consubstanciar tal perigo, designadamente podendo tentar constranger aqueles que eventualmente ainda venham a ser ouvidos em sede de inquérito; e com a mesma argumentação igualmente se verifica o perigo de continuação da actividade criminosa, ao que se acrescenta que em todo este cenário está em questão uma quantia monetária substancialmente elevada (cerca de € 87.000,00), que o arguido, conjuntamente com os demais indivíduos, procuravam, e cuja localização estes atribuem ao ofendido DD, e que poderá motivar o arguido, em liberdade, a continuar o que ficou interrompido...
Acresce que o crime de rapto está integrado na criminalidade violenta, segundo o artigo 1º, al. j) do Código de Processo Penal.
Tudo isto conjugado, acompanhamos a decisão recorrida, em considerar que, perante todo este cenário fáctico, o estatuto coactivo do arguido não se pode bastar, para além do TIR, com as restantes medidas de coacção indicadas pelo arguido recorrente, como a obrigação de apresentação periódica, ou mesmo a medida de coacção prevista no artigo 201.º do CPP, mesmo com a utilização de meios técnicos de controlo à distância, pois, perante a gravidade do crime de rapto agravado, a concreta forma como este foi praticado pelo arguido, com exercício de violência, em co-autoria material com demais indivíduos, e perante os concretos perigos a acautelar, acima indicados, as mesmas revelam-se insuficientes.
Resulta manifesta a total desadequação, quer da substituição da medida de coacção de prisão preventiva pela obrigação de apresentações periódicas, prevista no art. 198º do Código de Processo Penal, quer da sua substituição pela obrigação de permanência na habitação, mesmo que complementada com o sistema de vigilância electrónica, prevista no art. 201º do mesmo diploma legal, porquanto, sem necessidade de repetição de argumentação, os perigos de fuga, de perturbação do inquérito, de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, não resultariam, de todo, acautelados com tais medidas.
Logo se conclui, assim, de forma manifesta e clarividente, que bem andou o Tribunal a quo, ao aplicar ao arguido recorrente a medida de coacção de prisão preventiva, não tendo, ao fazê-lo, violado os princípios da subsidiariedade, da necessidade, adequação e proporcionalidade, consagrados nos art. 193º, 202º e 204º do Código do Processo Penal.
Antes pelo contrário, in casu, a medida de prisão preventiva mostra-se necessária, adequada e proporcional, estando o arguido recorrente fortemente indiciado da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de rapto agravado, p. e p. pelo artigo 161°, n° 1, alínea a) e c), na pessoa do ofendido EE e um crime de extorsão na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22°, 23° e 223°, n° 1, ambos do Código Penal, na pessoa do ofendido DD, sendo aquele punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, e encontrando-se integrado na criminalidade violenta, segundo o artigo 1º, al. j) do Código de Processo Penal.
Todos os indícios até ao momento colhidos, na fase em que o processo se encontra - de investigação em inquérito -, são efectivamente fortes e, assim, suficientes e bastantes para fundamentar a necessidade de aplicação ao arguido recorrente da medida de coacção de prisão preventiva, mostrando-se todas as demais inadequadas e insuficientes para salvaguardar tais exigências, pelo que se impõe manter a medida de coacção que lhe foi aplicada.
Não incorreu, assim, o Tribunal a quo, na violação das normas legais invocadas pelo arguido recorrente.
Uma última palavra para dizer que como é consabido, estamos numa fase indiciária, competindo decidir sobre o despacho recorrido, sendo que se, designadamente, por via da investigação, quando a indiciação ou as exigências cautelares se alterarem, o tribunal, oficiosamente ou mediante requerimento, não deixará de apreciar a questão.
Improcede, pois, também neste segmento, o recurso interposto pelo recorrente.
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III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, mantém-se a medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi aplicada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCS [artigo 515º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III], sem prejuízo de se verificar o pressuposto a que alude a alínea j), do n.º1, do artigo 4.º, do Regulamento das Custas Processuais.
Comunique-se, de imediato, à 1.ª instância, com cópia.
Notifique nos termos legais.
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Lisboa, 02 de Maio de 2024
(O presente acórdão foi processado em computador pela relatora, sua primeira signatária, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)

Os Juízes Desembargadores,
Fernanda Sintra Amaral
Jorge Manuel da Silva Rosas de Castro
Ana Marisa Arnedo
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1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.