Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5180/21.9T8FNC.L2-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE ASSINATURA
ÓNUS DA PROVA
INSUFICIÊNCIA DE PROVA
DECISÃO DE FACTO
VINCULAÇÃO DE SOCIEDADE
REPRESENTAÇÃO INCOMPLETA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Impugnada a assinatura (Artigo 444º, nº1, do Código de Processo Civil) imputada a uma administradora de sociedade anónima aposta num contrato de compra e venda de ações, incumbe à apresentante do contrato provar a veracidade dessa assinatura (Artigo 374º, nº2, do Código Civil).
II. Atenta a insuficiência da prova realizada sobre a genuinidade dessa assinatura, há que fazer atuar a regra de decisão do ónus da prova, considerando que a assinatura imputada não é verdadeira.
III. Na lógica própria do incidente referido em I e II, o que faz sentido e releva no mérito da ação é dar como provado um facto negativo e não adicionar um facto não provado, sendo o erro da pretensão da apelante corrigível oficiosamente (Artigo 193º, nº3, do Código de Processo Civil, por analogia).
IV. Tendo ocorrido uma intervenção de administradores em número inferior ao estatutariamente exigido para a vinculação da sociedade, o negócio de compra e venda das ações não está concluído por verificação de uma representação incompleta.
V. A falta do requisito da simulação consistente na intenção de enganar terceiros não é impeditiva da aplicação, mesmo por analogia, do regime do Artigo 240º com a consequente nulidade do negócio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
A intentou ação comum contra DD, S.A. e Banco FF, S.A. peticionando que se declare que entre si e a DD, S.A. não existe e nunca existiu uma relação de grupo ou domínio, que nunca teve justificado interesse na constituição da hipoteca constituída por escritura pública celebrada a 30 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial de Ernesto C. Santos, que a referida constituição de hipoteca configurou um ato gratuito, contrário ao seu fim lucrativo e que as responsabilidades cujo pagamento o Banco FF, S.A. referiu como estando em dívida e garantidas pela hipoteca em causa em missiva que lhe enviou, em Julho de 2021, não constituem financiamento à DD posterior a 30 de Novembro de 2009, relativo ao aumento da conta caucionada de €3.000.0000,00 para €3.500.000,00.
Mais pretende a Autora que se declare a falsidade das declarações constantes da procuração, outorgada a 6 de Novembro de 2009, e da escritura pública de caução hipotecária, lavrada a 30 de Novembro de 2009, por nelas se ter declarado o justificado interesse da Autora na constituição da hipoteca, o que não corresponde à verdade.
Subsidiariamente a este pedido de falsidade, apresenta a Autora pedido de declaração de ineficácia do título constitutivo de hipoteca relativamente à sua pessoa, por não o ter pretendido e por ser desconforme aos poderes conferidos na procuração utilizada na sua celebração.
Pretende, ainda, a Autora a declaração de inexistência das responsabilidades referidas em missiva que o Banco FF, S.A. lhe enviou, em Julho de 2021, a extinção das hipotecas e o cancelamento dos seus registos.
Por fim, para a eventualidade de se não concluir pela falsidade da procuração e do título constitutivo de hipoteca ou pela sua ineficácia, peticiona a Autora que se declare que a hipoteca em causa assegura o pagamento de responsabilidades da DD apenas até ao montante máximo de capital e acessórios de €670.000,00.
Para tanto, alega que, entre si e a sociedade DD – Hotelaria da (...), S.A., nunca existiu qualquer relação de grupo, ainda que esta tivesse demonstrado interesse em integrar o capital social da Autora.
Mais alega que essa manifestação de interesse surgiu por indicação do “NN, S.A.”, a fim de que pudesse ser invocada uma relação de domínio e se obtivessem melhores garantias para resolver as questões financeiras que a DD experienciava no momento.
Sustenta a Autora que nenhuma contrapartida obteve com a celebração das hipotecas em causa e, bem assim, que existiu uma falsidade, na medida em que a referida relação de domínio, mencionada na procuração e na escritura pública nunca existiu, sendo o assim declarado falso.
Por fim, defende a Autora que as responsabilidades efectivamente por si assumidas se mostram integralmente ressarcidas.
A Ré Banco FF, S.A. apresentou contestação em que  impugnou a alegação efectuada pela Autora, pugnando pela validade das hipotecas em discussão nos autos e pela ausência de pagamento das quantias que pela sua constituição se mostram garantidas.
Em 10.11.2022, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, tendo sido interposto recurso da mesma.
No Apenso A, em 21.11.2022, foi proferida sentença nos termos da qual HH, SA ficou habilitada a prosseguir nos autos em substituição do Banco FF, SA.
Por acórdão deste Tribunal de 2.5.2023, foi anulada a decisão proferida em primeira instância, ordenando-se a ampliação da matéria de facto quanto à (in)existência da entrega das ações e seu pagamento com referência ao contrato de 30.10.2009 ( fls. 438).
As partes foram notificada para, querendo, apresentar prova quanto a tal questão.
Em 4.8.2023, JJ, SA, habilitada na posição do Banco FF, apresentou requerimento em que afirma «(…) na audiência de julgamento, as intervenientes no contrato confirmaram as assinaturas como sendo delas, nunca colocando em questão ou em dúvida a qualidade em que assinavam e intervieram, conforme, alías, resultado da douta sentença proferida por este tribunal» ( fls 448).
Em 27.1.2023, foi proferida nova sentença  com o seguinte dispositivo:
«Em face de todo o exposto julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
i. Condenam-se os Réus a reconhecer que a hipoteca constituída em 30 de Novembro de 2009, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de SE (referida em Z.) garante o montante máximo de €670.000,00;
ii. Absolvem-se os Réus de todos os demais pedidos contra si deduzidos.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a Autora A., formulando, no final das suas alegações, as seguintes:
«CONCLUSÕES:
1. Resulta abundantemente da documentação junta aos autos, a aquisição pela ré DD, S.A. de 51% do capital social da autora BB, S.A. pelo contrato de compra e venda celebrado em 30.10.2009 junto à contestação como doc. n.º 6, só virtualmente ocorreu;
2. Efetivamente, na resposta apresentada em 17.01.2022, a Autora A, pronunciou-se sobre tal contrato de compra e venda de ações, impugnando o respetivo teor na sua totalidade, quanto aos factos neles relatados e relativamente aos efeitos e conclusões que deles se pretendam retirar, por se desconhecer a sua autenticidade, autoria, proveniência, justificação, causas e consequências, assim como as circunstâncias e princípios sob os quais tal documento foi composto, mais impugnando as letras, assinaturas, datas e pretensas autorias dos referidos documentos, ignorando-se também se as mesmas são verdadeiras e se correspondem à realidade - artigo 444.º, n.º s 1 e 2 do CPC.
3. Com a apresentação desta resposta a Autora A. impugnou:
a) a qualidade de intervenção e as assinaturas das intervenientes APB e MN;
b) a entrega das ações pela vendedora RP, LLC à compradora DD, S.A.;
c) o registo das ações a favor da compradora DD, S.A.;
d) o pagamento das ações pela vendedora RP, LLC à vendedora RP, LLC.
4. A «impugnação» a que alude o artigo 444.º do CPC, não configura uma referência à «impugnação» a que se refere o artigo 571.º do CPC relativa à mera contradição pelo réu dos factos articulados na petição inicial, referindo-se antes à «impugnação da genuinidade do documento» prevista no artigo 374.º, n.º 1, do CC, enquanto incidente da instância, porque é através deste concreto meio processual que se procede, no que ora importa, à impugnação da qualidade de intervenção e as assinaturas das intervenientes APB e MN, e da entrega, registo e pagamento das ações;
5. Em audiência resultou apenas provado, e consta da sentença recorrida, que confrontada com o contrato de compra e venda de ações, a testemunha APB «assumiu que a assinatura era sua», não negando, «por um lado, a sua existência e dele ter conhecimento e, por outro lado, a veracidade da assinatura nele aposta.»
6. Tendo a Autora A. impugnado na sua totalidade nos termos do artigo 444.º, n.º s 1 e 2 do CPC, o teor do contrato de compra e venda de ações junto aos autos, «quanto aos factos neles relatados e relativamente aos efeitos e conclusões que deles se pretendam retirar, por se desconhecer a sua autenticidade, autoria, proveniência, justificação, causas e consequências, assim como as circunstâncias e princípios sob os quais tal documento foi composto, mais impugnando as letras, assinaturas, datas e pretensas autorias dos referidos documentos, referindo ainda o seu desconhecimento quanto à veracidade e realidade das mesmas» incumbe à parte que apresentou, o Réu Banco FF, S.A., a prova da veracidade da assinatura da subscritora MN, e bem assim da entrega, registo e pagamento das ações ao abrigo do disposto no artigo 374.º do CC.
7. Não resultando apurada a veracidade da assinatura da outorgante da subscritora MN, não pode concluir-se que a vontade da compradora "DD, S.A." esteja legítima e legalmente manifestada, o que por si só, sendo o bastante para concluir pela inexistência de acordo de vontades, é igualmente o bastante para concluir pela inexistência do acordo de compra e venda de ações referido em P.;
8. Desde logo, se é certo que em audiência foi apurada a veracidade da assinatura da outorgante APB, já em relação à veracidade da assinatura da subscritora MN, e à entrega, registo e pagamento das ações nenhuma prova foi produzida, sendo estes os punctum saliens da pretensão da Autora A de não ver reconhecida a existência de uma relação de domínio com a Ré DD, S.A.;
9. O ónus de prova da compra da maioria do capital social da Autora BB, S. A. não compete a esta (que atento o facto de não ter acontecido, não o poderia jamais satisfazer) mas sim à compradora DD, S. A.
10. (Provar um facto negativo desta natureza, com o rigor e segurança associados a uma demonstração feita em juízo, - de que não se venderam ações, nem se recebeu o respetivo preço - constitui, como se compreende, uma prova diabólica, inexigível e não razoável, por muito dificilmente realizável).
11. No caso dos autos, as razões da decisão sobre matéria de facto e o processo cognitivo de que se socorreu o tribunal a quo contrariam as regras de experiência da vida e das coisas, são incompatíveis com a razoabilidade da congruência dos factos e dos comportamentos, enfim, a decisão contraria o id quod plerumque accidit (aquilo que, normal e tipicamente, acontece), razão pela qual a decisão está afetada de erro na apreciação da prova.
12. Desde logo, quanto ao facto dado como provado sob o ponto S., importa referir que dar como provado que foi pago o imposto de selo, não é dar como provado que o pagamento das ações tenha sido concretizado;
13. Pagamento este que também não pode extrair-se da existência de declaração expressa no escrito referido em P., porquanto não se provou que a assinatura da interveniente MN, representante da compradora DD, S.A., seja verdadeira e tenha sido aposta pela própria.
14. A existência de uma guia de liquidação de imposto de selo com o número de identificação fiscal 50… da Autora A., na que se encontra aposta vinheta com a menção "Pago", não pode ser indício de pagamento de ações alegadamente vendidas por RP LSS a DD, S.A.;
15. O encargo do imposto no valor de 5,00€ devido a título de imposto de selo por escritos de quaisquer contratos não especialmente previstos no n.º 8 da Tabela Geral do Imposto de Selo era, à data, a destinatária das ações.
16. Resultando apenas provada a veracidade e genuinidade da assinatura de APB aposta no contrato de compra e venda de ações, em representação simultânea da vendedora RP LCC e da compradora DD, S.A., este contrato é ineficaz em relação a esta compradora, que não o ratificou.
17. Quanto à validade substantiva deste contrato, não cumprindo as assinaturas neste, apostas a forma convencionalmente estabelecida no próprio contrato, as consequências daí advenientes são previstas no artigo 220.º do CC, ex vi artigo 223.º, n.º 1 do mesmo diploma.
18. Não resultando provado, ou sequer alegado, que à data da subscrição do escrito referido e P. a vendedora RP LCC (proprietária das ações) tivesse lavrado a declaração de transmissão, escrita nas ações, a favor da compradora DD, S.A. (transmissária e compradora das ações) e sem que haja prova do registo dessa transmissão das ações, a propriedade destas permaneceu na titularidade daquela transmitente.
19. Como afirma Carlos Ferreira de Almeida - cf. Registo de Valores Mobiliários, inserido em "Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos", Almedina, Setembro de 2005, pág. 928 - «Apesar do princípio geral do artigo 408º do Código Civil, ninguém consegue, mesmo no direito português, transferir a propriedade por mero efeito do contrato, quando este tenha como objeto valores mobiliários.»
20. Por não se terem apercebido disto é que muitos advogados celebram contratos promessa, quando deviam celebrar contratos definitivos (como sucede in casu) meramente obrigacionais em que o vendedor se obriga a transmitir a propriedade no tempo e outras circunstâncias previstas no contrato")
21. Mesmo que fosse (mas não é!) correta a versão dos factos defendida pelo Réu Banco FF, S.A., teríamos que o capital social da autora BB, S.A. seria inicialmente detido pela acionista única RP, LLC, a qual, nessa qualidade, teria vendido 51% desse capital à ré DD. S.A. pelo contrato de compra e venda celebrado em 30.10.2009 junto a fls. 163 ss;
22. Ou seja, a partir dessa data o capital social da autora A passaria a ser detido pelas acionistas DD, S.A. (com 51%) e RP, LLC (com o remanescente de 49%);
23. Acontece que o referido contrato é um verdadeiro «gato escondido com o rabo de fora» na medida em que nem sequer de forma aparente coloca em prática a referida compra e venda da maioria do capital social da autora BB, S.A. pela ré DD, S.A..
24. Se fosse verdadeiro que a DD - Hotelaria da (...) S. A. era sócia maioritária da autora A a partir de 30.10.2009, o que seria normal seria que a RP, LLC deixasse de ser detentora da totalidade do capital social da autora;
25. Só que, o que resulta das listas dos acionistas presentes nas assembleias gerais da A realizadas em 5.11.2009, 31.03.2010, 31.03.2011, 29.03.2012, 28.03.2013, 19.01.2015, 20.01.2015, e 15.10.2015, todas presididas por APB, e em 3.11.2015, presidida por JMR, nas quais, como se infere das atas nºs TREZE, CATORZE, QUINZE, DEZASSEIS, DEZASSETE, DEZOITO, DEZANOVE, VINTE e VINTE E UM e respetivas listas de presenças, esteve sempre presente e representada uma única acionista, a RP, LLC, detentora de 50.000 ações correspondentes à totalidade do capital social - cf. documentos n.ºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 21 (atas e lista de presenças) juntos aos autos pela autora em 17.01.2022, é que a única acionista representada foi a RP, LLC. detentora da totalidade do capital social da autora!!!
26. Parafraseando o texto da sentença recorrida, dir-se-á que o teor das atas n.ºs TREZE, CATORZE, QUINZE, DEZASSEIS, DEZASSETE, DEZOITO, DEZANOVE E VINTE da assembleia geral da Autora BB, S.A. e respetivas listas de presenças «comprovam as reuniões, em assembleia-geral, ali mencionadas, a presença das pessoas nelas mencionadas e as deliberações ali tomadas», o que permite a concluir «pela existência de prova sustentada e cabal de que as deliberações ali mencionadas ocorreram, foram tomadas por quem ali se encontra mencionado e, bem assim, por quem reunia as qualidades que nelas se consignaram como correspondendo a cada um dos intervenientes ali identificados e referidos como estando presentes e tendo intervenção.», tendo em conta o facto de o teor destes elementos documentais não ter sido impugnado pelas partes, que também não arguiram a sua falsidade, cumprindo assim que as ditas atas sejam «analisadas e ponderadas ao abrigo do expressamente preceituado pelos artigos 371º e 376º, ambos do Código Civil, não tendo o seu valor probatório sido, de forma alguma, beliscado por qualquer meio de prova, entretanto, produzido e carreado aos autos.»
27. Paradigmático o facto de a Ré DD, S.A., interessada na manutenção da validade da hipoteca constituída, não ter contestado a ação, impugnando a pretensão da Autora A de que se declare que entre ambas não existe e nunca existiu uma relação de grupo ou domínio e que a Autora nunca teve justificado interesse na constituição da hipoteca;
28. Não é por isso crível, porque sai completamente da normalidade e afronta as máximas da experiência, que alguém tenha uma postura de total inércia perante um pedido de condenação, contra si formulado, de anulação de uma hipoteca dada por terceiros que garante o pagamento das suas responsabilidades, anulação essa que, inevitavelmente, iria fazer com que corresse sério risco de ficar sem tal garantia;
29. Tal inércia reforça a ideia de que tudo se passou como se a alegada relação de domínio não existe, e que é credível a posição da Autora de que a aquisição da maioria do capital social da Autora A pela Ré DD, S.A. só virtualmente acontece.
30. Não há, pois, qualquer dúvida que em 2.11.2009, a autora A tinha uma única acionista, a RP, LLC., detentora da totalidade do respetivo capital social, e que a ré DD, S.A., não detinha qualquer percentagem nesse capital social, situação que sempre se manteve.
31. A sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, já que dá factos como provados que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado e são contraditados pelas atas n.ºs TREZE, CATORZE, QUINZE, DEZASSEIS, DEZASSETE, DEZOITO, DEZANOVE E VINTE da assembleia geral da Autora A e respetivas listas de presenças, que pelo Réu Banco FF, S.A, não foram arguidas de falsidade.
32. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada e não provada.
33. O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, sendo antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem.
34. Em direito processual, sendo a prova o ato ou série de atos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova (342º Código Civil) é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais atos.
35. A traduzir-se para a parte a quem compete no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.
36. Fundamentando a Exma.  Sra.  Juiz a quo a sua convicção quanto à autoria da assinatura atribuída à subscritora MN, na confissão da subscritora APB que no seu depoimento, e à instância da própria Sra. Juíza, tendo confessado a autoria da sua própria assinatura, confirmou também que «não quiseram fazer nada disto, foi tudo para inglês ver», há clamoroso erro de julgamento, estando a sentença recorrida inquinada da nulidade.
37. No caso dos autos, constam da procuração e da escritura de constituição da hipoteca as declarações feitas perante o notário de existência de «justificado interesse» da A, na constituição das hipotecas, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do CSC por ter com a 1.º Ré «uma relação de domínio ou de grupo, sendo 51% do seu capital social detido pela referida sociedade DD, S.A
38. No entanto, o que se extrai da prova testemunhal produzida é que entre a autora A e a ré "DD, S.A.", não existe, nem nunca existiu, qualquer relação de domínio ou de grupo, e que esta "DD, S.A." nunca deteve capital social da autora A e, de forma específica, a percentagem de 51% desse capital, que lhe conferisse uma relação de domínio ou de grupo já que não chegou a adquirir quaisquer ações da autora, fosse em que percentagem fosse, tal como se depreende do depoimento que a seguir se transcreve:
39. Relativamente às atas n.ºs 12 a 20 existentes a fls. 186 e seguintes, com as atas n.º 10 e seguintes existentes a partir de fls. 148 dos autos, com o contrato de fls. 163 e com a procuração de fls. 45 a 46v.º, importa atentar na passagem do depoimento da testemunha APB, do minuto 9:14 ao minuto 27:23 precedentemente transcrita;
40. Já quanto à relação de domínio, importa atentar nas passagens dos depoimentos das testemunhas JMR, do minuto 17:38 ao minuto 21:10, e APB, do minuto 27:23 ao minuto 31:34, precedentemente transcritas.
41. Transpondo tais considerações para a situação dos autos há que concluir que relativamente à consignação em ata que «a "DD" adquiriu, através de contrato celebrado em 30 de Outubro de 2009, 25.500 ações da "BB" à "RP LLC", correspondente a 51% do capital» tal consignação não pode valer nestes autos como confissão oponível ao então NN - Banco Internacional do (...) S.A., que não é parte negocial contrária do confitente (sociedade garantida DD - Hotelaria do (...) S.A.), mas terceiro;
42. Ao resultar evidente que entre 2.09.2019 (ata n.º DOZE) e 3.09.2015 (ACTA VINTE E UM) a ré DD, S.A. nunca esteve representada nas assembleias gerais da A, sequer como acionista minoritária, não podia o tribunal a quo ter concluído, como concluiu, que «a Autora – a quem incumbia o ónus de prova da inexistência de interesse próprio, na medida em que nos deparamos com a exigência de prova da invalidade do ato por si pretendida (cf. artigo 342º, do Código Civil) - não provou a inexistência de tal interesse nem a inexistência da relação de grupo declarada nesse mesmo instrumento.»
43. Colocados perante o teor das mencionadas atas, estamos perante prova documental contrária à de que a ré DD, S.A. detinha, em 2 e 9.11.2009, 51% do capital social da autora A, e nesse contexto existisse «justificado interesse», factos estes confirmados pela prova testemunhal carreada para os autos.
44. O mesmo é dizer que, inexistindo uma relação de domínio, a garantia assegurada pala hipoteca a constituição da hipoteca dos prédios da A para garantia de responsabilidades da DD, S.A. é contrária aos fins daquela.
45. Aqui chegados, o que há que concluir é que a garantia prestada pela A é nula nos termos conjugados dos artigos 6.º, n.º 3 do CSC, e 280.º, n.º 1 e 294.º do CC.
46. Mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria de concluir-se pela ineficácia do ato constitutivo das hipotecas por falta de poderes de representação.
47. O que na própria procuração outorgada pela A está bem explícito quanto aos poderes conferidos à procuradora no que toca à responsabilização da mandante é que se limitam à constituição de hipotecas sobre 7 (sete) imóveis devidamente identificados, cujo montante máximo é de 500.000,00€ com taxa de juro de 6%, hipotecas essas destinadas à garantia de financiamento a conceder à sociedade DD, S.A., aqui 1.º ré, nomeadamente a aumento da conta caucionada de 3.000.000,00€ para 3.500.000,00€, e que a mandante tem justificado interesse neste financiamento , nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, dado que tem com aquela sociedade uma relação de domínio ou de grupo, sendo 51% do seu capital, detido pela referida sociedade DD, S.A..
48. Daí que, a procuradora da autora A, ao declarar o que na escritura pública outorgada declarou em nome da sua mandante, foi para além dos poderes descritos na procuração, agindo em violação do que expressamente estava descrito na procuração, e fora dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados.
49. Em relação a esta discrepância, importa atentar:
a) nas passagens do depoimento da testemunha JMR do minuto 07:48 ao minuto 10:52, do minuto 14.30 ao minuto 14:55 e do minuto 37:40 ao minuto 39:10 precedentemente transcritas;
b) nas passagens do depoimento da testemunha APB, do minuto 18:35 ao minuto 19:30 e do minuto 31:47 ao minuto 34:49 precedentemente transcritas;
c) nas passagens do depoimento da testemunha MPM do minuto 00:45 ao minuto 01:28, do minuto 04:23 ao 04:57, do minuto 05:42 ao minuto 06:15, do minuto 06:59 ao minuto 07:28, do minuto 12:55 ao minuto 16:45, do minuto 17:03 ao minuto 24:49, precedentemente transcritas.
50. Pelo que, resultando provado que o Banco sabia que o declarado pela procuradora não correspondia às instruções que lhe haviam sido dadas, facto que não podia desconhecer por ser o autor da minuta da procuração e da escritura, temos que o ato de constituição de hipoteca referido em V. dos factos provados é ineficaz e inoponível à autora - cf. artigo 269.º do CC.
51. Mas ainda que assim se não entenda, sempre haverá que concluir pela extinção da hipoteca, a qual foi constituída para garantia do pagamento do capital até ao limite de 500.000,00€ de todas e quaisquer obrigações ou responsabilidades, que existam ou venham a existir, em nome da "DD, S.A." emergentes dos contratos tipificados na escritura, num montante máximo garantido de 670.000,00€.
52. É só com este detalhe que a hipoteca foi registada, pois do respetivo registo (ponto OO dos factos provados) consta apenas que a hipoteca se mostra registada «com um montante máximo garantido de 670.000,00€.» Ocorre que,
53. Uma das obrigações em nome da devedora, garantida pela hipoteca, foi o pagamento do montante de 500.000,00€ referente ao aumento da conta caucionada de 3.000.000,00€ e para 3.500.000,00€, nos exatos termos em que tal obrigação está identificada na procuração outorgada.
54. Ainda que na escritura pública da constituição de hipoteca esteja identificada a devedora "DD, S.A." as expressões «todas e quaisquer obrigações ou responsabilidades, que existam ou venham a existir (...) e emergentes ou resultantes de operações de crédito concedidas ou a conceder pelo NN» e devidamente tipificadas na escritura pública, o que é certo é que o limite de 500.000,00€ com um montante máximo garantido de 670.000,00€, foi integralmente absorvido pelo aumento da conta caucionada.
55. No caso dos autos é evidente que as obrigações garantidas são indetermináveis, já que, pese embora estejam identificados os negócios que lhes dão origem, a medida da garantia estabelecida foi totalmente «consumida» pelo aumento da conta caucionada, inexistindo assim garantia para os demais negócios tipificados na escritura, o que nos leva a concluir pela indeterminabilidade do negócio e, consequentemente, pela sua nulidade, quanto às demais operações de crédito tipificadas na escritura pública, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1 do CC (e como possibilitado pelo artigo 292.º do mesmo diploma).
56. Mas ainda que não se concluísse por tal nulidade e se admitisse que daquele referido texto contratual decorria, sem mais, a garantia de créditos quer pretéritos quer futuros, tal previsão, como indicadora do fundamento da garantia e identificadora de tais créditos, sempre teria que constar do registo e deste sempre teria também que constar o montante máximo assegurado quanto a tais créditos, como expressamente se prevê no artigo 96.º, n.º 1 al. a) do CRP, pois tal registo, como previsto nos artigos 687.º e 693.º, n.º 1 do CC, é condição de eficácia da garantia constituída pela hipoteca.
57. Assim, porque não constante do registo, é inequívoco que a hipoteca não abrange outros créditos que não o de 500.000,00€ referente ao aumento da conta caucionada.
58. Para além disso, estando na escritura de constituição de hipoteca, devidamente tipificados os negócios que podem dar origem às obrigações que se visa garantir, não resultou provado que as responsabilidades identificadas no ponto MM. dos factos provados sejam emergentes ou resultantes de qualquer um dos tipos de contratos identificados na escritura pública de constituição de hipoteca, sendo certo que a conta caucionada a que se vem referindo foi integralmente paga e já não existe, o que foi garantido pela testemunha FLM, como decorre da passagem do seu depoimento do minuto 13:08 ao minuto 13:48 precedentemente transcrita.
59. Pelo que, reduzindo-se a hipoteca à garantia do aumento da conta caucionada de 3.000.000.00€ para 3.500.000,00€, e mostrando-se pago o valor total da referida conta caucionada, deve a hipoteca constituída ser declarada extinta nos termos do previsto no artigo 730.º, al. a) do CC.
60. Deve a matéria de facto ser alterada nos seguintes termos:
a) o teor dos pontos P., Q., R. e S. dos factos provados deve ser alterado passando a ser o seguinte:
P. «Com data de 30 de Outubro de 2009, está elaborado um escrito no qual estão identificadas como partes a RP LLC, representada por APB, na qualidade de primeira Outorgante, e a "DD, S.A.", representada por APB e MN, na qualidade de Segunda Outorgante, declarando a primeira vender à segunda, pelo valor de €25.500,00, vinte e cinco mil e quinhentas ações, numeradas de 1 a 25 (1 a 25.000) e 51 (25.001 a 25.500), de valor nominal de €1,00 cada uma, que detém na sociedade A com o capital social integralmente realizado de €50.000,00, com o número de matrícula e de pessoa coletiva 50…»
Q. Consta da Cláusula Terceira do escrito referido em P. que "o preço fixado anteriormente (...) é pago pela compradora, na presente data, do que a Vendedora dá plena quitação através do presente documento";
R. Consta da Cláusula Quarta do escrito referido em P. que "ambas as contraentes ficam obrigadas a manter em total e absoluta confidencialidade o conteúdo deste Contrato, bem como as negociações com ele relacionadas, incluindo atos necessários e preparatório à sua celebração nos termos e condições aqui previstos";
S. Com o n.º 8022… foi emitida pela Direcção-Geral dos Impostos uma declaração de retenções na fonte IRS/IRC e imposto de selo, com o número de identificação fiscal 50… da Autora A, no valor de 5,00€, cujo pagamento foi efetuado no dia 03 de Novembro de 2009.
b) deve, nos pontos DD. e II. dos factos provados ser eliminado o vocábulo «acordo»;
c) devem, aos provados ser aditados os seguintes factos:
B.1. - A forma de obrigar a DD, S. A. é com a assinatura de dois administradores ou do presidente do conselho de administração.
S.1 - A assinatura de representante da RP, LLC. aposta no escrito identificado em P. é da aí identificada APB, tendo sido aposta pela própria.
S.2. - A DD, S.A. nunca deteve capital social da autora A e, de forma específica, a percentagem de 51% desse capital;
S.3 - A DD, S.A. não chegou a adquirir quaisquer ações da A, fosse em que percentagem fosse.
Y. 1: A procuração referida em S. foi minutada pelo NN - Banco Internacional do (...) S.A.
Z. 1: A autora dispôs-se a constituir uma hipoteca no montante de 500.000,00€ a favor do NN - Banco Internacional do (...) S.A., destinada a garantir do aumento da de 3.000.000,00€ para 3.500.000,00€, da conta corrente caucionada da DD, S.A.
GG.1 A escritura referida em Z. é uma minuta que normalmente o banco usa e provavelmente foi usada na elaboração desta escritura.
TT - Nos dias 5 de Novembro de 2009, 31 de Março de 2010, 31 de Março de 2011, 29 de Março de 2012, 28 de Março de 2013, 19 de Janeiro de 2015, 20 de Janeiro de 2015, e 15 de Outubro de 2015, realizaram-se assembleias gerais da Autora, de cujas atas consta que as mesmas foram presididas por APB, e nas quais esteve sempre presente e representada como única acionista, a RP, LLC, detentora de 50.000 ações correspondentes à totalidade do capital social.
d) devem, aos não provados ser aditados os seguintes factos:
16 - A assinatura de representante da DD, S. A. aposta no escrito identificado em P. é da aí identificada MN, tendo sido aposta pela própria.
17 - O escrito referido em P. foi ratificado pela administração da DD - Imobiliária da (...), S.A.
18 - A segunda Outorgante pagou à primeira Outorgante as ações referidas em P.
19 - A DD, S. A. registou a seu favor as ações referidas em P.
20 - Nas atas das assembleias gerais da Autora realizadas posteriormente à data que consta do escrito referido em P. nos dias 5 de Novembro de 2009, 31 de Março de 2010, 31 de Março de 2011, 29 de Março de 2012, 28 de Março de 2013, 19 de Janeiro de 2015, 20 de Janeiro de 2015, e 15 de Outubro de 2015, consta que esteve presente ou representada a compradora DD, S.A.
61. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos:
i) 160.º, 220.º, 223.º, 258.º, 262.º, 265.º, 268.º, 269.º, 294.º, 352.º, 349.º, 341.º, 351.º, 352.º, 358.º, 359.º, 362.º, 363.º, 372.º, 374.º, 376.º, 687.º. 693.º e 730.º, al. c) do CC;
ii) 101.º e 104.º do Código de Valores Mobiliários (CVM)
iii) 6.º, n.ºs 1 e 3 do Código das Sociedades Comerciais (CSC);
iv) 96.º, n.º 1, al. a) do Código de Registo Predial (CRP);
v) 3.º, n.º 3, al. s) do Código do Imposto de Selo (CIS), e n.º 8 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), preceitos estes vigentes à data, vindo a ser revogados pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril;
vi) 414.º, 444.º, 615.º, n.º 1, al. b) e 616.º, n.º 2, als. a) e b) do CPC.
NESTES TERMOS e melhores de direito, cujo douto suprimento se invoca, deve o recurso ser admitido e, alterada que seja a matéria de facto nos termos antecedentemente expostos, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue extintas as hipotecas constituídas através da escritura de caução hipotecária outorgada em 30.11.2009 no Cartório Notarial sito à Av.º (...), n.º 42, Edifício (...), 3.º andar, salas 3.4 e 3.5, na cidade do (...) lavrada de fls. 5 a 8 do Livro (...), que recaiu sobre os sete (7) prédios da Autora A identificados no ponto AA. dos factos provados, assim se fazendo JUSTIÇA.»
Não se mostram juntas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i.Impugnação da decisão da matéria de facto (conclusão 60);
ii.Inexistência da compra e venda de ações (conclusões 1 a 15);
iii.Invalidade da compra e venda de ações (conclusões 17 a 28);
iv.Ineficácia da compra e venda de ações (conclusão 16);
v.Inexistência da relação de domínio (conclusões 29 a 44);
vi.Nulidade da garantia prestada (conclusões 44 e 45);
vii.Falta de poderes de representação para constituição da hipoteca (conclusões 46 a 50);
viii.Extinção da hipoteca (conclusões 51 a 54 e 59);
ix.Nulidade da hipoteca por garantir obrigações indetermináveis (conclusões 55 a 58).
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
A. A autora A é uma sociedade anónima que desenvolve a sua atividade principal no âmbito de compra para revenda de imóveis, negócios de compra e venda de imóveis, construção de imóveis, promoção imobiliária, gestão de imóveis próprios e prestação de serviços de administração imobiliária;
B. A Ré “DD – Hotelaria da (...), S.A.” é uma sociedade anónima que desenvolve a sua atividade na área da indústria hoteleira e similares;
C. Em 2009, a autora tinha como administradora única Paula Biscoito Neves;
D. Em 31 de Agosto de 2009 realizou-se assembleia geral da Autora, cuja ordem de trabalhos se enunciava como aumento de capital a realizar pela nova sócia “DD – Hotelaria da (...), S.A.”;
E. Na assembleia referida em D. foi deliberado, por unanimidade, que a administração seja incumbida de tomar todas as diligências para elaborar estudo, tendo em vista um aumento de capital, pelo menos, de €50.000,01, com entrada de pelo menos um novo sócio, e que tendo em conta o interesse já manifestado pela sociedade DD – Hotelaria da (...), S.A. ... propõe que esta seja contactada relativamente ao eventual aumento de capital;
F. No dia 25 de Setembro de 2009, realizou-se assembleia-geral da “DD – Hotelaria da (...), S.A.”, presidida por (...), com a presença de APB e de JMR;
G. APB participou na assembleia geral da DD, mencionada em F., em representação da sócia maioritária da DD, a “AA-SGPS, S.A.”;
H. Na assembleia referida em F. foram eleitos os órgãos sociais para o triénio 2009 a 2011;
I. Na assembleia referida em F. foi proposto por APB (em representação da sócia maioritária da DD) que a mesa da assembleia geral fosse presidida pela Dra. (...) e que, o conselho de administração fosse formado por JMR, por ela própria, APB, e por MN (na altura cônjuge do dito JMR);
J. A proposta referida em I. foi aceite por unanimidade, passando o conselho de administração da “DD – Hotelaria da (...), S.A.”, a integrar APB, MN e JMR;
K. Na assembleia referida em F., sob proposta de JMR, foi deliberado, por unanimidade, a constituição de hipoteca a favor do NN, sobre quatro imóveis, para garantia do pagamento de uma conta corrente caucionada de €3.000.000,00, à taxa de juro fixa de 6% e mandatar a administradora única da Autora, APB, para, em representação da “DD“ outorgar as escrituras de hipoteca e toda a documentação necessária ao aludido fim;
L. A 16 de Outubro de 2009, realizou-se assembleia-geral da DD, presidida pela Dra. (...), cuja ordem de trabalhos possuía o seguinte ponto único: “deliberar sobre participação em projetado aumento de capital da sociedade BB – Sociedade Imobiliária, S.A., nos termos da ata da referida sociedade de 31.08.2009”;
M. Na assembleia referida em L. foi deliberado, por unanimidade, que “a administração seja incumbida de tomar todas as diligências para elaborar estudo, tendo em vista um aumento de capital, pelo menos, de €50.000,01, da qual teve conhecimento através de contacto da A que lhe disponibilizou a deliberação formalizada na ata de 31.08.2009”;
N. No dia 20 de Outubro de 2009 realizou-se uma assembleia geral da Autora, presidida por APB e secretariada por MRN, com o seguinte ponto único da ordem de trabalhos: “deliberar sobre a constituição de uma hipoteca voluntária para garantia de financiamento a conceder à DD – Hotelaria da (...), S.A..”, incidente sobre sete imóveis da Autora;
O. A proposta referida em N. foi aprovada por unanimidade;
P. A 30 de Outubro de 2009, a RP LLC, representada por APB, na qualidade de primeira Outorgante, e a “DD – Hotelaria da (...), S.A.”, representada por APB e MN, na qualidade de Segunda Outorgante, celebraram acordo escrito em que a primeira declara vender à segunda, pelo valor de €25.500,00, vinte e cinco mil e quinhentas ações, numeradas de 1 a 25 (1 a 25.000) e 51 (25.001 a 25.500), de valor nominal de €1,00 cada uma, que detém na sociedade A com o capital social integralmente realizado de €50.000,00, com o número de matrícula e de pessoa coletiva 50…;
Q. Sob a Cláusula Terceira as partes declararam que “o preço fixado anteriormente (...) é pago pela compradora, na presente data, do que a Vendedora dá plena quitação através do presente documento”;
R. Sob a Cláusula Quarta as partes declararam que “ambas as contraentes ficam obrigadas a manter em total e absoluta confidencialidade o conteúdo deste Contrato, bem como as negociações com ele relacionadas, incluindo atos necessários e preparatório à sua celebração nos termos e condições aqui previstos”;
S. O referido em P. foi declarado fiscalmente a 03 de Novembro de 2009, tendo sido pago o respetivo imposto de selo;
T. A 02 de Novembro de 2009, foi realizada assembleia-geral da Autora, presidida por APB e secretariada por (...), com o seguinte ponto único da ordem de trabalhos: “deliberar sobre a constituição de uma hipoteca voluntária para garantia de financiamento a conceder à DD – Hotelaria da (...), S.A.”, incidente sobre sete imóveis da Autora;
U. Na ata da assembleia referida em T. ficou consignado que a “DD” adquiriu, através de contrato celebrado em 30 de Outubro de 2009, 25.500 ações da A à “RP LLC”, correspondente a 51% do capital;
V. A deliberação referida em T. foi aprovada por unanimidade;
W. No dia 6 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial sito à Av.ª (...), n.º 42, Edifício (...), 3.º andar, salas 3.4 e 3.5, na cidade do (...) foi outorgada, por APB, procuração através da qual, com a faculdade de substabelecer, constituiu MN procuradora da A e a quem concedeu poderes especiais para constituir hipoteca a favor do “NN – Banco Internacional do (...) S.A”, no montante de quinhentos mil euros, com a taxa de juro de seis porcento;
X. Na procuração referida em W. foram identificados os imóveis:
i. Prédio rústico, sito à Serra da Fora, freguesia e concelho (...), com a área de mil quatrocentos metros quadrados, inscrito na matriz predial sob o artigo cadastral (…) da Secção “AD”, descrito na Conservatória do Registo Predial (...), sob o número quatro mil cento e setenta e um, daquela freguesia;
ii. Prédio urbano, no mesmo sítio e freguesia do anterior, com a área de mil setecentos e vinte metros quadrados, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), descrito naquela Conservatória do Registo Predial sob o número dois mil quinhentos e quarenta e oito, da mesma freguesia;
iii. Prédio misto, ao mesmo sítio da Serra Fora ou Lombo dos Arões, com a área de mil e oitocentos metros quadrados, dos quais trezentos e quarenta são de área coberta, inscrito na matriz predial, a parte rústica sob o artigo cadastral (…) da Secção “AD” e a urbana destinada a habitação, na matriz predial sob o artigo (…), descrito na citada Conservatória do Registo Predial sob o número cinco mil setecentos e trinta e seis, da freguesia (...);
iv. Prédio rústico, ao mesmo sítio da Serra Fora ou Lombo dos Arões, com a área de oito mil e setecentos metros quadrados, inscrito na matriz predial sob o artigo cadastral (…) da Secção “AD”, descrito na mesma Conservatória do Registo Predial sob o número cinco mil setecentos e trinta e sete, da dita freguesia;
v. Prédio rústico, sito ao Curral do Novilho, freguesia e concelho de (...), com a área de trinta e oito mil quatrocentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz predial sob o artigo cadastral 5 da Secção (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...), sob o número trezentos e oitenta e um, da freguesia da (...);
vi. Prédio rústico, sito à Achada da Mouca, mesma freguesia do anterior, com a área de dois mil novecentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz predial, sob o artigo 7 cadastral da Secção (…), descrito na dita Conservatória do Registo Predial de (...), sob o número trezentos e oitenta e dois, da mencionada freguesia de (...);
vii. Prédio rústico, sito ao Vale dos Marcos, mesma freguesia do anterior, com a área de noventa e um mil setecentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz predial sob o artigo cadastral 2 da Secção (…)”, descrito na mesma Conservatória do Registo Predial de (...), sob o número quinhentos e trinta, da freguesia de (...);
Y. No documento referido em W., foi declarado que a hipoteca se destina a garantia de financiamento a conceder à sociedade anónima “DD – Hotelaria da (...), S.A.”, registada na predita Conservatória do Registo Comercial, com o número único de matrícula e de identificação fiscal quinhentos e onze milhões oitenta e três mil setecentos e quarenta e dois (511.083.742),com o capital social de sete milhões de euros, nomeadamente a aumento da conta corrente caucionada de três milhões, para três milhões e meio de euros e que a sociedade, futura hipotecante, “A.”, tem justificado interesse neste financiamento, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, dado que tem com aquela sociedade uma relação de domínio ou de grupo, sendo cinquenta e um por cento do seu capital social detido pela referida sociedade “DD – Hotelaria da (...), S.A.»;
Z. A 30 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial sito à Av.ª (...), n.º 42, Edifício (...), 3.º andar, salas 3.4 e 3.5, na cidade do (...) “A”, “DD – Hotelaria da (...), S.A.” e “NN – Banco Internacional do (...) S.A.” celebraram escritura pública denominada de “Caução Hipotecária”, mediante a qual a “A” declarou que, em caução e garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações ou responsabilidades, que existam ou venham a existir, em nome da “DD – Hotelaria da (...), S.A.” e emergentes ou resultantes de operações de crédito concedidas ou a conceder pelo NN, por Contratos de Empréstimo ou de Abertura de Crédito, por financiamentos por Livranças, por Descontos de Papel Comercial, por Créditos por Assinatura, por Descoberto em Conta de Depósitos à ordem e por Créditos Documentários de Importação, Contrato de Leasing ou de Factoring e Acordo de Gestão de Pagamento a Fornecedores, na sua vigência inicial ou nas suas prorrogações ou renovações de prazo ou ainda nas suas reformas por inteiro ou parciais, e/ou alterações, até à sua completa liquidação, incluindo o pagamento do capital, até ao valor limite de quinhentos mil euros, dos correspondentes juros compensatórios, calculados à Taxa Fixa de seis por cento ao ano e da sobretaxa máxima permitida, a título de cláusula penal, devida pela mora em caso de incumprimento, atualmente de quatro por cento ao ano, incluindo ainda os demais encargos contratuais e legais e as despesas judiciais e extrajudiciais que, para simples efeito de registo, se fixam em vinte mil euros, sendo o montante máximo de capital e acessórios de seiscentos e setenta mil euros, constitui a favor do NN hipoteca sobre os imóveis que a seguir se identificam, bem como sobre quaisquer construções ou benfeitorias neles a realizar;
AA. Na escritura referida em Z. foram identificados os seguintes prédios;
i. Prédio urbano, sito à Serra da Fora, freguesia e concelho (...), com a área de mil setecentos e vinte metros quadrados, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (...), descrito naquela Conservatória do Registo Predial sob o número dois mil quinhentos e quarenta e oito, da mesma freguesia;
ii. Prédio rústico, sito à Serra da Fora, freguesia e concelho (...), com a área de mil quatrocentos metros quadrados, inscrito na matriz predial sob o artigo (...) da Secção “AD”, descrito na Conservatória do Registo Predial (...), sob o número quatro mil cento e setenta e um, daquela freguesia;
iii. Prédio rústico, ao mesmo sítio da Serra Fora ou Lombo dos Arões, com a área de oito mil e setecentos metros quadrados, inscrito na matriz predial sob o artigo (...) da Secção “AD”, descrito na mesma Conservatória do Registo Predial sob o número cinco mil setecentos e trinta e sete, da dita freguesia;
iv. Prédio rústico, sito ao Vale dos Marcos, mesma freguesia do anterior, com a área de noventa e um mil setecentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz predial sob o artigo cadastral 2 da Secção “54”, descrito na mesma Conservatória do Registo Predial de (...), sob o número quinhentos e trinta, da freguesia de (...);
v. Prédio rústico, sito ao Curral do Novilho, freguesia e concelho de (...), com a área de trinta e oito mil quatrocentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz predial sob o artigo cadastral 2 da Secção (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...), sob o número trezentos e oitenta e um, da freguesia da (...);
vi. Prédio rústico, sito à Achada da Mouca, mesma freguesia do anterior, com a área de dois mil novecentos e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz predial, sob o artigo 7 cadastral da Secção (…), descrito na dita Conservatória do Registo Predial de (...), sob o número trezentos e oitenta e dois, da mencionada freguesia de (...);
vii. Prédio misto, ao mesmo sítio da Serra Fora ou Lombo dos Arões, com a área de mil e oitocentos metros quadrados, dos quais trezentos e quarenta são de área coberta, inscrito na matriz predial, a parte rústica sob o artigo cadastral (…) da Secção “AD” e a urbana destinada a habitação, na matriz predial sob o artigo (…), descrito na citada Conservatória do Registo Predial sob o número cinco mil setecentos e trinta e seis, da freguesia (...);
BB. Na escritura referida em Z. ficou consignado que a hipoteca voluntária registada a favor do “NN, S.A.” sobre os prédios identificados em (iv.), (v.) e (vi.) subsiste;
CC. Na hipoteca referida em Z., ficou estabelecido que a hipoteca abrange todas as benfeitorias, construções e acessões, presentes e futuras que forem efetuadas ou venham a ocorrer nos referidos bens, obrigando-se a “A” a proceder aos correspondentes averbamentos;
DD. Acordaram os outorgantes que a garantia hipotecária referida em Z. se mantinha em vigor, nos casos, ou situações, em que forem eventualmente modificados, por expresso acordo escrito de todos os outorgantes, o prazo e as condições de reembolso do capital mutuado e de pagamento dos juros convencionados, bem como qualquer outra condição relativa ao crédito garantido;
EE. Na escritura referida em Z., pela outorgante “A” foi declarado possuir justificado interesse neste financiamento, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, dado que tem com aquela sociedade uma relação de domínio ou de grupo, sendo cinquenta e um por cento do seu capital social detido pela referida sociedade “DD – Hotelaria da (...), S.A.”;
FF. Na escritura referida em Z., a Autora foi representada por MN, na qualidade de procuradora;
GG. Na escritura referida em Z., a “DD – Hotelaria da (...), S.A.” foi representada por MN, na qualidade de vogal do conselho de administração;
HH. Em 2009, a autora mantinha aberta no NN – Banco Internacional do (...) S.A. a conta com o IBAN n.º PT50 ...;
II. A 14 de Julho de 2011, a “DD”, representada por APB e MN, celebrou com o “NN - Banco Internacional do (...) S.A.” acordo escrito mediante o qual este entregava àquela o montante de €5.453.527,12, com a finalidade de liquidar conta corrente caucionada no montante de €1.500.000,00, conta corrente caucionada no montante de €3.500.000,00, com juros vencidos de €10.209,00, descoberto no montante de €69.932,28 e livrança no montante de €360.000,00, com juros no montante de €13.385,84;
JJ. O acordo referido em II. foi assinado pela Autora, representada por APB, JMR e MN, na qualidade de terceira Outorgante;
KK. Sob a Cláusula Primeira, número 10, com a epígrafe Garantias, do acordo referido em II., as partes estabeleceram, sob o ponto 10.4., que as hipotecas constituídas por escritura de 30 de Novembro de 2009, no cartório Notarial sito à Avenida (...), em escritura lavrada a fls. 55, do Livro de Notas para escrituras diversas (...) ficariam como garantia do empréstimo concedido;
LL. Sob a Cláusula Nona, do acordo referido em II., as partes acordaram que em garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas ou a assumir perante o NN e derivadas deste contrato, suas eventuais prorrogações, alterações, aditamentos e/ou substituições, até à sua completa liquidação, incluindo o pagamento do capital até ao valor do limite do Montante mutuado e os correspondentes juros compensatórios à taxa contratada e os devidos pela mora e demais encargos legais e contratuais e ainda de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que o NN venha a fazer para a cobrança do seu crédito, foram ou serão constituídas a favor do NN as garantias mencionadas na Cláusula Primeira;
MM. Sob a Cláusula Nona, do acordo referido em II., as partes acordaram que nos casos de eventual cessação deste contrato por acordo entre as partes e da sua alteração ou substituição por outro contrato que passe a regulamentar o crédito já concedido, as garantias pessoais e/ou reais referidas no presente contrato ou nele constituídas, manter-se-ão vigentes até ao integral cumprimento das obrigações que asseguram;
NN. Em reunião extraordinária do Conselho de Administração de 20 de Dezembro de 2015, às 23h30m, o Banco de Portugal deliberou alienar ao Banco FF, S.A.” os direitos e obrigações, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do “NN – Banco Internacional do (...) S.A”;
OO. Em Abril de 2021, a autora, através da sua mandatária, solicitou ao “Banco FF, S.A.” a sua exoneração da qualidade de garante das responsabilidades e dívidas assumidas pela “DD – Hotelaria da (...), S.A.”;
PP. A 17 de Junho de 2021, o “Banco FF, S.A.” comunicou à Autora não possuir documentação contratual que confirme a exoneração da Autora da qualidade de garante das responsabilidades e dívidas assumidas pela sociedade “DD – Hotelaria da (...), S.A.” junto do Banco e que considerava as garantias válidas e em vigor;
QQ. A 26 de Julho de 2021, o “Banco FF S.A.” informou a autora manter interesse nas garantias hipotecárias prestadas pela “A”, estando à referida data a referida garantia a assegurar o bom e integral pagamento das seguintes responsabilidades da sociedade “DD – Hotelaria da (...), S.A.”, no valor de € 13.011.919,82, emergentes dos seguintes contratos:
i. Número 0003.10823853096, num total em falta de €7.077.995,92;
ii. Número 0003.10818697096, num total em falta de €550.012,68;
iii. Número 0003.10822459096, num total em falta de €659.141,16;
iv. Número 0008.00780237096, num total em falta de €4.711.542,62;
v. Número DO.0008.01482172020, num total em falta de €13.227,43;
RR. Nos autos de execução número 4772/19.0T8FNC, o Réu “Banco FF, S.A.” apresentou reclamação de créditos, em que se inclui o contrato referido em II.;
SS. A hipoteca referida em Z. mostra-se registada pela Ap. 3214, de 2009/12/02, com o montante máximo garantido de €670.000,00.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Impugnação da decisão da matéria de facto
Em primeiro lugar, a apelante/autora pretende que se proceda à alteração da matéria de facto provada nos seguintes termos:


FACTO CONSIDERADO PROVADO PELO TRIBUNAL A QUO:NOVA REDAÇÃO IMPETRADA PELA APELANTE:
P. A 30 de Outubro de 2009, a RP LLC, representada por APB, na qualidade de primeira Outorgante, e a “DD – Hotelaria da (...), S.A.”, representada por APB e MN, na qualidade de Segunda Outorgante, celebraram acordo escrito em que a primeira declara vender à segunda, pelo valor de €25.500,00, vinte e cinco mil e quinhentas ações, numeradas de 1 a 25 (1 a 25.000) e 51 (25.001 a 25.500), de valor nominal de €1,00 cada uma, que detém na sociedade BB – Sociedade Imobiliária, S.A. com o capital social integralmente realizado de €50.000,00, com o número de matrícula e de pessoa coletiva 50…;P. «Com data de 30 de Outubro de 2009, está elaborado um escrito no qual estão identificadas como partes a RP LLC, representada por APB, na qualidade de primeira Outorgante, e a "DD, S.A.", representada por APB e MN, na qualidade de Segunda Outorgante, declarando a primeira vender à segunda, pelo valor de €25.500,00, vinte e cinco mil e quinhentas ações, numeradas de 1 a 25 (1 a 25.000) e 51 (25.001 a 25.500), de valor nominal de €1,00 cada uma, que detém na sociedade A com o capital social integralmente realizado de €50.000,00, com o número de matrícula e de pessoa coletiva 50…
Q. Sob a Cláusula Terceira as partes declararam que “o preço fixado anteriormente (...) é pago pela compradora, na presente data, do que a Vendedora dá plena quitação através do presente documento”;Q. Consta da Cláusula Terceira do escrito referido em P. que "o preço fixado anteriormente (...) é pago pela compradora, na presente data, do que a Vendedora dá plena quitação através do presente documento";
R. Sob a Cláusula Quarta as partes declararam que “ambas as contraentes ficam obrigadas a manter em total e absoluta confidencialidade o conteúdo deste Contrato, bem como as negociações com ele relacionadas, incluindo atos necessários e preparatório à sua celebração nos termos e condições aqui previstos”;
R. Consta da Cláusula Quarta do escrito referido em P. que "ambas as contraentes ficam obrigadas a manter em total e absoluta confidencialidade o conteúdo deste Contrato, bem como as negociações com ele relacionadas, incluindo atos necessários e preparatório à sua celebração nos termos e condições aqui previstos";
S. O referido em P. foi declarado fiscalmente a 03 de Novembro de 2009, tendo sido pago o respetivo imposto de selo;S. Com o n.º 8022… foi emitida pela Direcção-Geral dos Impostos uma declaração de retenções na fonte IRS/IRC e imposto de selo, com o número de identificação fiscal 50… da Autora A, no valor de 5,00€, cujo pagamento foi efetuado no dia 03 de Novembro de 2009.


A pretensão da alteração destas redações assenta na seguinte argumentação: a apelante, confrontada com a junção, na contestação, do “Contrato de Compra e Venda de Ações” (fls. 163), impugnou expressamente as assinaturas aí apostas, para os efeitos do Artigo 444º, nº 1, do Código de Processo Civil, não tendo sido feita prova de que a assinatura imputada a MN é verdadeira e foi aposta pela mesma no contrato de compra e venda de ações.
Ouvida na íntegra a produção da prova em audiência, verifica-se que a única testemunha que se pronunciou proximamente sobre a matéria foi a testemunha APB a qual, confrontada com o aludido contrato de compra e venda de ações, confirmou como sua assinatura aí aposta (depoimento ao minuto 31) mas nada disse expressamente sobre a genuinidade da assinatura imputada a MN.
Ora, nos termos do Artigo 374º, nº2, cabia à Ré fazer a prova da veracidade da assinatura imputada a MN, sendo que a Ré não inquiriu a MN nem requereu exame pericial, quedando-se pela prova testemunhal em audiência já referida.
Atenta a insuficiência da prova realizada sobre a genuinidade da assinatura imputada a MN, há que fazer atuar a regra de decisão do ónus da prova, devendo o tribunal ficcionar que se encontra provado o facto contrário e tomá-lo como fundamento da sua decisão (cf. Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 3ª ed., p. 14), ou seja, há que considerar que a assinatura imputada a MN não é verdadeira.
Conjugando esta apreciação com o que se dirá infra a propósito do aditamento dos factos S2, S3 e UU, justifica-se a procedência da impugnação quanto à alteração da redação dos factos P a S, o que se determina.
Em segundo lugar, pretende a apelante que seja eliminado o vocábulo “acordo” dos pontos DD e II dos factos provados.
Tentando alcançar o fundamento de tal pedido, lê-se no corpo das alegações que «não resultando provado que nesse escrito conste aposta a verdadeira assinatura da aí identificada MN, não podemos concluir que a vontade da compradora "DD, S.A." esteja legítima e legalmente manifestada;/ O que por si só, sendo o bastante para concluir pela inexistência de acordo de vontades, é igualmente o bastante para concluir pela inexistência de contrato de compra e venda de ações.»
Ora, a matéria enunciada nos factos DD e II não respeita diretamente ao aludido contrato de compra e venda de ações, de modo que claudica a pretensão da autora aqui enunciada, a qual se deverá a lapso.
A apelante pretende que sejam aditados os seguintes factos provados:
B.1. - A forma de obrigar a DD, S. A. é com a assinatura de dois administradores ou do presidente do conselho de administração.
S.1 - A assinatura de representante da RP, LLC. aposta no escrito identificado em P. é da aí identificada APB, tendo sido aposta pela própria.
S.2 - A DD, S.A. nunca deteve capital social da autora A e, de forma específica, a percentagem de 51% desse capital;
S.3 - A DD, S.A. não chegou a adquirir quaisquer ações da BB, S.A., fosse em que percentagem fosse.
Y. 1: A procuração referida em W. [a apelante refere por lapso S. mas reporta-se ao facto W.] foi minutada pelo NN - Banco Internacional do (...) S.A.
Z. 1: A autora dispôs-se a constituir uma hipoteca no montante de 500.000,00€ a favor do NN - Banco Internacional do (...) S.A., destinada a garantir do aumento da de 3.000.000,00€ para 3.500.000,00€, da conta corrente caucionada da DD, S.A.
GG.1 A escritura referida em Z. é uma minuta que normalmente o banco usa e provavelmente foi usada na elaboração desta escritura.
TT - Nos dias 5 de Novembro de 2009, 31 de Março de 2010, 31 de Março de 2011, 29 de Março de 2012, 28 de Março de 2013, 19 de Janeiro de 2015, 20 de Janeiro de 2015, e 15 de Outubro de 2015, realizaram-se assembleias gerais da Autora, de cujas atas consta que as mesmas foram presididas por APB, e nas quais esteve sempre presente e representada como única acionista, a RP, LLC, detentora de 50.000 ações correspondentes à totalidade do capital social.
Quanto ao facto a aditar sob B1, trata-se de matéria que só pode ser objeto de prova documental (modo de vinculação de sociedade), encontrando-se a fls. 41 cópia do registo comercial da referida sociedade (cf. Artigos 663º, nº 2, e 607º, nº4, do Código de Processo Civil; Artigo 5º-A do Decreto-lei nº 12/2021, de 9.2).
Assim, deferindo-se à impugnação, adita-se o facto:
B1. Em 31.5.2006, foi registada alteração ao contrato de sociedade de DD – Hotelaria da (...), SA, nos termos da qual: «Forma de obrigar: a) assinatura do presidente do Conselho de Administração; b) assinatura conjunta de qualquer administrador com a de um procurador nomeado para o efeito por deliberação unânime do Conselho de Administração; c) assinatura conjunta de dois administradores.
Quanto ao aditamento do facto S1, o aditamento pretendido espelha o resultado probatório do incidente da impugnação da genuinidade do documento (deduzido pela autora em 17.1.2022 – fls. 177 v.) pois, consoante se afirmou supra, a própria Ana APB confirmou a genuinidade da assinatura que lhe é imputada.
Assim, na procedência da impugnação, adita-se o facto:
S2 – A assinatura da representante da RP, LLC aposta no escrito identificado em P. é da identificada APB, tendo sido aposta pela própria.
No que tange aos factos a aditar sob Y1, GG1 os mesmos não foram oportunamente alegados pela autora quer na petição inicial quer na “resposta” de 17.1.2022.
Atenta a causa de pedir nestes autos, os factos (enunciados no parágrafo precedente) que a apelante pretende adicionar ao elenco dos factos provados poderão assumir a natureza de factos complementares, nos termos do Artigo 5º, nº 2, al. b), do Código de Processo Civil. Tais factos só poderiam ser introduzidos no processo no decurso do julgamento em primeira instância, mediante iniciativa da parte ou oficiosamente, sendo que, neste último caso, cabe ao juiz anunciar às partes que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto, sob pena de proferir uma decisão-surpresa (cf. também: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7.2.2017, Pinto de Almeida, 1758/10, de 6.9.2022, Graça Amaral, 3714/15, de 30.11.2022, Barateiro Martins, 23994/16, de 30.5.2023, Jorge Dias, 529/21, de 7.12.2023, Cura Mariano, 2017/11; Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de  11.12.2018, Moreira do Carmo, 2053/14, de 13.9.2022, Moreira do Carmo, 3713/16; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.12.2019, Castelo Branco, 11605/18). Em qualquer dessas circunstâncias, assiste à parte beneficiada pelo facto complementar e à contraparte a faculdade de requererem a produção de novos meios de prova para fazer a prova ou contraprova dos novos factos complementares – cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 32.
Não tendo a apelante desencadeado tal mecanismo de ampliação fáctica nem tendo o mesmo sido utilizado oficiosamente pelo tribunal,  está precludida a ampliação da matéria de facto com tal fundamento em sede de apelação porquanto o conteúdo da decisão seria excessivo por envolver a consideração de factos essenciais complementares ou concretizadores fora das condições previstas no art. 5º (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 860) ou, segundo Alberto dos Reis, ocorreria erro de julgamento por a sentença/acórdão se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp.. 145-146). Note-se que a ampliação da matéria de facto (Artigo 662º, nº2, al. c), in fine, do Código de Processo Civil) tem por limite a factualidade alegada, tempestivamente, pelas partes, não constituindo um sucedâneo do mecanismo sucedâneo do Artigo 5º, nº2, al. b), do Código de Processo Civil).
Improcedem as pretendidas alterações da matéria de facto.
Quanto ao facto Z1 (“A autora dispôs-se a constituir uma hipoteca no montante de 500.000,00€ a favor do NN - Banco Internacional do (...) S.A., destinada a garantir do aumento da de 3.000.000,00€ para 3.500.000,00€, da conta corrente caucionada da DD, S.A.”), o mesmo nada de útil ou de novo acrescenta face aos já provados factos W (“W. No dia 6 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial sito à Av.ª (...), n.º 42, Edifício (...), 3.º andar, salas 3.4 e 3.5, na cidade do (...) foi outorgada, por APB, procuração através da qual, com a faculdade de substabelecer, constituiu MN procuradora da “BB, S.A,” e a quem concedeu poderes especiais para constituir hipoteca a favor do “NN – Banco Internacional do (...) S.A”, no montante de quinhentos mil euros, com a taxa de juro de seis porcento”), Y (“Y. No documento referido em W., foi declarado que a hipoteca se destina a garantia de financiamento a conceder à sociedade anónima “DD – Hotelaria da (...), S.A.”, registada na predita Conservatória do Registo Comercial, com o número único de matrícula e de identificação fiscal quinhentos e onze milhões oitenta e três mil setecentos e quarenta e dois (511.083.742),com o capital social de sete milhões de euros, nomeadamente a aumento da conta corrente caucionada de três milhões, para três milhões e meio de euros e que a sociedade, futura hipotecante, “A”, tem justificado interesse neste financiamento, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, dado que tem com aquela sociedade uma relação de domínio ou de grupo, sendo cinquenta e um por cento do seu capital social detido pela referida sociedade “DD – Hotelaria da (...), S.A.”) e Z (“Z. A 30 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial sito à Av.ª (...), n.º 42, Edifício (...), 3.º andar, salas 3.4 e 3.5, na cidade do (...) “BB – Sociedade Imobiliária, S.A.”, “DD – Hotelaria da (...), S.A.” e “NN – Banco Internacional do (...) S.A.” celebraram escritura pública denominada de “Caução Hipotecária”, mediante a qual a “A” declarou que, em caução e garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações ou responsabilidades, que existam ou venham a existir, em nome da “DD – Hotelaria da (...), S.A.” e emergentes ou resultantes de operações de crédito concedidas ou a conceder pelo NN, por Contratos de Empréstimo ou de Abertura de Crédito, por financiamentos por Livranças, por Descontos de Papel Comercial, por Créditos por Assinatura, por Descoberto em Conta de Depósitos à ordem e por Créditos Documentários de Importação, Contrato de Leasing ou de Factoring e Acordo de Gestão de Pagamento a Fornecedores, na sua vigência inicial ou nas suas prorrogações ou renovações de prazo ou ainda nas suas reformas por inteiro ou parciais, e/ou alterações, até à sua completa liquidação, incluindo o pagamento do capital, até ao valor limite de quinhentos mil euros, dos correspondentes juros compensatórios, calculados à Taxa Fixa de seis por cento ao ano e da sobretaxa máxima permitida, a título de cláusula penal, devida pela mora em caso de incumprimento, atualmente de quatro por cento ao ano, incluindo ainda os demais encargos contratuais e legais e as despesas judiciais e extrajudiciais que, para simples efeito de registo, se fixam em vinte mil euros, sendo o montante máximo de capital e acessórios de seiscentos e setenta mil euros, constitui a favor do NN hipoteca sobre os imóveis que a seguir se identificam, bem como sobre quaisquer construções ou benfeitorias neles a realizar”), razão suficiente da improcedência da pretensão.
O facto que a apelante pretende aditar sob TT (“Nos dias 5 de Novembro de 2009, 31 de Março de 2010, 31 de Março de 2011, 29 de Março de 2012, 28 de Março de 2013, 19 de Janeiro de 2015, 20 de Janeiro de 2015, e 15 de Outubro de 2015, realizaram-se assembleias gerais da Autora, de cujas atas consta que as mesmas foram presididas por APB, e nas quais esteve sempre presente e representada como única acionista, a RP, LLC, detentora de 50.000 ações correspondentes à totalidade do capital social”) foi, oportunamente, alegado pela apelante na “Resposta” de 17.1.2022.
A apelante juntou a fls. 186 v. a 197 v. as referidas atas e listas assinadas de presenças, sendo que o Banco FF impugnou as assinaturas e pretensas autorias dos documentos para efeitos do Artigo 444º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (fls. 200).
Ora, a testemunha APB foi expressamente confrontada com tais atas e listas de presenças, confirmando o seu teor e as assinaturas que lhe são imputadas. Mais esclareceu que nunca se equacionou a DD ser “dona da BB”, era algo “que estava fora de questão”, tendo a formalização de documentos obedecido às indicações dadas pelo NN, com o intuito final de aumentar o teto da conta caucionada da DD. Por sua vez, a testemunha VP (que exerce funções de administrador da BB a partir de novembro de 2015), com base na documentação desta sociedade, também reiterou que nos documentos internos e auditados da A nunca constou outro acionista que não a RP, sendo que esta tinha como beneficiário PQ.
Perante esta prova assim feita e sem contraprova oposta, procede a impugnação, aditando-se o facto:
TT - Nos dias 5 de Novembro de 2009, 31 de Março de 2010, 31 de Março de 2011, 29 de Março de 2012, 28 de Março de 2013, 19 de Janeiro de 2015, 20 de Janeiro de 2015, e 15 de Outubro de 2015, realizaram-se assembleias gerais da Autora, de cujas atas consta que as mesmas foram presididas por APB, e nas quais esteve sempre presente e representada como única acionista, a RP, LLC, detentora de 50.000 ações correspondentes à totalidade do capital social.
Os factos que a apelante pretende aditar sob S2 (“A DD, S.A. nunca deteve capital social da autora A e, de forma específica, a percentagem de 51% desse capital”) e S3 (“S.3.A DD, S.A. não chegou a adquirir quaisquer ações da BB, S.A., fosse em que percentagem fosse”) foram alegados nos artigos 15º e 27º da petição inicial, conexionando-se com os factos não provados sob 12 e 13 (“O NN (…) conhecia e não podia ignorar que nenhuma parte do capital social (máxime 51%) da autora foi, em algum momento, detido pela 1ª ré”).
Trata-se de três formas de enunciar o mesmo facto essencial qual seja o de que: S.3. A DD, S.A. não chegou a adquirir quaisquer ações da A, fosse em que percentagem fosse” sendo, pois, apenas este que será objeto de apreciação.
Neste âmbito, conflui para a prova deste facto S3, desde logo e em primeira linha, o novo facto provado sob TT. Com efeito, este facto TT constitui facto-base de presunção judicial no sentido de que -  apesar de a RP LLC e da DD – Hotelaria da (...), SA terem adotado a roupagem de um contrato de compra e venda de ações para expressar uma relação de domínio – não foi materializada/executada essa compra e venda de ações, continuando as assembleias gerais da autora A a decorrer com a presença única da acionista totalitária RP LLC, não ocorrendo qualquer alusão à DD (cf. Artigo 349º do Código Civil; Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 4ª ed., pp. 59-71).
Note-se que os simuladores são a RP, LLC e a DD - Hotelaria da (...), SA, razão pela qual a Autora A (terceira) não está limitada quanto à prova admissível neste circunspeto (cf. Artigo 394º, nºs. 2 e 3, do Código Civil).
Os depoimentos prestados também confluem na aparência da compra e venda de ações, não sendo esta executada nem desejada por quem detinha a RP e administrava a DD. Com efeito, a testemunha Ana APB (administradora única da BB por registo de 9.5.2006 – fls. 37 v. - e também administradora da DD segundo registo de 6.5.2006 – fls. 41) foi bastante taxativa que nunca se quis que a DD fosse “dona da BB”, que isso era algo que “estava fora de questão”. A compra e venda de ações foi criada por indicação do NN, no intuito final de reforçar a conta caucionada da DD de três milhões de euros para três milhões e quinhentos mil euros. A RP e a DD, sendo aquela detida por PQ, limitaram-se a seguir as instruções do NN na formalização de diversa documentação que, no entender do NN, era necessária para formalizar garantia adicional condicionante do reforço da conta caucionada da DD.
Por sua vez, PQ (beneficiário da RP que considera “empresa minha” sendo que, em 2015, aquando do divórcio com MN, passou todo o património para os filhos) também afirma que “não existiu” contrato de venda de ações, afirmando que a DD não tinha nada a ver com a A. Na sequência da interpelação que lhe foi feita por (...) (diretor do NN) tendo em vista aumentar a conta caucionada da DD, deu instruções à administradora APB para tratar da “papelada” com o NN, visando resolver provisoriamente a situação da conta caucionada, afirmando que pagaram posteriormente os três milhões e quinhentos mil euros da conta caucionada. A testemunha VP (que exerce funções de administrador da BB a partir de novembro de 2015), com base na documentação desta sociedade, também reiterou que nos documentos internos e auditados da BB nunca constou outro acionista que não a RP.
As testemunhas JRR (bancário do NN e subsequentemente do FF), FLM (nem desempenhou funções no NN) e MPM não infirmaram a prova acabada de analisar. Com efeito, as duas primeiras não tiveram qualquer intervenção pessoal nos acontecimentos de 2009, sendo que a última – apesar de ser o responsável pela rede de agências da (...) do NN – não teve intervenção nos atos que precederam a constituição da hipoteca, afirmando que um gestor chamado FLM é que tratou da documentação. Tem apenas uma ideia genérica que estava em causa a reestruturação das dívidas dos hotéis da DD. Afirmou que o Serviço Central é que controla a documentação, sendo certo que não foi inquirido ninguém deste Serviço Central à época.
De relevar ainda que vem como facto não provado o seguinte:  5. As ações referidas em P foram entregues à Segunda Outorgante. Como bem frisou o tribunal a quo, não houve prova que o sustentasse, sendo certo que a testemunha VP referiu a ausência de registo da transmissão mencionada em P. Esta ausência de entrega das ações é mais uma expressão do mesmo fenómeno.
Pelo exposto, deferindo-se a impugnação, adita-se o facto provado:
S.3. Apesar do que foi formalizado nos factos P. a S, a DD, S.A. não chegou a adquirir quaisquer ações da A, fosse em que percentagem fosse.
Em terceiro lugar, pretende a apelante que sejam aditados os seguintes factos não provados:
16- A assinatura de representante da DD, S. A. aposta no escrito identificado em P. é da aí identificada MN, tendo sido aposta pela própria.
17- O escrito referido em P. foi ratificado pela administração da DD - Imobiliária da (...), S.A.
18- A segunda Outorgante pagou à primeira Outorgante as ações referidas em P.
19- A DD, S. A. registou a seu favor as ações referidas em P.
20- Nas atas das assembleias gerais da Autora realizadas posteriormente à data que consta do escrito referido em P. nos dias 5 de Novembro de 2009, 31 de Março de 2010, 31 de Março de 2011, 29 de Março de 2012, 28 de Março de 2013, 19 de Janeiro de 2015, 20 de Janeiro de 2015, e 15 de Outubro de 2015, consta que esteve presente ou representada a compradora DD, S.A.
No que tange ao facto 16, está ainda em causa o incidente probatório deduzido pela autora/apelante, em 17.1.2022, na sequência da junção do “contrato de compra e venda de ações” pela Ré FF. E conforme se viu supra, há que considerar que a assinatura imputada a MN não é verdadeira. Contudo, na lógica própria do incidente, o que faz sentido e releva no mérito da ação é dar como provado um facto negativo e não adicionar um facto não provado, sendo o erro da apelante corrigível oficiosamente (Artigo 193º, nº3, do Código de Processo Civil, por analogia).
Assim sendo, adita-se o facto provado:
UU. A assinatura da representante da DD – Hotelaria da (...), SA aposta no escrito identificado em P não é da aí identificada MN, não tendo sido aposta pela própria.
Quanto aos factos 17 a 20, improcedem as pretensões da apelante porquanto, desde logo, trata-se de enunciações que não foram formuladas pela apelante na petição e na resposta, aplicando-se – mutatis mutandis – o que acima ficou dito a propósito do aditamento de factos complementares. Em segundo lugar, o aditamento de factos não provados só colhe sentido e assume utilidade quando corresponde à direta reversão de um facto provado ou à excisão de parte de um facto provado, não sendo esses os casos. Ademais, da resposta negativa a um facto alegado (no caso, nem foram alegados…)  não se pode inferir a ocorrência de quaisquer outros factos de sentido inverso, dela apenas resultando que o facto controvertido – no contexto factual a considerar – inexistiu, tudo se passando como se o facto não tivesse sido articulado.[3] Dito de outra forma, a inclusão de um determinado facto no elenco dos factos não provados apenas permite assumir que o mesmo não se comprovou, sem que daí se possa inferir algum valor positivo para a demonstração de outra factualidade.[4] «Um facto não provado não se confunde com um facto negativo, não se pode extrair da factualidade não provada que esteja assente, o facto negativo que lhe seja simétrico. Não se pode extrair do facto não provado o seu oposto, ou seja, o facto provado» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.4.2023, Jorge Dias, 979/21).
Conforme refere Miguel Teixeira de Sousa, A Prova em Processo Civil, Ensaio Sobre o Raciocínio Probatório, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2020, p. 135, existe uma regra fundamental em matéria probatória que é «(…) a de que a não prova de um facto não significa a prova do facto contrário (ou, numa versão mais concreta, a de que a probabilidade de 0.2 do facto B não significa a probabilidade de 0.8 do facto não B). Utilizando a terminologia própria da probabilidade factual, pode dizer-se que a prova processual não se rege pelo princípio do evento complementar. Se, por exemplo, o autor não conseguir provar que adquiriu o terreno em disputa, isto não significa que fique provado que não tenha adquirido o terreno; a ação termina com uma decisão de improcedência, não porque ficou assente que o autor não adquiriu o terreno, mas simplesmente porque o autor não demonstrou que tivesse adquirido. A probabilidade do facto complementar não possui, por isso, nenhuma relevância em matéria probatória.»
Sintetizando:
Altera-se a redação dos factos P a S para:
P. «Com data de 30 de Outubro de 2009, está elaborado um escrito no qual estão identificadas como partes a RP LLC, representada por APB, na qualidade de primeira Outorgante, e a "DD, S.A.", representada por APB e MN, na qualidade de Segunda Outorgante, declarando a primeira vender à segunda, pelo valor de €25.500,00, vinte e cinco mil e quinhentas ações, numeradas de 1 a 25 (1 a 25.000) e 51 (25.001 a 25.500), de valor nominal de €1,00 cada uma, que detém na sociedade A com o capital social integralmente realizado de €50.000,00, com o número de matrícula e de pessoa coletiva 50…»
Q. Consta da Cláusula Terceira do escrito referido em P. que "o preço fixado anteriormente (...) é pago pela compradora, na presente data, do que a Vendedora dá plena quitação através do presente documento";
R. Consta da Cláusula Quarta do escrito referido em P. que "ambas as contraentes ficam obrigadas a manter em total e absoluta confidencialidade o conteúdo deste Contrato, bem como as negociações com ele relacionadas, incluindo atos necessários e preparatório à sua celebração nos termos e condições aqui previstos";
S. Com o n.º 8022… foi emitida pela Direcção-Geral dos Impostos uma declaração de retenções na fonte IRS/IRC e imposto de selo, com o número de identificação fiscal 50… da Autora A., no valor de 5,00€, cujo pagamento foi efetuado no dia 03 de Novembro de 2009.
Aditam-se os seguintes factos provados:
B1. Em 31.5.2006, foi registada alteração ao contrato de sociedade de DD – Hotelaria da (...), SA, nos termos da qual: «Forma de obrigar: a) assinatura do presidente do Conselho de Administração; b) assinatura conjunta de qualquer administrador com a de um procurador nomeado para o efeito por deliberação unânime do Conselho de Administração; c) assinatura conjunta de dois administradores.
S2 – A assinatura da representante da RP, LLC aposta no escrito identificado em P. é da identificada APB, tendo sido aposta pela própria.
UU. A assinatura da representante da DD – Hotelaria da (...), SA aposta no escrito identificado em P não é da aí identificada MN, não tendo sido aposta pela própria.
TT - Nos dias 5 de Novembro de 2009, 31 de Março de 2010, 31 de Março de 2011, 29 de Março de 2012, 28 de Março de 2013, 19 de Janeiro de 2015, 20 de Janeiro de 2015, e 15 de Outubro de 2015, realizaram-se assembleias gerais da Autora, de cujas atas consta que as mesmas foram presididas por APB, e nas quais esteve sempre presente e representada como única acionista, a RP, LLC, detentora de 50.000 ações correspondentes à totalidade do capital social.
S.3. Apesar do que foi formalizado nos factos P. a S, a DD, S.A. não chegou a adquirir quaisquer ações da A, fosse em que percentagem fosse.
Inexistência da compra e venda de ações
Nas conclusões 1 a 15, sustenta a apelante que inexiste o contrato de compra e venda de ações referido em P porquanto não se apurou a veracidade da assinatura imputada a MN, não se tendo igualmente produzido qualquer prova da entrega, registo e pagamento das ações.
Recapitulando os factos pertinentes nesta sede, temos que:
P. Com data de 30 de Outubro de 2009, está elaborado um escrito no qual estão identificadas como partes a RP LLC, representada por APB, na qualidade de primeira Outorgante, e a "DD, S.A.", representada por APB e MN, na qualidade de Segunda Outorgante, declarando a primeira vender à segunda, pelo valor de €25.500,00, vinte e cinco mil e quinhentas ações, numeradas de 1 a 25 (1 a 25.000) e 51 (25.001 a 25.500), de valor nominal de € 1,00 cada uma, que detém na sociedade A com o capital social integralmente realizado de €50.000,00, com o número de matrícula e de pessoa coletiva 50….
Q. Consta da Cláusula Terceira do escrito referido em P. que "o preço fixado anteriormente (...) é pago pela compradora, na presente data, do que a Vendedora dá plena quitação através do presente documento";
R. Consta da Cláusula Quarta do escrito referido em P. que "ambas as contraentes ficam obrigadas a manter em total e absoluta confidencialidade o conteúdo deste Contrato, bem como as negociações com ele relacionadas, incluindo atos necessários e preparatório à sua celebração nos termos e condições aqui previstos";
S. Com o n.º 8022… foi emitida pela Direcção-Geral dos Impostos uma declaração de retenções na fonte IRS/IRC e imposto de selo, com o número de identificação fiscal 50… da Autora A., no valor de 5,00 €, cujo pagamento foi efetuado no dia 03 de Novembro de 2009.
S2 – A assinatura da representante da RP, LLC aposta no escrito identificado em P. é da identificada APB, tendo sido aposta pela própria.
UU. A assinatura da representante da DD – Hotelaria da (...), SA aposta no escrito identificado em P não é da aí identificada MN, não tendo sido aposta pela própria.
B1. Em 31.5.2006, foi registada alteração ao contrato de sociedade de DD – Hotelaria da (...), SA, nos termos da qual: «Forma de obrigar: a) assinatura do presidente do Conselho de Administração; b) assinatura conjunta de qualquer administrador com a de um procurador nomeado para o efeito por deliberação unânime do Conselho de Administração; c) assinatura conjunta de dois administradores
TT - Nos dias 5 de Novembro de 2009, 31 de Março de 2010, 31 de Março de 2011, 29 de Março de 2012, 28 de Março de 2013, 19 de Janeiro de 2015, 20 de Janeiro de 2015, e 15 de Outubro de 2015, realizaram-se assembleias gerais da Autora, de cujas atas consta que as mesmas foram presididas por APB, e nas quais esteve sempre presente e representada como única acionista, a RP, LLC, detentora de 50.000 ações correspondentes à totalidade do capital social.
S.3. Apesar do que foi formalizado nos factos P. a S, a DD, S.A. não chegou a adquirir quaisquer ações da A., fosse em que percentagem fosse.
Deste acervo factual resulta que o “Contrato de compra e venda de ações” se encontra assinado, pelo lado da compradora DD – Hotelaria da (...), SA, apenas por APB, não estando demonstrado que o mesmo se encontra assinado por MN. Pelo contrário, o que está demonstrado é que a assinatura aposta no escrito identificado em P não é da aí identificada MN, não tendo sido aposta pela própria. Assim, do lado da compradora, o contrato está assinado apenas por uma administradora.
Todavia, nos termos do facto provado sob B1, a DD, SA só se vinculava pela assinatura de dois administradores. Desta forma, tendo ocorrido uma intervenção de administradores em número inferior ao estatutariamente exigido para a vinculação da sociedade, o negócio de compra e venda das ações não está concluído por verificação de uma representação incompleta. Conforme refere João Espírito Santo, Sociedades por Quotas e Anónimas, Vinculação: Objeto Social e Representação Plural, Almedina, p. 473:
«(…) se a limitação decorrente do modo de exercício do poder representativo é tornada patente por aquele ou aqueles  que atuaram, inicial ou sucessivamente, ainda em número insuficiente para produzir a vinculação societária, o negócio não estará concluído, por verificação de uma representação incompleta – a representação só se completará através da intervenção dos (restantes) gerentes, administradores ou diretores necessários para perfazer a maioria, e só nessa medida se pode dizer estar o negócio concluído
Note-se que , da parte da compradora, o contrato está assinado por outra administradora, constando duas assinaturas (uma não questionada e outra não verdadeira) como representantes da compradora, de modo que não pode afirmar-se que, ao apor a assinatura não questionada, a administradora da compradora atuou perante a contraparte  como dotada de um poder representativo não limitado pela necessidade da intervenção de outro administrador da sociedade compradora. Neste cenário (que não ocorre), o vício seria o da ineficácia do negócio concluído por administradores em número inferior aos exigidos estatutariamente, podendo a sociedade assumir essa atuação por ratificação, o que não está demonstrado – cf.: Artigo 408º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais; Paulo de Tarso Domingues, A Vinculação Societária, A Estrutura Piramidal da Vinculação das Sociedades, Almedina, 2023, pp. 114-115.
Assim, entendemos que o vício demonstrado é o não aperfeiçoamento do contrato de compra e venda das ações em decorrência de uma representação incompleta da compradora, sendo que não está demonstrada uma intervenção sucessiva de outro administrador ou do presidente do conselho de administração da compradora de modo a suprir a representação incompleta, sendo que essa intervenção sucessiva teria de obedecer às exigências de forma para a declaração inicial de compra e venda de ações (cf. João Espírito Santo,  Sociedades por Quotas e Anónimas, Vinculação: Objeto Social e Representação Plural, Almedina, p. 473).
Em síntese, a compra e venda de ações não se concluiu/aperfeiçoou.
Subsidiariamente, sempre se dirá que – mesmo que se tivesse concluído a compra e venda de ações – a compra e venda de ações seria cominada com a nulidade por aplicação do regime da simulação.
 Dispõe o Artigo 240º, nº 1 do Código Civil   que, se por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado, sendo nulo (nº 2 do mesmo preceito).
A simulação é, assim, o acordo entre o declarante e o declaratário, no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganarem terceiros. Tem como elementos:
a) divergência entre a vontade real e a declarada;
b) acordo ou conluio (pactum simulationis) entre declarante e declaratário, o que não exclui a possibilidade de simulação nos negócios unilaterais;
c) «O intuito de enganar terceiros, que também é intencional, claro (enganar não é a mesma coisa que prejudicar, embora, normalmente, quem engana também queira prejudicar)» (Heinrich Ewald Hörster e Eva Sónia Moreira da Silva, A Parte Geral do Código Civil Português, 2ª ed., p. 592).
No que tange a este último requisito, «O engano de terceiros consiste em fazer parecer real o que, em relação aos simuladores, não o é. Se a simulação é a criação artificiosa do que não se quer ou a ocultação do que se quer, tem em si imanente o fim de enganar; quando se simula, isto é, se finge ou oculta, tende-se a enganar terceiros. Não há dúvida que a simulação tem sempre por fim enganar terceiros. Geralmente, as partes criam uma aparência com o propósito de iludir direitos ou expectativas de terceiros, não sendo, porém, necessário o intuito fraudulento».[5]  Para o preenchimento deste requisito basta o propósito de criar perante outrem a aparência de um ato que, na realidade, não existe entre os simuladores.[6]
Na simulação absoluta, as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum negócio jurídico, v.g. venda fantástica ou doação simulada com fins de pompa ou ostentação. Há, apenas, o negócio simulado e, por detrás dele, nada mais (“colorem habet, substantiam vero nullam”).
O requisito atinente ao intuito de enganar terceiros constitui um facto essencial que tem de ser alegado (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2021, António Magalhães, 4435/17). No caso em apreço, esse intuito não se mostra alegado e provado pela autora/apelante.
Sem embargo, os demais requisitos da simulação estão presentes uma vez que – consoante decorre sobretudo dos factos provados sob SS e TT – apesar de as partes terem criado a aparência de um contrato de compra e venda de ações, certo é que pretensa compradora (DD, SA) não chegou a adquirir tais ações, fosse em que percentagem fosse. As partes não quiseram, de todo, o negócio que declararam celebrar e não deram execução ao mesmo.
«Quando se não demonstre a intenção de enganar terceiros, mas se verifiquem os restantes requisitos legais da simulação, melhor me parece aplicar diretamente o regime da simulação, interpretando o “intuito de enganar terceiros” como “ocultação”, porque a finalidade mais comum para ocultar é enganar» - Carlos Ferreira de Almeida, Contratos V, Invalidade, Almedina, p. 108. Em sentido confluente, cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2003, Luís Fonseca, 03B3002, louvando-se em Oliveira Ascensão, Direito Civil, Teoria Geral, Vol. II, p. 195.[7] Centrando a análise no âmbito do Artigo 236º, nº2, do Código Civil (falsa demonstrativo non nocet) concluindo pela inexistência do negócio, cf. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 7ª ed., p. 585.
Termos em que haveria de concluir pela nulidade da compra e venda das ações (cf. Artigos 240º, nº2, 286º e 394º, nº3, do Código Civil).
Inexistência da relação de domínio.
Nas conclusões 29 a 44, a apelante argumenta que não existe a alegada relação de domínio entre a DD, SA e a Autora A.
Nos termos do Artigo 486º do Código das Sociedades Comerciais:
1 - Considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, diretamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante.
2 - Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, direta ou indiretamente:
a) Detém uma participação maioritária no capital;
b) Dispõe de mais de metade dos votos;
c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.
(…)
O único fundamento invocado no caso para a constituição de uma relação de domínio era a detenção pela DD, SA de 51% das ações da A, na sequência do contrato de compra e venda de ações datado de 30.20.2009 (facto P).
Conforme se viu supra, o contrato de compra e venda de ações não se concluiu/aperfeiçoou de modo que, de facto, inexiste a relação de domínio.
Mesmo que se tivesse concluído o contrato de compra e venda de ações, este estaria cominado com a nulidade, consoante também explanado supra.
Nulidade da garantia prestada (conclusões 44 e 45).
Nas conclusões 44 e 45, argumenta a apelante que, inexistindo uma relação de domínio, a garantia assegurada pela hipoteca para garantia das responsabilidades da DD, SA é contrária aos fins da Autora, sendo nula.
Constitui ónus da garante a alegação e prova da invalidade da garantia prestada, por inexistir qualquer interesse próprio na sua prestação, nos termos do artigo 342º, nº2, do Código Civil (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.3.2019, Ana Paula Boularot, 11197/14 e Menezes Cordeiro (Coord.), Código das Sociedades Comerciais Anotado, 4ª Ed., p. 123).
Nos termos do Artigo 6º do Código das Sociedades:
1 - A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, excetuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.
2 - As liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta.
3 - Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
(…)
No caso em apreço, o que foi declarado na escritura de constituição da hipoteca pela outorgante A foi que possuía «justificado interesse neste financiamento, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, dado que tem com aquela sociedade uma relação de domínio ou de grupo, sendo cinquenta e um por cento do seu capital social detido pela referida sociedade “DD – Hotelaria da (...), S.A» (facto EE).
Inexistindo essa relação de domínio ou de grupo (cf. supra), fica por demonstrar o justificado interesse da A na prestação da garantia hipotecária a favor da DD, SA.
Conforme se refere em Coutinho de Abreu (Coord.), Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. I, p. 18, «Não se provando que existe justificado interesse da sociedade garante na prestação dessa garantia ou que existe uma relação de domínio ou de grupo entre a sociedade garante e a sociedade cuja dívida é garantida, a garantia gratuitamente prestada será nula ainda que o terceiro estivesse de boa fé na altura em que foi prestada [cf. artigos 6º, nº3, do CSC e 294º do Código Civil].»
Em suma, é nula a constituição de hipoteca sobre sete prédios a que se reportam os factos provados sob Z, ZZ z DD. A extinção das hipotecas é meramente sequencial da nulidade da sua constituição.
Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões (Artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Custas
Flui do que fica exposto que deve proceder a apelação, sendo que a apelada não apresentou contra-alegações.
Ensina a este propósito Salvador da Costa, “Responsabilidade pelas custas no recurso julgado procedente sem contra-alegação do recorrido”, 18.6.2020, publicado no blog do IPPC:
«Na base da referida responsabilidade pelo pagamento das custas relativas às ações, aos incidentes e aos recursos está um de dois princípios, ou seja, o da causalidade e o do proveito, este a título meramente subsidiário, no caso de o primeiro se não conformar com a natureza das coisas.3
Grosso modo, a causalidade consubstancia-se na relação entre um acontecimento (causa) e um posterior acontecimento (efeito), em termos de este ser uma consequência daquele.
Considerando o disposto na primeira parte do n.º 1 deste artigo, o primeiro evento é determinado comportamento processual da parte e o último a sua responsabilização pelo pagamento das custas.
Nesta perspetiva, do referido princípio da causalidade emerge a solução legal de dever pagar as custas relativas às ações, aos incidentes e aos recursos a parte a cujo comportamento lato sensu o ajuizamento do litígio seja objetivamente imputável.
A dúvida revelada pela doutrina e pela jurisprudência ao longo do tempo sobre quem devia ser responsabilizado pelo pagamento das custas processuais com base no princípio da causalidade levou o legislador a intervir por via da inserção do normativo que atualmente consta do n.º 2 do artigo, em termos de presunção iuris et de iure, ou seja, de que se entende sempre dar causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for.
Consequentemente, o referido nexo de causalidade tem como primeiro evento o decaimento nas ações, nos incidentes e nos recursos, e o último na responsabilização pelo pagamento das custas de quem decaiu, conforme o respetivo grau.
Assim, a parte vencida nas ações, nos incidentes e nos recursos é responsável pelo pagamento das custas, ainda que em relação a eles não tenha exercido o direito de contraditório, o que se conforme com o velho princípio que envolve esta matéria, ou seja, o da justiça gratuita para o vencedor.»
Reiterando tal entendimento, cf. artigo do mesmo autor, “Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final”, publicando no mesmo blog em 31.10.2020.
Dentro desta mesma linha de raciocínio, é clarificadora a análise feita no AUJ nº 10/2015 nestes termos:
« (…) a sucumbência, como prejuízo causado pela decisão no processo ou recurso é independente e abstrai da posição (ativa ou passiva) da parte que o sofra e da respetiva atitude (intervindo ou não) no processo: o réu que não contesta e o recorrido que não contra-alega, se perderem ou forem condenados, também sucumbem…
E porque a sucumbência abstrai da posição (ativa ou passiva) da parte no processo ou recurso, é que ela deve ser perspetivada objetivamente como dano, prejuízo, perda ou resultado final desfavorável da decisão; sucumbe a parte cujos interesses sofram dano ou prejuízo por serem afetados desfavoravelmente pela decisão (seja porque lhe nega aquilo a que se arroga com direito, seja porque lhe impõe obrigações a que sustenta não estar vinculado).
A sucumbência afere -se, por conseguinte, pelo contraste entre, por um lado, o conteúdo da decisão e, por outro, os interesses da parte, ou seja, pelo reflexo negativo daquela nestes.»
«No âmbito de vigência do RCP deixou de ser fator de isenção subjetivo de custas do recurso o facto do apelado não ter contra-alegado» (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.1.2024, Moreira Dias, 2440/21).
Assim sendo, deve a apelada ser condenada nas custas apesar de não ter alegado.
DECISÃO
 Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença proferida e declaram-se extintas as hipotecas constituídas através da escritura de caução hipotecária outorgada em 30.11.2009 no Cartório Notarial sito à Av.º (...), n.º 42, Edifício (...), 3.º andar, salas 3.4 e 3.5, na cidade do (...) lavrada de fls. 5 a 8 do Livro (...), que recaiu sobre os sete (7) prédios da Autora A identificados no ponto AA. dos factos provados.
Custas pela apelada na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 23.4.2024
Luís Filipe Sousa
José Capacete
Carlos Oliveira
_______________________________________________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge  Leal, 331/21. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16.12.93, Brito Câmara, BMJ nº 432, pg. 453; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.01.91, AJ, 15º/16º-20, de 6.6.2000, Sumários, 42º -11, de 07.04.2005, Oliveira Barros, de 20.04.2006, Salvador da Costa, e de 14.6.2007, Pereira da Silva, acessíveis em www.dgsi.jstj/pt. «A não demonstração de certo facto da base instrutória não autoriza que se tenha por adquirido o seu contrário» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.2012, Alves Velho, 308/2002, Sumários.
[4] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.12.2019, Castelo Branco, 11605/18, de 27.10.2022, Nelson Carneiro, 2129/19.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  30.5.1995, Afonso de Melo, CJ Ac STJ – II, p. 119; cf. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de  4.3.97,  Pais de Sousa, CJ Ac STJ – I, p. 124 e de 7.5.2003, Nuno Cameira, acessível em www.dgsi.pt/jstj .
[6] Cf.  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  23.9.99, Garcia Marques, BMJ nº 489, p. 309.
[7] «Se a simulação não é feita para enganar, qual a consequência?
É duvidoso que a hipótese se possa configurar, por razões paralelas às indicadas para a reserva mental. Imaginemos por exemplo que C e D apresentam o negócio como diferente do que realmente é, simplesmente para beneficiar da maior clareza deste tipo legal. Mesmo então, a criação por acordo de uma aparência parece ter sempre intuito de enganar.
Se a hipótese fosse possível, parece que se imporia uma aplicação analógica, ou uma interpretação extensiva, do art.º 240º. O regime deste seria o adequado para essa situação.
Justifica-se esta extensão por um interesse prático: a defesa dos simuladores um contra o outro. Se o acto não fosse impugnável por simulação, qualquer dos simuladores poderia prevalecer-se de aspecto que lhe fosse favorável do negócio simulado, sem que o outro lhe pudesse opor a simulação.»