Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2339/23.8YLPRT.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: PED
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
INADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- A nulidade da sentença, por falta de pronúncia, ocorre nas situações em que se verifica uma omissão de julgamento (juízo de procedência ou improcedência) quer de forma quer de mérito, a qual não se confunde com a decisão de não conhecimento das questões, por inadmissibilidade legal, como sucede quando o juiz, ao abrigo do art.º 15º-F nos 3 e 4 do NRAU, decide considerar não deduzida a oposição ao procedimento especial de despejo, por falta de pagamento da caução exigida naqueles preceitos legais.
2- Procedimentalmente, aquela prestação de caução constitui uma condição de admissibilidade da oposição: na sua falta, a oposição tem-se por não deduzida, como o comina o nº 4 do art.º 15º-F NRAU, (na redacção dada pela Lei 31/2012, de 14/08, actualmente, nºs 5 e 6 do art.º 15º-F do NRAU na redacção dada pela Lei 56/2023, de 06/10).
3- As normas dos nºs 3 e 4 do art.º 15º-F do NRAU (Lei 31/2012) não violam o princípio do contraditório, limitam-se a estabelecer uma condição de admissibilidade da oposição ao Procedimento Especial de Despejo, ou seja, a requerida não estava impedida de deduzir oposição: única e simplesmente, tinha de pagar caução até ao valor de seis rendas.
4- As normas do art.º 15º-F, nºs 3 e 4 do NRAU (Lei 31/2012) não são inconstitucionais, já que não violam o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art.º 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa e não afetando, de forma irreversível, o direito à via jurisdicional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO

1- ISL instaurou, a 21/11/2023, procedimento especial de despejo, contra JMS, pedindo:

- A entrega, pela requerida, da fracção autónoma “C” – 1º andar A do urbano sito na Praceta …, Amadora;
- A condenação da requerida no pagamento da quantia de 5 960,91€;
-A condenação da requerida a pagar indemnização correspondente ao dobro da renda mensal (650€x2) nos termos do art.º 1045º nº 2 do CC, a partir do transito em julgado da decisão, por cada mês mora na restituição do locado.

Alegou, em síntese, ter dado de arrendamento à requerida a fracção mencionada, mediante a renda mensal de 650€. A requerida deixou de pagar as rendas dos meses de Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2022 e, Janeiro e Fevereiro de 2023, que perfazem o valor de 5.800€. Em 24/03/2023, a requerente, através de Agente de Execução, procedeu à resolução do contrato de arrendamento. Posteriormente à resolução, a requerida procedeu ao pagamento de algumas rendas em Março, Abril, Maio Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2023. A requerente imputou esses pagamentos às rendas mais antigas em dívida. Permanecem em dívida 5.850€ e juros vencidos no valor de 110,91€. A requerida não entregou o locado nem procedeu ao pagamento das rendas em dívida. A requerida deve pagar o valor correspondente ao de cada renda que se vencer até à decisão final e, desde aí, ao valor correspondente ao da renda em dobro.

2- Na citação enviada à requerida consta, além do mais:
Em caso de pedido de despejo com fundamento na resolução pelo senhorio nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4, do art.º 1083.º, do Código Civil, com a oposição deve ser apresentado documento comprovativo do pagamento da caução no valor das rendas, encargos e despesas pedido, até ao valor máximo correspondente a SEIS (6) rendas (art.º 15.º-F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e art.º 10.º, da Portaria n.º 9/2013, de 10 de janeiro).

3- Citada, a requerida deduziu oposição em 27/12/2023.
Impugna que não tenha pago as rendas dos meses Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2022; procedeu ainda aos depósitos de 700€ nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2023, embora não encontre o talão de depósito relativo a este mês; requereu que a requerente junto cópia da sua conta bancária referente ao mês de Fevereiro de 2023.
Requer a condenação da requerente como litigante de má fé por deduzir pretensão que, sabia, não ter fundamento.
Juntou procuração forense e oito cópias de talão de depósito em conta bancária.
Juntou comprovativo do pagamento de taxa de justiça.

4- O processo foi remetido ao tribunal de 1ª instância.

5- Por despacho de 08/01/2024, a 1ª instância proferiu o seguinte despacho:
Oposição procedimento especial despejo - não prestação da caução pelo oponente ISL pede o despejo de JMS.
Pede ainda o pagamento de rendas em atraso.
Invoca a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento da renda pelos inquilinos desde junho de 2022, nos termos do artigo 1083.º, n.º 3 do Código Civil.
Citada, a requerido deduziu oposição. Comprovou o pagamento da taxa de justiça, mas não o depósito de caução. Não alega nem junta comprovativo de beneficiar de apoio judiciário.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 15.º-F, n.º3 e 4, do NRAU, na redação da Lei 43/2017, estabelece o seguinte (…) 3 - Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
4 - Não se mostrando paga a taxa ou a caução prevista no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.
A situação prevista no artigo 1083.º do Código Civil diz respeito à mora no pagamento das rendas, o que constitui o fundamento de despejo destes autos.
Na situação dos autos, o fundamento da ação de despejo é o não pagamento das rendas. Assim sendo, não beneficiando os réus de apoio judiciário, o n.º 3 do artigo 15.º-F do NRAU parece impor, numa interpretação literal, o pagamento da taxa de justiça e de uma caução até ao valor máximo equivalente a seis rendas.
Pesquisando, porém, a doutrina e a jurisprudência, encontramos uma interpretação das normas descritas no sentido de que a exigência de pagamento de caução apenas existe quando o senhorio pede no procedimento o pagamento de rendas não pagas. Se apenas pede a entrega do locado e não pede o pagamento de rendas em atraso, não tem o inquilino de prestar caução.
Não obstante, o signatário adere ao entendimento expresso pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão datado de 26-01-2023, relatado por Nelson Borges Carneiro(http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/9309769cd530cec980258 9550056d385?OpenDocument) resumido assim:
I – Se o arrendatário deduzir oposição, o BNA apresenta os autos à distribuição, convolando-se o procedimento em processo declarativo especial, prestada que seja caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas e paga a taxa de justiça.
II – Para deduzir oposição ao procedimento especial de despejo, o arrendatário tem de apresentar caução do valor das rendas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, mesmo tendo um motivo legítimo, ainda que de ordem formal.
III – O princípio da igualdade, consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate
diferentemente o que for essencialmente diferente.
IV – Não são inconstitucionais as normas do art.º 15º-F/3/4 do NRAU.
V – A imposição ao requerido da prestação de caução, nos termos daquelas normas, no valor das rendas em atraso, para lhe ser admitida a oposição ao procedimento especial de despejo fundado na falta de pagamento de rendas, não lhe coarta o seu direito de defesa, previsto no art.º 20º da CRPortuguesa.
Apesar a menção a esta discussão, ela não é, porém, relevante para o processo, porquanto a requerente pede acessoriamente neste procedimento o pagamento de renda e outros valores resultantes do contrato de arrendamento.
Isto significa que a oposição à pretensão de desocupação do locado estava dependente, em qualquer circunstância, do pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos e despesas invocadas, em montante não inferior a 6 meses.
Seguimos na esteira do Acórdão da Relação de Coimbra de 12/9/2017, relatado  por António Pires Robalo (www.dgsi.pt), com a seguinte fundamentação: Ou seja, o termo “deve” utilizado no art.º 15º-F, n.º 3, da Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU) só pode significar que o demando (a), no prazo dos 15 dias aludidos no n.º 1 do preceito, tem de apresentar a oposição, pagar a taxa de justiça ou comprovar que já solicitou o pedido de apoio judiciário, e no caso dos n.ºs 3 e 4 do art.º 1083 do C. Civil depositar a caução, aqui consoante a posição defendida a respeito da concessão de apoio judiciário.
Assim, o n.º 3 e 4 do art.º 15-F do NRAU é incompatível com o art.º 570 do C.P.C., tanto mais que o PED não é uma acção de despejo, mas sim um procedimento especial de despejo como o próprio nome indica.
No sentido de que o art.º 570 do C.P.C. é incompatível com o art.º 15 –F do NRAU - cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 1 de Abril de 2014 – 2095/13.8YLPRT.L1.1, relatado por Teresa Jesus Ribeiro de Sousa Henriques onde se escreve “(…) Ora o PED não é uma acção de despejo. É, como o nome indica, um procedimento especial que seguia, na ocasião, a forma de processo sumaríssimo (cfr. art.º 222º do CPC revogado, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14-08). O NRAU distingue entre acção de despejo e procedimento especial de despejo. (cfr. art.ºs 14º e 15º). A notificação efectuada ao abrigo do art.570º, n.ºs 3 e 4, do CPC colide com o disposto no n.º 4 do art.15º-F do NRAU. Verificada a falta de pagamento da taxa de justiça impunha-se considerar a oposição como “não deduzida”. E o mesmo se diz quanto à falta de pagamento da caução. É o que resulta do supra referido art.º 15º-F.
Não foi comprovado o pagamento da caução a que alude o artigo 15.º-F do NRAU,
ficando, assim, a oponente sujeito às consequências ali previstas.
Termos em que se tem a oposição ao procedimento especial de despejo por não deduzida.
Notifique.

6- Inconformada, a requerida interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I – Por Douto Despacho de 8.01.2024, veio o Meritíssimo Juiz do Juízo Local Cível da Amadora – Juiz 2 determinar que fosse tida a oposição ao procedimento especial de despejo (apesar de ter sido paga a taxa de justiça devida) apresentada pela Recorrente por não deduzida, considerando que “… a oposição à pretensão de desocupação do locado estava dependente, em qualquer circunstância, do pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos e despesas invocadas, em montante não inferior a 6 meses”.
II – Refere ainda que “Na situação dos autos, o fundamento da ação de despejo é o não pagamento das rendas. Assim sendo, não beneficiando os réus de apoio judiciário, o nº 3 do artigo 15º-F do NRAU parece impor, numa interpretação literal, o pagamento da taxa de justiça e de uma caução até ao valor máximo equivalente a seis rendas” (sublinhado nosso).
III – Desde logo a primeira deficiência a apontar ao Douto Despacho em causa é a violação das regras de interpretação das leis do art.º 9º nº 1 do Código Civil que dispõe “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei for elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
IV – Ora ter em conta a unidade do sistema jurídico significa, antes de mais, avaliar a conformidade do disposto no NRAU com os princípios fundamentais do nosso Processo Civil, e também a conformidade do mesmo NRAU com o disposto na nossa Lei Fundamental (a Constituição da República portuguesa), a quem todas as leis ordinárias devem obediência.
V – Princípio fundamental do nosso Processo Civil é, antes de mais o princípio do contraditório, expresso no art.º 3º nº 3 do Código Civil: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
VI – Acontece que o mecanismo processual do NRAU, ao obrigar ao pagamento de uma caução, ainda antes de o senhorio ter feito a prova do pedido (como lhe compete, por força do art.º 342º nº 1 do C. Civil - “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos desse direito”) impede, no caso em que o oponente não tenha meios para custear a caução, que o mesmo exerça o direito do contraditório.
VII – E violando o princípio do contraditório (por não permitir ao oponente a possibilidade de se pronunciar sobre o pedido), trave mestra do nosso direito processual civil, viola também o preceito constitucional que o inspira: “A todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (art.º 20º nº 1 CRP). A aplicação literal do art.º 15º-F alªs 3 e 4 do NRAU resulta assim na
denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, com violação do citado preceito constitucional.
VIII – Mas o referido art.º 15º nºs 3 e 4 do NRAU viola ainda outra norma constitucional, que estabelece o princípio da igualdade (art.º 13º nº 1 da CRP), atribuindo aos senhorios um regime de privilégio que não é concedido aos demais credores. Veja-se o caso do DL 269/98 de 1 de Setembro, que instituiu o regime do procedimento de injunção (com a mesma finalidade de celeridade processual na cobrança de dívidas), mas no qual, para se contestar a injunção, não é exigida qualquer caução (art.º 1º do Anexo). A caução, como se sabe, destina-se a garantir a posição do senhorio, mas tal garantia não é concedida aos demais credores, designadamente os que recorrem ao procedimento de injunção do DL 269/98 para cobrar os seus créditos. Logo, é forçoso concluir que o art.º 15º-F, nºs 3 e 4, do NRAU é inconstitucional, por desrespeitar o princípio da igualdade, não podendo por isso ser aplicado.
IX – O artigo 13º da Constituição da república Portuguesa é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e postula, como o Tribunal Constitucional vem repetidamente afirmando, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual, como é o caso.
X – Em relação à norma de interpretação da lei do art.º 9º nº 1 do CC, o Douto Despacho não atende também ``as circunstâncias em que a lei foi elaborada e às condições específicas do tempo em que é aplicada. É do conhecimento geral que o nosso País atravessa hoje uma gravíssima crise habitacional, devido ao aumento exorbitante das rendas, motivada pela falta de casas no mercado e pela pressão da procura, em grande parte acentuada pelos estrangeiros que pretendem fixar-se em Portugal. Atendendo a essas específicas condições (não existentes quando da elaboração da lei), deve o intérprete da lei, através de uma interpretação correctiva, recusar os expedientes processuais que dificultem a defesa dos inquilinos, correndo-se o risco de os transformar em “sem abrigo”.
XI – Finalmente, e salvo melhor entendimento, a douta decisão recorrida padece ainda do vício de omissão de pronúncia, uma vez que deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia apreciar, como foi o facto de a oponente ter alegado e provado documentalmente que não devia as rendas exigidas pela senhoria; ora, não existindo mora, a prestação de caução resultaria num acto inútil (se a senhoria recebeu as rendas, não necessita da garantia da caução), proibido pelo processo civil. O referido vício, previsto no art.º 615º nº 1 alª d) do CPC, tem como consequência a nulidade da sentença.
Em suma, a Douta Decisão recorrida viola os seguintes preceitos:
a) O art.º 9º nº 1 do Código Civil por fazer uma interpretação literal da norma do art.º 15º-F nºs 3 e 4 do NRAU (Lei 43/2027), ignorando a unidade do sistema jurídico por não atender à sua desconformidade com o princípio do contraditório (art.º 3º nº 3 do CPC), e com os princípios constitucionais da igualdade (art.º 13º nº 1 CRP), por favorecer os senhorios em detrimento dos demais credores, e do acesso ao direito e aos tribunais (art.º 20º nº 1 da CRP), que não admite a denegação de justiça por motivos económicos, fazendo-a depender de uma caução pecuniária;
b) Comete ainda o vício de omissão de pronúncia (art.º 615º nº 1 alª d) do CPC) por não referir a prova do pagamento das rendas reclamadas pela senhoria, elemento fundamental para decidir se havia ou não mora no pagamento, única circunstância que justificaria a caução.
A correcta interpretação e aplicação de todos estes preceitos deveria levar à aceitação da oposição deduzida (por inaplicação do art.º 15º-F nºs 3 e 4 do NRAU devido à sua inconstitucionalidade), e ao prosseguimento da acção, com vista a assegurar o contraditório, e o acesso ao direito e aos tribunais.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, ser revogada a decisão recorrida que julgou a oposição por não deduzida, com a consequente admissão da mesma e retoma da tramitação processual com a notificação da Recorrida para exercer o contraditório.

7- A requerente contra-alegou, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
a) Em síntese, veio a Apelante JSL, recorrer da decisão proferida, no âmbito de procedimento especial despejo, pelo tribunal “ a quo” em 08 de Janeiro de 2024, que ordenou o desentranhamento da Oposição, por falta de pagamento da caução a que alude o art.º 15.º F do NRAU (aprovado pela Lei n.º6/2006, de 27 de fevereiro na redação dada pela Lei 43/2017), e art.º .ºs3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil
b) Entendeu a Recorrente, em nosso ver, mal, ao pretender que a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, fosse revogada, por não aplicação do art.º 15º-F nºs 3 e 4 do NRAU na redação dada pela Lei 43/2017 de 14.06, por alegada inconstitucionalidade.
c) Salvo o devido respeito não assiste qualquer razão à Recorrente, conforme se
explica:
d) Resulta da leitura do art.º 15º F nº 1 do NRAU, que o Requerido pode opor-se à pretensão do Requerente no prazo de 15 dias a contar da sua notificação, e para tanto deverá com a oposição juntar: o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, o comprovativo do pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça – art.º 15º-F nº3, do NRAU ( Lei 43/2017).
e) No caso presente, a Recorrente veio opor-se no prazo de 15 dias, tendo para o efeito junto somente e apenas o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
f) Não tendo junto o comprovativo do pagamento da caução, o Mmº Juiz “ a quo”, considerou, e bem, e em conformidade com o que dispõe o art.º 15º F nº 4 do NRAU, que a oposição se deve ter por não deduzida, por falta de junção de comprovativo de pagamento de caução, e em consequência, ordenou que desse facto se desse conhecimento ao Balcão Nacional do Arrendamento, para dar sequência ao despejo, nomeadamente, converter o requerimento de despejo em Titulo para Desocupação.
g) Assim sendo, entende a Recorrida que as disposições do artigo 15º-F nº3 e 4 do NRAU (Lei 43/2017) não padecem de inconstitucionalidade, porquanto não transgridem o direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais, nos termos consagrados no artigo 20ºn1 da Constituição da República Portuguesa, não afetando o acesso ao sistema judicial.
h) Vidé neste sentido Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 10/10/2023, no proc. com o n.º 1182/22.6YLPRT.L1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4941683fc0ae167280258a45003cdd1a?OpenDocument
i) Alega ainda a Recorrente que a Douta sentença proferida Tribunal “a quo” …” comete ainda o vício de omissão de pronúncia (art.º 615º nº 1 alª d) do CPC) por não referir a prova do pagamento das rendas reclamadas pela senhoria, elemento fundamental para decidir se havia ou não mora no pagamento, única circunstância que justificaria a caução.”
j) Não assiste qualquer razão à recorrente, pois como se explicou atento os n.ºs 3 ou 4 do artigo 1083º do Código Civil, tanto o pagamento da taxa de justiça como o depósito da caução requeridos pelo artigo 15º-F, número 3 do NRAU, são condições essenciais para a admissibilidade da oposição ao despejo
k) Entende a Recorrida, que andou bem o Tribunal “a quo”, ao ter decidido nos termos em que o fez, porquanto os o disposto nos art.º 15 F nºs 3 e 4 constituem pressupostos processuais, cuja falta obsta que o juiz proceda à apreciação de demais questões que visem apreciar o mérito da causa “in caso” da oposição.
l) Na realidade, o tribunal não pode deliberar sobre os argumentos da oposição ao despejo sem primeiro confirmar a existência desses pressupostos processuais na sua admissibilidade.
m) Nenhuma decisão de mérito deve ser proferida sem a prévia verificação destes requisitos.
n) Pelo que não merece a douta sentença do Tribunal “a quo” qualquer censura, porquanto o tribunal está impedido de proferir uma decisão sobre os fundamentos da oposição ao despejo se e enquanto, na análise da sua admissibilidade, não se concluir pela existência daqueles pressupostos processuais, concluindo-se que nenhuma decisão de mérito deve ser proferida sem a análise da sua verificação
Nestes termos e nos demais de Direito roga-se a V. Exa.s Venerandos Desembargadores pela manutenção da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”.

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II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.

1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- A alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
b)- A revogação da decisão, por interpretação do art.º 15º-F nºs 3 e 4 do NRAU em termos contrários ao princípio do contraditório do CPC, da igualdade das partes e da proibição de denegação da justiça previstos nos artºs 13º e 20º da CRP.

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2- Factualidade Relevante.

Para a decisão das questões em causa nos autos importa ter em consideração a factualidade mencionada no RELATÓRIO supra.

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3- As Questões Enunciadas.

3.1- A alegada nulidade da sentença.

A requerida/apelante alega que a decisão sob impugnação padece de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615º nº 1, al. d) do CPC, porque, segundo ela, o juiz deixou de apreciar a questão alegada na oposição de não serem devidas rendas à senhoria.
No despacho que admitiu o recurso o juiz, nos termos do art.º 641º nº 1 pronunciou-se sobre a pretendida nulidade da decisão, defendendo não se verificar porque a decisão de rejeição da oposição ocorre em momento anterior ao da apreciação do mérito da oposição ao despejo.
Vejamos se a apelante tem razão.
Pois bem, quando no art.º 615º nº 1, al. d) do CPC, se comina com nulidade a sentença (ou despacho, por força do art.º 613º nº 3), em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” está a referir-se às questões que constituem o objecto da sentença ou do acórdão. Na verdade, o art.º 615º nº 1, al. d) deve ser conjugado com o art.º 608º, relativo às questões a resolver na sentença/despacho. Essas questões, que se impõem ao juiz que resolva na sentença/despacho são, em primeira linha, por uma ordem de precedência lógica, as questões de forma (vícios de natureza processual, excepções dilatórias) susceptíveis de conduzir à absolvição da instância e consequente ineficácia do processo e que não tenham sido resolvidas no despacho saneador (art.º 608º nº 1), quer tenham sido alegadas pelas partes, quer devam ser apreciadas oficiosamente.
Depois e principalmente, o juiz aprecia e decide às questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das excepções e, ainda, das que o juiz possa, rectius, deva conhecer ex officio (art.º 608º nº 2). Na lição de Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, Almedina, pág. 142) “A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e à causa de pedir (melhor, à fungibilidade ou infungibilidade de umas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.”. Isto é, as questões referidas no art.º 608º nº 2 e, por conseguinte, a que se reporta o art.º 615º nº 1, al. d), são as questões relacionadas com o mérito da causa, balizado pelo pedido deduzido (incluindo o reconvencional, quando o haja) e pela respectiva causa de pedir e pelas excepções peremptórias opostas.
Portanto, a nulidade da sentença, por falta de pronúncia ocorre nas situações em que se verifica uma omissão de julgamento (juízo de procedência ou improcedência) de forma ou de mérito, a qual não se confunde com a decisão efectiva de não conhecimento das questões, por inadmissibilidade ou falta de pressupostos processuais. (Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL, 2020, pág. 84).
Ora, no caso dos autos, a 1ª instância decidiu que, por aplicação do art.º 15º-F do NRAU, tinha-se por não deduzida a oposição ao procedimento especial de despejo. Ou seja, a 1ª instância deixou de apreciar as questões de forma e as questões de mérito suscitadas no requerimento inicial e na oposição, por inadmissibilidade legal da oposição apresentada.
O mesmo é dizer que a 1ª instância, face à estatuição do art.º 15º-F do NRAU, não tinha de conhecer nem as questões de forma, rectius, pressupostos processuais, nem a as questões de mérito, designadamente, a relativa à invocada excepção peremptória de pagamento das rendas.
A esta luz, resta concluir que a decisão da 1ª instância não padece de nulidade por omissão de pronúncia.

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3.2- A revogação da decisão, por interpretação do art.º 15º-F nºs 3 e 4 do NRAU em termos contrários ao princípio do contraditório do CPC, da igualdade das partes e da proibição de denegação da justiça previstos nos artºs 13º e 20º da CRP.

Entende a requerida/apelante que a norma do art.º 15º-F, nos 3 e 4 do NRAU, interpretada pela 1ª instância no sentido de o inquilino, ainda que não tenha meios, a pagar uma caução, viola o princípio do contraditório, do art.º 3º do CPC, por impedir a inquilina de produzir prova sobre os factos que alega.
Além disso, defende que aqueles normativos violam o princípio do art.º 20º da CRP porque implicam denegação de justiça por insuficiência de meios económicos. Bem como constituem violação do princípio da igualdade das partes, previsto no art.º 13º da CRP, por tratar de modo desigual os senhorios e os inquilinos.
Será assim?
Como é sabido, a Lei 31/2012, de 14/08, procedeu a diversas alterações ao NRAU (introduzido pela Lei 6/2006, de 27/02 e que, ao longo dos tempos tem sofrido diversas alterações), com realce para a criação do Procedimento Especial de Despejo, através da Lei 31/2012, de 14/08, previsto nos art.ºs 15º a 15º-S.
Ora, no âmbito do Procedimento Especial de Despejo, que resultou da Lei 31/2012, de 14/08, era a seguinte a redacção do art.º 15º-F (a única alteração a este art.º 15º-F do NRAU teve lugar através da Lei 56/2023, de 06/10, que acrescentou alguns números a esse art.º 15º-F e, procedeu a renumeração de todos, mantendo, no entanto, intacta a redacção dos então nºs 3 e 4), com epígrafe “Oposição”:
1 - O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação.
2 - A oposição não carece de forma articulada, devendo ser apresentada no BNA apenas por via eletrónica, com menção da existência do mandato e do domicílio profissional do mandatário, sob pena de pagamento imediato de uma multa no valor de 2 unidades de conta processuais.
3 - Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
4 - Não se mostrando paga a taxa ou a caução prevista no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.
5 - A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo.”
Aquela Lei 31/2012, de 14/08, procedeu, também a algumas alterações ao CC, de que se saliente a do art.º 1083º, que passou a ter a seguinte redacção, mantendo a epígrafe “Fundamento de resolução”:
1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:
a) A violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;
b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública;
c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio;
d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 1072.º;
e) A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.
3 - É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte.
4 - É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte.
5 - É fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado e, em geral, a aptidão deste para o uso previsto no contrato.
No art.º 15-B do NRAU (Lei 31/12) relativo à apresentação, forma e conteúdo do requerimento de despejo, ficou estabelecido, na alínea g), que o requerente deve “Formular o pedido e, no caso de pedido para pagamento de rendas, encargos ou despesas, discriminar o valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas;”.
Ora, da conjugação do art.º 15º-B, al. g), com o art.º 1083º nºs 3 e 4 do CC resulta que, o senhorio requerente pode, no Procedimento Especial de Despejo, cumular pedido de despejo com o pagamento das rendas em dívida, encargos ou despesas, discriminando o valor do respectivo capital.
No caso dos autos, a senhoria/requerente, além de ter pedido o despejo, pediu, igualmente, a condenação de rendas em dívida, liquidando-as no valor de 5 960,91€.
Assim sendo, a requerida, nos termos do art.º 15º-F nº 3 do NRAU (supra transcrito), ao apresentar a oposição ao Procedimento Especial de Despejo, “devia, proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, bem como ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas.
Porém, como vimos acima, a requerida, com a oposição que deduziu, apenas juntou documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, não juntando qualquer documento comprovativo do pagamento de caução. Note-se que o documento comprovativo do pagamento de caução era regulado pela Portaria 9/2013, de 10/01, que determinava no seu art.º 10º, com epígrafe “Caução”;
1 - O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, é efetuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, após a emissão do respetivo documento único de cobrança.
2 - O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.”
Assim sendo e conforme decorre do art.º 15º-F nº 4 do NRAU (na redacção da Lei 31/2012) “Não se mostrando paga a (…) caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida.”
E foi essa a decisão proferida pela 1ª instância.

Vejamos se a interpretação e aplicação das normas do art.º 15º-F, nºs 3 e 4 do NRAU (Lei 31/2012) feita pela 1ª instância é descabida.
Pois bem, para além da letra da lei ser clara (o que nos trás à memória o aforismo latino in claris non fit interpretatio, ou seja, nas questões claras não se faz interpretação) convém recordar a ratio da criação do Procedimento Especial de Despejo: “A presente lei aprova medidas destinadas a dinamizar o mercado de arrendamento urbano, nomeadamente: c) Criando um procedimento especial de despejo do local arrendado que permita a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento.” (art.º 1º da Lei 31/2012). E, o art.º 15º nº 1 do NRAU (Lei 31/2012) refere “1 - O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.” Por outro lado, ainda de acordo com o art.º 15º nº 1, al. e) do NRAU (Lei 31/2012), o Procedimento Especial de Despejo, em caso de resolução, “…deve ser acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil…”. Ora, como Refere Rui Pinto (Notas sobre a execução do despejo após a Lei 31/2012, de 14 de agosto”, Temas de Direito de Arrendamento, Cadernos o Direito, nº 7, 2013, AAVV, pág. 133) “A exigência desta base documental cria a aparência do direito do senhorio, suficiente para intentar o procedimento especial. (…) É essa aparência de titularidade do direito cumprida pelos documentos do art.º 15º nº 2 do NRAU que permite que o inquilino seja notificado para desocupar voluntariamente o locado…”.
Por outro lado, menciona o mesmo autor “Com a oposição, deve o requerido proceder à junção de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e efectuar o pagamento de uma caução no valor correspondente das rendas, encargos e despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, nos casos previstos nos nºs 3 e 4 do art.º 1083 do CC, abrangidos pelo art.º 15º nº 2 al. e) NRAU. Procedimentalmente, a prestação de caução é condição de admissibilidade da oposição: na sua falta, as oposições têm-se por não deduzida, comina o nº 4 do mesmo art.º 15º-F NRAU (…). Portanto, ao contrário da purgação da mora, a prestação de caução não tange o fundo da questão, i.e., o direito à resolução do arrendamento.” (Ob. Cit., págs. 146 e 147).
Pois bem, salvo o devido respeito, as normas dos nºs 3 e 4 do art.º 15º-F do NRAU não violam o princípio do contraditório, limitam-se a estabelecer uma condição de admissibilidade da oposição ao Procedimento Especial de Despejo. Ou seja, a requerida não estava impedida de deduzir oposição: única e simplesmente, tinha de pagar caução até ao valor de seis rendas. No fundo, esta condição de admissibilidade da oposição visa evitar situações que aconteciam no regime pretérito, com demoras na declaração do direito ao despejo e na subsequente execução do despejo, fazendo seriamente significar ao inquilino que a oposição deve corresponder a uma efectiva situação de falta de fundamento do pedido de despejo.

Pretende ainda a requerida/apelante que as normas dos nº 3 e 4 do art.º 15º-F do NRAU violam o princípio do art.º 20º da CRP porque implicam denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, bem como constituem violação do princípio da igualdade das partes, previsto no art.º 13º da CRP, por tratar de modo desigual os senhorios e os inquilinos.
Salvo o devido respeito, não vislumbramos que aqueles normativos do art.º 15º-F nºs 3 e 4 da CRP violem o princípio da igualdade entre senhorios e inquilinos.
Na verdade, acompanhamos o entendimento vertido no acórdão desta Relação, de 26/01/2023 (Proc. 547/22, Nelson Borges Carneiro), baseando-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 223/95, onde é argumentado “A vinculação da jurisdição ao princípio da igualdade, a mais do que significar igualdade de acesso à via judiciária, significa igualdade perante os tribunais, de onde decorre que “as partes têm que dispor de idênticos meios processuais para litigar, de idênticos direitos processuais”. É o princípio da igualdade de armas ou da igualdade das partes no processo, que constitui uma das essentialia do direito a um processo equitativo.” e, fazendo constar no respectivo sumário: “III – O princípio da igualdade, consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. IV – Não são inconstitucionais as normas do art.º 15º-F/3/4 do NRAU.”
E o mesmo se diga em relação à invocada violação, pelas normas dos nºs 3 e 4 do art.º 15º-F do NRAU, do princípio do art.º 20º da CRP porque, segundo a apelante, implicam denegação de justiça por insuficiência de meios económicos.
Com efeito e voltando ao referido acórdão desta Relação, de 21/06/2023, nele se defende que “O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei; (b) princípio da exigibilidade; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adoção de medidas restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
O arrendatário tem o dever de prestar uma caução no valor das rendas em atraso, mas não podendo ultrapassar o valor máximo correspondente a seis rendas, como condição para que a sua oposição possa ser apreciada. Estamos, pois, perante uma caução que, como tal, se destina, apenas, a garantir a posição do senhorio, pelo que, o que for despendido a esse título, não implica, necessariamente, que o arrendatário fique desapossado do respetivo valor em definitivo. Por outro lado, se este tiver apoio judiciário, fica isento do pagamento da aludida caução.
Assim, cumpre apreciar se o direito de defesa do arrendatário lhe é coartado, com a imposição daquela caução, como condição para que a oposição à pretensão de despejo seja apreciada, tornando insuportável ou inacessível para a generalidade das pessoas o acesso aos tribunais? Ora, o direito de defesa do arrendatário não fica coartado com aquela norma, mas apenas restringido, e na medida estritamente necessária a acautelar um outro direito, também ele constitucionalmente protegido, do senhorio. Ao impor a obrigatoriedade da prestação de uma caução para deduzir oposição à rescisão do contrato que lhe é feita pelo senhorio, a norma em causa restringe (ou comprime) apenas o seu direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, que lhe são constitucionalmente consagrados no art.º 20°, da CRPortuguesa.
A referida compressão revela-se adequada e proporcional, enquanto contraponto ao grau limitado de proteção conferido ao direito de propriedade do senhorio, num contexto integrado já pela aparência de violação da mais básica obrigação contratual do inquilino - a do pagamento das rendas contratadas - prevenindo que o exercício do direito de defesa possa constituir um expediente dilatório, em resultado do qual, com o retardamento da devolução do locado, se agrave ou frustre a realização do direito do senhorio.
Os valores em causa (valor das rendas em atraso, num máximo de seis rendas), fixados a título de caução, não se revelam manifestamente excessivos e desproporcionados, não pondo em risco o acesso à justiça. Atente-se que tais valores nunca serão perdidos pelo caucionante, pois que, das duas uma: ou a oposição procede e os mesmos são recuperados pelo arrendatário; ou a oposição improcede e os mesmos são destinados ao senhorio, livrando-se o arrendatário, nessa medida, da respetiva obrigação de pagamento. Assim sendo, a fixação da caução, nos termos legalmente previstos, não constitui um fator inibitório do exercício do direito de oposição”.
Aliás, no mesmo sentido, veja-se o acórdão desta Relação, de 09/07/2015 (Roque Nogueira), com o seguinte sumário:
- “I - Incumbindo à lei assegurar a concretização da norma prevista no art.20º, nº1, da CRP, não pode prever um regime de tal modo gravoso que torne insuportável o acesso aos tribunais, designadamente, condicionando-o a cauções ou outras garantias financeiras incomportáveis.
II - Haverá que ter em atenção a condição económica das pessoas, devendo observar-se o princípio da proporcionalidade e da adequação, que são princípios básicos do Estado de direito.
III - No caso, está-se perante uma situação de resolução do contrato pelo senhorio, fundada em mora do arrendatário no pagamento da renda, nos termos dos nºs 3 e 4, do art.1083º, do C.Civil, a qual opera por comunicação do senhorio ao arrendatário, onde fundadamente se invoque a obrigação incumprida, de harmonia com o disposto no art.1084º, nº 2, do mesmo Código.
IV - Tal situação encontra-se entre aquelas que justificam a utilização do procedimento especial de despejo, que é um meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento (cfr. o art.º 15º, do NRAU).
V - E só nesse caso é que o arrendatário tem o dever de prestar uma caução no valor das rendas em atraso, mas não podendo ultrapassar o valor máximo correspondente a seis rendas, como condição para que a sua oposição possa ser apreciada (cfr. os nºs 3 e 4, do art.º 15º-F, do NRAU).
VI – Está-se, pois, perante uma caução que, como tal, se destina, apenas, a garantir a posição do senhorio, pelo que, o que for despendido a esse título, não implica, necessariamente, que o arrendatário fique desapossado do respectivo valor em definitivo.
VII – Considera-se, deste modo, que se está perante norma restritiva que se revela proporcional e evidencia uma justificação racional, procurando garantir o adequado equilíbrio face, nomeadamente, ao direito de propriedade privada, constitucionalmente protegido, tal como o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.
VIII – Assim, a norma constante do nº4, do art.º 15º-F, do NRAU, não é inconstitucional, já que não viola o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art.20º, nº1, da CRP, não afectando de forma irreversível o direito à via jurisdicional.”
Bem como o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 30/05/2019 (Maria Amália Santos), com o seguinte sumário:
-“ I - Não é inconstitucional a norma do art.º 15º-F nºs 3 e 4 do NRAU.
II- A imposição ao requerido da prestação de caução, nos termos daquelas normas, no valor das rendas em atraso, para lhe ser admitida a oposição ao procedimento especial de despejo fundado na falta de pagamento de rendas, não lhe coarta o seu direito de defesa, previsto no art.º 20º da CRP.
III – Esse direito de defesa fica apenas restringido (nos termos permitidos pelo art.º 18º nº2 da Constituição da República Portuguesa), para salvaguarda de um outro direito, constitucionalmente consagrado, do direito de propriedade e de livre iniciativa económica do senhorio, previstos nos artºs 62º e 63º da CRP.
E ainda, o recente acórdão do STJ, de 23/04/2024 (Pedro de Lima Gonçalves, Proc. 1182/22), com o seguinte sumário:
 “I – Não são inconstitucionais as normas constantes do artigo 15.º-F do NRAU.
II – A imposição à Requerida da prestação de caução para lhe ser admitida a oposição ao procedimento especial de despejo fundado na falta de pagamento de rendas, não lhe coarta o seu direito de defesa previsto no artigo 20.º da CRP.”        

A esta luz, somos a concluir que as normas do art.º 15º-F, nºs 3 e 4 do NRAU (Lei 31/2012) não são inconstitucionais, já que não violam o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art.º 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa e não afectam, de forma irreversível, o direito à via jurisdicional.

Em suma, o recurso improcede.

***

III- DECISÃO.

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, em consequência, mantém a decisão sob impugnação.

Custas na instância de recurso: serão a suportar pela requerida/apelante na vertente de custas de parte; porém, conforme resulta do documento junto com a alegação de recurso, a requerida/apelada solicitou, a 11/01/2024, a concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo; ignora-se se esse apoio judiciário foi deferido. Assim, caso seja indeferido, as custas nesta instância, na modalidade de custas de parte, serão suportadas pela requerida/apelante; caso o apoio judiciário venha a ser deferido, haverá lugar à aplicação do disposto no art.º 26º nº 6 do RCP.

Lisboa, 09/05/2024
Adeodato Brotas
Eduardo Petersen Silva
João Brasão