Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15274/22.8T8LSB.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE PARTILHA
OBRIGAÇÃO DO CABEÇA DE CASAL
ILEGITIMIDADE PASSIVA
EXCEPÇÃO INSUPRÍVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Constitui título executivo a sentença homologatória da partilha nos termos da qual, conjugada com o mapa de partilha para onde remete, resulta a obrigação da cabeça de casal entregar certas verbas ao interessado.
II. Tendo sido a execução instaurada indevidamente contra quem já não era cabeça de casal, à data da prolação da sentença homologatória da partilha, esta ilegitimidade passiva é insuprível mediante convite à dedução de incidente de intervenção de terceiro porquanto este é inadmissível tendo em vista a substituição de parte, tudo dando azo à inexequibilidade do título.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO

Em 9.7.2019, no âmbito do Inventário nº 994/09.0JLSB, foi proferida sentença com o seguinte teor:
«Nos presentes autos de inventário para partilha dos bens deixados por óbito de AF, em que, por último, exerceu as funções de cabeça de casal CF, homologo por sentença o mapa de partilha constante de fls. 1672 a 1675 e adjudico os quinhões aos interessados nos seus precisos termos (art. 1382.º n.º 1 do Código de Processo Civil).
Custas pelos interessados nos termos do disposto no art. 1383.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.»
Em 15.6.2022, JR instaurou execução contra MF, descrevendo como factos:
«1- De acordo com o mapa de partilha, relação de bens final, resultante do processo de inventário nº 994/09.0TJLSB que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local Cível de Lisboa, resultou um acervo hereditário composto por bens imóveis, dinheiros e outros.
2- A executada, enquanto cabeça de casal, ficou responsável pela administração da herança até à sua liquidação e partilha, momento a partir do qual cada herdeiro se transforma em proprietário de valor que lhes importa, de acordo com a partilha - art.º 2079 e ss. do CC.
3- Na partilha ficou determinado o quinhão hereditário referente a cada herdeiro, ou seja, a cada um dos herdeiros foram-lhes atribuídas determinadas verbas concretas, nas suas respetivas percentagens - correspondentes a bens imóveis e quantias em dinheiro constantes das contas bancárias.
4- Sucede que já depois de transitada a sentença de partilha de bens a Cabeça de Casal não entregou os 1/12 avos das verbas nº 1 a 19 (um a dezanove) nem 1/12 avos da verba nº 52 (cinquenta e dois) ao interessado JR, ora Exequente.
5- Ficou assim por pagar/entregar ao aqui Exequente o montante de 60.797,08€, referente às supra citadas verbas nº 1 a 19, e 41,67€, referentes à verba nº 52.
6- Assim o valor total em dívida que cabe ao Exequente totaliza o valor de 60.838,75€ (sessenta mil oitocentos e trinta e oito euros e setenta e cinco cêntimos), valor esse que não foi entregue ao aqui herdeiro.
7- A Executada, enquanto cabeça de casal, apropriou-se assim indevidamente e abusivamente de valores que não lhe pertencem no montante supra citado, acrescido de juros, que se computam, à data, no valor de 7.147,30€.
8- Perante esta atuação da Executada, não resta outra alternativa ao aqui Exequente senão a propositura da presente ação executiva, por forma acionar os meios legais e assim obter o pagamento dos valores que lhe são devidos por direito.
9- Assim o Exequente, enquanto credor desta quantia, vem reclamar o pagamento do valor de 60.838,75€, acrescido dos juros legais, dos quais a cabeça de casal, aqui executada, se apropriou indevidamente, não tendo entregue o valor correspondente ao quinhão hereditário quanto às verbas já descritas.
10- Face ao supra exposto, o Exequente é assim credor do montante total de 60.838,75€, acrescido dos juros de mora, a serem contabilizados, desde o momento em que o montante em dívida deveria ter sido pago, ou seja, em julho de 2019, até ao seu pagamento integral, sendo que atualmente se computam já num total de 7.147,30€ (sete mil cento e quarenta e sete euros e trinta cêntimos).
11- Acrescem ainda os montantes referente à taxa de justiça suportada pelo Exequente, no montante de 51,00€, e o valor de 250,00€ para despesas da 1ª fase do Agente de Execução.
12- Assim valor em dívida perfaz o montante global de 68.287,05€ (sessenta e oito mil, duzentos e oitenta e sete euros e cinco cêntimos), aos quais deverão ser acrescidos juros de mora, contabilizados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento do montante em dívida pela ora Executada.»
Em 20.9.2022, MF deduziu oposição à execução.
Em 10.4.2023, MF faleceu, tendo o exequente deduzido por apenso incidente de habilitação contra MAF e CF. Por despacho de 19.10.2023, foi ordenada a incorporação do requerimento de habilitação nos autos principais.
Em 10.11.2023, o Tribunal a quo indeferiu o requerimento executivo, essencialmente com esta fundamentação [decisão impugnada nesta apelação]:
«Sendo embora verdade que a sentença condenatória, enquanto título executivo, estabelece os limites e o fim da execução, não se pode utilizar um título executivo para realizar coativamente outra obrigação que não seja aquela que o título comprova ou documenta, nos seus precisos termos.
Desde logo não é possível afirmar que da sentença dada à execução resulte qualquer condenação da executada.
Apesar de o inventário não ser uma ação de condenação nos termos definidos pelo artigo 10º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Civil, o certo é que a sentença homologatória de partilhas fixa, após o seu trânsito em julgado, definitivamente, o direito dos interessados, nomeadamente quanto aos bens que lhe foram adjudicados. Portanto, com tal sentença, fica reconhecida aos interessados no inventário a propriedade exclusiva dos referidos bens (cfr. Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol. II, 1ª ediç, pág. 400 e 406). Assim, poderá a sentença homologatória do mapa de partilha servir de título executivo no que respeita à entrega dos bens adjudicados ou ao pagamento do passivo.
Mas importa salientar que, no caso dos autos, a sentença dada à execução limitou-se a homologar a partilha constante do mapa elaborado naqueles autos, cujos bens foram adjudicados aos respetivos interessados pela forma que dele consta, dela não resultando sequer a condenação de quaisquer interessados no pagamento do passivo ou de tornas.
Ora, resulta claramente da sentença dada à execução que a executada não desempenhava o cargo de cabeça-de-casal no inventário que sob o n.º 994/09.0TJLSB correu termos no Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 7 e cuja partilha veio a ser homologado por sentença dada à execução, pois nesta consta expressamente que o cargo em questão era exercido por CF. E ainda que a executada exercesse o cargo de cabeça-de-casal, o certo é que na presente data já há conhecimento do seu óbito, e não sendo tal cargo transmissível, nunca poderiam os seus sucessores ser habilitados para prosseguirem na execução no lugar da executada. E sempre se dirá que se tal viesse a suceder teríamos então uma situação inusitada em que o exequente, por ser filho da executada, assumiria simultaneamente o lado ativo e o lado passivo, por sucessão, na execução.
Na ação executiva, pelo título executivo tem que ser possível identificar quem é o devedor, ou seja, o executado. Se o executado não corresponder, face ao título, ao devedor, não pode ser demandado enquanto tal. Não fica na plena disponibilidade do credor instaurar a execução contra quem entende ser o devedor, mas apenas contra a pessoa que se encontra vinculada pelo título a cumprir a prestação.
A determinação de quem seja o devedor deve emergir claramente do título dado à execução, o que não sucede no caso vertente, pois quem ali surge identificado como cabeça-de-casal não é a executada.
Em conclusão, a sentença dada à execução é inexequível relativamente à executada, sendo este vício insuprível e determinando a extinção da execução nos termos dos artigos 726º, n.º 2, alínea a), e 734º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
Com efeito, dispõe o art.º 734º, n.º 1, do Código de Processo Civil que “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
É o que se vai decidir.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o exequente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
«1. O presente Recurso tem por objeto a Sentença proferida nos autos de execução de que aqui ora se recorre e que entendeu rejeitar a ação executiva instaurada por JR e, consequentemente, declarar extinta a execução instaurada.
2. Assim, entende o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação de prova já constante dos autos e, bem assim, subsumiu erradamente os factos contantes do processo, aos quais aplicou errados normativos legais, sendo de se lhes aplicar outros, que imporiam solução diversa no entendimento do Recorrente.
3. Numa fase inicial pugnou por se aferir desde logo da possibilidade de a Sentença homologatória de partilha poder ser utilizada para efeitos de instaurar ação executiva e nela figurar como título executivo, resposta que entendeu o Tribunal a quo, tal como entende o Recorrente, ser afirmativa.
4. Daqui se extrai, sem margem para dúvidas, de que entendeu o Tribunal pela existência de título executivo.
5. Ora, posteriormente, depois de ter o Tribunal sido confrontado com o título executivo – Sentença homologatória de partilha – e com o Requerimento Executivo intentado, declarou, ao que parece ao ora Recorrente, que existia desconformidade entre quem figurava no título como devedor da obrigação e quem figurava no Requerimento Executivo como devedor da obrigação.
6. Ao que foi possível apurar, o Recorrente entende que o Tribunal identificou alegada “desconformidade” entre o título e o Requerimento Executivo.
7. Tudo porquanto o Recorrente, em sede de Requerimento Executivo, apelida a Executada – MF – de “cabeça de casal”, quando, na precisa data em que fora proferida Sentença, esta já não o seria.
8. Seria antes cabeça-de-casal CF - que não figura como parte/Executada na presente ação.
9. O Recorrente extrai a presente conclusão, de que o Tribunal identifica alegada “desconformidade”, porquanto resulta da Sentença proferida que “a executada não desempenhava o cargo de cabeça-de-casal no inventário que sob o n.º 994/09.0TJLSB correu termos no Juízo Local Cível de Lisboa - Juiz 7 e cuja partilha veio a ser homologado por sentença dada à execução, pois nesta consta expressamente que o cargo em questão era exercido por CF.”.
10. Sucede que o ora Recorrente, em sede de Requerimento Executivo, atribuiu por lapso a qualidade de cabeça-de-casal na sua referência a MF – ora Executada.
11. E sendo certo que esta assumiu essas mesmas funções de cabeça-de-casal durante um período de 8 (oito) anos, a verdade é que no espaço de um ano que antecede a Sentença de partilha que serve de título à execução, fora CF quem desempenhou tais funções.
12. Ora conclui-se que, a verdade é que do título não resulta explicitamente quem deva cumprir a obrigação, mas antes, e tão só, quem desempenha o cargo de cabeça-de-casal.
13. Diversamente, portanto, do verificável em sede de tornas, não resulta declaradamente da Sentença quem deve proceder à entrega das concretas verbas adjudicadas na partilha.
14. Porém o Tribunal a quo entendeu determinar que, “não fica na plena disponibilidade do credor instaurar a execução contra quem entende ser o devedor, mas apenas contra a pessoa que se encontra vinculada pelo título a cumprir a prestação. A determinação de quem seja o devedor deve emergir claramente do título dado à execução, o que não sucede no caso vertente, pois quem ali surge identificado como cabeça-de-casal não é a executada.”.
15. Sucede que, foi por mero lapso que se fez referência à qualidade de cabeça-de-casal de MF naquela presente data em sede de Requerimento Executivo, sendo, no entanto, contra a mesma que o Requerente entende que deveria seguir o processo executivo.
16. Tudo porquanto era a Executada quem detinha os bens e verbas da herança em sua posse e a quem cumpria, por isso, entregar tais verbas.
17. Foi precisamente a Executada, porque possuidora das verbas, quem inclusivamente entregou a determinados herdeiros outras quantias.
18. Não o tendo, no entanto, feito no tocante ao ora Recorrente.
19. Tanto assim é que, resulta precisamente dos Embargos de Executado a que o Tribunal teve acesso, processo 15274/22.8T8LSB-A, uma confissão expressa dessa dívida e obrigação por parte da Executada.
20. Assim, a Executada assumiu expressamente que a obrigação de entrega de tais montantes lhe cabia a si, e não a qualquer outra pessoa.
21. Tanto assim é que Executada invoca e argui inclusivamente a existência de um contra crédito para com o Exequente.
22. Sucede que tal factualidade fora ignorada pelo Tribunal a quo.
23. Assim, constando do processo, ainda que em sede de Embargos, elementos que esclarecem a quem pertence a obrigação e quem a deveria cumprir, o Tribunal entendeu desconsiderá-los totalmente.
24. Mesmo sob a forma de confissão da Executada!!
25. Acrescendo que o Exequente ficou sem compreender, de forma cristalina, em que motivo concreto se fundou a motivação da Sentença ora recorrida.
26. Pois que, com base em tudo o que se disse e resulta dos autos, não compreende o Recorrente se a decisão de extinção da execução se deve ao facto de se entender:
a) que é à cabeça-de-casal (cargo jurídico) à data da Sentença que caberia cumprir a obrigação, e, portanto, que seria a CF quem deveria figurar como Executada;
b) ou se fora o facto de o Exequente ter feito, erradamente, referência ao título jurídico de “cabeça-de-casal” para evocar a Executada MF – que, não sendo quem desempenhava funções de cabeça-de-casal na data da Sentença, era quem detinha os bens e, bem assim, era quem deveria cumprir a obrigação vertida no título.
27. No entanto, sempre se dirá que, independentemente da motivação que fez proferir tal decisão, em qualquer caso, seja pelo vertido na alínea a) ou na alínea b) do artigo que antecede, diverso deveria ter sido o entendimento do Tribunal a quo.
28. Porquanto, se o Tribunal a quo entendeu que a presente ação deveria ter sido intentada contra a cabeça-de-casal à data da Sentença de partilhas por ser a esta a quem, presumivelmente, caberia cumprir a obrigação e, desse modo, entender que é quem figura no título executivo, sempre cumprirá declarar que isso não se verifica.
29. Nada resulta dos autos (no caso do título) em que se determine que é à cabeça-de-casal que caiba concreta obrigação de proceder à entrega das verbas em causa.
30. Pelo que, nunca se poderá dizer que é a cabeça-de-casal CF que concreta e explicitamente figura como devedora naquele concreto título.
31. Ainda assim, por motivo diverso, mas que desde logo derruba o mesmo argumento, resulta igualmente dos autos confissão da Executada.
32. Factos que seriam mais do que suficientes para afastar um qualquer princípio da literalidade do título – que, como se disse, também não identifica a cabeça-de-casal à data da Sentença como pessoa obrigada a cumprir e efetivar a partilha.
33. A lei admite inclusivamente o afastamento dessa literalidade.
34. Assim, entende-se que nos presentes autos cumpria à Executada proceder materialmente à entrega de tais bens, já que era a mesma que os detinha em sua posse – e bem sabendo disso, intentou o Recorrente contra a mesma ação executiva.
35. Pois que, ao cabeça-de-casal cumpre administrar a herança, porém, nada na lei impõe que seja sobre si que recai a obrigação de entregar bens de que não dispõe nem nunca dispôs.
36. Aliás, pode até proceder à administração dos mesmos sem nunca os ter na sua posse – o que torna desde logo materialmente impossível a sua entrega.
37. Vide nesse sentido, para o efeito, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo número 545/03.0TMPRT-P.P 2, citando: “A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal (cf. art. 2079 do Cód. Civil), razão pela qual, estando os bens que fazem parte dessa herança na sua posse, a execução da sentença homologatória da partilha deverá ser promovida contra ele.
Todavia, poderá suceder que os bens da herança cuja entrega se pretende não estejam na posse do cabeça-de-casal, situação em que a execução terá de ser intentada contra quem detém esses bens.
Neste caso, a sentença homologatória da partilha constituirá título executivo para pedir a entrega dos bens não contra o cabeça-de-casal, enquanto administrador dos bens, mas sim contra o herdeiro ou o terceiro que os tenha na sua posse.” (negrito nosso)
38. Assim, como se disse, entende o Recorrente que em nada resulta do título executivo que deva ser CF (cabeça-de-casal) concretamente a Executada nos presentes autos, o que não poderia deixar de ser, pois que, conhecendo-se a quem cumpre a obrigação formal da entrega, desnecessário seria intentar execução sob pessoa diversa, que também, em qualquer caso, não figura concretamente no título.
39. Acresce ainda que, se por outro lado se entender que fora o lapso do Exequente, referindo-se à Executada como “cabeça-de-casal”, que deu origem à Sentença ora recorrida, também sempre se dirá que cumpriria ao douto Tribunal pugnar por convidar ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, tudo dado aos dados em confronto de que dispunha à data do proferimento de tal Sentença.
40. O Tribunal a quo ignorou toda a documentação e inclusivamente a confissão carreada pela Executada para o processo.
41. O que imporia que nunca tivesse proferido a decisão surpresa que impõe o presente Recurso.
42. Conclui-se, o Tribunal a quo tem há mais de um ano o processo a correr, proferiu uma série de despachos, recebeu os Embargos da Executada, teve acesso à confissão da ora Executada como devedora em sede de Embargos, e à data de hoje entendeu proferir a decisão de que se recorre.
43. Motivos pelos quais conclui o Recorrente, ao contrário do que fora decidido, que não estamos perante qualquer vício insuprível, nunca devendo ter sido declarada extinta a instância.
42. Acresce que, lateralmente, o Tribunal a quo declarou igualmente que, por força da morte de MF, mesmo sendo esta cabeça-de-casal, também sempre se diria que a execução seria improcedente – por impossibilidade de transmissão do cargo por morte -, posição com a qual, declare-se, o Recorrente também não pode deixar de discordar, porquanto existem posições e simultaneamente obrigações que são ainda assim transmissíveis por morte, pois que no caso vertente nunca se trataria de uma transmissão do cargo, mas antes de uma transmissão de obrigações que adviriam do desempenho desse cargo – como o de proceder ao pagamento aos herdeiros dos seus respetivos valores em sede de partilha.
44. Mas ainda mais, erradamente declarou a Sentença de que ora se recorre que a “sentença dada à execução é inexequível relativamente à executada, sendo este vício insuprível e determinando a extinção da execução nos termos dos artigos 726º, n.º 2, alínea a), e 734º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
Com efeito, dispõe o art.º 734º, n.º 1, do Código de Processo Civil que “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
45. Ora, daqui se retira que o Tribunal a quo aplicou o preceituado na alínea a), do número 2., do artigo 726º do Código de Processo Civil, normativo legal que, salvo o devido respeito, no casso vertente conclui-se que não seria de aplicar por tudo o que se explanou.
46. Pois que, a consequência vertida no artigo 726º, número 2., ocorre quando estejam preenchidos alguns dos casos das alíneas vertidas nesse mesmo número.
47. O que no caso vertente não sucedera.
48. Pois que apenas ocorre inexistência do título quando não exista documento que conste do elenco taxativo do art.º 703º do Código de Processo Civil, a denominada exequibilidade extrínseca.
49. Ora, não restando dúvidas de que existe título: assim o assumiu o próprio Tribunal a quo.
50. Existindo, por outro lado, e também vertido na alínea arguida, insuficiência do título quando não exista exequibilidade da pretensão fundada no título, a denominada exequibilidade intrínseca.
51. Entendendo o Recorrente que não pode estar em causa qualquer insuficiência, pois que estamos perante uma obrigação que a Executada deve cumprir ao tempo da citação e que é qualitativa e quantitativamente determinada.
52. Tanto assim é que a Executada confessou a obrigação em sede de Embargos.
53. Motivo pelo qual, acrescendo a tudo o já alegado, no caso vertente, não é aplicável a determinada extinção da instância por força do vertido no artigo 726º, n.º 2, alínea a), e 734º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
54. Tudo por não estar em causa qualquer inexistência ou inexequibilidade do título, devendo antes ter sido aplicado, no limite, o vertido no artigo 726.º, número 4., e ter sido o ora Recorrente convidado a suprir quaisquer irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de qualquer pressuposto, prosseguindo os autos os seus devidos termos com a configuração que daí adviesse.
55. Estando igualmente o Recorrente apto a promover qualquer esclarecimento ou aperfeiçoamento face ao alegado, que também sempre se imporia ter sido solicitado pelo Tribunal a quo de acordo com o vertido no artigo 6º do Código do Processo Civil.
Termos em que, pelo exposto, deve ser dado integral provimento ao Recurso ora interposto, revogando assim a Sentença recorrida e substituindo-a por outra que determine o prosseguimento dos autos contra a ora Executada ou, caso assim não se entenda, que determine que o Exequente deva, antes, ser convidado a suprir irregularidade e/ou a sanar a falta de algum pressuposto.
Assim decidindo, farão V. Exas. Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa
O QUE É DE INTEIRA JUSTIÇA!»
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Não se mostram juntas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, a questão a decidir consiste em determinar se deve manter-se a decisão que determinou a extinção da execução por inexequibilidade do título em relação à executada.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O título executivo subjacente à execução é integrado por sentença homologatória da partilha, a qual faz referência ao mapa da partilha e operações deste.
A maioria da doutrina e da jurisprudência aceita que este tipo de sentença integra um título executivo (Artigo 703º, al. a), do Código de Processo Civil), em termos que merecem a nossa concordância e não justificam desenvolvimentos adicionais. Neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7.10.2014, Fonte Ramos, 590-E/2001, Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 9.10.2014, Manuel Bargado, 702.05, de 4.10.2017, Moreira Dias, 195/15, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.3.2022, Filipe Caroço, 2637/04 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.5.2023, Albertina Pedroso, 47/2020; abrantes geraldes, paulo pimenta e luís filipe sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2ª ed., 2022, Almedina, pp. 18-21; Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, p. 57; Augusto Lopes Cardoso, Partilhas Litigiosas, Vol. III, 2018, p. 36; contra : Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, 2018, pp. 153-162.
Nos termos do Artigo 53º, nº1, do Código de Processo Civil, «A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor
Conforme se refere em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 90:
«A necessidade da existência de um título executivo, necessariamente materializado num documento, justifica a simplicidade com que é tratada a legitimidade na ação executiva. O regime é claro: em regra, a execução só pode ser promovida por quem, através da análise do título, tenha a posição de credor; e só pode ser movida contra quem, no mesmo título, tenha a qualidade de devedor. Por isso, na generalidade dos casos, basta analisar o documento para definir quem tem interesse direto ativo ou passivo na execução.»
Por sua vez, Teixeira de Sousa, CPC Online, Versão 2024/02, p. 62, afirma que: «A legitimidade processual executiva é, em regra, formal: só podem ser partes na execução aqueles que, no título executivo, constem como credor e como devedor (n.º 1).»
Assim, atento o teor da sentença homologatória da partilha conjugada com o mapa da partilha, assiste legitimidade ao apelante para instaurar execução, reclamando a entrega de 1/12 avos das verbas nº 1 a 19 (um a dezanove) nem 1/12 avos da verba nº 52 (cinquenta e dois), consistentes em verbas em dinheiro.
Essa execução tem de ser intentada contra o cabeça de casal ou contra quem estiver na posse dos bens (cf. Augusto Lopes Cardoso, Partilhas Litigiosas, Vol. III, 2018, p. 42).
Nos termos plasmados na descrição dos factos do requerimento executivo, alega o exequente/apelante que «Sucede que já depois de transitada a sentença de partilha de bens a Cabeça de Casal não entregou os 1/12 avos das verbas nº 1 a 19 (um a dezanove) nem 1/12 avos da verba nº 52 (cinquenta e dois) ao interessado JR, ora Exequente.»
Deste modo, a execução tinha de ser intentada contra a cabeça de casal CF, a qual já exercia o cargo aquando da prolação da sentença homologatória. Todavia, o exequente instaurou a execução contra MF, a qual já não exercia tais funções, nada demonstrando que é a mesma a ter a disponibilidade das verbas cuja entrega é peticionada, aliás o exequente afirma que a cabeça de casal é que não entregou os bens.
De tudo o que fica exposto resulta que não merece censura a conclusão do tribunal a quo no sentido de que ocorre inexequibilidade do título contra MF, porquanto este é parte ilegítima para ser executada.
Ao contrário do que argumenta o apelante, o vício existente é insuscetível de sanação, nomeadamente mediante despacho de aperfeiçoamento.
Com efeito, o escopo dos incidentes de intervenção de terceiros «é essencialmente o de associar novas partes às primitivas, e não o de operar a exclusão destas últimas por via de substituição» (Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 6ª ed., p. 67).
A jurisprudência é também muito clara a este propósito, como deflui dos seguintes arestos.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.5.2009, Oliveira Rocha, 563/09, www.colectaneadejurisprudencia.com:
«A intervenção principal, espontânea ou provocada, não é, naturalmente, admissível se forem contrapostos os interesses substantivos ou processuais do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha.
Como não permite que o autor substitua o réu contra quem, por erro, dirigiu a ação.»
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9.6.2011, Pinto de Almeida, 63/07:
«Não é admissível a intervenção principal provocada quando, considerando o pedido formulado e o respetivo fundamento, o potencial chamado não tiver um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida e o chamante visar uma substituição processual com base em eventual responsabilidade decorrente de causa de pedir diferente daquela.»
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.10.2023, Aristides Almeida, 63/07:
« (…) a intervenção principal não é admissível no caso porque ela não visa trazer para a ação para assumir também a posição de parte principal, ao lado da parte principal já presente na lide, pessoa que fosse necessário ou conveniente trazer para assegurar a utilidade da decisão, o seu objetivo é sim substituir a pessoa que está do lado ativo da ação por outra que é afinal de contas a titular da relação material controvertida na reconvenção e a titular do interesse direto em contradizer o pedido reconvencional. Como vimos, tal finalidade não está assinalada ao incidente de intervenção principal provocada pelo reconvinte.»
Em síntese, tendo sido a execução instaurada indevidamente contra quem já não era cabeça de casal, à data da prolação da sentença homologatória da partilha, esta ilegitimidade passiva é insuprível mediante convite à dedução de incidente de intervenção de terceiro porquanto este é inadmissível tendo em vista a substituição de parte.
Termos em que se conclui pela improcedência da apelação, sendo desnecessárias outras considerações.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº 1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 23.4.2024
Luís Filipe Pires de Sousa
Cristina Coelho
Alexandra de Castro Rocha
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge  Leal, 331/21. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).