Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
836/23.4T8GMR-A.G1
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: EXECUÇÃO
LIVRANÇA
LEGITIMIDADE
CESSÃO DE CRÉDITOS
AVAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- Dos artigos 77º e 11º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL) resulta que a livrança é transmissível pela forma e com os efeitos de uma cessão ordinária de créditos.
– A cessão de créditos, na falta de convenção em contrário, importa a transmissão para o cessionário das garantias e outros acessórios do direito transmitido;
- Deste modo o cessionário fica legitimado para, nos termos do art. 514º, nº 1, do Código de Processo Civil, executar a livrança que lhe foi cedido nesse âmbito.
- Tendo ficado demonstrado que o aval dos Executados na livrança, agora quirógrafo, tem subjacente uma relação de fiança, que ficou assente, conforme contrato que instruía o requerimento executivo, é possível à Exequente alargar a estes sujeitos avalistas o regime estabelecido no citado art. 703º, nº 1, al. c) , apesar da constatada prescrição da obrigação cambiária.
Decisão Texto Integral:
Relator – Des. José Manuel Flores
1º - Adj. Des. Elizabete Moura Alves
2º - Adj. Des. Fernanda Proença Fernandes

ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I – Relatório

Recorrente(s):
- AA;
- BB;            

- Recorrido/a(s): EMP01... - STC.,S.A.
*
Por apenso aos autos de execução ordinária nº 836/23...., intentados por EMP01... – Stc, vieram os executados, separadamente, oferecer oposição àquela, visando a respectiva extinção.

Alegou a executada AA, residente na Rua ..., ..., em suma, que:

- a executada é parte ilegítima porquanto foi alegado pela exequente que a mesma “aceitou” a livrança e a figura do “aceite” não existe relativamente às livranças;-
- a livrança não consubstancia título executivo porquanto além de prescrita não foram alegados factos relativamente à relação subjacente que sustentem tal exequibilidade, limitando-se a exequente a alegar o “aceite”.

Já o executado BB, residente na mesma morada, alegou, para além do que havia invocado a executada (mutatis mutandis), que:
- o requerimento executivo padece de insuficiência fáctica relativamente à transmissão do crédito e a alegada transmissão não foi notificada ao embargante o que obsta à legitimidade da exequente;
- os avalistas não foram interpelados, o que torna inexigíveis os juros vencidos até à citação na execução. Requereu, ainda, a suspensão da execução.

Proferiu-se despacho liminar, indeferindo-se a suspensão da execução requerida pelo embargante BB de determinando-se a notificação da exequente para contestar.
A exequente contestou ambos os embargos, sustentando a exequibilidade do título, o indeferimento das excepções, concluindo pela a improcedência dos embargos e pelo prosseguimento da execução.
Determinou-se, após exercido o contraditório, a apensação dos embargos e designou-se data para audiência prévia.
Na audiência prévia, e frustrada a conciliação das partes, deu-se a palavra às mesmas para se pronunciarem sobre a intenção do tribunal em conhecer de mérito no saneador, nada tendo sido oposto.
Foi proferida decisão que culminou com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgam-se parcialmente procedentes os embargos e determina-se a extinção da execução relativamente aos juros vencidos sobre a quantia aposta na livrança até à data da citação do executado BB.
Custas por embargantes e embargado, na proporção, respectivamente, de 90%/10% – art. 527º, nºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil – e sem prejuízo do apoio judiciário concedido.”

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram, cada um dos Embargantes, o seu recurso, em cujas alegações formulam as seguintes
conclusões:

Apelação de BB

1. O Embargante não figura em qualquer modo legítimo na livrança dada à execução.
2. A Exequente não alegou no Requerimento Executivo que os Executados tinham avalisado a livrança, sendo que, tratando-se de um título de crédito que é dado à execução, sempre importaria que tivesse sido.
3. A livrança dos autos não se mostra endossada, pelo que a Exequente não é sua portadora e não serve como título executivo sendo aquela, por isso, parte ilegítima.
4. Ainda que se entenda que a livrança é transmissível não apenas por endosso, mas também mediante cessão de créditos (tese defendida pelo Tribunal recorrido), então teria de ter sido alegado pela Exequente e não foi: que livrança foi transmitida pela EMP02... à EMP03..., por esta à EMP04... e por esta a si própria; e que que as sobreditas cessões de créditos foram todas elas notificadas ao devedor ou aceites por este.
5. O Recorrente nunca foi notificado de qualquer cedência de um crédito de que fosse responsável à Exequente, nem aceitou que o mesmo tivesse sido cedido, designadamente do suposto crédito exequendo, pelo que a suposta cessão não produz efeitos em relação a si.
6. A citação para a execução não configura uma notificação válida para efeito de comunicação das aludidas cessões.
7. O facto constitutivo da relação subjacente e que poderia atribuir força executiva à livrança prescrita é inexistente, pelo que a livrança dada à execução não pode constituir título executivo, agora nas vestes de mero quirógrafo.
8. A concluir-se pela existência de aval por parte do Recorrente, este esgota-se no título cambiário e perde toda a sua eficácia se a relação cambiária se extinguir, designadamente por prescrição, precisamente porque o mesmo, do ponto de vista cambiário, nada tem que ver com a relação fundamental.
9. Prescrita a ação cambiária, deixa de ter o aval relevância para que o avalista possa ser responsável pelo pagamento da dívida corporizada pelo negócio/relação causal.
10. Violou a decisão recorrida o disposto nos artºs 53º nº 1 do CPCivil e 30º; 31º §1; 32º §1, 70º, 75º e 77º §3 da LULL..

TERMOS EM QUE
pelo exposto, pelo mérito dos autos e pelo que doutamente será suprido deve à Apelação ser concedida provimento, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se os embargos inteiramente procedentes…

Apelação de AA

1. O Embargante não figura em qualquer modo legítimo na livrança dada à execução.
2. A Exequente não alegou no Requerimento Executivo que os Executados tinham avalisado a livrança, sendo que, tratando-se de um título de crédito que é dado à execução, sempre importaria que tivesse sido.
3. O facto constitutivo da relação subjacente e que poderia atribuir força executiva à livrança prescrita é inexistente, pelo que a livrança dada à execução não pode constituir título executivo, agora nas vestes de mero quirógrafo.
4. A concluir-se pela existência de aval por parte do Recorrente, este esgota-se no título cambiário e perde toda a sua eficácia se a relação cambiária se extinguir, designadamente por prescrição, precisamente porque o mesmo, do ponto de vista cambiário, nada tem que ver com a relação fundamental.
5. Prescrita a ação cambiária, deixa de ter o aval relevância para que  avalista possa ser responsável pelo pagamento da dívida corporizada pelo negócio/relação causal.
6. A douta sentença recorrida considerou, porém, que, apesar de prescrita, foi alegada e provada a relação subjacente a que se reporta a exequente, pelo que a livrança seria título executivo, agora nas vestes de quirógrafo.
7. Tal relação subjacente era consubstanciada na intervenção dos executados, enquanto fiadores, no contrato de abertura de crédito mútuo subjacente.
8. O certo, porém, é que a fiança não consta do documento dado à execução pela exequente, relembre-se uma livrança prescrita, nem foi por ela alegada no requerimento inicial!!!!!.
9. Em lado algum do requerimento inicial se alega a fiança que, nos termos da sentença ora recorrida, esteve na base da improcedência parcial dos embargos.
10.O facto de os executados/embargados se terem constituído fiadores e principais pagadores num contrato de abertura de crédito que se encontra junto aos autos,- mas que não constitui o título dado à execução- não consubstancia a relação subjacente da livrança dada à execução, pelo que esta não poderá constituir titulo executivo, agora enquanto quirógrafo.
11.Violou a decisão recorrida o disposto nos artºs 53º nº 1 do CPCivil e 30º; 31º §1; 32º §1, 70º, 75º e 77º §3 da LULL.

Termos em que, na procedência do recurso, deve ser revogada a douta sentença recorrida, julgando-se os embargos inteiramente procedentes,

A Recorrida apresentou contra-alegações nas quais conclui pela falta de provimento de ambos os recursos.

II – Delimitação do objecto do recurso e questões prévias a apreciar:

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[2] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[3]
No caso, as questões enunciadas pelos recorrentes prendem-se com a viabilidade da demanda executiva relacionada com a legitimidade das partes.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos

1. Factos (cf. art. 662º, do Código de Processo Civil)

Provados
Do requerimento Executivo:
a) Foi dado à execução o escrito no valor de €: 31845,75, emitido em Guimarães aos 28/3/2008, com data de vencimento de 18/1/2011 e no qual consta, ao lado dos dizeres “Assinatura(s) do(s) subscritor(es)”, os dizeres “EMP05... e Comércio Textil Unip., Lda” e uma rubrica.
b) Do escrito referido em a) consta “No seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança ao Banco 1... ou à sua ordem a quantia de trinta e um mil oitocentos e quarenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos”.
c) Do anverso do escrito referido em a), do lado esquerdo e por baixo dos dizeres “Banco 1...” e “Contribuinte nº ...08” constam as assinaturas dos executados.
d) Por deliberação de 20 de Dezembro de 2015 (Retificada em 4 de Janeiro de 2017), o Governo e o Banco de Portugal tomaram a decisão de venda da atividade do Banco 1..., S.A. e da maior parte dos seus ativos e passivos ao Banco 2... e constituir a sociedade EMP02..., S.A.
e) Por meio de Contrato de Cessão de Créditos celebrado a ../../2016, a EMP02..., cedeu à EMP03... S.A.R.L, um conjunto de créditos litigiosos, inicialmente concedidos a diversos mutuários pelo Banco 1..., incluindo os créditos que aquela instituição bancária detinha sobre os ora Executados, incluindo todos os direitos, garantias e acessórios a eles inerentes, nos termos constantes dos documentos juntos à petição inicial com os nºs 1 e 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
f) Por contrato de cessão de créditos celebrado a ../../2022, a EMP03..., S.A.R.L., cedeu à EMP06..., S.À.R.L, os créditos que detinha sobre os ora Executados, cessão da qual resultou a transmissão de créditos para a mesma, bem como de todas as garantias a eles associadas, nos termos constantes dos documentos juntos à petição inicial com os nºs 3 e 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
g) Por contrato de cessão de créditos celebrado a ../../2022, a EMP06..., S.Á.R.L., cedeu à EMP01... STC, S.A., os créditos que detinha sobre os ora Executados, cessão da qual resultou a transmissão de créditos para a mesma, bem como de todas as garantias a eles associadas, nos termos constantes dos documentos juntos à petição inicial com os nºs 5 e 6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
h) No exercício da sua atividade comercial, o Banco 1..., S.A. celebrou com a sociedade EMP05... UNIP, LDA, entretanto declarada insolvente, e os Executados BB e AA, na qualidade de garantes, contrato de abertura de conta de gestão de tesouraria com o n.º ...40, nos termos e condições do documento junto ao requerimento executivo sob o nº 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
i) Em consequência dos financiamentos concedidos pela Entidade Bancária ao abrigo do mencionado contrato de abertura de crédito, autorizou uma linha de crédito de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
j) Como garantia de pagamento das obrigações emergentes do referido contrato, os Executados aceitaram e entregaram à Entidade Bancária uma livrança em branco, autorizando o seu preenchimento em caso de incumprimento.
k) Perante o incumprimento dos Executados do contrato celebrado ficou um saldo devedor de 31.845,75 € (trinta e um mil, oitocentos e quarenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).
Da contestação à petição de embargos da AA:
l) Consta do ponto 4 do contrato referido em h) que “ Constituímo-nos fiadores dos Proponentes pelo cumprimento das obrigações emergentes deste contrato, que assumimos como principais pagadores. Prestamos também o nosso aval na Livrança em branco que aqueles entregam nesta data ao Banco 1..., a quem conferimos o necessário mandato de preenchimento, nas mesmas condições dos proponentes. (…) Sem prejuízo de outras garantias eventualmente já constituídas, que se mantém em vigor, e para garantia do cumprimento de quaisquer obrigações emergentes deste contrato: a) Entregamos nesta data ao Banco uma Livrança em branco por nós subscrita e avalisada pelos fiadores acima referidos, mandatando, desde já, o Banco 1... para fins do seu preenchimento pelo valor das nossas responsabilidades, vencidas e em dívida, e nas datas que melhor lhe convier para a respetiva emissão, vencimento e fixação do local de pagamento. “
Da petição de Embargos do executado BB:
m) A exequente não comunicou ao executado o incumprimento do devedor principal.

Não Provado

Não se apurou (sendo tal factualidade, no entender do tribunal, irrelevante):
i) Se os executados foram notificados das cessões de créditos.

2. Direito
           
A regra sobre a legitimidade das partes nos processos de execuções é ditada pelo art. 53º, do Código de Processo Civil, o qual estabelece que (1) a  execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
Todavia, essa regra comporta adaptações ou derrogações, entre as quais se encontra a prevista no art. 54º, nº 1, do mesmo Código, onde há muito se estabelece que, sic: - Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão.
Deste modo, por sucessão, que pode ser por acto inter vivos, nomeadamente a apontada cessão de créditos (cf. arts. 577º e 588º, do Código Civil),  o direito ou obrigação transmite-se a um terceiro o qual assumirá, consoando o caso, a posição jurídica de credor ou devedor titulado: nesse caso a execução deve correr entre os sucessores das pessoas que figuram no título como credor ou como devedor da obrigação exequenda[4], como sucede na presente demanda executiva, em relação à aqui Exequente, última beneficiada na cadeia de transmissões documentada e alegada no requerimento executivo inicial.
É, por isso, errado dizer que uma livrança só se transmite por endosso.
De resto, conforme já ficou dito por este Tribunal da Relação de Guimarães em caso análogo[5] que aqui se invoca (cf. art. 8º, nº 3, do C.C.), dos artigos 77º e 11º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL) resulta que a livrança é transmissível pela forma e com os efeitos de uma cessão ordinária de créditos.[6]
A cessão de créditos, na falta de convenção em contrário, importa a transmissão para o cessionário das garantias e outros acessórios do direito transmitido.
As partes subscreveram a livrança como caução do pagamento da dívida resultante do mútuo oneroso, pretendendo que a livrança acompanhasse como garantia o crédito resultante do mútuo e não que se autonomizasse da dívida caucionada.
A livrança entrou na posse do exequente através de uma cessão ordinária de créditos.
A transmissão da livrança juntamente com o crédito que a mesma cauciona é válida e legalmente prevista, pelo que a exequente é legítima portadora da livrança, legitimação material a suprir a legitimação formal, já que não consta do próprio título, e pode accionar os seus subscritores pelo seu não pagamento.
Mais, diversamente do que alega o Recorrente BB, ficaram alegadas no requerimento executivo todas as transmissões de que foi alvo o crédito em apreço e os seus acessórios, conforme escritos que acompanham esse articulado inicial  e foram dados a conhecer aos Executados com a citação, sem que tenha sido questionada a sua validade formal (cf. itens 1º a 4º do requerimento), pelo que não estamos perante caso que se subsuma à previsão do citado art. 726º, nº 2, al. c), do C.P.C..
E essa comunicação, como bem entendeu o Tribunal a quo, basta para que torne eficaz a cessão de créditos pois que isso resulta do mero conhecimento dado aos Executados e não da sua expressa autorização, como vem sendo considerado pela jurisprudência deste Tribunal[7] em situações similares (cf. art. 8º, nº 3, do C.C.).
           
Confirma-se, portanto, a decisão recorrida quando considerou legítima a Exequente nos autos, improcedendo a apelação na parte em que invoca essa ilegitimidade activa.

No que contende com a legitimidade dos executados…
É ponto assente que estamos perante uma livrança que é exequível como simples quirógrafo, ou seja, um título executivo que se releva como escrito particular consubstanciador de uma obrigação subjacente, em conformidade com o que actualmente estabelece o art. 703º, nº 1, al. c)[8], do Código de Processo Civil, ou seja, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.
Sem prejuízo disso, esse quirógrafo não deixa de ser determinante para identificar os potenciais titulares da relação controvertida ou, neste caso, exequenda, e no caso esse é um facto ou dado adquirido, conforme consta sem reparo do item c), dos factos provados considerados pela sentença em crise.
Essa aposição da assinatura dos executados no anverso da livrança em causa constitui, como bem considerou a sentença, a formalização de um aval, nos termos do art. 31º[9], da LULL, por parte dos aqui Executados, aqui aplicável ex vi do seu art. 77º
Esse facto consta do requerimento executivo e do mencionado título/quirógrafo, independentemente de a Exequente o ter classificado de forma deficiente (cf. art. 5º, nº 3, do C.P.C.).
E nesse mesmo requerimento ficou dito, sic: 8º Como garantia de pagamento das obrigações emergentes do referido contrato, os Executados aceitaram e entregaram à Entidade Bancária uma livrança em branco, autorizando o seu preenchimento em caso de incumprimento. 9.º A livrança destinava-se a ser preenchida pela Entidade Bancária, no caso do incumprimento do citado contrato por parte dos Executados, ao abrigo do acordo de preenchimento de título cambiário, incumprimento esse que se veio a verificar.
Esta alegação, realizada no contexto do contrato referido no item 6º desse mesmo requerimento e que subjaz à emissão do título cambiário em apreço, basta, em nosso entender, como alegação da obrigação de garante ou fiança que subjaz ao referido aval e ficou expressamente mencionada nesse documento negocial junto com o mesmo requerimento.[10]
Acresce que ficou demonstrado que esse aval dos Executados tem subjacente uma relação de fiança que ficou assente em l), dos factos julgados assentes em primeira instância conforme contrato que instruía o requerimento executivo em apreço, o que permite alargar a estes sujeitos – avalistas – o regime estabelecido no citado art. 703º, nº 1, al. c)[11], apesar da constatada prescrição da obrigação cambiária.
Deste modo, estamos em sintonia com a decisão recorrida quando considerou os executados partes legítimas nesta execução, pelo que devem improceder as apelações no que diz respeito a essa excepção.  
           
IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedentes as apelações dos embargantes/executados.
Condenam-se nas custas das apelações os respectivos recorrentes (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).
N.
*
Sumário[12]:
- Dos artigos 77º e 11º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL) resulta que a livrança é transmissível pela forma e com os efeitos de uma cessão ordinária de créditos.
– A cessão de créditos, na falta de convenção em contrário, importa a transmissão para o cessionário das garantias e outros acessórios do direito transmitido;
- Deste modo o cessionário fica legitimado para, nos termos do art. 514º, nº 1, do Código de Processo Civil, executar a livrança que lhe foi cedido nesse âmbito.
- Tendo ficado demonstrado que o aval dos Executados na livrança, agora quirógrafo, tem subjacente uma relação de fiança, que ficou assente, conforme contrato que instruía o requerimento executivo, é possível à Exequente alargar a estes sujeitos avalistas o regime estabelecido no citado art. 703º, nº 1, al. c) , apesar da constatada prescrição da obrigação cambiária.
*
Guimarães, 18-04-2024


[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
[2] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
[4] Cf. nesse sentido Marco C. Gonçalves, in Lições de Processo Civil Executivo, 2ª Ed., p. 195, ou Abrantes Geraldes e outros, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Ed., p. 91.
[5] In Ac. de 3.11.2022, https://www.dgsi.pt/JTRG.NSF/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/c691038b68cc8ebc802588fd0035dcf9?OpenDocument
[6] …ou seja, independentemente de uma declaração de endosso, a letra pode ser transmitida, v.g., por cessão, por sucessão mortis causa e por trespasse do estabelecimento – cf. Abel Delgado, in Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças Anotada, 6ª Ed., p. 83.
[7] Cf. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 3.11.2022, supracitado.
[8] c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
[9] O aval considera-se como resultando da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador.
O aval deve indicar a pessoa por quem se dá. Na falta de indicação, entender-se-á ser pelo sacador.
[10] Vide nesse sentido Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 4.6.2020, infracitada.
[11] Vide nesse sentido Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 27, nota 41, e a jurisprudência por este citada, nomeadamente o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.9.2019, in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/56237a293c76100f80258473005b5906?OpenDocument; o Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 5.3.2020, relatado pela aqui Adjunta, Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, in https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/0f8122931531e1c28025853b002edb34?OpenDocument&Highlight=0,aval,fian%C3%A7a ; o Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 4.6.2020, in https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/7c99c563d5f96d438025858c0051fd98?OpenDocument
[12] Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.