Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO | ||
Descritores: | NULIDADE DA DECISÃO GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO HIPOTECA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/12/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I- Verifica-se oposição entre os fundamentos e a decisão, consubstanciadora da nulidade referida na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C., quando, na fundamentação o juiz seguir uma determinada linha de raciocínio, que aponta para uma determinada conclusão, mas acaba por decidir em sentido oposto ou, pelo menos, divergente. II- Os privilégios imobiliários gerais não são oponíveis a terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente, ou seja, é-lhes aplicável o regime do artº 749º do CC e não o regime do artº 751º, do mesmo diploma, por se reportar apenas aos privilégios imobiliários especiais, natureza que aqueles não comportam. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc.Nº 2742/12.9TBBRG-K Recurso de Apelação em processo comum e especial Relator: Maria Purificação Carvalho Adjuntos: Desembargadora Maria dos Anjos Melo Nogueira Desembargador José Cravo - Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – I.RELATÓRIO P, invocando a qualidade de credora habilitada veio interpor recurso da sentença de verificação e graduação de créditos proferido por apenso ao processo em que foi declarada insolvente a sociedade M com os demais sinais dos autos Nas suas alegações formula as seguintes conclusões: 1º A Recorrente, no âmbito dos presentes autos em que foi declarada insolvente a sociedade M reclamou o seu crédito que com fundamento num contrato de mútuo com hipoteca registada a seu favor e que incidia sobre a Verba 2 do Auto de apreensão de bens. 2º Por sua vez, e com interesse directo na presente causa, reclamaram também os seus créditos, entre outros, a Fazendo Pública – a título de I.M.I. e I.R.S. – e o Instituto de Segurança Social de Braga. 3º Os créditos supra referidos foram reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência constando todos da Lista de Créditos Reconhecidos elaborada ao abrigo do disposto no art. 129º do C.I.R.E. 4º À Recorrente foi atribuída a natureza “garantida” por força da hipoteca voluntária registada em seu favor. 5º Foi também atribuída ao Instituto de Segurança Social de Braga a natureza “garantida” em virtude de Hipoteca Legal registada em seu favor, também ela sobre a Verba 2 do Auto de Apreensão 6º A parte dos créditos reclamados pela Segurança Social foi também atribuída a natureza privilegiada, por força do privilégio imobiliário geral de que goza, o mesmo sucedendo com o crédito da Fazendo Pública relativos a I.M.I 7º Sucede que, compulsada a Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, verifica-se que o Tribunal a quo, com respeito à Verba 2 do Auto de Apreensão, verificados os créditos, procedeu à sua graduação nos termos que aqui se reproduzem: “1. Em primeiro lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado da Fazenda Pública, referente a dívidas de IMI; 2. Em segundo lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, que beneficia de privilégio imobiliário geral; 3. Em terceiro lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado da Fazenda Pública, proveniente de IRS, que beneficia de privilégio imobiliário geral 4. Em quarto lugar, pagar-se-á o crédito com direito real de garantia sobre a verba n.º 2, detido pela C, cedido à P; 5. Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos; 6. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE.” 8º Ora, se a graduação do crédito reclamado pela Fazendo Pública a título de I.M.I não merece qualquer reparo, o mesmo não se poderá dizer quando àquele reclamado a título de I.R.S., o mesmo se aplicando ao crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social de Braga, tanto no que se refere àquele a que foi atribuída a natureza “garantida” bem como àquele a que foi dada a natureza de “privilegiado”. 9º E quanto ao crédito do I.S.S. a que foi atribuída a natureza “privilegiada”, a Recorrente espanta-se que ao mesmo tenha sido dada preferência sobre o crédito desta que goza de hipoteca voluntária, conforme documentado nos autos. 10º Importa, pois, distinguir ente privilégio imobiliário geral e especial. 11º Sendo que dúvidas não restam que o privilégio atribuído à Segurança Social é meramente geral, e não especial, pois sem qualquer ligação especial aos bens apreendidos. 12º O legislador foi taxativo ao enunciar que apenas os privilégios imobiliários especiais prevalecem sobre outros direitos reais de garantia, apenas sendo estes oponíveis a terceiros. 13º É hoje líquido e unânime que legislador consagrou para os créditos da Segurança Social, um privilégio imobiliário geral, uma vez que o mesmo não tem qualquer limitação temporal e não se refere a bens imóveis determinados, como ocorre com os privilégios imobiliários especiais. 14º Ora, sendo o referido privilégio geral, e não especial, não existe suporte legal que fundamente a graduação daquele crédito com preferência sobre a hipoteca voluntária de que goza a Recorrente. 15º No que toca ao crédito do I.S.S. com natureza “garantida” convém frisar que a este a mesma “resulta” de Hipoteca Legal registada a favor da Segurança Social através da AP. 6205 de 2010.11.23, conforme documentado nos autos. 16º Trata-se, pois, de uma hipoteca legal, e não voluntária! 17º Ora, é o próprio Tribunal recorrido que afirma que “Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente de penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente.”, conforme estatuído no art. 140º do C.I.R.E. 18º Pelo que, com a declaração de Insolvência da devedora, extinguiu-se a garantia real de que gozava a Segurança Social. 19º Mas mesmo que assim não se entendesse, i.e., caso o Tribunal recorrido decidisse dar relevância à hipoteca legal registada a favor da Segurança Social, a Recorrente sempre beneficiaria da prioridade do registo. 20º Com efeito, a hipoteca voluntária de que goza a Recorrente foi registada através da Ap. 7 de 1998.11.10, i.e., mais de 10 anos antes da hipoteca legal registada a favor da Segurança Social. 21º Pelo que é forçoso concluir que qualquer dos créditos reclamado pelo Instituto de Segurança Social de Braga, ou seja, tanto aquele que goza de privilégio imobiliário geral, como aquele que goza de garantia real – embora esta, conforme já adiantámos, nem tão pouco exista - deviam ter sido graduados após o crédito reclamado pela Recorrente que goza de garantia real, fruto da hipoteca voluntária registada a seu favor. 22º Relativamente à graduação do crédito reclamado pela Fazenda Pública a título de I.M. I, não se entende o fundamento da graduação uma vez que Sentença, após tecer várias considerações sobre o privilégio de que beneficia a Fazenda Pública, conclui da seguinte forma: “Nesta medida, o crédito relativo a I.R.S. não prevalece sobre o crédito hipotecário.” 23º Ora, tudo quanto foi dito relativamente ao privilégio imobiliário geral de que goza o crédito do Instituto de Segurança Social, é aplicável nesses exactos termos ao privilégio creditório de que goza a Fazenda Pública, não subsistindo dúvidas que o mesmo é geral. 24º O privilégio creditório de que goza a Fazenda Pública é geral pelo que a hipoteca não cede perante este. 25º Face ao alegado, e com respeito por opinião em contrário, impunha-se que na Sentença que graduou os créditos reclamados nos presentes autos, fosse dada primazia ao crédito da Recorrente sobre os demais, por força da hipoteca voluntária registada a seu favor sobre o imóvel melhor descrito no Auto de apreensão sob a Verba n.º 2. 26º Exceptua-se, apenas, o crédito detido pela Fazendo Pública referente ao I.M.I. o qual, ao contrário dos restantes, goza de privilégio imobiliário especial, o que lhe confere o direito de ser graduado com prevalência sobre os demais créditos. 27º A Sentença recorrida violou o disposto nos art. 749º n.º 1, 686º, nº 1 e 751º todos do Código Civil, o art. 2º da C.R.P. e a orientação Constitucional vinculativa contida no citado Ac. TC. 363/2002, sendo ainda nula nos termos do art. 615 n. º1 a). 28º Deverá, pois, a Sentença recorrida ser revogada, proferindo-se Acórdão que gradue o crédito da ora recorrente para ser pago pelo produto da venda do imóvel descrito sob a verba n.º 2 do Auto de apreensão com preferência sobre o crédito do Instituto da Segurança Social, IP, e da Fazenda Pública resultante de I.M.I., com as demais consequências legais. Termos em que, deverá o Recurso de Apelação ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente, revogada a Sentença proferida substituindo-se a mesma por Decisão que, por referência à Verba n.º 2 do Auto de Apreensão, gradue o crédito reclamado pela Recorrente com preferência sobre aqueles reclamados pelo Instituto da Segurança Social e pela Fazenda Pública a título de I.M.I., com todas consequências legais. Contra-alegou a Magistrada do MP dizendo em síntese o seguinte: verificando os fundamentos da decisão recorrida e os argumentos da recorrente, aceita-se que lhe assiste razão na parte que respeita aos créditos relativos ao I.R.S reclamados pela Fazenda Nacional (nºs 49 e 54). A hipoteca de que a recorrente beneficia encontra-se registada através da apresentação 7 de 1998.11.10. O crédito de I.R.S. reclamado pela Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou ato equivalente, nos termos previstos no art.111º do CIRS. No entanto, salvo melhor opinião, existindo hipoteca da qual beneficia a recorrente, o privilégio creditório imobiliário da dívida de I.R.S. não deverá prevalecer sobre o direito hipotecário, atendo ao disposto no artigo 686º, nº 1 do Código Civil, não sendo aplicável o disposto no art. 751º do Código Civil, não preferindo em relação à hipoteca1. * Considerando que assiste razão à recorrente na parte em que invoca a prevalência do seu crédito garantido por hipoteca que incidia sobre a verba nº 2 em relação aos créditos reclamados pela Fazenda Nacional relativos ao IRS (verbas 49 e 54) deve ser dado provimento ao recurso, nessa parte. O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo e a subir de imediato. Presente que o objeto do recurso é definido pelas conclusões da recorrente importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, com excepção daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, a apreciar está, se como pretende a Recorrente a sentença é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão e se o crédito da Recorrente tem a natureza privilegiada devendo ser graduado antes do reclamado a título de I.R.S., o mesmo se aplicando ao crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social de Braga, tanto no que se refere àquele a que foi atribuída a natureza “garantida” bem como àquele a que foi dada a natureza de “privilegiado”. * II.FUNDAMENTAÇÃO OS Factos: No presente processo e na parte com interesse para o caso em apreço, temos por verificada a seguinte factualidade: B.1) quanto ao produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 1 no valor de € 24.022,00: 1. Em primeiro lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado dos trabalhadores; 2. Em segundo lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado da Fazenda Pública, referente a dívidas de IMI; 3. Em terceiro lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, que beneficia de privilégio imobiliário geral; 4. Em quarto lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado da Fazenda Pública, proveniente de IRS, que beneficia de privilégio imobiliário geral 5. Em quinto lugar, pagar-se-á o crédito com direito real de garantia sobre a verba n.º 1, detido pelo ISS; 6. Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos; 7. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE. B.2 quanto ao produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 2 no valor de € 16.400,00: 1. Em primeiro lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado da Fazenda Pública, referente a dívidas de IMI; 2. Em segundo lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, que beneficia de privilégio imobiliário geral; 3. Em terceiro lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado da Fazenda Pública, proveniente de IRS, que beneficia de privilégio imobiliário geral 4. Em quarto lugar, pagar-se-á o crédito com direito real de garantia sobre a verba n.º 2, detido pela “C, cedido à P”; 5. Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos; 6. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE. B.3 quanto ao produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 3 no valor de € 31.600,11: 1. Em primeiro lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado dos trabalhadores; 2. Em segundo lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado da Fazenda Pública, referente a dívidas de IMI; 3. Em terceiro lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, que beneficia de privilégio imobiliário geral; 4. Em quarto lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado da Fazenda Pública, proveniente de IRS, que beneficia de privilégio imobiliário geral; 5. Em quinto lugar, pagar-se-á o crédito com direito real de garantia detido pelo Ministério Público quanto a IRS, IRC, IMI, IMT e Custas Judiciais; 6. Em sexto lugar, pagar-se-á o crédito com direito real de garantia sobre a verba n.º 3, detido pelo ISS; 7. Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos; 8. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE. B.4 quanto ao produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 4 no valor de € 35.301,00 1. Em primeiro lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado dos trabalhadores; 2. Em segundo lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado da Fazenda Pública, referente a dívidas de IMI; 3. Em terceiro lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, que beneficia de privilégio imobiliário geral; 4. Em quarto lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado da Fazenda Pública, proveniente de IRS, que beneficia de privilégio imobiliário geral; 5. Em quinto lugar, pagar-se-á o crédito com direito real de garantia detido pelo Ministério Público quanto a IRS, IRC, IMI, IMT e Custas Judiciais 6. Em sexto lugar, o crédito com direito real de garantia detido pela “P, S.A.”; 7. Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos; 8. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE. *** Do produto da liquidação dos bens apreendidos serão pagas em primeiro lugar as dívidas da massa insolvente, previstas no artigo 51º do CIRE, designadamente as custas do processo e seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração e despesas do Sr. Administrador da Insolvência (artigos 46º, n.º 1 e 172º do CIRE). *** Valor da causa: o do ativo (artigo 301º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). *** Custas pela massa insolvente, nos termos do artigo 303º e 304º, ambos do CIRE.
Da nulidade da sentença e solução juridica Nas conclusões de recurso suscita a apelante a nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão. 2. Em segundo lugar deverá pagar-se o crédito com direito real de garantia sobre a verba n.º 2, detido pela “C, S.A., cedido à P”; 3. Em terceiro lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, que beneficia de privilégio imobiliário geral; 4. Em quarto lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado da Fazenda Pública, proveniente de IRS, que beneficia de privilégio imobiliário geral 5. Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos; 6. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE.
(Maria Purificação Carvalho) _________________________________________ (Maria dos Anjos Melo Nogueira) (José Cravo) |