Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2742/12.9TBBRG-K.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO
HIPOTECA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- Verifica-se oposição entre os fundamentos e a decisão, consubstanciadora da nulidade referida na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C., quando, na fundamentação o juiz seguir uma determinada linha de raciocínio, que aponta para uma determinada conclusão, mas acaba por decidir em sentido oposto ou, pelo menos, divergente.
II- Os privilégios imobiliários gerais não são oponíveis a terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente, ou seja, é-lhes aplicável o regime do artº 749º do CC e não o regime do artº 751º, do mesmo diploma, por se reportar apenas aos privilégios imobiliários especiais, natureza que aqueles não comportam.
Decisão Texto Integral: Proc.Nº 2742/12.9TBBRG-K
Recurso de Apelação em processo comum e especial
Relator: Maria Purificação Carvalho
Adjuntos: Desembargadora Maria dos Anjos Melo Nogueira
Desembargador José Cravo



- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I.RELATÓRIO
P, invocando a qualidade de credora habilitada veio interpor recurso da sentença de verificação e graduação de créditos proferido por apenso ao processo em que foi declarada insolvente a sociedade M com os demais sinais dos autos
Nas suas alegações formula as seguintes conclusões:

A Recorrente, no âmbito dos presentes autos em que foi declarada insolvente a sociedade M reclamou o seu crédito que com fundamento num contrato de mútuo com hipoteca registada a seu favor e que incidia sobre a Verba 2 do Auto de apreensão de bens.

Por sua vez, e com interesse directo na presente causa, reclamaram também os seus créditos, entre outros, a Fazendo Pública – a título de I.M.I. e I.R.S. – e o Instituto de Segurança Social de Braga.

Os créditos supra referidos foram reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência constando todos da Lista de Créditos Reconhecidos elaborada ao abrigo do disposto no art. 129º do C.I.R.E.

À Recorrente foi atribuída a natureza “garantida” por força da hipoteca voluntária registada em seu favor.

Foi também atribuída ao Instituto de Segurança Social de Braga a natureza “garantida” em virtude de Hipoteca Legal registada em seu favor, também ela sobre a Verba 2 do Auto de Apreensão

A parte dos créditos reclamados pela Segurança Social foi também atribuída a natureza privilegiada, por força do privilégio imobiliário geral de que goza, o mesmo sucedendo com o crédito da Fazendo Pública relativos a I.M.I

Sucede que, compulsada a Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, verifica-se que o Tribunal a quo, com respeito à Verba 2 do Auto de Apreensão, verificados os créditos, procedeu à sua graduação nos termos que aqui se reproduzem:
“1. Em primeiro lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado da Fazenda Pública, referente a dívidas de IMI;
2. Em segundo lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado do Instituto da Segurança
Social, que beneficia de privilégio imobiliário geral;
3. Em terceiro lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado da Fazenda Pública, proveniente
de IRS, que beneficia de privilégio imobiliário geral
4. Em quarto lugar, pagar-se-á o crédito com direito real de garantia sobre a verba n.º
2, detido pela C, cedido à P;
5. Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos;
6. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE.”

Ora, se a graduação do crédito reclamado pela Fazendo Pública a título de I.M.I não merece qualquer reparo, o mesmo não se poderá dizer quando àquele reclamado a título de I.R.S., o mesmo se aplicando ao crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social de Braga, tanto no que se refere àquele a que foi atribuída a natureza “garantida” bem como àquele a que foi dada a natureza de “privilegiado”.

E quanto ao crédito do I.S.S. a que foi atribuída a natureza “privilegiada”, a Recorrente espanta-se que ao mesmo tenha sido dada preferência sobre o crédito desta que goza de hipoteca voluntária, conforme documentado nos autos.
10º
Importa, pois, distinguir ente privilégio imobiliário geral e especial.
11º
Sendo que dúvidas não restam que o privilégio atribuído à Segurança Social é meramente geral, e não especial, pois sem qualquer ligação especial aos bens apreendidos.
12º
O legislador foi taxativo ao enunciar que apenas os privilégios imobiliários especiais prevalecem sobre outros direitos reais de garantia, apenas sendo estes oponíveis a terceiros.
13º
É hoje líquido e unânime que legislador consagrou para os créditos da Segurança Social, um privilégio imobiliário geral, uma vez que o mesmo não tem qualquer limitação temporal e não se refere a bens imóveis determinados, como ocorre com os privilégios imobiliários especiais.
14º
Ora, sendo o referido privilégio geral, e não especial, não existe suporte legal que fundamente a graduação daquele crédito com preferência sobre a hipoteca voluntária de que goza a Recorrente.
15º
No que toca ao crédito do I.S.S. com natureza “garantida” convém frisar que a este a mesma “resulta” de Hipoteca Legal registada a favor da Segurança Social através da AP. 6205 de 2010.11.23, conforme documentado nos autos.
16º
Trata-se, pois, de uma hipoteca legal, e não voluntária!
17º
Ora, é o próprio Tribunal recorrido que afirma que “Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente de penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente.”, conforme estatuído no art. 140º do C.I.R.E.
18º
Pelo que, com a declaração de Insolvência da devedora, extinguiu-se a garantia real
de que gozava a Segurança Social.
19º
Mas mesmo que assim não se entendesse, i.e., caso o Tribunal recorrido decidisse dar relevância à hipoteca legal registada a favor da Segurança Social, a Recorrente sempre beneficiaria da prioridade do registo.
20º
Com efeito, a hipoteca voluntária de que goza a Recorrente foi registada através da Ap. 7 de 1998.11.10, i.e., mais de 10 anos antes da hipoteca legal registada a favor da Segurança Social.
21º
Pelo que é forçoso concluir que qualquer dos créditos reclamado pelo Instituto de Segurança Social de Braga, ou seja, tanto aquele que goza de privilégio imobiliário geral, como aquele que goza de garantia real – embora esta, conforme já adiantámos, nem tão pouco exista - deviam ter sido graduados após o crédito reclamado pela Recorrente que goza de garantia real, fruto da hipoteca voluntária registada a seu favor.
22º
Relativamente à graduação do crédito reclamado pela Fazenda Pública a título de I.M. I, não se entende o fundamento da graduação uma vez que Sentença, após tecer várias considerações sobre o privilégio de que beneficia a Fazenda Pública, conclui da seguinte forma: “Nesta medida, o crédito relativo a I.R.S. não prevalece sobre o crédito hipotecário.”
23º
Ora, tudo quanto foi dito relativamente ao privilégio imobiliário geral de que goza o crédito do Instituto de Segurança Social, é aplicável nesses exactos termos ao privilégio creditório de que goza a Fazenda Pública, não subsistindo dúvidas que o mesmo é geral.
24º
O privilégio creditório de que goza a Fazenda Pública é geral pelo que a hipoteca não cede perante este.
25º
Face ao alegado, e com respeito por opinião em contrário, impunha-se que na Sentença que graduou os créditos reclamados nos presentes autos, fosse dada primazia ao crédito da Recorrente sobre os demais, por força da hipoteca voluntária registada a seu favor sobre o imóvel melhor descrito no Auto de apreensão sob a Verba n.º 2.
26º
Exceptua-se, apenas, o crédito detido pela Fazendo Pública referente ao I.M.I. o qual, ao contrário dos restantes, goza de privilégio imobiliário especial, o que lhe confere o direito de ser graduado com prevalência sobre os demais créditos.
27º
A Sentença recorrida violou o disposto nos art. 749º n.º 1, 686º, nº 1 e 751º todos do Código Civil, o art. 2º da C.R.P. e a orientação Constitucional vinculativa contida no citado Ac. TC. 363/2002, sendo ainda nula nos termos do art. 615 n. º1 a).
28º
Deverá, pois, a Sentença recorrida ser revogada, proferindo-se Acórdão que gradue o crédito da ora recorrente para ser pago pelo produto da venda do imóvel descrito sob a verba n.º 2 do Auto de apreensão com preferência sobre o crédito do Instituto da Segurança Social, IP, e da Fazenda Pública resultante de I.M.I., com as demais consequências legais.
Termos em que, deverá o Recurso de Apelação ser julgado procedente, por provado, e, consequentemente, revogada a Sentença proferida substituindo-se a mesma por Decisão que, por referência à Verba n.º 2 do Auto de Apreensão, gradue o crédito reclamado pela Recorrente com preferência sobre aqueles reclamados pelo Instituto da Segurança Social e pela Fazenda Pública a título de I.M.I., com todas consequências legais.

Contra-alegou a Magistrada do MP dizendo em síntese o seguinte: verificando os fundamentos da decisão recorrida e os argumentos da recorrente, aceita-se que lhe assiste razão na parte que respeita aos créditos relativos ao I.R.S reclamados pela Fazenda Nacional (nºs 49 e 54).
A hipoteca de que a recorrente beneficia encontra-se registada através da apresentação 7 de 1998.11.10.
O crédito de I.R.S. reclamado pela Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou ato equivalente, nos termos previstos no art.111º do CIRS.
No entanto, salvo melhor opinião, existindo hipoteca da qual beneficia a recorrente, o privilégio creditório imobiliário da dívida de I.R.S. não deverá prevalecer sobre o direito hipotecário, atendo ao disposto no artigo 686º, nº 1 do Código Civil, não sendo aplicável o disposto no art. 751º do Código Civil, não preferindo em relação à hipoteca1.
*
Considerando que assiste razão à recorrente na parte em que invoca a prevalência do seu crédito garantido por hipoteca que incidia sobre a verba nº 2 em relação aos créditos reclamados pela Fazenda Nacional relativos ao IRS (verbas 49 e 54) deve ser dado provimento ao recurso, nessa parte.

O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo e a subir de imediato.


Presente que o objeto do recurso é definido pelas conclusões da recorrente importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, com excepção daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, a apreciar está, se como pretende a Recorrente a sentença é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão e se o crédito da Recorrente tem a natureza privilegiada devendo ser graduado antes do reclamado a título de I.R.S., o mesmo se aplicando ao crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social de Braga, tanto no que se refere àquele a que foi atribuída a natureza “garantida” bem como àquele a que foi dada a natureza de “privilegiado”.
*

II.FUNDAMENTAÇÃO
OS Factos:

No presente processo e na parte com interesse para o caso em apreço, temos por verificada a seguinte factualidade:
Por sentença de 17/07/2012 foi declarada a insolvência de M.
No âmbito do procedimento de verificação de créditos foram apresentadas reclamações de créditos, tendo o Sr. Administrador de Insolvência apresentado, nos termos do disposto no 129º, do CIRE a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos que consta de fls. 237 a 246, inclusive, dos autos demonstrando igualmente o cumprimento do disposto no artigo 129º, n.º 4, do CIRE.
A Recorrente, no âmbito dos presentes autos reclamou o seu crédito com fundamento num contrato de mútuo com hipoteca registada a seu favor em 1998/11/10 e que incidia sobre a Verba 2 do Auto de apreensão de bens -fracção “AS”, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º e inscrito na matriz urbana com o artigo nº, cujo valor ascende a € 16.400,00.
Reclamaram também os seus créditos, entre outros, a Fazenda Pública – a título de I.M.I. e I.R.S. – e o Instituto de Segurança Social de Braga.
Os créditos suprareferidos foram reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência constando todos da Lista de Créditos Reconhecidos elaborada ao abrigo do disposto no art. 129º do C.I.R.E., sendo que à Recorrente foi atribuída a natureza “garantida” (por força da hipoteca voluntária registada em seu favor).
O Crédito Reclamado pelo Instituto de Segurança Social de Braga foi dividido na Lista de Créditos Reconhecidos em duas alíneas:
a) Em primeiro lugar, foi considerado um crédito no valor de € 90.894,17(noventa mil oitocentos e noventa e quatro euros e dezassete cêntimos), ao qual foi atribuída a natureza “privilegiada” em virtude do privilégio mobiliário e imobiliário geral de que este credor goza (n.º 11 da Lista de Créditos reconhecidos);
b) Foi ainda reconhecido um crédito no montante de € 651.058,83 (seiscentos e cinquenta e um mil e cinquenta e oito euros e oitenta e três cêntimos), ao qual foi atribuída a natureza “garantida” em virtude da existência de alegada garantia real (n.º 12 da Lista de Créditos reconhecidos).
A parte dos créditos reclamados pela Segurança Social foi também atribuída a natureza privilegiada, por força do privilégio imobiliário geral de que goza, o mesmo sucedendo com o crédito da Fazendo Pública relativos a I.M.I.
Decorrido o prazo previsto no artigo 130º, n.º 1, do CIRE, foi apresentada impugnação à lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, pelo credor S (crédito n.º 47 da lista de credores reconhecidos), impugnando o montante reconhecido pela Sra. Administradora, e pugnando pelo reconhecimento de um crédito pelo valor total de € 72.216,52 (setenta e dois mil, duzentos e dezasseis euros e cinquenta e dois cêntimos).
A 23 de Setembro de 2015, na diligência de tentativa de conciliação foi acordado pelo credor impugnante S, demais credores, Administrador de Insolvência e devedor em fixar o valor do crédito do primeiro em € 29.877,73 (vinte e nove mil, oitocentos e setenta e sete euros e setenta e três), sem prejuízo do que resulta fixado por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no apenso I em anexo aos presentes autos no valor de € 12.000,00 (doze mil euros).
Foi requerido ao Sr. Administrador de Insolvência a discriminação de forma individualizada de cada crédito laboral e sobre que imóvel recaía o respectivo privilégio, na sequência do que, foi realizada uma tentativa de conciliação a 31 de Maio de 2016. Nesta diligência acordaram os credores reclamantes, o devedor e o Sr. Administrador de Insolvência que na verba n.º 2 do auto de apreensão, nenhum trabalhador aí prestava funções, pelo que foi excluída do privilégio mobiliário. Mais acordaram que nas verbas nºs 1, 3 e 4, os trabalhadores prestavam funções pelo que sobre estes imóveis deverão recair a garantia.
Seguiu-se sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
A). Homologa-se a lista dos credores reconhecidos pelo administrador da insolvência, de fls. 237 a 246, nos termos do artigo 130º, nº3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, considerando-se reconhecidos os créditos ali mencionados.
B). Graduo os créditos reconhecidos da seguinte forma:

B.1) quanto ao produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 1 no valor de € 24.022,00:

1. Em primeiro lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado dos trabalhadores;

2. Em segundo lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado da Fazenda Pública, referente a dívidas de IMI;

3. Em terceiro lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, que beneficia de privilégio imobiliário geral;

4. Em quarto lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado da Fazenda Pública, proveniente de IRS, que beneficia de privilégio imobiliário geral

5. Em quinto lugar, pagar-se-á o crédito com direito real de garantia sobre a verba n.º 1, detido pelo ISS;

6. Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos;

7. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE.

B.2 quanto ao produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 2 no valor de € 16.400,00:

1. Em primeiro lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado da Fazenda Pública, referente a dívidas de IMI;

2. Em segundo lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, que beneficia de privilégio imobiliário geral;

3. Em terceiro lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado da Fazenda Pública, proveniente de IRS, que beneficia de privilégio imobiliário geral

4. Em quarto lugar, pagar-se-á o crédito com direito real de garantia sobre a verba n.º 2, detido pela “C, cedido à P”;

5. Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos;

6. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE.

B.3 quanto ao produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 3 no valor de € 31.600,11:

1. Em primeiro lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado dos trabalhadores;

2. Em segundo lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado da Fazenda Pública, referente a dívidas de IMI;

3. Em terceiro lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, que beneficia de privilégio imobiliário geral;

4. Em quarto lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado da Fazenda Pública, proveniente de IRS, que beneficia de privilégio imobiliário geral;

5. Em quinto lugar, pagar-se-á o crédito com direito real de garantia detido pelo Ministério Público quanto a IRS, IRC, IMI, IMT e Custas Judiciais;

6. Em sexto lugar, pagar-se-á o crédito com direito real de garantia sobre a verba n.º 3, detido pelo ISS;

7. Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos;

8. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE.

B.4 quanto ao produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 4 no valor de € 35.301,00

1. Em primeiro lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado dos trabalhadores;

2. Em segundo lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado da Fazenda Pública, referente a dívidas de IMI;

3. Em terceiro lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, que beneficia de privilégio imobiliário geral;

4. Em quarto lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado da Fazenda Pública, proveniente de IRS, que beneficia de privilégio imobiliário geral;

5. Em quinto lugar, pagar-se-á o crédito com direito real de garantia detido pelo Ministério Público quanto a IRS, IRC, IMI, IMT e Custas Judiciais

6. Em sexto lugar, o crédito com direito real de garantia detido pela “P, S.A.”;

7. Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos;

8. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE.

***

Do produto da liquidação dos bens apreendidos serão pagas em primeiro lugar as dívidas da massa insolvente, previstas no artigo 51º do CIRE, designadamente as custas do processo e seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração e despesas do Sr. Administrador da Insolvência (artigos 46º, n.º 1 e 172º do CIRE).

***

Valor da causa: o do ativo (artigo 301º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

***

Custas pela massa insolvente, nos termos do artigo 303º e 304º, ambos do CIRE.




O Direito:

Da nulidade da sentença e solução juridica

Nas conclusões de recurso suscita a apelante a nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão.
No despacho que admitiu o recurso, o juiz do tribunal “a quo” não se pronunciou sobre as nulidades da sentença, nos termos do art. 617º/5 do C.P.C.
Atenta a simplicidade das questões suscitadas e face aos elementos que constam dos autos, não se mostra indispensável ordenar a baixa dos autos para a apreciação das nulidades, nos termos do art. 617º/5 CPC, passando-se a conhecer desde já da mesma.
A sentença na sua formulação pode conter vícios de essência, vícios de formação, vícios de conteúdo, vícios de forma, vícios de limites.
As nulidades da sentença incluem-se nos “vícios de limites” - artº 615º do CPC, considerando que nestas circunstâncias, face ao regime do citado artº, a sentença não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia.
A sentença enfermará da apontada oposição entre os fundamentos e a decisão - alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º, se, na fundamentação, o juiz seguir uma determinada linha de raciocínio, que aponta para uma determinada conclusão, mas acaba por decidir em sentido oposto ou, pelo menos, divergente.
Ora desta falta de coerência padece a sentença nos termos invocados na motivação de recurso nos seguintes segmentos:
- Quanto ao crédito relacionado sob o n.º 12 da Lista de Créditos Reconhecidos, ao qual foi atribuída a natureza “garantida”. A este crédito foi atribuída a natureza garantida em virtude de Hipoteca Legal registada a favor da Segurança Social através da AP. 6205 de 2010.11.23, conforme documentado nos autos a fls. 131 a 133.
Trata-se, pois, de uma hipoteca legal, e não voluntária!
Ora, é o próprio Tribunal recorrido que afirma que “Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente de penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente.”, conforme estatuído no art. 140º do C.I.R.E.
Pelo que, com a declaração de Insolvência da devedora, deixou de existir a garantia real de que gozava a Segurança Social.
Ora fazendo o Tribunal a quo menção expressa ao supra citado artigo, apenas poderemos concluir que, quando a Sentença recorrida refere que “ O crédito da Segurança Social n.º 12 no valor de € 651.473,95 goza ainda de garantia real sobre o produto da venda dos imóveis apreendidos nos autos executivos com o n.º 0361200701014250, melhor descrito nas verbas n.º 1 a 3, do auto de apreensão de bens”, fê-lo na convicção de se tratar de hipoteca voluntária (não legal) como justificação para lhe atribuir preferência sobre o crédito da Recorrente.
Pois que, caso contrário, e tendo presente a citação transcrita supra, certamente o
teria graduado “atrás” do crédito da Recorrente.
Quanto ao Crédito Reclamado Fazenda Pública a título de I.R.S.
A Sentença, após tecer várias considerações sobre o privilégio de que beneficia a Fazenda Pública, conclui da seguinte forma: “Nesta medida, o crédito relativo a I.R.S. não prevalece sobre o crédito hipotecário.” – [Cf. pág. 8 da Sentença]
Como pode, então, ter sido este crédito graduado com preferência sobre aquele de
que a Recorrente é titular?!
Ainda na fundamentação, se verifica a seguinte contradição: referindo-se expressamente à Verba 2 do auto de apreensão, relativamente à qual se põe em crise a graduação efectuada, refere o Tribunal a quo que “Atenta a ausência de hipotecas e privilégio imobiliário especial dos trabalhadores (…)”, referindo, na frase imediatamente a seguir que “(…) será graduado por fim o crédito com direito real de garantia detido pela C, cedido à P”.
Termos em que, na procedência da arguição, se decide pela declaração de nulidade da sentença nos termos peticionados em sede recursória.
Sem embargo, cumpre conhecer da apelação, nos termos do disposto no art.º 665.º do C.P.C.
Declarada a insolvência importa que se proceda à respectiva reclamação, verificação e decorrente graduação dos créditos, tendo em conta a qualificação jurídica dos direitos de crédito reconhecidos, bem como aferindo das garantias ou privilégios que possam gozar - no atendimento do princípio da exclusividade, isto é, de o pagamento dos créditos sobre a mesma, apenas contemplar os que tiverem verificados por sentença transitada em julgado, art.º 173, do CIRE.
“A graduação de créditos em processo de insolvência deve ser efectuada à luz da lei vigente à data do trânsito em julgado da sentença que decretou a falência, pois é nesse momento que se tornam imediatamente exigíveis as obrigações do falido, se estabiliza o respectivo passivo, se procede à apreensão de bens e se segue a reclamação de créditos, abrindo-se o concurso de credores”- refere o acórdão desta Relação datado de 15/1/2015 que vamos seguir de perto pela semelhança de parte da situação em apreço.
Não se discute que o crédito da apelante está garantido por hipoteca constituída sobre a verba nº2 O que se discute é o lugar em que se deve efectuar o seu pagamento no confronto do crédito da apelante com o crédito do Instituto da Segurança Social proveniente de contribuições e com o crédito da Fazenda Pública proveniente de IRS.
Nos termos do artº 686º do CC “a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
“O crédito da Segurança Social, por sua vez, no que para aqui releva (apreensão do bem imóvel), goza de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais, ou do contribuinte, à data da instauração do processo executivo, conforme, sucessivamente, consagrado nos artºs. 2º do DL 512/76, de 03/07, 11º do DL 103/80, de 09/05 e actualmente no artº 205º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Providencial de Segurança Social aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16/09 (doravante designado por CRCSPSS), nos termos do qual “os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748º do Código Civil.
O artº 735º do CC distingue entre privilégios gerais e especiais referindo que os privilégios creditórios mobiliários podem ser gerais, se abrangerem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou acto equivalente e são especiais quando compreendem só o valor de determinados bens móveis (nº 2 do artº 735º do CC). E de acordo com o nº 3 do artº 735º do CC os privilégios creditórios imobiliários são sempre especiais.
Não se refere assim o Código Civil ao privilégio imobiliário geral previsto no artº 205º do CRCSPSS.
Coloca-se assim a questão de se apurar qual o regime aplicável aos créditos da Segurança Social que gozam de privilégio imobiliário geral, se o regime estabelecido no Código Civil para os créditos imobiliários especiais ou o regime estabelecido para os créditos mobiliários gerais.
Se lhes for aplicável o regime estabelecido para os privilégios imobiliários especiais, o crédito da Segurança Social, por força do disposto no artº 751º do CC prefere à hipoteca, ainda que esta garantia seja anterior.
Se entendermos que lhe é aplicável o regime estabelecido para os privilégios mobiliários gerais, então não prefere à hipoteca (artº 749º/1 do CC).
A questão no sentido da interpretação referida em 2º lugar, afigura-se-nos ser actualmente pacífica, após as alterações introduzidas pelo DL 38/2003, ao artigo 751º do CC.
A questão colocava-se predominantemente antes das alterações efectuadas pelo DL 38/2003, de 08/03. O Tribunal Constitucional chamado a pronunciar-se sobre a questão, nomeadamente relativamente ao privilégio concedido às contribuições devidas à segurança social, veio a considerar inconstitucional, com força obrigatória geral as normas constantes do art. 11º do DL n.º 103/80, de 9 de Maio e do artº 2º do DL nº 512/76, de 3 de Julho, quando interpretadas no sentido de que o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca nos termos do art. 751.º do CC, na redacção então vigente, anterior ao DL 38/2003, essencialmente por violação dos princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artº 2º da Constituição da República.
O Dec. Lei 38/2003 de 8/3 deu nova redacção aos artºs. 735º nº 3, 749º e 751º do CC, passando este último artigo a dispor que os privilégios imobiliários especiais preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores. Na redacção anterior a lei referia somente privilégios imobiliários e não privilégios imobiliários especiais. Com a alteração introduzida, passando a lei a referir-se apenas aos privilégios imobiliários especiais, entendeu-se que a alteração teve por fim pôr fim às dúvidas que se suscitavam sobre o regime a aplicar, só suscitadas posteriormente, pois que quando o Código Civil entrou em vigor a figura do privilégio imobiliário geral não existia. Ao restringir o disposto no artº 751º do CC aos privilégios imobiliários especiais, a lei pretendeu excluir do seu âmbito de aplicação os privilégios imobiliários gerais.
Os privilégios imobiliários gerais não são, assim, oponíveis a terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente, ou seja, é-lhes aplicável o regime do artº 749º do CC e não o regime do artº 751º, do mesmo diploma, por se reportar apenas aos privilégios imobiliários especiais, natureza que aqueles não comportam”.
Pelo que, no que ao crédito relacionado no n.º 11 da Lista de Créditos reconhecidos se refere sendo o referido privilégio geral, e não especial, não existe suporte legal que fundamente a graduação daquele crédito com preferência sobre a hipoteca voluntária de que goza a Recorrente.
Quando ao crédito relacionado sob o n.º 12 da Lista de Créditos Reconhecidos, ao qual foi atribuída a natureza garantida em virtude de Hipoteca Legal registada a favor da Segurança Social através da AP, também não existe suporte legal que fundamente a graduação daquele crédito com preferência sobre a hipoteca voluntária de que goza a Recorrente.
Como afirma o Tribunal recorrido “Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente de penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente.”, conforme estatuído no art. 140º do C.I.R.E.
Pelo que, com a declaração de Insolvência da devedora, deixou de existir a garantia real de que gozava a Segurança Social.
Pelo que o crédito da Segurança Social n.º 12 no valor de € 651.473,95 não goza de garantia real sobre o produto da venda dos imóveis apreendidos nos autos executivos com o n.º 0361200701014250, melhor descrito nas verbas n.º 1 a 3, do auto de apreensão de bens.
Mas mesmo que assim não se entendesse, i.e., caso o Tribunal recorrido decidisse dar relevância à hipoteca legal registada a favor da Segurança Social, a Recorrente sempre beneficiaria da prioridade do registo.
Com efeito, a hipoteca voluntária de que goza a Recorrente foi registada através da Ap. 7 de 1998.11.10, i.e., mais de 10 anos antes da hipoteca legal registada a favor da Segurança Social.
Tratando-se como se trata de crédito referente a contribuições e juros goza de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748º do Código Civil- artº 11º do Dec. Lei supra mencionado.
Por fim e quanto ao crédito Reclamado pela Fazenda Pública a título de I.R.S como salienta a Magistrada do MPº nas suas contra-alegações:
“Verificando os fundamentos da decisão recorrida e os argumentos da recorrente, aceita-se que lhe assiste razão na parte que respeita aos créditos relativos ao I.R.S reclamados pela Fazenda Nacional (nºs 49 e 54).
A hipoteca de que a recorrente beneficia encontra-se registada através da apresentação 7 de 1998.11.10.
O crédito de I.R.S. reclamado pela Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou ato equivalente, nos termos previstos no art.111º do CIRS.
No entanto, salvo melhor opinião, existindo hipoteca da qual beneficia a recorrente, o privilégio creditório imobiliário da dívida de I.R.S. não deverá prevalecer sobre o direito hipotecário, atendo ao disposto no artigo 686º, nº 1 do Código Civil, não sendo aplicável o disposto no art. 751º do Código Civil, não preferindo em relação à hipoteca”.
Nesta medida, o crédito relativo a I.R.S. não prevalece sobre o crédito hipotecário, aliás conforme afirmado a pág. 8 da Sentença.
Assim, assiste razão à apelante ao pretender que o seu crédito seja graduado à frente do crédito da Segurança Social garantido por privilégio imobiliário geral e da fazenda Nacional por IRS.
Revoga-se por consequência a sentença quanto ao produto da venda do imóvel apreendido sob a verba n.º 2 no valor de € 16.400,00 nos seguintes termos:
1. Em primeiro lugar deverá pagar-se o crédito privilegiado da Fazenda Pública, referente a dívidas de IMI;

2. Em segundo lugar deverá pagar-se o crédito com direito real de garantia sobre a verba n.º 2, detido pela “C, S.A., cedido à P”;

3. Em terceiro lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, que beneficia de privilégio imobiliário geral;

4. Em quarto lugar, pagar-se-á o crédito privilegiado da Fazenda Pública, proveniente de IRS, que beneficia de privilégio imobiliário geral

5. Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos;

6. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE.


Sumariando e concluindo
Verifica-se oposição entre os fundamentos e a decisão, consubstanciadora da nulidade referida na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C., quando, na fundamentação o juiz seguir uma determinada linha de raciocínio, que aponta para uma determinada conclusão, mas acaba por decidir em sentido oposto ou, pelo menos, divergente.


III. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar procedente o recurso interposto pela apelante P e, em consequência alteram a decisão recorrida nos termos supra expostos, mantendo-se no demais dela constante.
Sem custas.

Guimarães 12 de Janeiro de 2017
(Processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)






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(Maria Purificação Carvalho)

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(Maria dos Anjos Melo Nogueira)


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(José Cravo)