Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
143/13.0TBCBC-A.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: INVENTÁRIO
CONFISSÃO
FORÇA PROBATÓRIA
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 1ª CÍVEL
Sumário: 1. Para que as declarações produzidas pelos interessados no âmbito do inventário tivessem o valor de prova plena nos termos do artigo 358º, nº2, do Código Civil, seria necessário que a exequente, pessoa a quem aquelas declarações aproveitam, tivesse intervindo ou chamado a intervir nos autos de inventário.
2. O força probatória especial de que goza a confissão judicial limita-se ao processo em que foi feita.
3. Não havendo segurança e certeza bastantes de que a dívida relacionada se reporta ao contrato de abertura de crédito, nem estando garantido que a aprovação do passivo reportado no mapa de partilha reflecte a efectiva posição dos interessados, estão em causa a certeza, a existência e exigibilidade da obrigação, e, como tal, carecendo a exequente de título executivo bastante.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório.
1. Esta oposição foi deduzida pela executada AA por apenso à acção executiva movida pela BB com base num contrato de abertura de crédito até ao montante de €24939,89, titulado pela escritura pública de 21 de Setembro de 1994, acompanhado de peças processuais extraídas do inventário para partilha de bens instaurado na sequência do divórcio dos executados donde consta a confissão da dívida à exequente.

A opoente AA alega na petição que a exequente não entregou a quantia aludida no contrato. Por sua vez, a exequente diz que a oposição não tem fundamento, e alerta para a circunstância da dívida exequenda ter sido reconhecida pelos executados no âmbito do inventário para partilha de bens, processo onde não interveio.

2. No final dos articulados a Sr.ª Juíza lavrou despacho saneador tabelar, fixou o valor à causa, e dispensou a selecção da matéria de facto assente e a organização da base instrutória. Prosseguiram os autos para a fase de julgamento que culminou com a decisão da matéria de facto e a sentença de mérito, julgando parcialmente procedente a oposição apenas no que se refere à liquidação e prescrição de juros, absolvendo-se a oponente do montante peticionado de juros anteriores aos cinco anos que antecedem a citação da Oponente para a acção executiva, e no mais improcedente, devendo a execução prosseguir em conformidade, quanto ao capital em dívida (€24.939,89) e juros de mora a liquidar.

3. A opoente interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.Na resposta ao ponto e) dos factos provados, o Tribunal a quo omitiu cláusulas relevantes para a boa decisão da causa constantes da Escritura Pública de Abertura de Crédito outorgada em 21/09/1994, designadamente as cláusulas segunda e quinta;
2. A Apelada ofereceu à execução uma escritura pública titulando um contrato de abertura de crédito, na modalidade de conta-corrente, o qual é regulado pelas respectivas declarações negociais (art." 362. e 363.° do Código Comercial e art." 405.°, do Código Civil), ao abrigo do princípio da autonomia privada (art." 405.°, n." I e 406.°, n." I do Código Civil), no qual a Apelada e a Apelante previram a constituição de obrigações futuras, mormente, a utilização futura do crédito em tranches, por meio de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares, representativos dos créditos utilizados.
3. Para que um documento autêntico constitua título executivo, tem de formalizar a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação, ou seja, ser fonte de um direito de crédito, ou deles se poder reconhecer a existência de uma obrigação já anteriormente constituída (art." 46.°, n." I, alínea b) do CPC I961 e, actualmente, art." 703.°, n." I, alínea b) do CPC);
4. Ora, os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras só podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes art." 50.° do CPCI961 (actualmente art." 707.° do CPC);
5. Na cláusula segunda do aludido contrato, a Apelante e a Apelada acordaram expressamente, na cláusula segunda do aludido contrato, que o crédito aberto seria utilizado por meio de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares, representativos dos créditos utilizados, razão pela qual, tal documento só seria um título executivo se acompanhado das letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares, representativos dos créditos utilizados;
6. A Apelada não juntou aos Autos qualquer documento passado em conformidade com as cláusulas constantes do aludido contrato de crédito e, por isso, este não constitui título executivo;
7. É certo que na douta sentença recorrida, o Tribunal a quo observa que "como resulta da motivação da decisão da matéria de facto ao confessar em acta de diligência judicial de forma inequívoca, ser devedora à BB do montante de €24.939,89 decorrente de contrato de abertura de crédito, fazendo-o no âmbito de documento autêntico, em face da força probatória plena dos aludidos documentos, nos termos do artigo 358.°, n." 2, do Código Civil, tal obriga ao reconhecimento de estar plenamente provado um mútuo de correspondente valor, porquanto se trata de facto desfavorável ao confitente, em face do preceituado no artigo 352.° do Código Civil";
8. Porém, o título oferecido à execução não é judicial e, nele, as partes estipularam expressamente que "o crédito aberto será utilizado por meio de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares, representativos dos créditos utilizados", razão pela qual, não sendo aquele contrato omisso, o art." 50.° do CPC1961 (actualmente art.° 707.° do CPC) veda ao Tribunal a quo a valoração de outros documentos por forma a atribuir força executiva à aludida escritura publica;
9. O prazo legal de 10 anos para a guarda da escrituração mercantil a que alude o artº 40.° do Código Comercial não dispensa a Apelante da apresentação daqueles documentos que podia e devia ter mantido na sua posse, caso existissem, por serem do seu único e exclusivo interesse;
10º.Nem é crível que, a existirem documentos que titulam a realização de alguma prestação, eles tenham mais de 10 anos, porquanto as partes convencionaram que o "crédito assim aberto poderá, ainda, cessar por decisão da caixa, caso o segundo outorgante sócio deixe de cumprir quaisquer das suas obrigações de mutuário (. . .), podendo nesse caso a Caixa o declarar vencido, independentemente do prazo de vencimento contratualmente estabelecido", pelo que é inverosímil que a Apelada esperasse mais de 10 anos para declarar vencido o seu pretenso crédito;
10º. Pelo exposto, impõe-se a alteração do ponto e) dos factos provados, de modo que dele constem as seguintes cláusulas: "SEGUNDO: O crédito aberto será utilizado por meio de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares, representativos dos créditos utilizados." ( ... ) "QUINTO: O crédito assim aberto poderá, ainda, cessar por decisão da caixa, caso o segundo outorgante sócio deixe de cumprir quaisquer das suas obrigações de mutuário ou se exonere ou seja excluído de associado, podendo nesse caso a Caixa o declarar vencido, independentemente do prazo de vencimento contratualmente estabelecido."
11º. Relativamente ao ponto f) e g) dos factos provados, o que resulta do Auto de Licitações junto como requerimento executivo, é que a Apelante se limitou a "aprovar" o passivo a que alude a verba n." 1 - que é quanto compete à conferência (artº 1353.°, n." 3 do CPCI961);
12º. O Apelante não fez prova de que a sentença que julgou a partilha no Processo de Inventário n." 162-A/2000, que correu termos no Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto, tenha condenado a Apelante a pagar aquele passivo aprovado;
13º. Nem a Apelante exigiu no aludido inventário o seu pagamento;
14ºAssim, tendo oferecido à Execução nos presentes autos uma escritura pública com as características sobreditas e não tendo feito prova, nos termos que expressamente acordou com a Apelante, de que foram realizadas quaisquer prestações, designadamente através de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares, representativos dos créditos utilizados, impõe-se a alteração do ponto f) dos factos provados, de modo que fique provado apenas o seguinte: 1) Em 4 de Maio de 2004, no Processo de Inventário n." I62-A/2000, a Executada aprovou o passivo constante da verba n." 1.
15º. Devendo também ponto g) ser julgado não provado.
16º. Toda a execução tem por base um título, o qual constitui um pressuposto processual específico desta (art." 45.° do CPC1961 e, actualmente, art." 10.°, n." 5 do CPC).
17º A Apelada não ofereceu à execução documento idóneo a constituir título executivo, pelo que carecem os presentes Autos de absoluto suporte processual.
18º. A douta sentença recorrida violou os art." 362. e 363.° do Código Comercial, 405.°, n." 1 e 406.°, n." 1 do Código Civil, 45.° (actualmente, art." 10.°, n." 5), 46.°, n." 1, alínea b) (actualmente, art." 703.°, n." 1, alínea b), 50.° (actualmente art." 707.°) e art." 1353.°, n." 3 do CPC1961.

A recorrida pugna nas contra-alegações pela manutenção do julgado e junta um documento, que diz ter aparecido nos seus arquivos já após a prolação da sentença, junção que na sua perspectiva é tempestiva face aos termos do artigo 425º do C.P.C. – trata-se de um intitulado “Escrito Particular para Empréstimo Garantido por Hipoteca”, datado de 21 de Setembro de 1994, onde os executados se confessam devedores à BB de todas as quantias que vierem a ser devidas nos termos do contrato de proposta de crédito do montante de €5.000.000,00.
II – Factos considerados provados na 1ª instãncia:
a) Por escritura celebrada no dia 24 de Janeiro de 2003 e exarada a folhas 90 do livro 417H do 1.º Cartório Notarial de Braga, a Caixa A foi incorporada por fusão na Caixa B...
b) Posteriormente, por escritura de 3 de Setembro de 2010, lavrada de folhas 2 a folhas 4 do Livro 154-E do Cartório Notarial de Braga, a Caixa B foi incorporada por fusão na BB.
c) A incorporação abrange todos os créditos que antes pertenciam àquela Caixa.
d) Em 21 de Setembro de 1994 foi celebrado entre a BB e AA e CC um acordo denominado “abertura de crédito”.
e) Pelos outorgantes foi dito: “A Caixa … abre a favor dos segundos Outorgantes um crédito até ao montante de cinco milhões de escudos para utilização nos termos da legislação em vigor relativa ao Crédito …” (…) Os créditos utilizados vencerão juros à taxa que vigorar na Caixa para operações de natureza e prazo semelhante, nesta data de dezassete vírgula setenta e cinco por cento ao ano, a qual será elevável, no caso de mora, a mais quatro por cento, como cláusula penal, conforme for estipulado no respectivo contrato ou na falta ou insuficiência dessa estipulação, à taxa máxima legalmente autorizada para operações daquela natureza e daquele prazo, na data de início de cada período de contagem de juros. (…) Este contrato durará enquanto convier a ambas as partes e aquela que quiser dar por findo, denunciá-lo-á com trinta dias de antecedência, por carta registada ou notificação judicial, sem prejuízo da subsistência e validade das obrigações que, entretanto tiverem sido assumidas e das garantias deste contrato. (…) Serão da conta dos segundos outorgantes todas as despesas de celebração e registo deste acto, obrigando-se eles, ainda, a reembolsar a Caixa do que esta despender com a segurança e a cobrança judicial e extrajudicial do crédito, incluindo as despesas em advogado e outros mandatários, custas judiciais em quaisquer acções declarativas ou executivas ou providências cautelares, imputadas unicamente para efeitos de registo, em quinhentos mil escudos, renunciando os segundos outorgantes, a contestar a liquidação das mesmas nessa quantia. (…) Os segundos outorgantes confessam-se devedores à Caixa de todas as obrigações, principais e acessórias, presentes e futuras, emergentes deste contrato, para cuja garantia constituem hipoteca, sobre os seguintes bens imóveis, sitos no lugar da Quinta …, da freguesia do …, deste concelho, a saber: Um - prédio rústico, denominado “Campo do Cerco”, abaixo do rêgo, terreno de cultivo, com área de três mil metros quadrados, descrito no registo predial, sob o número …. (…); Dois- prédio rústico, denominado “Campo da Moreira, terreno de cultivo, com área de três mil metros quadrados, descrito no registo predial sob o número trezentos e quatro, … (…).
f) A Executada reconheceu em 4 de Maio de 2004, no Processo de Inventário n.º162-A/2000, que correu termos neste Tribunal, que o património comum “deve à Caixa … (…) o montante de €24.939,89 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos) decorrente do contrato de abertura de crédito (…), para cuja garantia foram constituídas hipotecas sobre os prédios rústicos relacionadas supra sob as verbas n.º 15 e 16.
g) A quantia foi entregue e utilizada em proveito próprio.
h) Por requerimento de 5 de Março de 2005 e de 6 de Julho de 2005 a executada AA veio requerer a rectificação da verba 15 da relação de bens onde se lê “campo do cerco, abaixo do rego, sito no Lugar da Portela, freguesia de …, do concelho de …, com área de 9.000m2 descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº…. e inscrito na competente matriz urbana sob o artigo … (…) onde foram edificados três armazéns com cobertura metálica (…)” passando a ler-se “armazém com cobertura metálica e parque anexo, sito no lugar da Portela, freguesia de …, com a área coberta de 937 m2 e descoberta de 8063 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob os n.ºs … e inscrito na matriz
i) Nos autos de execução comum, instaurados em 20 de Março de 2013, dos quais a presente oposição constitui apenso, procedeu-se, no dia 12 de Novembro de 2013, à penhora de um prédio rústico destinado a térreo de cultivo, designado por campo do cerco, sito no lugar de Portela, freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto, sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo …; de um prédio rústico, destinado a terreno de cultivo, designado por campo da moreira, sito no lugar de Portela, freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o n…., inscrito na matriz sob o artigo 442; de um prédio urbano destinado armazém, sito no lugar de Portela, freguesia de …, concelho de … e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n…., inscrito na matriz sob o artigo ….
IV-Colhidos os vistos, cumpre decidir:
O recurso versa a impugnação da decisão da matéria de facto, importando resolver nesse âmbito sobre a reclamada aquisição processual do teor as cláusulas 2ª e 5ª do contrato de abertura de crédito, e a alteração dos pontos f) e g) dos factos provados por forma a que passe a constar apenas que «Em Maio de 2004, no Processo de Inventário 162-A/2000, a executada aprovou o passivo da verba nº1», e a impugnação da sentença no segmento de direito, onde a questão essencial a decidir passa por saber se o título dado à execução tem ou não eficácia executiva.

Vejamos:
1.A atendibilidade e aquisição processual do teor das cláusulas 2ª e 5ª do contrato de abertura de crédito não oferece qualquer dúvida pois trata-se de matéria provada por documento (cfr. artigo 607º, nº4, do Código de P. Civil), e as partes também não dissentem que no inventário 162-A/2000 (processo onde a exequente não teve intervenção), instaurados na sequência do divórcio dos executados, foi relacionada como passivo uma dívida de €24.939,89 à Caixa ….
Já assume natureza controversa a questão que se prende em saber se o contrato de abertura de crédito dado à execução tem ou não validade e eficácia executiva, acompanhado dos elementos extraídos do processo de inventário pelos quais se pretende demonstrar a efectiva utilização da quantia exequenda- aos quais a sentença recorrida considerou encerrar uma confissão nos termos dos artigos 358º, nº2, e 352º do Código Civil.

2. Do título executivo:
O título executivo é condição suficiente da acção executiva «no sentido de que, na sua presença, seguir-se-á imediatamente a execução sem que se torne necessário efectuar qualquer indagação prévia sobre a real existência do direito a que se refere» (Artur Anselmo de Castro, in acção executiva comum e especial, pág. 14)– isso significa que o título se deve bastar por si, não podendo o exequente servir-se dos ulteriores termos do processo, designadamente do processo de oposição/embargos, para provar os factos integradores da fonte da obrigação exequenda.

Entre os títulos extrajudiciais a que a lei atribui força executiva figuram «os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação» - alínea b), do nº1, do artigo 46º, do anterior CPC (considerando que a execução foi instaurada em data anterior a 1 de Setembro de 2013, relativamente ao título executivo e ao requerimento executivo são aplicáveis os termos do anterior Código de Processo Civil, como decorre do artigo 6º, nº4, da Lei Preambular 41/2013, de 26.06. O contrato de abertura de crédito dado à execução de oferecido à execução de que estes autos oposição dependem foi titulado pela escritura pública de 21 de Setembro de 1994, mediante o qual a exequente Caixa … abriu a favor dos executados um crédito até ao montante de 5.000.000$00, utilizável, nos termos da cláusula 2ª, por meio de letras, livranças ou quaisquer outros escritos particulares representativos dos créditos utilizados.

A abertura de crédito é uma das operações bancárias previstas no artigo 362º do Código Comercial, tratando-se dum «contrato pelo qual um banco se obriga a colocar à disposição do cliente uma determinada quantia pecuniária (acreditamento ou “linha de crédito), por tempo determinado ou não, ficando este obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões» (José A. Engrácia Antunes, in Direito Dos Contratos Comerciais, pág. 501), não representando a constituição e/ou o reconhecimento de qualquer dívida por parte dos executados, porquanto não há efectiva entrega de capital, apenas fixa os termos e condições em que os creditados podem utilizar o crédito concedido pelo creditante. Torna-se pois necessário a prova por meios complementares de ter sido efectivamente entregue e utilizado o montante cuja cobrança se visa obter por via da execução, e tal prova deve ser realizada nos termos do art.º 50, segundo o qual «os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestindo força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes» (sublinhado nosso).

Na situação em apreço, a exequente BB juntou a escritura pública de abertura duma linha de crédito até ao montante de 5.000.000$00, e complementarmente, como prova da entrega e utilização desse valor, apresentou elementos documentais extraídos do inventário subsequente ao divórcio dos executados: petição inicial, auto de declarações de cabeça de casal, relação no passivo – constando da verba nº1: «deve o património comum à Caixa … (…) o montante de €24.939,89 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), para cuja garantia foram constituídas hipotecas sobre os prédios rústicos relacionados sob as verbas nºs 15ª e 16ª»- auto de licitações, despacho determinativo da forma à partilha, e mapa de partilha, donde consta o “passivo aprovado pela requerente e pelo cabeça de casal» de €24.939,89.

Para além de não haver a segurança e certeza bastantes de que a dívida relacionada se reporta ao contrato de abertura de crédito celebrado em 21 de Setembro de 1994 – não obstante se conceder que permitem estabelecer a presunção judicial dessa correspondência –, nada garante que a aprovação do passivo reportado no mapa de partilha reflecte a efectiva posição dos interessados (não há sequer a acta de conferência, nem sentença de condenação do passivo, como bem observa a recorrente), e a prova complementar oferecida distancia-se do que a propósito da utilização do crédito foi convencionado por ambas as partes no contrato de abertura de crédito– recorda-se que nos termos do artigo 50º do Cód. Proc. Civil a prova devia ser efectuada por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes, e se em função do tempo decorrido a exequente não dispõe da documentação atinente ao movimento da conta bancária, sibi imputat- e ademais, para que as declarações produzidas pelos interessados no âmbito do inventário tivessem o valor de prova plena nos termos do artigo 358º, nº2, do Código Civil, seria necessário que a exequente, pessoa a quem aquelas declarações aproveitam, tivesse intervindo ou chamado a intervir nos autos de inventário (cfr. Lebre de Freitas, in A Confissão No Direito Probatório, pág. 322-323).

Como referem Pires de Lima e A. Varela, «a limitação da força probatória especial de que goza a confissão judicial à instância em que foi produzida, ou seja, ao processo em que foi feita, explica-se porque a parte pode ter confessado (renunciado a discutir ou a contestar a realidade de facto) tendo apenas em vista os interesses que estão em jogo naquele processo» (in Código Civil Anotado, 1982-pág. 314).

Ficam enunciadas razões bastantes para se poder concluir, como se conclui, que a exequente não dispõe contra a opoente de título dotado de eficácia executiva.

III. Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e consequentemente, revogando-se a sentença recorrida, julga-se extinta a execução instaurada contra a apelante AA.
Custas pela recorrida.

TRG, 16 de Abril de 2015
(Heitor Gonçalves)
(Carvalho Guerra)
(José Estelita de Mendonça)