Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1880/08.7TBFLG-B.G1
Nº Convencional: JTRG000
Relator: ANTÓNIO RIBEIRO
Descritores: PENHORA DE USUFRUTO
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário:
I – A faculdade exercida pela Recorrente de morar no prédio sobre o qual o cônjuge executado goza do direito de usufruto, mesmo que aí esteja instalada a morada da família, não lhe confere qualquer direito de habitação ou sequer uma posse formal relativamente a ele.
II – Não tendo a Oponente alegado quaisquer factos subsumíveis à previsão dos arts. 814º, nº 1, ex vi do art. 816º, e 863º- A do CPC, a dedução da oposição à execução sempre estaria votada ao fracasso por falta de fundamento legal.
III – Não ofende o direito constitucional à habitação (art. 65º da CRP) a penhora de direito sobre imóvel onde está instalada a casa de morada da família do executado e do seu agregado familiar.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

Relator: António Ribeiro [R. nº (479) 08/10].
Adjuntos: Desembargador Augusto Carvalho
Desembargadora Conceição Bucho.


I – Relatório;

Recorrente(s): [A] (Oponente);
Recorrido(s): “Cooperativa Agrícola [B]” (Exequente);
3º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras – oposição à penhora.

*****
Por requerimento de fls. 5 a 14 o cônjuge do executado, [A], veio arguir a nulidade da sua citação, deduzir oposição à execução e à penhora, requerer a separação de meações, opor-se à comunicabilidade da dívida e pedir o levantamento da penhora sobre as verbas indicadas no auto, sustentado, em síntese, que no âmbito dos presentes autos foi penhorado o direito ao usufruto sobre vários imóveis que são contíguos, sendo que nos rústicos o executado não retira qualquer rendimento por não serem cultivados.

Acrescenta que a verba nº 3 do auto de penhora é o imóvel onde reside o executado mais a sua mulher, pelo que ao penhorar-se o direito ao usufruto sobre este imóvel impede de nele o executado confeccionar e tomar as suas refeições, de nele dormir e de aí fazer todos os demais actos da sua vida, colocando-se em risco a subsistência do agregado familiar do executado, violando, dessa forma, o art. 65º da CRP.

A Exequente veio pugnar pela improcedência da excepção de nulidade de citação e pelo indeferimento do requerimento visto que os primeiros factos são irrelevantes para a decisão da causa, defendendo, quanto ao último dos argumentos, a admissibilidade da penhora.

Mais refere que o presente incidente só pode ser utilizado pelo executado e não pelo cônjuge, excepto se este aceitar a dívida, o que não aconteceu no caso, acrescendo a circunstância de o direito penhorado não ser sequer um bem comum, para além de que a opoente, querendo requerer a separação de meações, devia-o tê-lo feito através de um apenso próprio.

Em despacho judicial de 10.09.2009, considerando que a oponente, no mesmo articulado, deduziu oposição à penhora e requereu a separação de bens e por se entender que a tais pretensões cabem processos autónomos que não é possível cumular, decidiu-se pelo convite à requerente para, em dez dias, apresentar os correspondentes articulados autónomos.

Quanto à arguida nulidade da citação, entendeu a Mmª Juiz a quo não resultar dos autos ter havido infracção ao disposto no art. 241º do CPC, para além de já ter a citanda apresentado oposição, não tendo a eventual omissão prejudicado a sua defesa, como se confirma pela análise do articulado e até pelo convite agora formulado, julgando-se assim sanada a alegada nulidade e improcedente a respectiva arguição.


Na sequência de tal despacho, apresentou a Oponente, separadamente, o requerimento para separação de meações, a processar no respectivo apenso.

A Mmª Juiz a quo, em face dos elementos disponíveis no processo, entendeu, sem necessidade de produção de prova, proceder à imediata apreciação do mérito da causa, nos termos do disposto na al. b) do nº 1 do artº 510º do Cód. de Proc. Civil, aplicável ex vi do preceituado nos artºs 463º, nº 1 e 817º, nº 2 do citado diploma, considerando que a questão a apreciar é apenas jurídica.

Subsequentemente foi proferida sentença em que, tendo-se como já decidida, pela negativa, a questão da invocada nulidade da citação do cônjuge do executado (ora Oponente) e formalmente sanado o erro na forma de processo no que diz respeito à separação de meações, se julgou a oposição improcedente, com fundamento em que apenas o executado poderia opor-se à penhora, uma vez que a oponente se pronunciara pela incomunicabilidade da dívida exequenda, alegando não ocorrer qualquer presunção de proveito comum do casal.

Mais se julgou que a penhora de um imóvel onde se situa a casa de habitação do executado e do seu agregado familiar não viola o direito constitucional à habitação consagrado no art. 65º da Constituição.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a Oponente, de cujas alegações extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

1ª Nos termos do art. 864º-A do CPC, o cônjuge do executado é admitido a deduzir oposição à execução ou à penhora;
2ª Ao admitir a penhora do direito ao usufruto sobre os prédios que constituem a casa de morada de família foi penhorado o direito de usar, fruir e administrar a coisa, assim se violando um direito constitucionalmente protegido no art.65º da CRP;
3ª Apesar de decorrer do art. 62º da CRP o direito do credor satisfazer o seu crédito, o sacrifício desse direito é legítimo na medida em que for necessário para assegurar a sobrevivência condigna do devedor, pelo que a penhora do usufruto não deve ser admissível;
4ª Deve dar-se provimento ao presente recurso.

Contra-alegou a Exequente a pugnar pela confirmação do julgado, dizendo que não havia que citar a ora Oponente, por não terem sido penhorados bens comuns do casal mas sim um direito de usufruto que, conquanto estabelecido a favor de uma ou mais pessoas, constitui um bem pessoal, ou seja, cada um dos usufrutuários é titular de um direito de usufruto simultâneo sobre o mesmo bem, sendo que o que foi penhorado foi o direito de usufruto do Executado [C] e não o direito de usufruto da ora Oponente.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).

As questões suscitadas pela Recorrente radicam na sua discordância quanto à decisão recorrida na parte em que lhe nega o direito à dedução de oposição à execução instaurada contra o seu marido, bem como na parte em que julgou que a penhora de um imóvel onde se situa a casa de habitação do executado e do seu agregado familiar não viola o direito constitucional à habitação consagrado no art. 65º da Constituição.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

A. Nos autos principais foi lavrado auto de penhora em 14.05.2009 no âmbito do qual foi penhorado o direito ao usufruto de vários imóveis rústicos e urbanos e concretamente na verba 3 foi penhorado o direito ao usufruto do prédio urbano, uma morada de casas sobradas, com Lagar e cortes no rés-do-chão, uma dependência, alpendre, eira e uma horta por trás da casa, sito no Lugar de ....., freguesia de Refontoura, concelho de Felgueiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o nº 487/19961202 e inscrito na matriz sob o art. 166º com o valor patrimonial €1.717,16, com um valor a apurar (auto de penhora).
B. Da certidão da Conservatória do Registo Predial da descrição mencionada em A. consta como titular activo do usufruto [C] casado com [A] (certidão da conservatória).
C. Da certidão da Conservatória do Registo Predial da descrição mencionada em A. consta registada a penhora aí identificada (certidão da conservatória).
D. O imóvel identificado em A constitui a casa de morada de família do executado (confissão ficta).

*****

2. De direito;

Tendo a Oponente, logo no requerimento de oposição (vide art.29, a fls. 11), recusado a comunicabilidade da dívida e tendo requerido a separação de meações, parte-se aqui do princípio que o Tribunal a quo deu oportuno cumprimento do disposto no nº 7 do art. 825º do CPC (informação essa que não consta destes autos).

Tal circunstância, porém, não é impeditiva do conhecimento das questões aqui suscitadas pela Oponente.

Como se evidencia no requerimento inicial de oposição, a Oponente apenas ataca a penhora e não a execução em si mesma, não se vislumbrando qualquer violação do disposto no art. 864º-A do CPC.

Por outro lado, mesmo que tivesse sido omitida a citação do cônjuge do Executado, nos termos do art. 864º, nº 3, alínea a) do CPC, tal falta, só por si, não consubstancia nulidade, nem dela decorre o levantamento da penhora, não sendo fundamento de oposição à execução por parte do cônjuge do executado a não comunicabilidade da dívida, confessada, como vimos, pela Oponente (vide Ac. RP de 29.03.2007, proc. 0730804).

Como decorre da alínea B) dos factos provados (por referência ao teor da certidão predial), o titular activo do direito ao usufruto, entretanto penhorado, é apenas o Executado e não o seu cônjuge.

Não se verificando qualquer das circunstâncias a que alude o art. 1691º do Código Civil (CC), a dívida exequenda deve ser considerado como responsabilizando apenas o Executado (cônjuge marido) – art. 1692º - por ela respondendo os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns

Com a supressão da moratória forçada à execução do credor, os bens comuns podem ser imediatamente penhorados mesmo que apenas seja executado um dos cônjuges, para cobrança de dívida pela qual só ele seja responsável, restando ao outro cônjuge requerer a separação de meações (Ac. RL de 25.06.2009, proc. 2811-E/1993.L1-2).

Por outro lado, como já se decidiu nesta Relação (Ac. de 07.05.2003, proc. 1267/06-1) e vem sendo sustentado pela doutrina (nomeadamente a citada na decisão recorrida), a casa de morada de família não é um bem impenhorável, não gozando o cônjuge do executado do direito de restringir a penhora por forma a não contender com a faculdade de a usar e fruir.

A faculdade exercida pela Recorrente de morar no prédio sobre o qual o cônjuge executado goza do direito de usufruto, mesmo que aí esteja instalada a casa de morada de família, não lhe confere qualquer direito de habitação ou sequer uma posse formal relativamente a ele.

Como mera detentora ou possuidora precária, a aqui Oponente e ora Apelante, não tem como impedir ou limitar, por razões possessórias, a penhora do usufruto de que o Executado seu marido é titular. Acresce que a reacção à penhora por parte da Oponente antes deveria ter sido desencadeada através dos embargos de terceiro – art.352º do CPC – e não mediante a oposição à penhora (vide nesse sentido Ac. RC de 06.10.1993, in CJ 1993, IV, p. 53, e Acs. do STJ de 13.03.1997, BMJ 465º-498, e de 31.10.1991, BMJ 410º-795).

Não tendo a Oponente alegado quaisquer factos subsumíveis à previsão dos arts. 814º, nº 1, ex vi do art. 816º, e 863º-A do CPC, a dedução da oposição à execução pela Oponente também sempre estaria votada ao fracasso, porque carecida de fundamento legal.

Não ofendendo o direito constitucional à habitação (art. 65º da CRP) a penhora de direito sobre imóvel onde está instalada a casa de morada de família do executado e do seu agregado familiar (vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, I, 665-666, e Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. I, 3ª edição, pág. 432), improcede na totalidade a oposição deduzida.

IV – Decisão;

Em face do exposto, na improcedência da apelação, acordam os Juízes desta 1ª secção cível em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.
Guimarães,