Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2290/16.8T8BCL.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS
ERRO/VICIO NA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO
NULIDADE DO ARRENDAMENTO POR FALTA DE LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
LEGITIMIDADE PARA CELEBRAR CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator)

1- O contrato de arrendamento tem efeitos meramente obrigacionais pelo que a legitimidade para a celebração deste tipo contratual e a consequente validade desse contrato, não depende do senhorio ser proprietário da coisa arrendada.

2- Também a legitimidade processual para instaurar a ação de resolução do contrato de arrendamento, sequer a legitimidade substantiva para julgar procedente essa ação, não estão dependentes da qualidade de proprietário do demandante (senhorio) em relação ao prédio arrendado, mas sim da sua qualidade de “senhorio”, uma vez que nessa ação o que está em causa é a relação obrigacional e contratual senhorio versus arrendatário.

3- Senhorio (demandante) é aquele que, segundo o contrato de arrendamento celebrado, e cuja resolução pretende obter, ocupa essa posição contratual ou aquele que, por ato inter vivos ou mortis causa, ocupa essa posição contratual, assim como arrendatário (demandado) é aquele que, segundo o contrato de arrendamento, ocupa essa posição contratual ou a quem esta foi transmitida.

4- Na ação de resolução do contrato de arrendamento o senhorio (demandante) apenas tem de alegar e provar os factos consubstanciadores do contrato de arrendamento celebrado e, bem assim os factos consubstanciadores do incumprimento que imputa ao arrendatário.

5- No entanto, fundando-se o incumprimento que o senhorio imputa ao arrendatário no não pagamento de rendas, incumbe ao senhorio apenas o ónus da alegação das rendas que sustenta encontrarem-se em dívida, impendendo sobre o arrendatário o ónus da prova do pagamento dessas rendas (art. 342º, n.º 2 do CC).

6- Provado que seja a celebração do contrato de arrendamento e o seu incumprimento pelo arrendatário e constituindo esse incumprimento fundamento legal de resolução do contrato de arrendamento, a resolução do contrato de arrendamento procede, impondo-se a condenação do arrendatário a restituir ao senhorio o arrendado, independentemente deste ser ou não proprietário desse arrendado.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente: Maria (…).
Recorrido: Abílio (…) S.A.


Abílio (…) S.A., com sede na …, freguesia de …, concelho de …, intentou a presente ação declarativa com processo comum, contra Fernando (…) e Maria (…), pedindo que se decrete a resolução do contrato de arrendamento dos autos e se ordene o consequente despejo dos réus, ou de quem quer que ocupe o arrendado e se condene estes no pagamento à autora de todas as rendas em dívida, no montante de 2.520,00 euros, além das que entretanto se vencerem, acrescidas de juros, à taxa legal de 4%, contados dos vencimentos respetivos e até pagamento, os quais atingem, nesta data, 49,70 € (quarenta nove euros setenta cêntimos), continuando a vencer.

Para tanto alega, em síntese, ter celebrado com os Réus o contrato de arrendamento de fls. 4 verso e 5, mediante o qual lhes deu de arrendamento, para habitação, o prédio urbano sito em …, …, inscrito na matriz urbano sob o art. …, pelo prazo de cinco anos, com início em 1.10.2014, mediante a renda mensal de 180,00 euros, a pagar até ao dia oito do mês a que dissesse respeito;
Acontece que os Réus não pagaram a renda relativa aos meses de setembro de 2015 a outubro de 2016, ambos inclusive;

Acresce que desde, pelo menos, setembro de 2015 até ao presente, ininterruptamente, os Réus não utilizam o locado, uma vez que nele não comem, não dormem, não recebem família, amigos ou correspondência.

Os Réus contestaram defendendo-se por exceção e por impugnação.
Impugnaram parte da factualidade alegada pela Autora.

Arguiram erro vício na formação da vontade relativa ao contrato de arrendamento celebrado sustentando que o prédio objeto desse contrato já pertenceu àqueles, tendo sido adquirido pela Autora por negociação particular no âmbito dos autos de execução que correram termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana de Castelo, sob o n.º 113/07.8TBVCT;
A Ré Maria … adquiriu, por herança, o terreno onde estão localizados os dois prédios que se encontram inscritos na matriz sob os artigos … e … da freguesia da …, …;
O prédio de habitação sempre foi o inscrito no art. …, já que o inscrito no art. … é um anexo, que nunca foi legalizado, de modo que enquanto foi propriedade da Ré nunca teve licença de utilização, fornecimento de água ou eletricidade próprias, sequer certificado energético;
Por isso, os Réus estavam convencidos que o prédio que tinha sido penhorado e que, consequentemente, estava a ser objeto do contrato de arrendamento seria a habitação principal, uma vez que apenas este tinha condições para ser objeto de contrato de arrendamento;
Os Réus andaram assim, por erro e ignorância, a pagar rendas de um locado que nunca utilizaram como habitação;
Caso estes estivessem conscientes de que o prédio em causa se tratava do anexo, que estava abandonado, pelo menos, desde 2005, sem água e eletricidade próprias, sequer licença de construção, resumindo, sem quaisquer condições de habitabilidade, nunca teriam realizado o negócio;
A Autora, como senhoria, nunca cumpriu com a sua obrigação de assegurar o gozo da coisa para os fins a que se destina;
Invocaram a exceção da nulidade do contrato de arrendamento em virtude do local arrendado não dispor de licença de utilização;
Invocaram a exceção do não cumprimento do contrato, alegando que o estado do locado nunca permitiu o uso para o qual estava destinado – a habitação - e que apenas aceitaram celebrar o contrato por estarem em erro;
O local arrendado não possui água e eletricidade, sequer nunca esteve em condições minimamente habitáveis, tratando-se de um comportamento manifestamente abusivo por parte da Autora em estar a exigir rendas quando sabe que o locado não possui condições para o fim a que alegadamente se destina;

Invocaram a exceção do pagamento, sustentando que já após setembro de 2015, fizeram, pelo menos, os depósitos que elencam nos artºs. 31º e 32º da petição inicial.

Concluem pela improcedência da ação, pedindo que sejam absolvidos do pedido.

Declarou-se a contestação apresentada pelos Réus como não escrita relativamente ao Réu Fernando … (fls. 77).

Dispensou-se a realização de audiência prévia, proferiu-se saneador tabelar, fixou-se o valor da ação (7.920,00 euros) e atenta a simplicidade da causa dispensou-se a fixação do objeto do litígio e os temas da prova, admitindo-se os requerimentos de prova e designando-se data para a realização da audiência final.

No início da audiência final, a Autora pronunciou-se, por escrito, quanto às exceções invocadas pela Ré em sede de contestação, concluindo pela improcedência das mesmas.

Quanto ao pretenso erro vício, sustentou que com a celebração do contrato de arrendamento, aquela e os Réus quiseram, respetivamente, dar e tomar de arrendamento um prédio destinado a habitação e quanto a saber se o prédio de habitação é o art. … ou … não tira nem põe, não justificando mais que uma mera retificação, caso tivesse havido erro na indicação do número, erro esse que alega inexistir;

Os Réus sempre souberam, tanto assim que pagaram a renda, enquanto o fizeram, como contrapartida da utilização que, efetivamente, fizeram, de uma habitação, prédio este em que vinham residindo desde 2005, de que deixaram de ser donos e chegaram a acordo com a Autora, atual proprietária do mesmo, quanto à celebração do contrato de arrendamento.

Quanto à exceção da nulidade do contrato de arrendamento, alega que os prédios dos artºs. … e …, ..., provieram do prédio anteriormente inscrito na matriz sob o art. … que o prédio dado de arrendamento é o antigo art. …e atual art. … enquanto o anexo é uma construção feita no logradouro desse prédio, sendo que o prédio arrendado foi inscrito na matriz no ano de 1948, não lhe sendo aplicável o RGEU;
Em relação à exceção do não cumprimento do contrato, sustenta que os Réus, ao invocarem essa exceção estão a referir-se ao anexo, em relação ao qual, conforme bem sabem, não foi objeto de arrendamento;
Quanto aos pretensos pagamentos, aceita que os Réus pagaram 540,00 euros aludidos no art. 31º, 1, da contestação (três meses) em 05/12/2016, já depois da instauração da presente ação;
Aceita que os Réus pagaram as rendas referidas no art. 31º, 2, 3 e 4, mas que, na altura em que ocorreram esses pagamentos já havia rendas em atraso deste setembro de 2015, sendo que os últimos nunca os preveniram dos depósitos bancários feitos e a primeira não deu conta da origem desses pagamentos;
Aceita que os Réus pagaram a quantia de 524,29 euros referida no art. 32º da contestação.
Concluem pedindo a condenação dos Réus como litigantes de má fé em multa e em indemnização;
Requerem ainda que caso venha a ser considerado que o prédio penhorado, destinado à habitação e dado de arrendamento pela Autora aos Réus é o inscrito no art. …, e não o art. …, seja tal declarado, em ordem a possibilitar a retificação respetiva na descrição predial, com a condenação dos Réus no reconhecimento da aludida alteração.

Finda a audiência final, proferiu-se sentença, julgando a ação totalmente procedente, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Por tudo o expendido, julga-se a presente ação totalmente procedente e, em consequência:

a) Decreta-se a resolução judicial do contrato de arrendamento em vigor entre a Autora e os Réus, sobre o prédio identificado em 1.;
b) Condenam-se os Réus a desocuparem o local arrendado, restituindo-o livre e devoluto;
c) Condenam-se, ainda, os Réus a pagarem à Autora:
. a título de rendas, do período de setembro de 2015 a outubro de 2016, o valor de €735,71 e no montante das rendas vincendas até efetiva entrega do arrendado;
. a quantia devida a título de juros vencidos desde a data do vencimento de cada uma das rendas e nos juros vincendos até integral pagamento.
*
Custas a cargo dos Réus, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil”.

Inconformada com o assim decidido, veio a Ré Maria … interpor o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:

I- A sentença agora recorrida enferma de erro na apreciação das provas e na aplicabilidade do direito.
II - A Ré, aqui recorrente, entende que foi produzida prova bastante no sentido de demonstrar que, pelo menos desde setembro de 2015, ninguém habitou o locado objeto de arrendamento nem a Autora fez por proporcionar o gozo do imóvel para o fim a que alegadamente se destinava.
III – Acresce que o próprio contrato de arrendamento padece de nulidade pois não disponha de licença de utilização (cf. art. 1070.º/1 e 294.º do C. Civil e 2º/d) e 5.º/1 do DL 160/2006, de 8 de Agosto) nem fazia menção a uma eventual desnecessidade da mesma.
IV – O Tribunal “a quo” deu como não provado que desde, pelo menos, setembro de 2015 e até ao presente, ininterruptamente, que os réus não utilizam o locado, já que nele não comem, não dormem, não recebem família, amigos ou correspondência, enfim, não fazem dele o centro da respetiva vida económica e social.
V – Deve ser eliminado este facto da matéria dada como não provada e passar a constar nos Factos provados,
VI – Devem ser ainda adicionados os factos:
- O prédio em causa no contrato de arrendamento trata-se de prédio urbano sito no Lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ….
- Este prédio que tem uma área coberta de 60,16m2 proveio da desanexação do prédio mais antigo que se encontra inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº ….
- Este prédio identificado sob o art.º … tem uma área coberta de 105,31m2.
- Pelo que não restam dúvidas que o prédio mais antigo é manifestamente maior que o prédio mais novo.
- Se a Ré habita no prédio que é maior e mais antigo, não pode habitar no prédio identificado sob o artigo … pois a origem deste proveio de uma desanexação do … e tem uma área coberta muito inferior a 100m2
- Este prédio identificado sob o art.º 822.º nunca teria permitido o uso para o que alegadamente estava destinado pois para além de não possuir condições para que possa ser fornecido de serviços básicos como água e eletricidade, nunca esteve em condições minimamente habitáveis.
- No contrato de arrendamento não consta a existência da licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente, ou a referência a não ser aquela exigível.

Na verdade,

VII – No local do prédio arrendado existem dois prédios destinados a habitação.
VIII – Mal andou o Tribunal “a quo” quando considerou existir apenas um.
IX – Para isso, relevou o depoimento do Sócio Gerente da Autora, que não só é parte interessada no desfecho da causa como revelou desconhecimento sobre a situação real e registral do prédio.
X – O Tribunal “a quo” também se equivocou ao referir que a Testemunha Arminda se referiu ao prédio mais pequeno como “Anexo” quando esta testemunha apelidou o mesmo de “casinha” e referiu, inclusive, que a Ré utilizou esse edifício como habitação até à morte do pai.
XI – Mas o maior erro, com todo o devido respeito, do Tribunal “a quo” foi ignorar por completo a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos termos em que o registo o define.
X – Presunção essa que em momento algum foi ilidida.
XI – Bem pelo contrário, foi até reforçada por registos fotográficos e depoimentos testemunhais.
XII – Dúvidas não restam que no local existem 2 prédios destinados a habitação, o … correspondente à Matriz n.º … e o … correspondente à Matriz ….
XIII – Tanto a Matriz como a Conservatória do Registo Predial determinam que a Autora é proprietária por “compra por negociação particular em processo de Execução” do prédio identificado sob o art.º ….
XIV – Motivo pelo qual o contrato de arrendamento identifica o objeto arrendado apenas como: “o prédio sito no lugar de …, freguesia da ..., concelho de …, inscrito na respectiva matriz sob o art.º …”
XV – Os prédios dos artºs. … e … provieram do prédio anteriormente inscrito na matriz sob o artigo ….
XVI – No entanto, na caderneta predial urbana do artigo … a área de implantação do edifício é de 60,1600m2 enquanto a do … é de 105,3100 m2, ou seja, dúvidas não restam que dos prédios presentes no local, o prédio de habitação da Ré é maior que o prédio de habitação da Autora.
XVII – Todas as testemunhas definem a casinha de baixo/anexo como sendo indubitavelmente mais pequena que a “casa antiga”. Tal é inclusive perfeitamente visível pelas fotografias aéreas e fotografias no terreno.
XVIII – Logo por aqui, independentemente do valor atribuído pela Matriz a cada uma das edificações e que pode ter inúmeras interpretações, fica plenamente percebido qual dos dois prédios habitacionais é o …, por ser mais novo e mais pequeno e qual é o … por ser maior e mais antigo.
XIX – Mas a inscrição … da Conservatória do Registo Predial não podia ser mais clara: apesar de atualmente corresponder ao artigo … da Matriz, antigamente correspondia ao originário … sendo que, para além de reiterar que a área deste prédio atualmente é de 105,31m2, no final define como sujeito ativo a Ré Maria ….
XX – E é essa própria descrição que refere taxativamente “foi desanexada a área de 200m2 para a descrição …” que é o prédio a que corresponde a Matriz ….
XXI – Sendo que nessa descrição … estão plasmados todos os dados que tem vindo a ser adiantados nestas Alegações de Recurso. Trata-se de um prédio de 60,16m2 de área coberta, correspondente à Matriz …, tendo sido adquirido por compra por negociação particular em processo de execução em que consta como sujeito ativo a Autora.
XXII – Apesar de todos estes dados objetivos e que se presumem corretos, o Tribunal “a quo” incompreensivelmente considerou que o prédio …, corresponde à habitação inscrita em 1948.
XXIII – Essa tese para além contrariar o facto inultrapassável de o prédio ser fisicamente mais pequeno em cerca de 40m2 de área coberta, contraria o facto da sua constituição ter resultado de uma desanexação do original realizada uns bons anos após o ano 2000.
XXIV – Nunca poderia o Tribunal ordenar um despejo de um prédio que não só os Autores não provaram ser seu, como toda prova dos Autos demonstra cabalmente que não o é.
XXV - Facilmente se percebe que o artigo …, que é o único que pertence à Autora, é posterior a 1950 pelo que um qualquer contrato de arrendamento habitacional deve, sob pena de nulidade, fazer constar a existência da licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente, ou a referência a não ser aquela exigível.
XXVI – Pois só podem ser objeto de arrendamento urbano os edifícios ou suas frações cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização.
XXVII - No contrato de Arrendamento junto aos autos pela autora é patente a inexistência dessa informação obrigatória.
XXVIII - Pelo que a nulidade do contrato se torna evidente.
XXIX - E ainda que esta evidente nulidade não fosse só por si suficiente, o carácter sinalagmático do arrendamento, está plasmado na correspetividade das obrigações assumidas, previstas nos artigos 1031º, alínea a) e 1038º, alínea a), ambos do Código Civil.
XXX - Ora, a falta de condições para habitação do locado está patente nas fotos juntas com a Contestação e, como se não bastasse, o próprio sócio-gerente da Autora assume que nunca lá entrou e que não conhece o edifício por dentro e até o apelida de anexo.
XXXI - De facto, apenas se e quando o senhorio entregar e proporcionar o gozo do imóvel ao arrendatário, isto é, cumprindo as suas obrigações, é que se poderá impor ao segundo o cumprimento da sua obrigação – o pagamento da renda.
XXXII – Como tal não aconteceu, nunca poderia ser exigida qualquer renda.
XXXIII – Aliás, sendo patente a nulidade do contrato, nos termos do art.º 289.º do código civil, tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
XXXIV – É assumido pelas partes, aliás a própria Autora o refere na sua Petição Inicial, que a Ré não usufrui do locado pelo menos desde setembro de 2015. Assim, considerando que o contrato é evidentemente nulo e que a Ré não usa o locado pelo menos desde setembro de 2015, não só não são devidas quaisquer rendas como deverá ser restituído tudo o que tiver sido prestado pelo menos desde setembro de 2015. Valores que se encontram nos “Factos provados”.
XXXV - Assim, considerando que a ação de despejo se destina a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, atenta a nulidade do contrato de arrendamento junto pela Autora, tal ação deixa de fazer sentido levando a Ré a ser absolvida do pedido.
XXXVI - Aliás, a Autora define a ação como “ação com processo comum, para efetivação de despejo”, mas considerando que, do ponto de vista jurídico, o contrato é inválido e do ponto de vista factual ninguém habita o imóvel pelo menos desde setembro de 2015, não existe qualquer despejo por efetuar.
XXXVII - Independentemente dessa questão, considerando que pelo menos desde setembro de 2015 ninguém habitou o locado nem a Autora fez por proporcionar o gozo do imóvel para o fim a que alegadamente se destinava, deverá também improceder o pedido de pagamento de rendas, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado

Por tudo o exposto e por mais que V. Exas. decerto suprirão, deverá a presente Apelação ser declarada procedente e, em consequência:

Revogar a sentença recorrida substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente a ação.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência da presente apelação, com os seguintes fundamentos:

I- Insurge-se a recorrente contra a douta sentença recorrida, que decretou a resolução do contrato de arrendamento dos autos, condenando os réus no despejo do locado e no pagamento das rendas em dívida, quer as já vencidas, quer as vincendas, até entrega efetiva do arrendado.
Sem razão alguma.
Começa por realçar-se esta surrealidade: os réus adquiriram por sucessão o prédio onde sempre residiram desde 2005; prédio que foi penhorado e adquirido pela autora em processo judicial; prédio que esta depois deu de arrendamento àqueles, por contrato escrito; prédio de onde os réus nunca saíram, já que nele continuaram a residir depois do arrendamento; prédio por cuja ocupação pagavam uma renda à autora; mas...
... por um erro que dizem existir - que inexiste -, deixaram os réus de pagar as rendas, porque, concluíram, estavam a pagar rendas de “um locado que nunca utilizaram para habitação” (sic)...
Tudo, por causa do número de um artigo matricial, como veremos...
Além disso, os réus dizem umas coisas na contestação e outras agora, agora, só a ré..., nas alegações que produziu, ao sabor do vento, é dizer, das conveniências de momento.
De força, estes réus...

Tentemos responder, ponto por ponto àquilo que parece serem as objeções dos réus, agora só da ré.

II- A primeira objeção é confusa, ou pretende confundir, e prende-se, parece, com a obrigação da autora de demonstrar de que prédio usufruía a ré e que era ‘este’ de que a ré não pagava rendas, porque a autora não pode despejar um prédio que não lhe pertence (sic) - cfr. pág. 6 das 30 das doutas alegações.

A autora, com o devido respeito, só tem de provar, primeiro, que prédio deu de arrendamento, depois, que a ré não pagou as rendas.
Ora, não ficou a menor dúvida em ninguém que “por contrato escrito de 1.10.2014, a autora deu de arrendamento aos réus, para habitação, o prédio urbano sito no lugar da …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo …, pelo prazo de cinco anos, com início em 1.10.2014, pela renda mensal de 180,00 €, a pagar até ao dia 8 do mês a que dissesse respeito” - facto 1.

E, quanto a rendas, apenas se provou que os réus pagaram 1.784,29 € - cfr. facto 5 - e, ainda assim, 1.064,29 € já depois de a ação ter entrado em juízo, quando estavam em falta 2.520,00 € até instauração do processo, mais as ulteriormente vencidas.
Ora, segundo o disposto no art. 342º. CC, teriam os réus de demonstrar factos eventualmente impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela autora, cuja existência decorre dos factos provados 1 e 5.

Mas os réus não conseguiram a prova de qualquer tipo daqueles factos, designadamente de factos dos quais pudesse concluir-se que a autora não deu, e a ré não tomou, de arrendamento aquele prédio, mas outro.

III.1. Depois, em outra argumentação algo confusa, sob a epígrafe de “matéria de facto”, págs. 6 a 21 das 30 das doutas alegações, pretende a ré, cremos, “seja alterada, pelo menos parcialmente, a matéria de facto provada, sendo adicionados os seguintes factos” (pág. 6), que parece serem 7, tantos quantos os parágrafos seguintes aos ‘dois pontos’.

De seguida, formula a pretensão (algo estranha, porque seria, também, fundamento do peticionado despejo...), de que seja dado por assente o facto não provado a), alegado pela autora, ou seja, que

“Desde, pelo menos, Setembro de 2015 e até ao presente, ininterruptamente, que os réus não utilizam o locado, já que nele não comem, não dormem, não recebem família, amigos ou correspondência, enfim, não fazem dele o centro da respetiva vida económica e social”.

2. Vejamos então, primeiro, os factos a adicionar.

Os parágrafos de págs. 6/7 permitem concluir que o § 1º. tem um teor que já consta do facto provado 1, os §§ 4º. (“Pelo que não restam dúvidas...”), 5º. (“Se a ré habita no prédio...”) e 6º. [“Este prédio (...) nunca teria permitido o uso...], são meras conclusões, pelo que sobram os factos dos §§ 2º., 3º. e 7º., que são estes:

“Este prédio (o que está em causa no contrato) tem uma área coberta de 60,16 m2, proveio da desanexação do prédio mais antigo, que se encontra inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o art. … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº. …”;
“Este prédio, identificado sob o art. … tem uma área coberta de 105,31 m2”; e
“No contrato de arrendamento não consta a existência da licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente, ou a referência a não ser aquela exigível”.

Estas pretensões da ré tendem a mostrar que ela, e o réu, estavam enganados quando, ambos, subscreveram o contrato e pagaram as rendas do locado porque, para eles, o locado é o prédio do art. … e não o do art. …. Isto, só ‘sabido’ na altura da contestação, já se vê...
Convoca a ré o depoimento de uma testemunha e os documentos, estes, aliás, quase dispensando aquele, no dizer da ré.

Para fustigar, veementemente, a argumentação da ré, é necessário evidenciar alguns factos e conclusões, relativamente aos quais não subsistem dúvidas:

i) Há um terreno onde estão dois prédios: um “de habitação”, outro, “um anexo”, sendo que só aquele “reunia condições para ser objeto de contrato de arrendamento habitacional” (quem diz isto são os réus - cf. artºs. 7º., 8º., 10º. e 14º. da douta contestação);
ii) Temos por assente que, quer por conhecerem os prédios, quer porque já haviam sido donos deles, quer porque sempre habitaram o “prédio de habitação (...)”, quer porque o outro prédio “sempre se tratou de um anexo”, tomaram os réus de arrendamento o prédio de habitação, no qual, aliás, residem, percute-se, residem, “ininterruptamente desde 2005” - cf. arts. 7º., 8º., 9º. e 10º. da contestação;
iii) O que a autora penhorou e adquiriu, no processo executivo identificado em 6 da contestação foi, segundo o auto de penhora junto aos autos,
“um prédio urbano, composto de rés-do-chão e logradouro, destinado a habitação, sito em …, freguesia de ..., concelho de … inscrito na matriz sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº. …, com o valor patrimonial de 17.668,63 “;
iv) O auto de penhora, conforme documento também nos autos, foi notificado aos réus que, contra ele, não reagiram fosse de que modo fosse;
v) O convencimento de autora e réus foi, pois, de que aquela adquiriu a casa de habitação onde estes habitavam, e o que quiseram autora e réus foi dar, e tomar, respetivamente, de arrendamento, a dita casa, onde os réus nunca deixaram de habitar, ininterruptamente, desde 2005 e até hoje...;
vi) A questão dos números dos artigos sempre seria, pois, uma questão menor, de mera eventual retificação, visto que ninguém, autora e réus, nomeadamente, quis dar, ou tomar, de arrendamento, um anexo...;

Dizendo como dissemos, não deixámos de dizer o mesmo que a Mma. Juiz recorrida, quando enfatiza que “o prédio em causa foi vendido em sede de execução e posteriormente negociado o seu arrendamento pelo que, à luz das regras da experiência comum, não se pode aceitar que a ré não soubesse o que estava a arrendar, sendo que aliás a única coisa que faria sentido é que procurasse arrendar a casa onde habita e que já habitava segundo as testemunhas inquiridas”, e segundo ela própria, ré, acrescentamos.
É, pois, argumentação falha de... argumentos, para além de reveladora do comportamento processual da ré, vir esta agora alertar para o facto de ambos os artigos matriciais terem como afetação a habitação, nenhum estando definido como anexo... - cf. pág. 19 das 30 das alegações da ré.
O que é suscetível de ser dado de arrendamento são realidades físicas, casas, in casu, não artigos matriciais, números escritos em papéis...
Independentemente dos números, o que está provado - confessado, até -, é que a ré reside numa casa que lhe foi dada de arrendamento pela autora.
Irreleva o número do artigo, importando apenas saber qual é a casa, qual é a realidade física que a autora deu, e os réus tomaram, de arrendamento.
E, sobre isso, há unanimidade...

Cremos que o que vem de dizer-se é mais que suficiente para demonstrar a sem razão da ré e a irrelevância dos números dos artigos matriciais.

3. Percorramos, ainda assim, apesar do desinteresse, o caminho dos números dos artigos, a que a ré se refere a págs. 19/20 das suas alegações.
Argumentos da ré: o prédio arrendado é o do art. … porque tem área superior e, da desanexação dele é que nasceu o art. ….
Quanto aos elementos matriciais, e como é de toda a gente sabido, é frequente ocorrerem diferenças de áreas, já que as medições são, como também se sabe, a olho.
O que não é frequente é o fisco enganar-se no valor patrimonial; ora, como é realçado na douta sentença recorrida, o valor patrimonial do art. … é superior ao do art. ….

Mais relevantes são os elementos registrais e, destes, resulta o seguinte:

i) A descrição do art. … em o nº. … e é de 27.01.2012;
ii) A descrição do art. … tem o nº. … e é de 19.03.2013 (ou seja, para além do artigo da matriz ter numeração posterior, também a numeração e a data da descrição predial são posteriores);
iii) Como é óbvio, não podia um prédio com existência anterior a um outro resultar de uma desanexação deste...; e
iv) Da descrição nº. … (a do art. …) não consta ter esta resultado de qualquer desanexação.
Tudo isto, repete-se, não obstante se entender que esta questão irreleva.
Argumenta ainda a ré que uma das testemunhas - só uma - diz que não há nenhum anexo e que um dos artigos é, em vez de um anexo, uma casinha...

Analisemos o que, então e a propósito, disseram os réus na contestação. Foi isto (e pedindo desculpa pela parcial repetição):

i) Que só a “habitação principal” reunia condições para ser objeto de um contrato de arrendamento - art. 14º.; mas
ii) Que o anexo “serviu para fazer face às necessidades prementes dos residentes na habitação principal até 2005, altura em que faleceu o pai da ré” - art. 10º..
Quer isto dizer que, apesar de não ter condições para tal, o anexo serviu para remediar...

Ora, é exatamente isto que a testemunha convocada pela ré - Arminda … - confirma, como resulta da transcrição de págs. 9, 10 e 11 das 30 das alegações da ré:

- que há uma casa e uma casinha;
- que a ré habitou a casinha até 2005;
- que o pai da ré faleceu em 2005; e
- que a partir de 2005 passou a habitar a casa.

Chamar casinha, ou anexo, ou casa mais pequena, não tira nem põe para o que nos ocupa, já que toda a gente convém que há uma casa de habitação onde a ré reside desde 2005, onde nunca deixou de residir, de então para cá, que foi adquirida pela autora em processo de execução e que foi tomada de arrendamento pela ré para nela continuar a habitar, como habita.

Quanto ao administrador da autora, ao contrário do que alega a ré, ele só não sabia qual era o artigo da matriz (o que, aliás, convenhamos, não seria muito fácil fixar... e, se tivesse sido fixado e respondido, aqui d’ el Rei, que estava preparado o depoimento), mas sabia perfeitamente qual era o prédio arrendado - cf. págs.13 e 14 das 30 das alegações da ré.

3. Agora, o facto que devia ter sido considerado provado e não foi.

Alegou a autora dois fundamentos para a resolução do contrato de arrendamento: o não pagamento de rendas e o não uso do locado.
O não uso referia-se, como tinha de ser, ao locado relativamente ao qual não foram pagas as rendas, o identificado no facto provado 1., ou seja, àquele sobre o qual, todas as pessoas ouvidas disseram, incluindo o administrador da autora, que a ré sempre nele residiu desde 2005, residência que foi mantida a partir de setembro de 2015, mês a que se refere o facto.

Assim sendo, é impossível considerar assente algo em que houve unanimidade de respostas em sentido contrário, mas que, em qualquer caso, apenas prejudicaria a ré, por se fazer prova do outro fundamento invocado para a resolução contratual.

Claro que este ‘argumento’ não é mais que esperteza saloia da ré: como uma testemunha afirmou, já vimos, que a ré chegou a habitar na casinha, no anexo, considerar que a ré não habitou o locado significaria equivaler a dizer que o locado era a casinha...

Está a esquecer a ré que, se realmente habitou a casinha, o fez só até 2005, sendo que o facto se refere a 2015..., altura em que ela própria dizia residir na casa onde sempre residiu desde a morte do pai... e que, manifestamente, não era a casinha...

4. Por último, a questão da licença de utilização.

A douta sentença já disse tudo. Sendo a inscrição matricial anterior a 1951, não há sujeição a licença de habitação.
A falta de menção da desnecessidade de licença, não acarreta a ineficácia ou invalidade do contrato porque o motivo determinante da forma, escrita, foi cumprido - art. 4º. do DL 160/2006, de 8 de Agosto.

IV. Quanto à matéria de direito

Nada a dizer aqui, que é tudo argumentação anteriormente expendida.
Termos em que, e em conclusão, não padecendo a douta decisão recorrida de quaisquer dos vícios apontados, deve a mesma ser mantida, nos seus precisos termos.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cf. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que são colocadas pela apelante à consideração deste tribunal são as seguintes:

a- se a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto:
a.1- ao julgar como não provada a matéria da alínea a) da sentença recorrida e se uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela prova desses factos;
a.2- ao não ter julgado como provada, sequer como não provada a matéria de facto que se segue, quando a prova produzida impõe que se conclua pela prova da mesma:
- O prédio em causa no contrato de arrendamento trata-se de prédio urbano sito no Lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ….
- Este prédio que tem uma área coberta de 60,16m2 proveio da desanexação do prédio mais antigo que se encontra inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº …
- Este prédio identificado sob o art.º …tem uma área coberta de 105,31m2.
- Pelo que não restam dúvidas que o prédio mais antigo é manifestamente maior que o prédio mais novo.
- Se a Ré habita no prédio que é maior e mais antigo, não pode habitar no prédio identificado sob o artigo … pois a origem deste proveio de uma desanexação do … e tem uma área coberta muito inferior a 100m2.
- Este prédio identificado sob o art.º … nunca teria permitido o uso para o que alegadamente estava destinado pois para além de não possuir condições para que possa ser fornecido de serviços básicos como água e eletricidade, nunca esteve em condições minimamente habitáveis.
- No contrato de arrendamento não consta a existência da licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente, ou a referência a não ser aquela exigível.
b- se aquela sentença padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida:
b.1- ao julgar improcedente a exceção da nulidade do contrato de arrendamento por falta de licença de utilização, quando o prédio arrendado pela apelada à apelante e ao Réu Fernando … não possui essa licença;
b.2- ao condenar a apelante e aquele Réu Fernando … a despejarem o local arrendado, ignorando que, no local, existem dois prédios destinados à habitação e, bem assim ao ignorar a presunção de propriedade derivada do registo predial de acordo com a qual a apelante comprou e é proprietária do prédio inscrito na matriz sob o art. …, tendo sido este prédio que aquela arrendou à apelante e ao Réu Fernando …, que não é o prédio que estes ocupam, nunca podendo o tribunal despejar aqueles de um prédio de que esta não é proprietária;
b.3- ao julgar improcedente a exceção do não cumprimento do contrato quando o prédio arrendado pela apelada à apelante e ao Réu Fernando … é o anexo inscrito na matriz sob o art. … e este não possui quaisquer condições de habitabilidade.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal a quo julgou provados e não provados os seguintes factos:

Factos provados

1. Por contrato escrito de 1.10.2014, a autora deu de arrendamento aos réus, para habitação, o prédio urbano sito no Lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo …, pelo prazo de cinco anos, com início em 1.10.2014, pela renda mensal de 180,00 €, a pagar até ao dia oito do mês a que dissesse respeito.
2. O prédio identificado no contrato de arrendamento já pertenceu aos Réus tendo sido adquirido pela Autora a partir de venda por negociação particular em consequência de penhora relativa ao processo executivo n.º 113/07.8TBVCT que decorreu no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de … em que era Exequente a própria Autora.
3. A Ré Maria … adquiriu por herança o terreno onde estão localizados dois prédios que se encontram inscritos na matriz predial urbana sob os artigos … e … freguesia da ..., concelho de ….
4. O prédio do artigo … foi inscrito na matriz no ano de 1948 e foi o artigo que deu origem aos artigos … e ….
5. Os Réus desde setembro de 2015 apenas procederam, a título de pagamento de rendas, aos seguintes depósitos:
- 540,00€ a 05/12/2016,
- 180,00€ a 23/02/2016,
- 180,00€ a 15/03/2016,
- 360,00€ a 06/06/2016,
- 524,29€ a 26/04/2017.

Factos não provados

a) Desde, pelo menos, setembro de 2015 e até ao presente, ininterruptamente, que os Réus não utilizam o locado, já que nele não comem, não dormem, não recebem família, amigos ou correspondência, enfim, não fazem dele o centro da respetiva vida económica e social.
b) O prédio de habitação sempre foi o prédio sob o art.º ….
c) O artigo … sempre se tratou de um anexo e esse prédio, pelo menos enquanto foi propriedade da Ré nunca teve licença de utilização, nunca foi fornecido de água ou eletricidade própria e nunca teve certificado energético.
d) Os Réus andaram, sem saber, a pagar rendas de um locado que nunca utilizaram como habitação.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Já se elencaram supra as concretas questões que a apelante submete à apreciação da presente Relação, pelo que a primeira questão a tratar é o do pretenso erro de julgamento que a mesma imputa à sentença recorrida em sede de julgamento da matéria de facto.

B.1- Da impugnação da matéria de facto.

A apelante impugna o julgamento da matéria de facto quanto aos factos julgados como não provados na alínea a) da sentença recorrida, pretendendo que uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se conclua pela prova dessa concreta materialidade fáctica.

Pretende ainda que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, ao não ter julgado como provada, sequer como não provada, a seguinte matéria, não obstante a prova produzida impor, na sua perspetiva, que se concluísse pela respetiva prova:

- O prédio em causa no contrato de arrendamento trata-se de prédio urbano sito no Lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ….
- Este prédio que tem uma área coberta de 60,16m2 proveio da desanexação do prédio mais antigo que se encontra inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …
- Este prédio identificado sob o art.º … tem uma área coberta de 105,31m2.
- Pelo que não restam dúvidas que o prédio mais antigo é manifestamente maior que o prédio mais novo.
- Se a Ré habita no prédio que é maior e mais antigo, não pode habitar no prédio identificado sob o artigo … pois a origem deste proveio de uma desanexação do … e tem uma área coberta muito inferior a 100m2
- Este prédio identificado sob o art.º … nunca teria permitido o uso para o que alegadamente estava destinado pois para além de não possuir condições para que possa ser fornecido de serviços básicos como água e eletricidade, nunca esteve em condições minimamente habitáveis.
- No contrato de arrendamento não consta a existência da licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente, ou a referência a não ser aquela exigível.
Urge verificar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que a apelante lhe assaca quanto aos referidos factos que não julgou como provados, sequer como não provados, uma vez que salvo o devido respeito, prefigura-se-nos que a apelante incorre numa série de equívocos nesta sua alegação, designadamente, a propósito das finalidades da presente ação da despejo, da natureza do contrato de arrendamento, legitimidade para celebrar esse contrato de arrendamento e para instaurar a ação de despejo e, bem assim a propósito da matéria que urge ao tribunal julgar como provada e não provada, equívocos esses que importa deslindar.

B.1.1- Erro de julgamento quanto à pretensa omissão de pronúncia ocorrida ao nível da matéria de facto.

Como é sabido, uma das principais inovações introduzidas pela Lei n.º 41/2013 ao CPC, com o objetivo confessado de procurar a realização da justiça material em detrimento da formal, consistiu na aliviação do ónus alegatório que impende sobre as partes, tendo nesta medida, a atual lei processual civil atenuado, de forma significativa, o princípio nuclear e basilar do processo civil, que é o princípio do dispositivo.

Deste modo é que nos termos do disposto no art. 552º, n.º 1, al. d) do CPC, em sede de petição inicial, sobre o autor apenas impende o ónus da alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, assim como sobre o réu, segundo a al. c) do art. 572º do mesmo Código, apenas impende o ónus de alegar os factos essenciais em que se baseiam as exceções por ele deduzidas em sede de contestação.

Estes normativos relacionam-se com o art. 5º do CPC, que versa sobre o ónus da alegação das partes e o poder de cognição do tribunal.

De acordo com o n.º 1 daquele art. 5º às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.

Assim, quanto ao autor, é na petição inicial que este tem de dar cumprimento ao ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, e apenas nela lhe incumbe exclusivamente alegar esses factos essenciais integrativos da causa de pedir que invoca para ancorar o seu pedido.
A causa de pedir é o ato ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, não o facto jurídico abstrato, mas o ato jurídico concreto, cujos contornos se enquadram na configuração legal (1).
Deste modo, são factos essenciais aqueles que constituem a causa de pedir invocada pelo autor ou pelo réu-reconvinte para sustentar o pedido que formulam, respetivamente, em sede de ação ou de reconvenção e de cuja verificação depende a procedência da pretensão por eles deduzida em sede de, respetivamente, ação ou reconvenção.

Na expressão de Lebre de Freitas, os factos essenciais são o núcleo fático essencial narrado pelo autor, tipicamente previsto por uma ou mais normas materiais que aquele elege como causa do efeito pretendido (2) e que, por isso são necessários à identificação da situação jurídica invocada pelo autor (ou pelo réu-reconvinte) para ancorar a sua pretensão de tutela judiciária (pedido) e cuja falta, determinará a ineptidão da petição inicial (ou da reconvenção) por inexistência de causa de pedir.

É assim que, conforme pondera Paulo Pimenta, a “causa de pedir tem um substrato fáctico cuja alegação compete ao autor, de modo a fundamentar a sua pretensão. (…) o autor deverá expor (narrar) o quadro factual atinente ao tipo legal de que pretende prevalecer-se na ação instaurada. Tal narração fáctica envolverá a alegação e a descrição, por exemplo, dos concretos factos relativos à celebração do negócio de compra e venda de um bem por via do qual o autor ficou credor do preço sobre o réu, os factos relativos à ocorrência de um acidente de viação e respetivas consequências e à responsabilidade civil daí decorrente, os factos relativos à celebração de um contrato de arrendamento e à conduta do réu violadora dos seus deveres como inquilino, os factos relativos à celebração de um contrato promessa de compra e venda e à falta de cumprimento do promitente vendedor, os factos relativos à posse de determinado bem imóvel pelo autor e o seu esbulho pelo réu, os factos relativos à invalidade formal de certo negócio. Será por via desses factos, isto é, pela demonstração desses factos em juízo, que o autor poderá vir a alcançar a tutela jurisdicional desejada. É da correspondência entre o quadro factual assim apurado nos autos e o quadro fáctico previsto numa ou mais normas substantivas que resultará o reconhecimento do direito invocado” (3)

Deste modo, se em face da atual lei processual civil apenas impende sobre o autor ou o réu-reconvinte o ónus da alegação, respetivamente, na petição inicial ou na reconvenção, do núcleo fáctico primordial ou essencial da causa de pedir que aqueles elegem para ancorar o pedido que deduzem em sede, respetivamente, de ação ou de reconvenção e que, consequentemente, a individualiza – o que é, também, decorrência do princípio da substanciação que vigora inequivocamente na ordem processual civil nacional (art. 581º, n.º 4 do CPC) –, compreende-se que, quanto ao réu, em sede de contestação, ou ao autor-reconvindo, em sede de réplica (art. 583º, n.º 1), também nos termos dos artºs. 5º, n.º 1, 552º, n.º 1, al. d), 572º, al. c) e 587º, n.º 2, do CPC, apenas caiba o ónus de alegar os factos essenciais em que se baseiam as exceções por eles invocadas, ou seja, os factos nucleares em que se baseiam os factos extintivos, impeditivos ou modificativos do direito que o autor ou o réu-reconvinte vêm exercer contra aqueles, respetivamente, na ação ou na reconvenção (art. 576º, n.º 1 do CPC).

Apesar do que se acaba de dizer, da conjugação dos artºs. 5º, n.º 2, 552º, n.º 1, al. d) e 572º, al. c) do CPC, sobre o autor ou o réu-reconvinte não impende o ónus da alegação de, respetivamente, em sede de petição inicial ou de reconvenção, dos factos complementares ou instrumentais da causa de pedir.

Não obstante a inexistência desse ónus alegatório, determina o art. 5º, n.º 2 do CPC, que ainda são considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa (al. a)); os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar (al. d) e os factos notórios e aqueles que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (al. c)), concretizando o art. 607º, n.º 4, que na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, isto sem prejuízo de dever considerar ainda provados os factos subtraídos ao princípio da livre apreciação da prova (parte final do n.º 4 do art. 607º).

Por conseguinte, no âmbito da atual vigente lei processual civil, o princípio do dispositivo e o consequente ónus alegatório mantem-se apenas plenamente válido e irrestrito quanto aos factos essenciais que constituem a causa de pedir e quanto àqueles em que se baseiam as exceções invocadas, o que se justifica por estar em causa os factos que integram o núcleo primordial da causa de pedir e que, por isso, desempenham uma função individualizadora dessa causa de pedir elegida pelo autor ou pelo réu-reconvinte para ancorarem os respetivos pedidos, ou da exceção invocadas pelas partes, de modo, que a respetiva falta determina a ineptidão da petição, da reconvenção ou a improcedência da exceção.

Quanto aos factos complementares e instrumentais, os mesmos não carecem de ser alegados pelas partes.

Não obstante a inexistência desse ónus alegatório, o juiz terá de considerá-los provados na sentença sempre que se verifiquem preenchidos os requisitos legais enunciados nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 5º do CPC.

Em relação aos factos complementares, o juiz terá de considerá-los na sentença (ainda que, reafirma-se, não tenham sido alegados) desde que os mesmos resultem da instrução da causa e tenha notificado as partes para essa eventualidade para que as mesmas, querendo, possam, quanto a eles, exercer o direito do contraditório (art. 5º, n.º 2, al. b) do CPC).

Já quanto aos instrumentais, os mesmos devem ser considerados na sentença, ainda que não alegados, desde que resultem da instrução da causa (art. 5º, n.º 2, al. c)).

Essa diversidade de regimes aplicáveis, por um lado, aos factos complementares e, por outro, aos instrumentais, explica-se atenta a diversidade de funções desempenhados por ambos os tipos de factos no processo.

Com efeito, são “factos complementares” aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor – a causa de pedir – ou do réu reconvinte ou das exceções por eles invocadas e cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da ação, da reconvenção ou das exceções invocadas, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma exceção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência da ação, reconvenção ou exceção (4).

Os factos complementares embora não sejam nucleares, ou seja, factos que, contrariamente ao que acontece com os factos essenciais, não integram o núcleo primordial da causa de pedir e que, consequentemente, não desempenham uma função individualizadora dessa mesma causa de pedir em que o autor ou o réu-reconvinte assentam os respetivos pedidos ou das exceções invocadas e cuja falta não determina, por isso, a ineptidão da petição inicial ou da reconvenção, não se justificando, por conseguinte, que, quanto a eles, vigore o princípio do dispositivo, são, no entanto factos de primordial importância no processo, na medida em que fazendo parte de uma causa de pedir ou de uma exceção complexa, são necessários para a procedência do pedido ou da exceção.

Por conseguinte, justifica-se que quanto aos factos complementares, o juiz só os possa considerar provados na sentença observados que sejam dois requisitos legais cumulativos: a) esses factos complementares têm de resultar da instrução da causa; e b) quanto aos mesmos o juiz tem de observar o princípio do contraditório para que as partes possam, querendo, quanto a eles exercer o seu direito de defesa (art. 5º, n.º 2, al. b)).
Já os factos instrumentais desempenham no processo uma função puramente probatória e, por isso, secundária.

Com efeito, são factos instrumentais aqueles que desempenham uma função meramente probatória na medida em que indiciam os factos essenciais ou complementares, pelo que o seu significado reporta-se exclusivamente à vertente instrutória (probatória) da causa (5).

Atenta a sua função meramente secundária, compreende-se que para além dos factos instrumentais não terem de ser alegados pelas partes, o juiz os deva considerar, sem mais, na sentença, desde que os mesmos resultem da instrução da causa (art. 5º, n.º 2, al. a)).

De resto, atenta a função secundária que desempenham no processo, os factos instrumentais não devem integrar os temas da prova e, além disso, nem sequer devem ser objeto, ao menos em regra, de um juízo probatório específico (6), no sentido de o juiz os deva julgar como provados ou não provados (ainda que alegados pelas partes), devendo, pura e simplesmente, nos casos em que tenham sido alegados pelas partes e resultem provados ou nos casos que não tendo sido alegados, a respetiva prova resulte da instrução da causa, considerá-los em sede de fundamentação da matéria de facto, aí explicitando-os e, bem assim, enunciando as ilações que deles retira para efeitos de prova ou não prova dos factos essenciais ou complementares, conforme resulta do n.º 4 do art. 607º do CPC.

Assente nestas premissas, no caso, a Autora e ora apelada, Abílio (…) S.A., instaurou a presente ação de resolução do contrato de arrendamento contra o Réu Fernando (…) e a apelante Maria (…), pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento que com estes celebrou e, por via disso, se condene os últimos, ou quem quer que ocupe o arrendado, a despejarem o arrendado e, bem assim a condenação daquele Réu e da apelante a pagarem-lhe a quantia de 2.520,00 euros, a título de rendas vencidas, além das que entretanto se vencerem, acrescida de juros de mora, desde a data do vencimento dessas rendas, até integral pagamento, ascendendo os juros de mora vencidos a 49,70 euros.

Para ancorar estes pedidos, a apelada invocou a celebração com o Réu Fernando … e com a apelada Maria …, do contrato escrito de fls. 4 verso e 5, em 01/10/2014, nos termos do qual lhes deu de arrendamento “o prédio urbano sito no Lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo …, pelo prazo de cinco anos, com início em 01/10/2014, pela renda mensal de 180,00 euros, a pagar até ao dia oito do mês a que dissesse respeito (art. 1º da petição inicial), o não pagamento pelo Réu e pela apelante das rendas dos meses de setembro de 2015 a outubro de 2016, ambos inclusive (art. 2º da petição inicial), e, bem assim a não utilização do arrendado pelos últimos desde, pelo menos, setembro de 2015 (art. 3º do mesmo articulado).

Decorre do exposto que a causa de pedir em que a apelada estribou o seu pedido é o contrato de arrendamento que invocou, o não pagamento das rendas pelos demandados desde setembro de 2015 a outubro de 2016, ambos inclusive, e a não utilização do arrendado pelos últimos desde setembro de 2015.

Por conseguinte, os factos essenciais que incumbe à apelada provar nos presentes autos, consistem na alegação e prova (art. 5º, n.º 1 do CPC e 342º, n.º 1 do CC), da celebração, em 01/10/2014, do acordo escrito de fls. 4 verso e 5, com o Réu Fernando … e com a apelante Maria …, mediante o qual cedeu aos últimos, para habitação, o prédio urbano sito no lugar de …, ..., B…, inscrito na matriz urbana sob o art. …, pelo prazo de cinco anos, com início em 01/10/2014, mediante a contrapartida mensal destes lhe pagarem 180,00 euros de renda, até ao dia oito do mês a que dissesse respeito, bem como o não pagamento das rendas pelo Réu Fernando e pela apelada relativa aos meses de setembro de 2015 a outubro de 2016, ambos inclusive, e, bem assim, o não uso pelos mesmos do arrendado desde setembro de 2015, sendo estes factos essenciais que, reafirma-se, constituem a causa de pedir invocada pela apelada em que esta sustenta a sua pretensão de tutela judiciária (pedido) e que, por conseguinte lhe cabe alegar, como fez, e ainda, provar, com exceção do que infra se dirá quanto às rendas (art. 342º, n.º 1 do CC).

Compulsada a contestação, verifica-se que nela a apelante, invocou, a título de exceção, e relembra-se que por exceção, entende-se factos que impedem, extinguem ou modificam o direito que a apelada se arroga titular e que vem exercer nos presentes autos contra a apelante e o Réu Fernando …, ou seja, no caso, factos impeditivos, extintivos ou modificativos da pretensão da apelada (pedido) em ver resolvido o contrato de arrendamento que alega ter celebrado com a apelada e com o Réu Fernando …, com o consequente despejo destes do arrendado e, bem assim a vê-los condenados a pagar as rendas alegadamente vencidas e não pagas, acrescidas das que se vencerem na pendência da presente ação e que estes não lhe paguem, além dos respetivos juros de mora (artºs. 576º, n.ºs 1 e 3 do CPC e 342º, n.º 2 do CC), as seguintes exceções:

- erro vício na celebração do contrato de arrendamento, uma vez que a apelada lhes arrendou o prédio inscrito na matriz sob o art. … para habitação, quando os mesmos estavam enganados, pensando que esse prédio que lhes estava a ser dado de arrendamento era a “habitação principal”, que era a única que “reunia as condições para ser” arrendado para a habitação, quando assim não é, dado que o prédio inscrito na matriz sob o art. … se trata de um anexo, “cujo estado nunca permitia o uso” para habitação (art. 28º da contestação), não dispondo de licença de utilização, sequer tendo fornecimento de água e de eletricidade (art. 12º) e estando abandonado desde pelo menos 2005 - (arts. 6º a 19º e 28ºda contestação);
- nulidade do contrato de arrendamento por falta de licença de utilização (art. 20º a 24º da contestação);
- exceção de não cumprimento do contrato por a apelada, na qualidade de senhoria, nunca lhes ter proporcionado o arrendado, assegurando-lhe o gozo deste para os fins a que se destina – a habitação – uma vez que o arrendado não dispõe de condições mínimas de habitabilidade, não lhe podendo ser fornecida água, sequer eletricidade (arts. 25º a 30º da p.i.); e
- exceção do pagamento das rendas, ainda que parcial, que identificam nos arts. 31º e 32º da contestação).

Logo, em sede destas exceções, cumpre à apelante alegar e provar (arts. 5º, n.º 1 do CPC e 342º, n.º 2 do CC) os factos essenciais daquelas exceções que invocaram para impedir o direito à resolução do contrato de arrendamento exercido nos autos pela apelada, com o consequente despejo da apelante e do Réu Fernando do arrendado, e a pretensão daquela em vê-los condenados a pagar-lhe as rendas que alega estarem vencidas e em dívida.

Note-se que quando se estatui nos arts. 5º e 604º, n.º 4 do CPC, que na sentença o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, esses factos que o juiz tem de julgar provados e não provados na sentença são os factos essenciais que constituem a causa de pedir, no caso, invocada pela apelada em sede de petição inicial, e, bem assim, aqueles em que se baseiam as exceções invocadas pela apelante, em sede de contestação.
Na sentença, também como referido, o juiz terá ainda de julgar provados e não provados os factos complementares que tenham sido alegados pelas partes ou quando, na ausência dessa alegação, em relação aos quais se verifiquem os requisitos legais enunciados na al. b), do n.º 2 do art. 5º do CPC.
Quanto aos factos instrumentais, como igualmente já enunciado, esses factos, quando resultem da instrução da causa, devem ser considerados em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto julgada como provada e não provada quanto aos factos essenciais e/ou complementares.

Nessas respostas de provado e não provado quanto aos factos essenciais e complementares o tribunal terá, necessariamente, de julgar provados e não provados esses factos tendo em conta qualquer das soluções plausíveis que a questão de direito possa comportar, mas, também, por referência às regras do ónus da prova.

Na verdade, conforme resulta do que acima se deixou dito e é reafirmado por Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “cada uma das partes terá assim (o ónus) de alegar e provar os factos correspondentes à previsão da norma que aproveita à sua pretensão ou à sua exceção. Cada uma das partes tem de provar os factos que constituem os pressupostos da norma que lhe é favorável”. (…) na ação de condenação destinada a obter o pagamento das rendas em atraso do inquilino, terá o autor de alegar e provar a celebração do contrato de locação entre as partes e o montante da renda estipulada (…). Querendo invocar a prescrição de uma ou algumas das rendas exigidas, é ao réu que incumbe nessa altura alegar e provar os factos que, nos termos dos artºs. 298º, n.º 1 e 310º, al. b) do CC, integram a causa extintiva (do crédito) por ele invocada” (7).

No mesmo sentido já se pronunciava Manuel Andrade no longínquo ano de 1979, onde sustentava que “quanto aos factos articulados por uma das partes e negados pela outra, deve formular-se um só quesito – a não ser, porventura, que a negação seja per positionem(8).

Como consequência, quando o tribunal seja colocado perante duas versões fácticas de uma mesma realidade, na fundamentação de facto da decisão de mérito terá de lançar mão das regras do ónus da alegação e da prova, ou seja, deverá privilegiar “a versão do enunciado linguístico suscetível de respeitar a repartição do ónus da prova do facto em questão” (9).

Acontece que não obstante a apelante, naquela sua alegação tenha invocado as supra enunciadas exceções, resulta, clara e inequivocamente, da leitura atenta do que por ela vem alegado em sede de contestação, que as pretensas exceções do erro vício na celebração do contrato de arrendamento que invoca, a exceção da nulidade do contrato de arrendamento por pretensa falta de licença de utilização do arrendado que igualmente aduz e, bem assim, a exceção do não cumprimento do contrato que aporta, não passam de argumentos artificiosos e não consubstanciam a efetiva invocação pela apelante de quaisquer exceções ao direito que a apelada vem exercer nos presentes autos à resolução do contrato de arrendamento que alega ter celebrado com aquela e o Réu Fernando … com fundamento no não pagamento de rendas e no não uso pelos últimos do arrendado.

Na verdade, não obstante a apelante alegue erro na formação da vontade na celebração do contrato de arrendamento com a apelada, mais concretamente, erro vício quanto ao prédio que esta lhe deu, mais ao Réu Fernando …, de arrendamento para habitação, basta a mera leitura da contestação para se verificar que o erro vício que vem invocado pela apelante não incide sobre o prédio que lhe foi dado, mais ao Réu Fernando …, de arrendamento e que, consequentemente, é objeto do contrato de arrendamento escrito de fls. 4 verso e 5, ao abrigo do qual aqueles se encontram no gozo temporário desse arrendado desde 01/10/2014, mediante o pagamento da renda mensal de 180,00 euros, mas esse pretenso erro em que afirma, mais o Réu Fernando …, encontrarem-se incursos, enquanto arrendatários, respeita, única e exclusivamente, ao artigo matricial desse prédio, artigo matricial esse que no contrato de arrendamento escrito de fls. 4 verso e 5 consta como estando inscrito na respetiva matriz urbana sob o art. … (facto este que também vem alegado pela apelada no art. 1º da petição inicial), sustentando que, aquando da penhora desse prédio, que foi sua propriedade e que veio a ser adquirido pela apelada no âmbito da execução que lhe foi movida e aquando da celebração daquele contrato de arrendamento, ela e o Réu Fernando … estavam convencidos que esse prédio se encontrava efetivamente inscrito na matriz sob o art. …(arts. 14º e 15º da contestação), mas que, a final, esse prédio que habitam desde pelo menos 2005, está inscrito na matriz sob o art. …, concluindo que, por conseguinte, o prédio que lhes foi dado de arrendamento, que a apelada adquiriu no âmbito daquela execução, não é a casa que habita, mas antes o anexo.

Partindo desta argumentação falaciosa, de que o prédio de que a apelada lhes deu de arrendamento nos termos do contrato de arrendamento escrito de fls. 4 verso e 5 e que esta apelada comprou no âmbito da execução que foi movida contra a apelante, se encontra inscrita na matriz sob o art. … é um anexo e que esse anexo não tem quaisquer condições de habitabilidade, não tendo água, sequer eletricidade, nem nunca teve certificado energético, estando abandonado desde, pelo menos, 2005, é em relação a esse concreto anexo que a apelante alega, em sede de contestação (alegação essa que reafirma em sede de alegações de recurso) a exceção da nulidade do contrato de arrendamento por falta de licença de utilização e, bem assim a exceção do não cumprimento do contrato e não em relação ao concreto prédio que ela e o Réu Fernando … se encontra efetivamente a ocupar ao abrigo daquele contrato de arrendamento de fls. 4 verso e 5 celebrado com a apelada em 01 de outubro de 2014.

Acontece que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a questão de se saber se o prédio comprado pela apelada no âmbito do processo de execução que foi instaurada contra a apelante e que correu termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de … sob o n.º 113/07.8TBVCT, se encontra inscrito no artigo matricial …da freguesia de ... ou sob o artigo matricial …da mesma freguesia, e se, nessa execução, ocorreu ou não erro quanto à identificação do artigo matricial desse prédio vendido à apelada, é questão totalmente estranha à presente ação de resolução do contrato de arrendamento, devendo as partes, querendo, dirimir essa questão onde terá ocorrido esse pretenso erro na identificação do artigo matricial do prédio penhorado e vendido à apelada no âmbito dos autos de execução, isto é, precisamente na execução onde essa penhora e compra tiveram lugar.

Assim é que se compreende que no âmbito dos presentes autos de ação de resolução do contrato de arrendamento, contrariamente ao pretendido pela apelada, a fls. 87 verso, caso neles se tivesse concluído que “o prédio penhorado, destinado a habitação e dado de arrendamento pela Autora aos Réus, é o do artigo …, e não o do art. …”, nunca se poderia declarar a existência desse erro com vista “a possibilitar a retificação respetiva na descrição predial, com a condenação dos Réus no reconhecimento da aludida alteração”, por se tratar de questão que exorbita o thema decidendum nos presentes autos de ação de resolução do contrato de arrendamento, por se tratar de erro que, caso exista efetivamente, ocorreu ao nível dos autos executivos n.º 113/07.8T8VCT, do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de …, onde, por conseguinte, terá de ser requerida a respetiva retificação.

Por outro lado, como referido, no âmbito da presente ação, o thema decidendum resume-se em saber se a Autora (apelada) deu aos Réus (onde se inclui a apelante Maria …), para habitação, em 01/10/2014, o prédio urbano sito no lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana sob o art. …, mediante a renda mensal de 180,00 euros, a pagar até ao dia oito do mês a que dissesse respeito e, bem assim, se esses Réus não pagaram as rendas dos meses de setembro de 2015 a outubro de 2016, ambos inclusive, e se não habitam o arrendado desde, pelo menos, setembro de 2015, além da exceção do pagamento que vem alegada pela apelante em sede de contestação, bem como, em princípio, as pretensas exceções do erro vício de que esta apelante e, bem assim, o Réu Fernando … se afirmam vítimas aquando da celebração daquele contrato de arrendamento com a apelada, da exceção da nulidade do contrato de arrendamento por pretensa falta de licença de utilização do arrendado e da pretensa exceção do não cumprimento desse contrato de arrendamento pela apelada que também aduzem.

Acresce que saber-se se a apelada é proprietária ou não do prédio que arrendou para habitação, em 01/10/2014, à apelante e ao Réu Fernando … pelo prazo de cinco anos, com início em 01/10/2014, mediante contrato escrito de fls. 4 verso e 5, é matéria igualmente irrelevante para o objeto dos presentes autos, na medida que sendo o contrato de arrendamento um contrato meramente obrigacional, a legitimidade para a celebração desse tipo contratual não está dependente da qualidade de proprietário do senhorio em relação ao imóvel arrendado, sequer a legitimidade ativa para instaurar a presente ação de resolução desse contrato está dependente da qualidade de proprietário do autor dessa ação sobre o imóvel objeto do contrato de arrendamento, mas sim da sua qualidade de “senhorio”.

Na verdade, o contrato de locação é aquele pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição (art. 1022º do CC), dizendo-se arrendamento a locação quando verse sobre coisa imóvel (art. 1024º do CC).

Logo, o contrato de arrendamento tem efeitos meramente obrigacionais, e não reais, que se caracteriza pela obrigação do senhorio de proporcionar o gozo sobre o prédio arrendado ao arrendatário para o fim a que se destina e pelo prazo entre ambos convencionado, mediante a obrigação deste de lhe pagar uma contrapartida económica, a que chama “renda”, intercedendo entre ambas estas obrigações um nexo de reciprocidade, de modo que esse contrato “é, pelo menos, no que toca às obrigações de cedência do prédio e pagamento da renda, um contrato de natureza bilateral ou sinalagmático, na medida em que existe um vínculo de reciprocidade ou interdependência entre as obrigações do locador e as do locatário” (10).

No entanto, não obstante o senhorio se obrigue, pelo contrato de arrendamento, a proporcionar ao arrendatário o gozo da coisa, com a consequente obrigação de lhe entregar a coisa arrendada e de assegurar-lhe o fim a que se destina (art. 1031º do CC), “… o direito de arrendatário é um direito de raíz estruturalmente obrigacional, assente no dever que recai sobre o locador de proporcionar ao arrendatário o gozo (temporário) da coisa para o fim a que ela se destina. A concessão do gozo, acrescenta o Prof. Galvão Telles, significa que nada se transmite, nada se transfere, nada se aliena. O que sucede é que o locador se vincula à prestação de proporcionar aquele gozo ao arrendatário, adquirindo este em contrapartida, o direito à mesma prestação – de natureza obrigacional – e não qualquer direito sobre a coisa. E porque a coisa não é elemento integrante do contrato este não tem caráter real. Que não é elemento integrante do contrato resulta da al. a) do art. 1031º do CC. Concede-se apenas o gozo do locado, mas não se perde o seu domínio. O arrendatário pode usar o prédio e, por vezes, também fruí-lo, quando tem a faculdade de fazer seus quer os frutos materiais, quer os frutos civis (por ex. rendas), como quando pode sublocar. (…). A entrega da coisa embora não sendo um dos elementos integrantes do contrato de arrendamento é, no entanto, o primeiro ato do seu cumprimento. Após a outorga do contrato de arrendamento urbano a primeira obrigação do senhorio é a de entregar ao arrendatário o prédio de que se comprometeu a proporcionar-lhe o gozo – al. a) do art. 1031º do CC. A recusa de o fazer constitui incumprimento do contrato e faz incorrer o senhorio em responsabilidade pelo prejuízo causado ao arrendatário – art. 798º do CC -, responsabilidade que, para alguns, até abrangerá os eventuais danos não patrimoniais. Assim, o arrendatário poderá requerer indemnização e, também, compelir o senhorio a fazer a entrega do arrendado, exigindo judicialmente o cumprimento da obrigação assumida – art. 817º do CC. (…). Se se der o caso de o anterior locatário ainda se encontrar na detenção do arrendado não pode o novo arrendatário propor qualquer ação contra ele. Só o senhorio poderá propor ação de despejo. Mas o novo arrendatário poderá demandar o senhorio para obter o cumprimento do contrato. E se, porventura, o mesmo prédio tiver sido arrendado a arrendatários diversos por contratos sucessivos? A solução terá de se procurar no art. 407º do CC, quando, por contratos sucessivos, se constituírem, a favor de pessoas diferentes, mas sobre a mesma coisa, direitos pessoais de gozo incompatíveis, entre si, prevalece o direito mais antigo em data, sem prejuízo das regras próprias do registo” (11).

Para além da natureza meramente obrigacional das obrigações que emergem do contrato de arrendamento, quer para o senhorio, quer para o arrendatário, contrariamente ao pretendido pela apelante, a legitimidade para dar de arrendamento, mesmo do ponto de vista da lei substantiva, cabe àquele que puder dispor do uso da fruição da coisa arrendada, não se cingindo, por isso, ao proprietário do arrendado.

Com efeito, de acordo com a lei substantiva, tem legitimidade para dar de arrendamento para além do proprietário do arrendado (art. 1305º do CC), o usufrutuário (art. 1444º) e o fiduciário (artºs. 2290º).
Quanto aos contratos de arrendamento celebrados por prazo inferior a seis anos, porque se considera que a celebração destes contratos constitui um ato de mera administração ordinária para o senhorio, tem poderes para celebrar o contrato de arrendamento, reafirma-se, por prazo inferior a seis anos, o mandatário com poderes gerais de administração (art. 1159º, n.º 1 do CC), os pais, tutores, curadores ou administradores dos bens dos menores, interditos ou inabilitados (artºs. 1889º, al. m), a contrario, 1935º, 1971º, 139º e 154º), os curadores provisórios (art. 94º) ou definitivos do ausente (art. 110º), o consignatário de rendimentos (art. 661º, n.º 1, al. b)), o cabeça de casal (art. 2087º, n.º 1) e os administradores de sociedade e outras pessoas coletivas.

Acresce que tem igualmente legitimidade para celebrar contratos de arrendamento em relação ao arrendado de que seja comproprietário, o comproprietário, contanto que os restantes comproprietários manifestem, antes ou depois da celebração do contrato de arrendamento, o seu assentimento (art. 1024º, n.º 2 do CC).

Também tem legitimidade para celebrar contrato de arrendamento em relação a imóveis próprios ou comuns, salvo se entre eles vigorar o regime da separação de bens, o cônjuge, embora esse arrendamento esteja dependente do consentimento do outro cônjuge (art. 1682º-A, n.º 1, al. a)), sendo sempre necessário o consentimento de ambos os cônjuges, ainda que entre eles vigore o regime da separação de bens, quando o arrendamento incida sobre a casa de morada de família (art. 1682º-A, n.º 2).

Além disso, tem ainda direito a celebrar contrato de arrendamento, o próprio arrendatário, no caso de se encontrar autorizado a subarrendar o prédio que lhe foi arrendado, total ou parcialmente (art. 1088º do CC) (12).

Acresce referir que embora não exista unanimidade doutrinária e jurisprudencial a este propósito, na esteira dos ensinamentos de Henrique Mesquita, Almeida Costa e Aragão Seia, entendemos que dada a natureza meramente obrigacional do contrato de arrendamento, a circunstância do senhorio não deter legitimidade, segundo a lei substantiva, para dar de arrendamento o arrendado, não determina a invalidade do contrato, pelo que o contrato de arrendamento de coisa alheia é válido.

É que, “… se o contrato de locação de coisa alheia pode originar a sujeição do locador aos efeitos do não cumprimento, isso significa inquestionavelmente que se considera válido o contrato. O locador não pode eximir-se ao cumprimento da obrigação de entrega da coisa locada com fundamento em que esta lhe não pertence e responderá pelos danos que causar ao locatário se culposamente não cumprir” (13).

Da mesma maneira, sendo celebrado um contrato-promessa com tradição do objeto do contrato definitivo, considera-se válido o seu arrendamento a terceiro feito pelo promitente comprador e autorizado ou não pelo promitente vendedor, pois que a falta de autorização do último só releva para o efeito de uma eventual violação da cláusula em que foi convencionada a “traditio”. A solução resulta da validade do arrendamento de coisa alheia mercê da natureza obrigacional e não real do direito do arrendatário (14).

Assente que está que o contrato de arrendamento tem efeitos meramente obrigacionais e, por conseguinte, que a legitimidade para a sua celebração enquanto senhorio, mesmo do ponto de vista da lei substantiva, não está confinada à qualidade daquele de proprietário em relação à coisa arrendada e que o contrato de arrendamento é válido ainda que tenha por objeto coisa alheia, impõe-se ainda precisar que a legitimidade ativa para a instauração da ação de resolução do contrato de arrendamento não depende da qualidade de proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio arrendado, mas sim da qualidade de “senhorio”, pelo que tem legitimidade ativa para a ação de resolução o senhorio, independentemente da sua qualidade de proprietário, comproprietário ou usufrutuário do arrendado (15).

“Senhorio” é aquele que, segundo o contrato de arrendamento celebrado e cuja resolução se pretende obter, ocupa essa posição, isto é, será aquele que nos termos do contrato de arrendamento outorgado se obrigou a proporcionar (e que proporcionou) ao outro contraente (o arrendatário) o gozo temporário do imóvel, mediante a obrigação deste de lhe pagar a renda convencionada e, bem assim aquele que, entretanto, por ato intervivos ou mortis causa, lhe sucedeu nessa sua posição contratual.

Do mesmo modo, deterá legitimidade passiva para a ação de resolução do contrato de arrendamento aquele que de acordo com o contrato celebrado detém a qualidade jurídica de “arrendatário” e, bem assim aquele que, entretanto, lhe sucedeu por ato intervivos ou mortis causa nessa sua posição contratual.

Deste modo, “têm, em princípio, legitimidade para a ação de despejo os sujeitos da relação jurídica de arrendamento, ou seja, aqueles que segundo o respetivo contrato ocupam as posições de senhorio e de arrendatário. Embora o senhorio seja geralmente o proprietário do imóvel sucede que, por vezes, o não é (…)”. A legitimidade ativa para instaurar a ação de despejo não está dependente da alegação e prova por parte do senhorio da sua qualidade de proprietário em relação ao arrendado, mas sim da sua qualidade de “senhorio”, visto que na ação de despejo o que está em causa é a relação obrigacional e contratual senhorio versus inquilino (16).

Resulta do que se vem dizendo falecer qualquer fundamento jurídico à apelante quando pretende que o tribunal a quo “nunca poderia ordenar um despejo de um prédio que os Autores não conseguiram provar ser seu”, correndo “o risco, por absurdo, de dar legitimidade a que um qualquer autor que não tenha conseguido provar ser proprietário de um determinado prédio, obtenha o despejo ilegítimo do prédio vizinho porque esse vizinho, como réu, não conseguiu dissipar a dúvida sobre qual é efetivamente o prédio do autor” e quando desloca, em sede de alegações de recurso (que não de contestação – logo questão nova) a discussão jurídica para o direito de propriedade, pretendendo que “as provas juntas ao processo são mais que suficientes para se perceber qual dos prédios pertence legitimamente à Ré e qual o que pertence à Autora” e quando, inclusivamente, pretende que aquele tribunal desvalorizou a presunção registral decorrente do art. 7º do CRP.

Com efeito, como referido, dada a natureza meramente obrigacional do contrato de arrendamento, a legitimidade para celebrar o contrato de arrendamento não depende da qualidade de proprietária da apelada relativamente ao prédio que deu de arrendamento para a habitação à apelante e ao Réu Fernando …, em 01/10/2014, por contrato de arrendamento escrito de fls. 4 verso e 5, sendo esse contrato de arrendamento válido ainda que incida sobre prédio alheio.

Por outro lado, também como referido, detém de legitimidade ativa para a presente ação de resolução do contrato de arrendamento quem no contrato de arrendamento de fls. 4 verso e 5, figure como “senhorio”, ou seja, no caso, a apelada, “Abílio (…), S.A.”.

Por sua vez, tem legitimidade passiva para a presente ação quem figure, nesse mesmo contrato de arrendamento, como “arrendatário”, isto é, no caso, o Réu Fernando … e a apelante Maria ….

O objeto do contrato de arrendamento e, consequentemente, o prédio a despejar será o prédio que a apelada alega ter dado de arrendamento para habitação à apelante e ao Réu Fernando … no ponto 1º da petição inicial e que se encontra identificado no contrato de arrendamento escrito de fls. 4 verso e 5, isto independentemente desse prédio ser ou não propriedade da apelada.

Naturalmente que com vista a impedir o direito que a apelada vem exercer nos presentes autos à resolução do contrato de arrendamento, com o consequente despejo da apelante e do Réu Fernando … do arrendado e, bem assim a condenação destes a pagar-lhes as rendas vencidas e que alega estarem em dívida, a apelante e/ou o Réu Fernando podiam opor-lhe a exceção do seu direito de propriedade sobre o arrendado.

Acontece que compulsada a contestação, verifica-se que a apelante, nela não invocou deter o direito de propriedade sobre o prédio arrendado, não invocando a presunção registral de propriedade a que alude o art. 7º do CRP sobre aquele prédio, sequer alegando a pertinente factualidade que, uma vez provada, lhe permitia fazer prova desse seu direito de propriedade sobre o arrendado por via do funcionamento do instituto da usucapião, vindo apenas, em sede de alegações de recurso, alegar esse seu direito de propriedade sobre o arrendado, invocando aquela presunção registral decorrente do aludido art. 7º do CRP, tratando-se, porém, de exceção e, por conseguinte, de “questão nova”, que não é lícito ao tribunal ad quem conhecer, por não ter sido alegada perante a 1ª Instância, em sede de contestação, ou mediante articulado superveniente.

De resto, a apelante, em sede de contestação, não invocou sequer a exceção da nulidade daquele contrato de arrendamento celebrado entre ela e o Réu Fernando, enquanto arrendatários, e a apelada, enquanto senhoria, em 01/10/2014, junto aos autos a fls. 4 verso a 5, decorrente da circunstância da apelada não ser proprietária do prédio objeto desse contrato de arrendamento, mas sim por esse prédio alegadamente não ser detentor de licença de utilização.

Significa isto que a questão sobre se a apelada é ou não proprietária do prédio objeto do contrato de arrendamento não faz parte do thema decidendum dos presentes autos, pelo que a questão da propriedade sobre aquele prédio que constitui objeto do contrato de arrendamento cuja resolução vem peticionada pela apelada nos presentes autos com fundamento no não pagamento de rendas e pela não utilização do arrendado pelos arrendatários (os Réus) nem sequer se coloca, assim como jamais se coloca a questão da exceção da ilegitimidade ativa da apelada para instaurar a presente ação, sequer da sua legitimidade substantiva, assim como não se coloca a questão da exceção da ilegitimidade passiva da apelante e do Réu Fernando … para os termos da presente ação, exceções essas que nem sequer, reafirma-se, foram arguidas pela apelante em sede de contestação, pelo que não pode agora pretender fazê-lo em sede de recurso, dado que, como é sabido, nos recursos, como meios de impugnação das decisões judiciais que são, não é possível suscitar questões novas, não suscitadas pelas partes junto da 1ª Instância, e em relação às quais esta, por conseguinte, não teve oportunidade de se pronunciar e de decidir.

Avançando.

No caso, como referido, a apelada instaurou a presente ação de resolução do contrato de arrendamento, alegando que por contrato escrito de 01/10/2014, de fls. 4 verso e 5, deu de arrendamento aos Réus, para habitação, o prédio urbano sito no lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o art. …, pelo prazo de cinco anos, com início em 01/10/2014, pela renda mensal de 180,00 euros, a pagar até ao dia oito do mês a que dissesse respeito.

Como fundamento da resolução desse contrato de arrendamento a apelada alega o não pagamento das rendas de setembro de 2015 a outubro de 2016, ambos inclusive, bem como a não utilização do arrendado pelos Réus desde, pelo menos, setembro de 2015.

Em sede de contestação, a apelante não impugna o referido contrato de arrendamento de fls. 4 verso e 5, sequer a assinatura daquela e do Réu Fernando aposta nesse contrato, sequer impugna a alegação da apelada de que, através desse contrato de arrendamento, esta lhes deu de arrendamento, para habitação, o prédio urbano sito no lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, pelo prazo de cinco anos, com início em 01/10/2014, pela renda mensal de 180,00 euros, a pagar até ao dia oito do mês a que dissesse respeito.

Em sede de contestação, a apelante aceita que ocupa o prédio onde ela e o Réu Fernando residem ao abrigo daquele contrato de arrendamento, tanto assim que alega que “o prédio identificado no contrato de arrendamento já pertenceu aos Réus, tendo sido adquirido pela Autora a partir da venda por negociação particular em consequência de penhora relativa ao processo executivo n.º 113/07.8TBVCT, que correu no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de … o em que era exequente a própria Autor” (art. 6º da contestação), concretizando que “a Ré Maria … adquiriu por herança o terreno onde estão localizados dois prédios que se encontram inscritos na matriz predial urbana sob os artigos … e … freguesia de ..., concelho de …” (art. 7º da contestação), acrescentando que “o prédio de habitação sempre foi o art. … (art. 8º da contestação), tendo sido “nesse prédio que a Ré Maria … cresceu com os seus antecessores, adquiriu por via de inventário após o falecimento dos mesmos e reside de forma ininterrupta pelo menos desde 2005, altura do falecimento do seu pai” (art. 9º da contestação) e que “já o artigo … sempre se tratou de um anexo que serviu para fazer face às necessidades prementes dos residentes da habitação principal até 2005, altura em que faleceu o pai da Ré” (art. 10º da contestação), sendo que “por esse motivo é que a Ré e os seus antecessores nunca trataram de legalizar o dito prédio enquanto foram proprietários do mesmo. Aliás, esse prédio, pelo menos, enquanto foi propriedade da Ré nunca teve licença de utilização, nunca foi fornecido de água ou eletricidade própria e nunca teve certificado energético. Sempre se tratou de um anexo que existiu em função da habitação principal” (arts. 11º a 13º da contestação), concluindo que “Os Réus estavam, por isso, convencidos que o prédio que havia sido penhorado e que consequentemente estava a ser objeto do contrato de arrendamento seria a habitação principal, uma vez que apenas essa reunia condições para ser objeto de arrendamento habitacional, ou seja, os Réus andaram, por erro e ignorância, a pagar rendas de um locado que nunca utilizaram como habitação” (arts. 14º e 15º da contestação, sublinhado nosso).

Decorre do exposto, que apesar de pretenderem terem andado, por erro e ignorância, a pagar renda de um locado que nunca utilizaram como habitação, verifica-se que a apelante aceita, em sede de contestação, que ela e o Réu Francisco celebraram com a apelada o contrato de arrendamento invocado pela última na petição inicial e junto aos autos a fls. 4 e 5, em 01/10/2014, contrato de arrendamento esse mediante o qual esta lhes deu de arrendamento, para habitação, pelo prazo de cinco anos, com início em 01/10/2014, pela renda mensal de 180,00 euros, a pagar até ao dia oito do mês a que dissesse respeito, um prédio sito no lugar de …, freguesia da ..., concelho de ….

A apelante aceita ainda que aquele contrato de arrendamento de fls. 4 verso a 5 teve por objeto a habitação principal, onde ela e o Réu Fernando pretensamente residem, ininterruptamente, pelo menos, desde 2005, tanto assim que afirma que ambos estavam convencidos, aquando da penhora que teve lugar nos autos executivos n.º 113/07.8TBVCT, que correu termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de …, movida pela apelada contra a apelante e onde esta última adquiriu, por negociação particular, o prédio que lhes veio a dar de arrendamento para habitação, por documento escrito de fls. 4 verso a 5, em 01 de outubro de 2014 era aquele prédio constituído pelo referida habitação principal, estando igualmente, ela apelante e o Réu Fernando …, aquando da celebração desse contrato de arrendamento de fls. 4 verso a 5, convencidos que o prédio objeto desse contrato de arrendamento era o prédio constituído pela mencionada “habitação principal”, tanto mais que esse contrato de arrendamento teve por objeto um prédio destinado à habitação daquela e do Réu Fernando …, quando esse prédio é o único existente no terreno que a mesma recebeu de herança por óbito de seus pais, que tem condições de habitabilidade (art. 14º da contestação), uma vez que o outro prédio que existe nesse terreno é um anexo, que nunca teve condições para ser objeto de contrato de arrendamento habitacional e que nunca teve licença de utilização, sequer nunca foi fornecido de água ou eletricidade próprias, e nunca teve certificado energético, estando abandonado, pelo menos, desde 2005 (arts. 8º a 14º, 18º e 29º da contestação).

O objeto do contrato de arrendamento, como referido, é um prédio, entendendo-se por “prédio urbano” qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro, e por “prédio rústico” uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia (art. 204º, n.º 2 do CC).

Os prédios sejam urbanos ou rústicos, são, assim, realidades físicas, existentes no mundo ontológico (real) e não artigos matriciais.

Os artigos matriciais são números atribuídos pela administração fiscal a essas realidades físicas (os prédios) para identificá-las, para efeitos de cobrança de impostos e que, aliás, não têm, necessariamente, coincidência com a noção de prédios para efeitos prediais, já que, como se sabe, há prédios que apesar de em sede de descrição predial, consubstanciarem um único prédio, em termos matriciais (cobrança de impostos) englobam vários artigos matriciais.

Por outro lado, esclareça-se, desde já, porque se trata de outro manifesto equívoco em que se mostra indiscutivelmente incursa a apelante, que a jurisprudência e a doutrina são pacíficas em defender que a presunção que decorre do registo predial decorrente do art. 7º do CRP, se limita à titularidade do direito inscrito (presumindo-se, no caso da inscrição predial, salvo prova em contrário, portanto, que o titular inscrito é o respetivo proprietário do prédio), mas não abrange as respetivas áreas, limites ou confrontações (17).

Com efeito, as referências atinentes à área, limites e confrontações feitas constar das descrições registrais (o mesmo se afirmando quanto à certidão matricial) são referidos ou invocados pelos próprios declarantes/interessados ou seus representantes, sendo tais declarações lavradas ou consignadas nos assentos ou nos livros de notas a que dizem respeito, sem que o oficial público averigue, investigue, percecione ou ateste a sua autenticidade intrínseca (18).

Deste modo, da descrição predial ou matricial não resulta uma qualquer prova direta de que os factos nelas declarados quanto a confrontações, áreas e limites dos prédios sejam verdadeiras, prova essa que carece, por conseguinte, de ser feita através de outros meios de prova, designadamente, testemunhal.

Quanto ao prédio dado de arrendamento para habitação pela apelada à apelante e ao Réu Fernando, em 01/10/2004, por contrato escrito de fls. 4 verso e 5, conforme decorre do que se vem dizendo, em face da alegação vertida na sua contestação, verifica-se que a apelante e o Réu Fernando não têm dúvidas alguma sobre que concreto prédio lhes foi dado de arrendamento para habitação pela apelada através daquele contrato, trata-se do prédio que os mesmos qualificam como “habitação principal”, que os mesmos alegam habitar, de forma ininterrupta, pelo menos, desde 2005, tanto assim que, relembra-se e reafirma-se, são os mesmos que afirmam, em sede de contestação, ser esse o seu convencimento aquando da penhora desse prédio no âmbito da execução instaurada pela apelada contra a apelante e onde a primeira comprou esse prédio e ser também esse o seu convencimento aquando da celebração do enunciado contrato de arrendamento em 01/10/2014.

De resto, relembra-se e reafirma-se, é a própria apelante que afirma que no terreno onde se situa esse prédio que a apelada lhe deu de arrendamento, mais ao Réu Fernando, não existe outro prédio com condições de habitabilidade, mas apenas um anexo, sem quaisquer condições de habitabilidade, sem licença de utilização, que nunca foi fornecido de água e de eletricidade próprias, que nunca teve certificado energético e que se encontra abandonado desde, pelo menos, em 2005.

O que alega a apelante na sua contestação é que ela e o Réu Fernando estavam convencidos que o prédio penhorado àquela no âmbito daquela execução que lhe foi instaurada pela apelante era o dito prédio constituído “pela habitação principal” e consequentemente, ambos estavam convencidos que foi esse prédio que a apelante lhe deu de arrendamento, mas que esse prédio, contrariamente ao que consta do contrato de arrendamento não se encontra inscrito no artigo …, mas antes no artigo matricial ….

No entanto, a ser assim, como é perante semelhante alegação da apelante vertida na sua contestação, onde não alega sequer qualquer factualidade tendente à demonstração da sua propriedade sobre o prédio inscrito na matriz sob o art. …, seja mediante recurso à presunção de propriedade emergente do art. 7º do CRP, seja factualidade tendente a demonstrar a aquisição desse direito de propriedade sobre esse prédio por via da usucapião, dúvidas não podem existir que quer a apelante, quer o Réu Fernando, aceitam não só que celebraram o contrato de arrendamento objeto dos presentes autos em 01/10/2014, junto aos autos a fls. 4 verso a 5, o qual tem por objeto o prédio constituído pela “habitação principal”, prédio este que a apelante afirma, no art. 9º da contestação, residir, mais aquele Réu, de forma interrupta, pelo menos desde 2005, tanto assim que no terreno onde está localizado esse prédio constituído pela dita “habitação principal”, não existe outro prédio com condições de habitabilidade, mas apenas um anexo, abandonado, desde, pelo menos, 2005.

Significa isto que, em função dessa alegação da apelante vertida na sua contestação, a mesma aceita toda a factualidade que vem alegada pelo apelada no art. 1º da petição inicial, designadamente, que esse prédio que esta sustenta ter-lhe dado de habitação é o prédio onde residem e onde continua a residir, na sequência da celebração do contrato de arrendamento de fls. 4 verso a 5.

O único aspeto que a apelante não aceita em relação aos factos alegados pela apelada na petição inicial, é que esse prédio que aquela lhe deu de arrendamento, mais ao Réu Fernando, para habitação, em 01/10/2014, por documento escrito de fls. 4 verso a 5, se encontre inscrito na matriz no art. 822º, tal como vem alegado pelo apelado no referido art. 1º da petição inicial e, bem assim, consta no contrato de arrendamento de fls. 4 verso e 5.

Analisadas assim as coisas, como na nossa perspetiva têm indiscutivelmente de ser analisadas face à alegação da apelada vertida na petição inicial e da apelante, em sede de contestação, o erro vício que esta última alega ter incorrido, mais o Réu Fernando …, aquando da celebração do contrato de arrendamento para habitação de fls. 4 verso e 5, em 01 de outubro de 2014, não incide sobre o prédio objeto desse contrato de arrendamento, isto é, sobre a concreta realidade física que consubstancia esse prédio, mas única e exclusivamente, quanto ao artigo matricial correspondente a esse prédio, sustentando aquela que esse prédio que ela e o Réu tomou de arrendamento, contrariamente ao que consta do contrato de arrendamento celebrado e do que vem alegado pela apelada no art. 1º da petição inicial, não se encontra inscrito no artigo matricial sob o n.º …, mas sim sobre o art. …, já que é este o prédio que sempre foi utilizado como habitação e onde a mesma reside, ininterruptamente, desde pelo menos, 2005, tratando-se o prédio inscrito na matriz sob o art. … de um anexo, sem quaisquer condições de habitabilidade, designadamente, sem água e eletricidade próprias, que se encontra abandonado desde, pelo menos, 2005.

Acontece que salvo o devido respeito, saber-se se o prédio dado de arrendamento à apelante e ao Réu se encontra inscrito na matriz sob o art. … ou sob o art. … é matéria totalmente irrelevante para o objeto dos presentes autos, quando se verifica que quer apelada, quer apelante e o Réu Fernando são concordantes entre si no sentido de que o prédio objeto desse contrato de arrendamento de fls. 4 verso e 5 é o prédio onde os últimos passaram a residir a partir desde 01/10/2014 ao abrigo daquele contrato de arrendamento e onde, inclusivamente, a apelante alega já residir, ininterruptamente, pelo menos, desde 2005, e onde pretensamente continua a residir.

Assentes nestas premissas, pretende a apelante que o tribunal a quo incorreu em erro quanto ao julgamento da matéria de facto ao não ter julgado como provada, sequer como não provada, a matéria que se segue e pretende, inclusivamente, que perante a prova produzida se impõe concluir pela prova da mesma:

- O prédio em causa no contrato de arrendamento trata-se de prédio urbano sito no Lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ….
- Este prédio que tem uma área coberta de 60,16m2 proveio da desanexação do prédio mais antigo que se encontra inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ….

A este propósito incumbe referir que a primeira parte do primeiro ponto (O prédio em causa no contrato de arrendamento trata-se de prédio urbano sito no Lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o art. …) já consta do ponto 1º dos factos julgados como provados na sentença recorrida.

A matéria respeitante à descrição predial deste prédio na Conservatória do Registo Predial, área deste prédio e de onde foi desanexado, além de não ter sido alegada pela apelada em sede de petição, sequer pela apelante em sede de contestação, mostra-se totalmente irrelevante para o objeto do presente litígio.

Na verdade, como referido, não existe qualquer controvérsia entre as partes a propósito sobre qual o concreto prédio, isto é, sobre qual a efetiva realidade física que a apelada deu de arrendamento para habitação à apelante e ao Réu Fernando, em 01/10/2014, por contrato escrito de fls. 4 verso e 5, residindo a controvérsia entre as partes apenas ao nível do artigo matricial que corresponde a esse prédio, questão essa, em definitivo, dirimida no ponto 1º dos factos provados na sentença recorrida, que nenhuma das partes impugnou – esse prédio (realidade física) encontra-se inscrito na matriz sob o art. ….

Acresce que a questão da propriedade da apelada sobre o prédio dado de arrendamento à apelante e ao Réu Fernando não integra o thema decidendum na presente ação de resolução do contrato de arrendamento, uma vez que o direito de propriedade da apelada sobre o prédio arrendado não é condição de validade do contrato de arrendamento celebrado, sequer condição de legitimação da apelada para instaurar a presente ação de resolução desse contrato, sequer a apelante alegou, em sede de contestação, como facto impeditivo ao direito que a apelada vem exercer na presente ação contra aquela e o Réu Fernando, ser proprietária do prédio (realidade física concreta) que lhes foi dado de arrendamento pela apelada para habitação mediante aquele contrato de arrendamento.

Essa matéria relevaria caso a apelante, em sede de contestação, tivesse alegado não só encontrar-se em erro vício quanto ao próprio prédio que lhe foi dado de arrendamento (não quanto ao respetivo artigo matricial) e tivesse oposto à pretensão da apelada em ver resolvido o contrato de arrendamento, com o consequente despejo daquela e do Réu Fernando do prédio, um eventual direito de propriedade de que a mesma e/ou o Réu Fernando fossem titulares sobre esse prédio, o que, reafirma-se, aquela não fez, posto que, em sede de contestação, jamais alegou qualquer direito de propriedade sobre esse prédio, fosse por via da presunção registral decorrente do art. 7º do CRP, fosse mediante a alegação e prova de factos tendentes à demonstração desse seu eventual direito de propriedade sobre aquele prédio por via do funcionamento do instituto da usucapião.

Consequentemente, reafirma-se, o direito de propriedade da apelante e/ou do Réu Fernando sobre o prédio objeto do contrato de arrendamento não faz parte do thema decidendum nos presentes autos, pelo que bem andou o tribunal a quo ao não julgar como provada, sequer como não provada a factualidade em referência.

O que se acaba de referir é integralmente válido quanto ao pretenso erro de julgamento em que terá incorrido a 1ª Instância ao não dar como provado, sequer como não provada, a seguinte matéria, a qual, na perspetiva da apelante, se impunha que tivesse sido julgado como provada:

- Este prédio identificado sob o art.º … tem uma área coberta de 105,31m2.
- Pelo que não restam dúvidas que o prédio mais antigo é manifestamente maior que o prédio mais novo.
- Se a Ré habita no prédio que é maior e mais antigo, não pode habitar no prédio identificado sob o artigo … pois a origem deste proveio de uma desanexação do … e tem uma área coberta muito inferior a 100m2

Com efeito, reafirma-se, a apelante, em sede de contestação, aceita que o prédio (a realidade física) que tomou de arrendamento para habitação, mais o Réu Fernando, em 01/10/2014, por contrato de fls. 4 verso e 5, é o prédio constituído pela “habitação principal”, onde sustenta residir, de forma ininterrupta, pelo menos, desde 2005, sustentando, de resto, que no terreno que recebeu de herança dos pais não existe outro prédio dotado de condições de habitabilidade se não aquele, mas apenas um anexo, sem essas condições, que se encontra abandonado desde, pelo menos, 2005.

O erro vício que a mesma invoca ter incorrido, mais o Réu Fernando aquando da celebração do contrato de arrendamento, incide assim, única e exclusivamente, sobre se esse prédio que aqueles tomaram de arrendamento à apelada em 01/10/2014, se encontra inscrito no matriz sob o art. … ou sob o art. …, o que é totalmente irrelevante para o objeto dos presentes autos, já que nenhuma dúvida existe entre aqueles e a apelada sobre o concreto prédio, isto é, sobre a concreta realidade fáctica, objeto desse contrato de arrendamento.

A apelante, em sede de contestação, não opôs ao direito de resolução do contrato de arrendamento que a apelada vem exercer nos autos, com o consequente despejo daquela e do Réu Fernando, qualquer direito de propriedade de que ela, apelante, e/ou o Réu Fernando fossem titulares sobre o prédio objeto desse contrato de arrendamento, esteja ele inscrito no artigo matricial sob o n.º … ou sob o n.º ….

Caso o tivesse feito, as áreas e confrontações que se encontram inscritas na matriz e nas descrições prediais em relação a esses dois prédios, não obstante o que acima se disse a propósito do respetivo valor probatório, como elementos de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, conjugados ou não com outros elementos de prova, assumiriam natureza instrumental para aferir qual o prédio propriedade da apelada, por o ter adquirido, por compra, no âmbito do processo executivo n.º 113/07.8TBVCT, que correu termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de …, em que figurava como exequente a própria apelada e como executada a apelante, e que aquela deu de arrendamento para habitação a esta última e ao Réu Fernando, por contrato escrito de fls. 4 verso a 5 em 01/10/2014, e qual o prédio de que a apelante e/ou este Réu Fernando se arrogavam proprietários e cujo direito de propriedade lhe opuseram ao pedido de despejo formulado nos autos pela apelada, exceção essa que, no entanto, reafirma-se, a apelante não invocou em sede de contestação.

Consequentemente, a eventual propriedade da apelante e/ou do Réu Fernando sobre o prédio que lhes foi dado de arrendamento pela apelada em 01/10/2014, não faz parte do thema decidendum nos presentes autos de ação de resolução do contrato de arrendamento.

Acresce esclarecer que os extratos: “Pelo que não restam dúvidas que o prédio mais antigo é manifestamente maior que o prédio mais novo” e “se a Ré habita no prédio que é maior e mais antigo, não pode habitar no prédio identificado sob o artigo … “são manifestamente conclusivos, não consubstanciando, por conseguinte, quaisquer “factos” que pudessem ser julgados como provados ou não provados.

Destarte, bem andou a 1ª Instância ao não julgar como provados, sequer como não provados, esta concreta “materialidade”.

Continua a apelante, alegando que a 1ª Instância incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto, ao não julgar como provada, sequer como provada, a matéria que segue, pese embora, na sua perspetiva, a prova produzida impor que se concluísse pela prova dessa mesma matéria:

- Este prédio identificado sob o art.º … nunca teria permitido o uso para o que alegadamente estava destinado pois para além de não possuir condições para que possa ser fornecido de serviços básicos como água e eletricidade, nunca esteve em condições minimamente habitáveis.
- No contrato de arrendamento não consta a existência da licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente, ou a referência a não ser aquela exigível.

Semelhante alegação da apelante insere-se na posição artificiosa assumida pela última em sede de contestação, onde não obstante aceitar que o prédio urbano que lhe foi dado de arrendamento para habitação, mais ao Réu Fernando, por contrato de fls. 4 verso a 5, em 01/10/2014, ser constituído pelo prédio para “habitação principal”, onde alega residir de forma ininterrupta, pelo menos, desde 2005, altura do falecimento do seu pai, não existindo no terreno que recebeu de herança de seus pais um outro prédio dotado de condições de habitabilidade, mas apenas um anexo, sem essas condições, que nunca teve licença de utilização, sequer com fornecimento de água ou de eletricidade próprias, que nunca teve certificado energético e que se encontra abandonado desde, pelo menos, 2005, sustentando, inclusivamente, que aquela e o Réu Fernando estavam convencidos que o prédio penhorado no âmbito da execução n.º 113/07.8TBVCT, que correu termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de …, que a apelante lhe instaurou e onde esta adquiriu esse prédio era o dito prédio para “habitação principal”, sendo igualmente essa a convicção com que ela e o Réu Fernando celebraram, em 01/10/2014, o contrato de arrendamento de fls. 4 verso e 5 e, por conseguinte, apesar de apelada, apelante e Réu Fernando não terem quaisquer dúvidas sobre que concreto prédio, isto é, que concreta realidade física, lhes foi dado de arrendamento pela primeira, sustentando que esse prédio se encontra inscrito na matriz sob o art. … e não sob o art. … (conforme consta do contrato de arrendamento de fls. 4 verso e 5 e vem alegado pela apelada no art. 1º da petição inicial) e que este art. matricial … seria composto pelo tal pretenso anexo que nunca teria tido condições de habitabilidade, a apelante vem invocar, em sede de contestação, a exceção do erro vício e da nulidade do contrato de arrendamento celebrado com fundamento na falta de licença de utilização.

Acontece que, como referido, nos autos, não existe qualquer dúvida entre as partes contratantes sobre qual o concreto prédio, isto é, sobre que concreta realidade física, foi dada de arrendamento para habitação pela apelada à apelante e ao Réu Fernando em 01/10/2014. Trata-se, reafirma-se, do prédio que a apelante alega constituir a “habitação principal” e onde sustenta residir, de forma ininterrupta, pelo menos desde 2005 (e não o anexo, que aliás, a própria apelante afirma nunca ter tido quaisquer condições de habitabilidade, sequer ela e o Réu Fernando, terem celebrado aquele contrato de arrendamento em 01/10/2014, com a convicção de que esse contrato tinha por objeto esse anexo, que, de resto, afirma, estar abandonado desde, pelo menos, 2005).

Acresce referir que estando provado, no ponto 1º da sentença recorrida, que “por contrato escrito de 1.10.2014, a autora deu de arrendamento aos réus, para habitação, o prédio urbano sito no Lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo …, pelo prazo de cinco anos, com início em 1.10.2014, pela renda mensal de 180,00 euros, a pagar até ao dia oito do mês a que dissesse respeito”, e não tendo a apelante impugnado esta matéria assim julgada como provada, que, consequentemente, se tem como definitivamente assente, e não existindo qualquer controvérsia entre as partes que esse prédio respeita à tal “habitação principal”, em relação à qual a apelante, inclusivamente, alega ter pago as rendas que discrimina nos artºs. 31º e 32º da contestação, matéria esta que, igualmente, se encontra julgada provada no ponto 5º dos factos provados na sentença recorrida, que igualmente aquela não impugnou e que, por isso, encontra-se, em definitivo assente, com vista a ver agora provado que o “prédio identificado sob o art. … nunca teria permitido o uso para o qual estava destinado por não possuir condições para que possa ser fornecido de serviços como água e eletricidade, nunca esteve em condições habitáveis”, não possuindo licença de utilização, alegação essa que, conforme se vê da contestação, se refere ao “anexo”, teria aquela de impugnar os referidos pontos 1º e 5º dos factos julgados como provados na sentença, sob pena de se incorrer em contradição, o que não fez.

Deste modo, mais uma vez, bem andou a 1ª Instância ao não julgar como provada, sequer como não provada aquela matéria.

Resulta do que se vem dizendo, que o tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento em sede de matéria de facto, por omissão de pronúncia, ao não ter julgado como provada, sequer como não provada, a materialidade que a apelante pretendia que este tribunal julgasse provada.

B.1.2- Da impugnação da matéria de facto da al. a) dos factos julgados como não provados.

A apelante impugna a matéria de facto julgada como não provada na alínea a) da sentença recorrida e pretende que, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se conclua pela prova da mesma.

Refira-se que a apelante cumpriu com os ónus que sobre si impendiam em sede de impugnação da matéria de facto e que se encontram enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, na medida em que indica, nas conclusões, os concretos pontos da matéria de facto que impugna (a al. a) dos factos julgados como não provados na sentença recorrida), bem como indica o concreto julgamento que propugna para essa matéria (pretendendo que essa matéria seja julgada como provada), além de indicar quais os concretos elementos de prova que, na sua perspetiva, impõem esse julgamento diverso que propugna, indicando o porquê dessa prova produzida impor, na sua perspetiva, esse julgamento diverso e, quanto à prova gravada, indica o início e o termo da gravação dos excertos dos depoimentos que, a seu ver, impõem esse julgamento diverso, procedendo, inclusivamente, à transcrição dos mesmos.

Decorre do que se vem dizendo que não ocorre nenhum óbice processual a que se entre na reapreciação da matéria da al. a) dos factos julgados não provados na sentença recorrida, que impugna.

Note-se, no entanto, que em sede de julgamento da matéria de facto mantêm-se em vigor, no atual CPC, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, pelo que perante esses princípios e tendo presente que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

É assim que o n.º 1 do art. 662º do CPC, é expresso em estatuir que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, ou seja, não é suficiente à alteração do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância pelo tribunal ad quem, que os fundamentos aduzidos pela apelante, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, permitam que se faça a leitura da prova produzida que por ela vem propugnada, mas antes é imprescindível que esses fundamentos imponham esse julgamento diverso que sustenta.

Significa isto que a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.

Deste modo, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (19).

Na al. a) dos factos julgados como não provados na sentença recorrida e cujo julgamento a apelante agora impugna, a 1ª Instância deu como não provada a seguinte matéria:

Desde, pelo menos, setembro de 2015 e até ao presente, ininterruptamente, que os Réus não utilizam o locado, já que neles não comem, não dormem, não recebem família, amigos ou correspondência, enfim, não fazem dele o centro do respetiva dia económica e social”.

Trata-se de matéria alega pela apelada no art. 3º da petição inicial e que a apelante aceitou (art. 4º da contestação) no pressuposto que se tratava do anexo.

Acontece que, como referido, a apelante aceitou que o único prédio que lhe foi penhorado no âmbito da execução já acima identificada que lhe foi movida pela apelada e no âmbito do qual esta comprou o prédio objeto do contrato de arrendamento celebrado com esta e o Réu Fernando, em 01/10/2014, mediante o qual a apelada lhes cedeu para habitação, pelo prazo de cinco anos, com início em 01/10/2014, pela renda mensal de 180,00 euros, o prédio urbano sito no Lugar de … freguesia de ..., concelho de …, é o prédio constituído por “habitação principal, uma vez que apenas este reunia condições para ser objeto de contrato de arrendamento habitacional”, já que o anexo não reunia essas condições, estando abandonado, desde pelo menos 2005.
A apelante alegou, inclusivamente, que o prédio que lhe foi dado de arrendamento é aquele em que continua a residir, de forma ininterrupta, pelo menos, desde 2005, altura do falecimento do seu pai”, tendo sido na convicção de que se tratava desse prédio que ela e o Réu Fernando celebraram o contrato de arrendamento com a apelada.

Relembra-se, o único ponto de discordância entre as partes consiste em saber se o prédio objeto desse contrato de arrendamento se encontra inscrito na matriz no art. … (como alegado vem pela apelante) e não no art. … (como alegado vem pela apelada e consta do contrato escrito de fls. 4 verso e 5).

Acontece que estando, em definitivo, assente na sentença recorrida, no ponto 1º dos factos aí julgados provados, que esse prédio que a apelada deu de arrendamento para habitação à apelante e ao Réu Fernando, por documento escrito de 01/10/2014, junto aos autos a fls. 4 verso e 5 e em relação ao qual os mesmos, inclusivamente, pagaram as rendas elencadas no ponto 5º dos factos provados naquela sentença (factualidade esta também não impugnada), contrariamente ao pretendido pela apelante, não se encontra inscrito na matriz sob o art. …, mas sim no art. …, mal se compreende a impugnação da matéria em referência pela apelante, quando é a própria que, reafirma-se, alega, em sede de contestação, que reside nesse prédio, de forma ininterrupta, pelo menos, desde 2005.

Acresce precisar que lida a motivação explanada pelo tribunal a quo na sentença recorrida, a propósito dos factos julgados como provados e não provados nessa sentença (cfr. fls. 99 verso e 100) e analisada a prova documental junta aos autos e, bem assim, ouvida a prova testemunhal produzida em audiência final, não podemos deixar de fazer a leitura da prova produzida que foi feita por esse tribunal.

Com efeito, conforme se vê do auto de penhora de fls. 88 a 89, nos autos de execução n.º 113/07.8TBVCT, que correram termos pelo 4º Juízo Cível de …, foi penhorado em 23/02/2012, “um prédio urbano composto por rés-do-chão e logradouro destinado à habitação, sito em …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz sob o artigo … descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … de ...”.
O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, encontra-se aí descrito desde 27/01/2012 (cfr. fls. 94 verso).
Os prédios inscritos na matriz sob os artigos … e … provêm do artigo matricial … artigo este inscrito na matriz em 1948 (cfr. fls. 89 verso).
Em 2007 este artigo matricial 187º foi eliminado e deu origem aos artigos matriciais … e … (cfr. fls. 65 verso e 66).

Na Conservatória do Registo Predial de … foi descrito sob o n.º …, da freguesia de ..., um prédio urbano, sito em …, inscrito na matriz sob o art. …, composto de casa de um piso e logradouro, onde se lê ter sido desanexada a área de 200 m2 para a descrição 960/20120127, mas o prédio assim descrito, nessa Conservatória, foi nela descrito em 19/03/2013 (cfr. fls. 93 verso a 94), ou seja, já após a penhora daquele prédio comprado pela apelada no âmbito dos autos de execução n.º 113/07.8TBVCT, que correram termos pelo 4º Juízo Cível de …, e que esta veio a dar de arrendamento em 01/10/2014 à apelante e ao Réu Fernando.

Conforme resulta dessa certidão de fls. 93 e 94, quer o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, de 27/01/2012, cuja propriedade se encontra aí inscrita, por compra em negociação particular no âmbito daquela execução n.º 113/07.8TBVCT, a favor da apelada pela ap. 1750, de 25/06/2014, quer o prédio descrito na mesma Conservatória do Registo Predial sob o n.º … de 19/03/2013, provêm da descrição n.º …, do Livro n.º ….

Nessa descrição originária n.º …, do Livro n.º …, este prédio encontrava-se descrito nessa Conservatória como prédio urbano, sito em ..., composto por casa térrea e logradouro, inscrito na matriz sob o art. …, cuja aquisição, por compra, se encontra aí inscrita pela ap. 14 de 17/06/1974, a favor de Delfim ….

Por sua vez, a aquisição desse prédio inscrito agora sob o n.º …, de 19/03/2013, encontra-se inscrita pela ap. 84 de 18/01/2018, a favor da apelante Maria …, por sucessão hereditária e partilha por óbito de Delfim …, casado com Laurinda … (cfr. fls. 93 verso a 94).

A questão que se coloca nos autos é a de saber se o prédio que a apelada adquiriu no âmbito daquela execução n.º 113/07.8TBVCT, que correu termos pelo 4º Juízo Cível de …, e que aí se encontrava descrito, conforme auto de penhora de fls. 88 verso a 89, como prédio urbano composto de rés-do-chão e logradouro, destinado à habitação, sito em …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz sob o art. … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … é o prédio que foi dado de arrendamento para habitação em 01/10/2014, pela apelada à apelante e ao Réu Fernando …, por contrato escrito de fls. 4 verso e 5, resposta esta que merece resposta positiva, posto que nesse contrato se identifica precisamente o prédio arrendado como se destinando à habitação, situando-se no lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz respetiva sob o art. ….

A questão que de seguida se suscita é saber se sobre esse prédio para habitação assim arrendado pela apelada em 01/10/2014, à apelante e ao Réu Fernando por contrato escrito de fls. 4 verso e 5, é o prédio que a apelante, em sede de contestação, alega ser composto “por habitação principal” e onde diz residir de forma ininterrupta, pelo menos, desde 2005, altura do falecimento do seu pai”, embora pretenda que este prédio se encontra inscrito na matriz sob o art. … e não sob o art. …, o que também não pode deixar de merecer resposta positiva quando:

- primeiro, se vê que o prédio adquirido pela apelada no âmbito daquele processo de execução se encontra aí inscrito como “prédio urbano composto de rés-do-chão e logradouro destinado à habitação, inscrito na matriz sob o art. … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e não um anexo;
- segundo, quando se verifica que é a própria apelante que, na sua contestação, sustenta que o prédio que habita – “habitação principal”, que pretende encontrar-se inscrito na matriz sob o art. … - e onde reside, de forma ininterrupta, pelo menos, desde 2005, é o único que reúne condições para ser habitado e para ser objeto de um contrato de arrendamento, já que o anexo não possui água, sequer eletricidade próprias e está abandonado desde, pelo menos, 2005;
- terceiro, quando se verifica que o contrato de arrendamento celebrado entre apelada e apelante e o Réu Fernando, em 01/10/2014, mediante contrato escrito de fls. 4 verso a 5, foi dado pela primeira aos segundos de arrendamento para habitação (e não para arrumos);
- quarto, quando acrescidamente se constata que a apelante e o Réu Fernando pagaram a renda contratada com a apelada como contrapartida desse arrendamento até setembro de 2015 e lhe pagaram, inclusivamente, após setembro de 2015, as rendas identificadas no ponto 5º dos factos provados na sentença recorrida;
- quinto, quando se verifica que é a própria apelante que, também alega, em sede de contestação, que a mesma e o Réu Fernando, estavam convencidos que o prédio penhorado e comprado pela apelada nos autos de execução n.º 113/07.8TBVCT, que correu termos pelo 4º Juízo Cível de … era o tal prédio que os mesmos habitam, tendo sido nessa convicção que igualmente celebraram, com a apelada, em 01/10/2014, o contrato de arrendamento de fls. 4 verso e 5; e
- sexto, quando, conforme se referiu e se escreve na sentença recorrida, sendo o prédio objeto do contrato de arrendamento uma realidade física (não um artigo matricial), “à luz das regras da experiência comum, não se pode aceitar que a Ré não soubesse o que estava a arrendar” e que estava a arrendar aquele prédio onde já residia (não o anexo).

Aliás, não pudemos deixar de subscrever a ilação explanada pela 1ª Instância quando escreve que a “única coisa que faria sentido é que (perante aquele penhora e venda que teve lugar no âmbito da execução n.º 113/07.8TBVCT a apelante) procurasse arrendar a casa onde habita (pelo menos, desde 2005, segundo a sua própria alegação), e que já habitava, segundo as testemunhas inquiridas” e não um anexo, sem quaisquer condições de habitabilidade, sem água e eletricidade próprias, que se encontrava abandonado, segundo a própria, desde pelo menos, 2005.

Decorre do que se vem dizendo, que feita a nossa valoração autónoma da prova produzida, bem andou o tribunal a quo em concluir pela não prova da matéria vertida na al. a) dos factos julgados como não provados na sentença recorrida, por essa não prova ter integral cabimento na prova produzida, razão pela qual improcedem os enunciados fundamentos de recurso.

Termos em que na improcedência de todos os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante ao julgamento da matéria de facto operado na sentença recorrida, mantem-se inalterada a matéria de facto nela julgada como provada e não provada.
Resta verificar se a sentença recorrida padece dos erros de direito quanto à decisão de mérito nela proferida que lhe são assacados pela apelante.

B.2- Do objeto do contrato de arrendamento.

Sustente a apelante que a sentença recorrida padece de erro quanto à decisão de mérito nela proferida ao condená-la e ao Réu Fernando … a despejarem o local arrendado, ignorando que, no local, existem dois prédios destinados à habitação e, bem assim ao ignorar a presunção de propriedade derivada do registo predial de acordo com a qual a apelante comprou e é proprietária do prédio inscrito na matriz sob o art. …, tendo sido este prédio que aquela arrendou à apelante e ao Réu Fernando …, que não é o prédio que estes ocupam, nunca podendo o tribunal despejar aqueles de um prédio de que a apelada não é proprietária e que esta não prove cabalmente ser proprietária.

Pensamos que sobre esta questão já supra nos debruçamos amplamente, sendo manifesta a improcedência deste fundamento de recurso aduzido pela apelante.

O contrato de locação encontra-se inserido no Livro II do CC., que versa sobre o direito das obrigações, pelo que esse facto, conectado com a definição legal de locação vertida no art. 1022º do CC, em função do qual «locação» é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, leva a que se conclua que este tipo contratual tem efeitos meramente obrigacionais.

O contrato de arrendamento urbano para habitação é uma das modalidades do contrato de locação, que tem por especialidade a circunstância do objeto do contrato de locação incidir sobre coisa imóvel (art. 1023º do CC) e, mais especificamente, sobre contratos de arrendamento que tenham por objeto, total ou parcialmente, um prédio urbano (art. 1064º do CC), cujo fim é a habitação.

Da definição legal de contrato de arrendamento decorre constituir obrigação do senhorio de proporcionar a outrem (o arrendatário), a título temporário, o gozo de uma coisa imóvel, mais concretamente, de um prédio urbano, mediante a obrigação deste lhe pagar uma retribuição – a renda – como contrapartida dessa cedência.

Compreende-se assim que nos termos do disposto no art. 1031º do CC. sejam obrigações principais do senhorio a obrigação de: a) entregar ao arrendatário a coisa arrendada; e b) assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina.

Por sua vez, a primeira e mais elementar obrigação principal do arrendatário consiste na obrigação de pagar a renda ao senhorio (art. 1038º, al. a) do CC).

Resulta do que se vem dizendo que o contrato de arrendamento urbano configura um contrato oneroso, na medida que dele decorrem obrigações para ambas as partes contratantes: o senhorio obriga-se a abdicar do gozo da coisa, enquanto o arrendatário se obriga a pagar a renda, assumindo, consequentemente, ambas as partes sacrifícios económicos equivalentes.

Além de oneroso, o contrato de arrendamento afirma-se também como contrato sinalagmático, posto que a obrigação do senhorio de proporcionar ao arrendatário o gozo da coisa arrendada, tem como correspetivo a obrigação deste de lhe pagar a renda, intercedendo entre ambas estas obrigações um nexo sinalagmático, isto é, de interdependência e correspetividade (20).

Como consequência do caráter sinalagmático do contrato de arrendamento decorre, além do mais, que o incumprimento daquelas obrigações principais e, inclusivamente, das acessórias, verificados que sejam os requisitos legalmente estabelecidos para o efeito, conferem o direito à contraparte a resolver o contrato de arrendamento com fundamento em incumprimento.

Deste modo, da natureza sinalagmática do contrato de arrendamento decorre que enquanto o senhorio não proceder à entrega do prédio arrendado ao arrendatário esse não está obrigada a pagar a renda, podendo invocar a exceptio non adimplente contractus, ao abrigo do disposto no art. 428º do CC (21).

No entanto, como referido, o contrato de arrendamento tem natureza meramente obrigacional.

Como consequência, não obstante o senhorio se obrigue, através deste tipo contratual a proporcionar ao arrendatário o gozo da coisa, com a consequente obrigação de lhe entregar essa coisa e de lhe assegurar o fim a que se destina, legitimando que o arrendatário se recuse a pagar-lhe a renda enquanto essa entrega não ocorrer, os direitos das partes nele contratantes são estruturalmente obrigacionais, conferindo o incumprimento das respetivas obrigações o direito à contraparte de ser indemnizado pela parte inadimplente pelos prejuízos sofridos em consequência dessa inadimplência (art. 798º do CC), o direito a compelir o inadimplente judicialmente ao cumprimento (art. 817º do CC), mormente o direito do arrendatário a compelir o senhorio a fazer a entrega do arrendado, bem como a resolver o contrato.

Note-se, contudo, que o direito do arrendatário a compelir o senhorio a entregar-lhe o arrendado, não é um direito ilimitado, posto que esse direito apenas assiste ao primeiro caso tal seja legalmente possível, o que não será o caso quando ocorra a celebração de contratos de arrendamentos sucessivos sobre a mesma coisa, a favor de pessoas diferentes, em que nos termos do disposto no art. 407º do CC, deve prevalecer o direito mais antigo, ou seja, o contrato de arrendamento celebrado em primeiro lugar, sem prejuízo das regras próprias do registo.

Acresce que não será possível compelir judicialmente o senhorio a entregar a coisa quando aquele não disponha do uso e fruição desta, por forma a entregá-la ao arrendatário, como é o caso do senhorio ter arrendado coisa alheia e não ter logrado obter o puder de uso da mesma por força a poder proporcioná-la ao arrendatário.

Nestes casos, ficará conferido ao arrendatário o direito a resolver o contrato de arrendamento celebrado e a ser indemnizado pelo senhorio pelos prejuízos sofridos (art. 801º do CC).

No entanto, atenta a natureza obrigacional do contrato de arrendamento, não constitui requisito para a celebração do contrato de arrendamento que o senhorio seja proprietário da coisa arrendada, posto que como se enunciou, a qualidade de proprietário da coisa arrendada não é condição para a celebração do contrato de arrendamento na qualidade de senhorio, tendo legitimidade para celebração do contrato de arrendamento enquanto senhorio múltiplas sujeitos que não são detentores da qualidade de proprietário em relação à coisa arrendada, sendo, inclusivamente, válidos contratos de arrendamento tendo por objeto coisa alheia.

De igual sorte, não constitui pressuposto processual de legitimação ativa para a propositura da ação de despejo, sequer de legitimação substantiva para a respetiva procedência que o autor dessa ação tenha de alegar e provar a sua qualidade de proprietário em relação ao prédio objeto do contrato de arrendamento, cuja resolução peticiona, mas sim a qualidade de “senhorio”.

Na verdade, tendo o contrato de arrendamento efeitos meramente obrigacionais, em sede de contrato de contrato de arrendamento, o que o senhorio se obriga é a proporcionar ao arrendatário o gozo temporária sobre a coisa que lhe arrendou, pelo prazo entre eles convencionado, mediante a contrapartida deste de lhe pagar a renda, sendo indiferente ao arrendatário se o senhorio é proprietário ou não da coisa arrendada, cumprindo aquele o contrato de arrendamento perante o arrendatário contanto que entregue ao último a coisa e lhe assegure o gozo desta para os fins a que se destina durante o período de tempo entre ambos acordado para a vigência do contrato de arrendamento.

Compreende-se, por isso, que atenta a natureza meramente obrigacional do contrato de arrendamento, visando o senhorio, mediante a denominada tradicionalmente ação de despejo, resolver esse contrato de arrendamento com fundamento no incumprimento das obrigações contratuais emergentes desse contrato para o arrendatário, o que está em causa é a relação obrigacional e contratual senhorio “versus” inquilino, pelo que nela não é requisito de legitimidade ativa para instaurar esse tipo de ação, sequer de legitimação substantiva para a respetiva procedência, a qualidade de proprietário do autor sobre a coisa arrendada, mas sim a sua qualidade de senhorio, isto é, quem nos termos do contrato de arrendamento celebrado detém essa qualidade, tanto bastando para que se reconheça legitimidade ativa ao autor da ação de despejo para instaurá-la contra aquele que, nos termos desse contrato de arrendamento celebrado detêm a posição contratual de “arrendatário” e que requisito de legitimação substantiva necessário à procedência dessa ação seja unicamente a alegação e prova dos factos em que o autor sustentou o incumprimento contratual (causa de pedir) para ancorar a sua pretensão de tutela judiciária que exerce na ação (pedido) e a verificação que esse incumprimento contratual que alegou e provou, quando subsumido ao quadro legislativo vigente, lhe confere efetivamente o direito a resolver o contrato de arrendamento celebrado, com o consequente despejo do arrendatário da coisa arrendada e isto independentemente do senhorio ser ou não proprietário dessa coisa.

Resulta do que se vem dizendo, que contrariamente ao pretendido pela apelante, nem a qualidade de proprietária da apelada em relação ao prédio que esta lhe deu de arrendamento, mais ao Réu Fernando …, para habitação em 01/10/2014, por contrato de arrendamento escrito de fls. 4 verso a 5, constitui condição de validade do contrato de arrendamento que entre eles foi celebrado, nem a qualidade de proprietário da apelada sobre o prédio assim arrendado por aquela à apelante e ao Réu Fernando é condição de legitimação processual para a mesma instaurar a presente ação, sequer de legitimação substantiva necessária à respetiva procedência, sequer a questão do direito de propriedade da apelada sobre o prédio cujo despejo peticiona constitui thema decidendum nos presentes autos.

Com vista à procedência da presente ação tinha apenas a apelada de alegar e provar a celebração do contrato de arrendamento com os Réus, o que fez, no art. 1º da petição inicial e mediante a junção aos autos do contrato de arrendamento de fls. 4 verso e 5 e a prova dessa factualidade (vide ponto 1º dos factos provados).

Tinha ainda a apelada de alegar os incumprimentos contratuais que imputa aos Réus (arrendatários) em que funda o seu pedido de resolução do contrato de arrendamento celebrado, isto é, o não pagamento das rendas relativas aos meses de setembro de 2015 a outubro de 2016, ambos inclusive (mas já não provar o não pagamento dessas rendas, posto que consubstanciando o pagamento, um facto extintivo da obrigação, é sobre a apelante e o Réu Fernando que, enquanto arrendatários e, consequentemente, devedores da obrigação de pagar as rendas, nos termos do disposto no art. 342º, n.º 2 do CC, incumbe fazer prova desse pagamento (22)), bem como alegar e provar o segundo fundamento de resolução do contrato de arrendamento que invoca, isto é, a não ocupação pelos Réus do arrendado desde, pelo menos, setembro de 2015, fundamento este que aquela apelada não provou (cf. alínea a) dos factos não provados na sentença recorrida).

Ora, não tendo no caso, a apelante e o Réu Fernando feito prova em como pagaram as rendas à apelada relativas aos meses de setembro de 2015 a outubro de 2016, ambos inclusive, mas apenas as quantias que se encontram discriminadas no ponto 5º dos factos provados na sentença recorrida, nos termos do disposto no art. 1083º, n.º 3 do CC, assiste à apelada o direito a resolver o contrato de arrendamento celebrado, direito esse que a apelante nem sequer contesta.

A resolução do contrato de arrendamento provoca a destruição do contrato (artºs. 433º e 289º, n.º 1 do CC), com as exceções enunciadas no art. 434º, implicando para a apelante e para o Réu Fernando, enquanto arrendatários, a obrigação de restituir à apelada o prédio que esta lhes entregou por via do contrato de arrendamento celebrado em 01/10/2014, de fls. 4 verso e 5 (art. 1043º e 1045º, n.º 1 do CC).

Com efeito, resolvido o contrato de arrendamento e findo este, a apelante e o Réu deixaram de deter o título – contrato de arrendamento – mediante o qual esta lhes tinha entregue o arrendado e lhes tinha assegurado o gozo sobre o mesmo impendendo, consequentemente, sobre aqueles, nos termos do n.º 1 do art. 1045º do CC, a obrigação de restituir à apelada esse prédio independentemente desta ser proprietária ou não do mesmo.

Naturalmente, com também já referido, a apelante e o Réu Fernando podiam opor-se ao direito de resolução do contrato de arrendamento celebrado com a apelada alegando, em sede de contestação e, posteriormente, provando, que o prédio que lhes foi dado de arrendamento pela apelada era sua propriedade, caso em que a questão da propriedade passaria a fazer parte do thema decidendum nos presentes autos, configurando exceção ao direito de resolução do contrato de arrendamento que a apelada vem exercer nos presentes autos contra aqueles.

Acontece que conforme resulta da contestação, nela a apelante não alegou ser proprietária do prédio objeto do contrato de arrendamento, limitando-se a invocar erro vício na formação do contrato, decorrente do prédio que lhe foi dado de arrendamento se encontrar pretensamente inscrito na matriz sob o art. … e não sob o art. …, conforme vem alegado pela apelada no art. 1º da petição inicial e consta do contrato escrito de fls. 4 verso a 5.

No entanto, incumbe relembrar à apelante que o prédio que lhe foi dado de arrendamento é uma realidade física e que quanto a essa realidade física é a própria que reconhece que o prédio que lhe foi dado de arrendamento, mais ao Réu Fernando, pela apelada, em 01/10/2014, para habitação, por contrato escrito de fls. 4 verso a 5, é o prédio que a mesma afirma residir de forma interrupta, pelo menos, desde 2005.

Destarte, resulta do que se vem dizendo, que tendo sido este concreto prédio que a apelante e o Réu Fernando receberam de arrendamento da apelada por contrato de arrendamento de fls. 4 verso a 5, é este prédio que lhes incumbe restituir à apelada, independentemente desta ser ou não propriedade desse prédio, uma vez que a propriedade do prédio objeto da contrato de arrendamento não integra o thema decidendum nos presentes autos, improcedendo os fundamentos de recurso que a apelante assaca à sentença recorrida.

B.3 – Excepção de não cumprimento do contrato de arrendamento.

Sustenta a apelante que a sentença recorrida padece de erro de direito ao ter julgado improcedente a exceção do não cumprimento do contrato de arrendamento quando o prédio que lhe foi arrendado pela apelante e ao Réu Fernando é o anexo inscrito na matriz sob o art. … e este não possui quaisquer condições de habitabilidade.

Como referido, o contrato de arrendamento é um contrato oneroso e sinalagmático, em que a obrigação de entregar a coisa arrendada pelo senhorio e de proporcionar aos arrendatários o gozo desta para os fins a que se destina, tem como correspectivo a obrigação destes de pagar ao senhorio a renda mensal contratada.

Deste modo é que nos termos do n.º 1 do art. 428º do CC, enquanto o senhorio não entregar aos arrendatários o prédio arrendado, estes ficam legitimados a recusar-lhe o pagamento da renda.

No caso, conforme resulta do ponto 1º dos factos apurados, por contrato escrito de 01/10/2014, a apelada deu de arrendamento à apelante e ao Réu Fernando, para habitação, o prédio urbano sito no lugar de …, freguesia de ..., concelho de …, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o art. …, pelo prazo de cinco anos, com início em 01/10/2014, pela renda mensal de 180,00 euros, a pagar até ao dia oito do mês a que dissesse respeito.

Pretende a apelante que esse prédio que lhe foi dado de arrendamento é um anexo, mas sem razão.

Na verdade, para além de não ter feito prova que o prédio inscrito na matriz sob o art. … que lhe foi dado de arrendamento, mais ao Réu Fernando, pela apelada em 01/10/2014, para habitação, seja um anexo, sequer que tivessem andado, sem saber, a pagar rendas de um locado que nunca utilizou (cf. alíneas c) e d) dos factos apurados), relembra-se à apelante que aquela, em sede de contestação, aceita que o prédio que lhe foi dado de arrendamento é aquele em que reside, de forma ininterrupta, pelo menos desde 2005, tendo sido nessa convicção que, inclusivamente, afirma ter celebrado, mais o Réu Fernando, aquele contrato de arrendamento com a apelada.

Deste modo, improcede a exceção do não cumprimento do contrato de arrendamento que vem invocada pela apelante.

B.4- Nulidade do contrato de arrendamento por falta de licença de habitabilidade.

Prossegue a apelante sustentando que a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida, ao julgar improcedente a exceção da nulidade do contrato de arrendamento por falta de licença de utilização, quando o prédio arrendado não possui essa licença.

O prédio arrendado em 01/10/2014 pela apelada à apelante e ao Réu Fernando, para habitação, por documento escrito de fls. 4 verso e 5, é o prédio que a apelante, em sede de contestação, refere residir, de forma ininterrupta, pelo menos, desde 2005.

Conforme decorre daquele contrato escrito de fls. 4 verso e 5, nele nenhuma menção é feita sobre se o arrendado possui ou não licença de utilização.

O referido contrato de arrendamento foi celebrado em 01/10/2014, em plena vigência do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/02, na sua 3ª versão, esta introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 13/08.

Preceitua o art. 1070º do CC, que o arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível (n. º1) e que diploma próprio regulará o requisito previsto no número anterior e definirá os elementos que o contrato de arrendamento urbano deve conter (n.º 2).

Este diploma é o Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08/08, alterado pelo Decreto-Lei n.º 266-C/2012, de 31/12.

Estabelece o art. 2º, al. e), que o contrato de arrendamento urbano, quando deva ser celebrado por escrito, deve constar a existência da licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente, ou a referência a não ser aquela exigível, nos termos do art. 5º.

Por sua vez, reza o art. 5º, quanto à licença de utilização que “1- Só podem ser objeto de arrendamento urbano os edifícios ou suas frações cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização”; “2- O disposto no número anterior não se aplica quando a construção do edifício seja anterior à entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38382, de 7 de agosto de 1951, caso em que deve ser anexado ao contrato documento autêntico que demonstre a data da construção”; “5- A inobservância do disposto nos n.ºs 1 a 4 por causa imputável ao senhorio determina a sujeição do mesmo a uma coima não inferior a um ano de renda, observados os limites legais estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, salvo quando a falta de licença se fique a dever a atraso que não lhe seja imputável”; “7- Na situação prevista no n.º 5, o arrendatário pode resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais”.

Decorre do exposto que no caso de arrendamento urbano em que seja exigível licença de utilização, a falta dessa licença, por motivo imputável ao senhorio, faz incorrer o último em coima e confere ao arrendatário o direito a resolver o contrato de arrendamento, com direito a ser indemnizado pelo senhorio nos termos gerais.

Trata-se, no entanto, de uma nulidade atípica, que apenas pode ser invocada pelo arrendatário, que poderá ter vantagens em não a invocar, não obstante o arrendado não possuir licença de utilização e, consequentemente, a certificação pela entidade competente de que cumpre com todas as normas legais, quer relativas à construção, quer à segurança, salubridade e estética (23), tanto mais que, conforme é entendimento jurisprudencial, cremos que maioritário, ainda que ao arrendatário assista o direito a resolver o contrato de arrendamento por falta de licença de utilização e a ser indemnizado pelo senhorio pelos prejuízos sofridos, não lhe assiste o direito a eximir-se ao pagamento das rendas acordadas durante todo o período de tempo em que se manteve na detenção, ocupação e uso do arrendado (24).

A licença de utilização é no entanto apenas exigível em relação a arrendados que tenham sido construídos após a entrada do RGEU, o que se compreende quando se verifica que foi este que instituiu esse tipo de licença.

Em relação a arrendados construídos antes da entrada em vigor do RGEU, não é exigível a licença de construção, mas neste caso, deve ser anexado ao contrato de arrendamento documento autêntico que demonstre a data de construção do arrendado (artºs. 5º, n.º 2 e 2º, al. d) do DL. n.º 160/2006, de 08/08).

A não menção no contrato de arrendamento de que não é exigível a licença de utilização ou a falta de anexação ao contrato de arrendamento de documento autêntico que demonstre a data da construção do arrendado, não confere ao arrendatário o direito automático a resolver o contrato de arrendamento com esse fundamento, posto que nos termos do disposto no art. 4º do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 08/08, a falta de algum ou alguns dos elementos referidos nos seus artºs. 2º e 3º não determina a invalidade ou a ineficácia do contrato, quando possam ser supridas nos termos gerais e desde que os motivos determinantes da forma se mostrem satisfeitos.

Assim, não obstante no contrato de arrendamento não conste a menção de que não é exigível a licença de utilização em relação ao arrendado e na ausência de anexação ao contrato de arrendamento de documento autêntico que demonstre a data da construção do arrendado, essas faltas podem ser supridas nos termos gerais, desde que sejam juntas aos autos documento autêntico do qual decorra a certificação da não sujeição do arrendado a licença de construção, por se tratar de construção edificada antes da entrada em vigor do RGEU.

No caso, o prédio arrendado pela apelada à apelante e ao Réu Fernando em 01/10/2014, que se encontra inscrito na matriz sob o art. … (ponto 1ºdos factos apurados), assim como o prédio inscrito na matriz sob o art. … provêem do prédio inscrito na matriz sob o artigo …, o qual foi inscrito nesta no ano de 1948 (ponto 4º dos factos apurados), pelo que se subscreve integralmente a sentença recorrida, quando nela se escreve que, pelo menos, desde 1948, se pode considerar que aquele prédio assim arrendado à apelante e ao Réu Fernando se encontra construído.

Por conseguinte, o prédio arrendado, porque foi construído antes da entrada em vigor do RGEU, não se encontra sujeito a licença de utilização.

É certo que neste caso, se impunha que a apelada tivesse anexado ao contrato de arrendamento de fls. 4 verso e 5 documento autêntico que demonstrasse a data de construção desse arrendado, o que não fez.

No entanto, a invalidade decorrente dessa falta encontra-se convalidada, fruto da junção aos autos da certidão matricial de fls. 89, que certifica que a inscrição do arrendado na matriz ocorreu em 1948, altura em que o arrendado já tinha de estar construído.

Decorre do que se vem dizendo improceder igualmente este fundamento de recurso aduzido pela apelante, não tendo, consequentemente, a sentença recorrida incorrido em erro de direito ao julgar improcedente a exceção da nulidade do contrato de arrendamento com fundamento na falta de licença de utilização.

Aliás, incumbe novamente realçar que a procedência dessa exceção nunca teria a virtualidade de desonerar a apelante do pagamento das rendas nos termos constantes da sentença recorrida, sequer da obrigação de despejar e restituir o arrendado à apelada.

O que sucederia é que essas condenações não decorreriam da resolução do contrato de arrendamento que celebrou, mais o Réu Fernando, com a apelada, mas da invalidade desse contrato de arrendamento, invalidade essa que, nos termos do disposto no art. 289º, n.º 1 do CC, teria como consequência a obrigação da apelante e do Réu Fernando de restituírem à apelada o prédio que dela receberam em consequência do contrato de arrendamento inválido e, bem assim de lhe pagar a renda convencionada durante todo o período de tempo em que se mantiveram na detenção, uso e utilização do arrendado, face à impossibilidade de lhe restituir em espécie esse período em que detiveram o arrendado.

Deste modo, em face de tudo o que se acaba de explanar, improcedem todos os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, impondo-se a confirmação da sentença recorrida.
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação integralmente improcedente e, em consequência:
- Confirmam a sentença recorrida.
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Custas pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 10 de janeiro de 2019


1. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, 4ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 121 e 123.
2. Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, pág. 57.
3. Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, págs. 138 e 139.
4. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, págs. 70 a 72. Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro de 2014, Ediforum, pág. 25.
5. Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 70; Paulo Pimenta, ob. cit., pág. 138.
6. Abrantes Geraldes, “Sentença Cível”, janeiro de 2014, pág. 12. No mesmo sentido Paulo Pimenta, ob. cit., pág. 327, onde escreve: “…o campo privilegiado dos factos instrumentais é o da motivação da convicção do julgamento de facto, sendo este o sentido do segmento “indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais” constante do n.º 4 do art. 607º”.
7. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil, 2ª edª, Coimbra Editora, págs. 455 e 456.
8. Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 188 e 189.
9. Helena Cabrita, “A Fundamentação de Facto e de Direito de Decisão Cível”, Coimbra Editora, 2016, pág. 160.
10. Jorge Alberto Aragão Seia, “Arrendamento Urbano”, 6ª ed., Almedina, pág. 69.
11. Jorge Alberto Aragão Seia, ob. cit., págs. 78 a 81. No mesmo sentido de que o contrato de arrendamento tem efeitos meramente obrigacionais, vide Luís Menezes Leitão, “Arrendamento Urbano”, 2014, 7ª ed., Almedina, págs. 45 a 47. Na jurisprudência, Acs. STJ de 10/04/2003, Proc. 03B3610; de 27/05/2010, Proc. 5425/03.7TBSXL.S1; RG. de 14/05/2009, Proc. 683/03.0TCGMR-D. G1, in base de dados da DGSI.
12. Luís Menezes Leitão, ob. cit., págs. 60 a 63. Abílio Neto, “Código Civil Anotado”, 20ª ed., abril de 2018, Ediforum, pág. 980, anotação 2. Aragão Seia, ob. cit., págs. 104 a 120.
13. Henrique Mesquita, RLJ, ano 125, pág, 100, nota 1.
14. Aragão Seia, ob. cit., pág. 105.
15. Ac. RE. de 26/03/2015, Proc. 183/11.4T2GDL.E1, in base de dados da DGSI.
16. Aragão Seia, ob. cit., págs. 338 a 340.
17. Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 14.11.2013, antes citado, AC STJ de 17.06.1997, CJ, t. II, pág. 126 (relator Cardona Ferreira), AC STJ de 5.07.2001 (relator Pais de Sousa), AC STJ de 12.01.2006 (relator Duarte Soares), AC STJ de 28.06.2007 (relator Pereira da Silva), AC STJ de 15.05.2008 (relator Pereira da Silva), AC STJ de 19.02.2013 (relator Moreira Alves) e AC STJ de 27.03.2014 (relator Álvaro Rodrigues), todos in dgsi.pt.
18. V., por exemplo, o ac. da RC de 12.3.2013 (relator: Avelino Gonçalves), onde se concluiu que:” As presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem fatores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos neles definidos (art.º 80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial). A presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa”.
19. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
20. Menezes Leitão, in “Arrendamento Urbano”, 2014, 7ª ed., pág. 48.
21. Aragão Seia, ob. cit., pág. 82.
22. Neste sentido Acs. RL de 04/10/2007, Proc. 5406/2007-8; RC. de 12/07/2011, Proc. 1806/04.7TBPBL.C1; RP. de 11/09/2007, Proc. 0723637, RL de 24/06/2014, Proc. 2218/09.1TCLRS.L1-1, lendo-se neste: “O pagamento, enquanto facto extintivo da obrigação, deve ser invocado e provado pelo devedor (art. 342º, n.º 2 do CC), afirmação que vale para a ação de dívida, como para aquela em que o locador pretende exercer o direito à resolução com base na falta de pagamento de rendas”.
23. RL. de 13/01/2015, Proc. 1503/12.0TBPDL.L1, in base de dados da DGSI.
24. Acs. STJ. de 15/02/2005, Proc. 4401/04.6, Sumários, n.º 88, pág. 42; de 06/04/2006, Proc. 05B4346; de 19/02/2008, Proc.08A194; RL. de 13/01/2015, Proc. 1503/12.0TBPDL.L1; RP. de 10/03/2005, Proc. 0530793, e de 03/12/2009, Proc. 2671/04.0TBVNG.P1, in base de dados da DGSI.