Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
45/10.2YRGMR
Nº Convencional: JTRG000
Relator: A. COSTA FERNANDES
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
DECISÃO ADMINISTRATIVA
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO/CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: SENTENÇA CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1094º A 1099° DO CÓD. PROC. CIVIL PORTUGUÊS
Legislação Estrangeira: ART. 1.124-A DO CÓD. PROC. CIVIL BRASILEIRO
Sumário:
1. O processo regulado nos arts. 1094º e seguintes do Código de Processo Civil é aplicável à dissolução do casamento por mútuo consentimento, realizada em sede administrativa;
2. Assim, nada obsta a que se confirme o «divórcio directo consensual» (equivalente ao divórcio por mútuo consentimento no ordenamento jurídico português) realizado por escritura pública, nos termos do art. 1.124-A do Código de Processo Civil Brasileiro.
Decisão Texto Integral:
[A], contribuinte fiscal nº ...., residente na Rua ....., Braga, propôs a presente acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira, contra:
[B] (que, enquanto casada, adoptou o nome de [B] da Costa) contribuinte fiscal nº ......, residente na Rua ......, Fraião, Braga,
Alegando, em súmula, que:
- Contraíram casamento entre si, segundo o regime de separação de bens, em 09-09-2002, no Município de Dourados, Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil;
- Por escritura pública de 16-01-2008, lavrada a fls. 072/073 do Livro 158 do Tabelionato Fioravanti 2º Ofício Notas e Registro Civil, Comarca e Município de Dourados, Estado de Mato Grosso do Sul, República Federativa do Brasil, realizou-se o «divórcio directo consensual» entre ambos;
- Não foi interposto recurso desse acordo;
- Tal acordo consta de documento sobre cuja autenticidade e inteligência não deve haver dúvidas;
- O divórcio de que aqui se trata não foi decretado por sentença;
- Porém, o processo regulado nos arts. 1094º e seguintes do Cód. Proc. Civil é aplicável à dissolução do casamento por mútuo consentimento, realizada em sede administrativa;
- O divórcio directo consensual não depende de homologação judicial (art. 1124-A, § 1º, do Cód. Proc. Civil brasileiro, aditado pela Lei 11.441, de 04.01.2007), sendo de presumir que a simples outorga da escritura produz efeitos imediatos.
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A requerida foi citada por carta registada, com aviso de recepção, não tendo deduzido oposição.
O requerente apresentou alegações, nas quais consignou que “decisão” a confirmar não conduz a um resultado incompatível com a ordem pública internacional do Estado Português e preenche os demais requisitos previstos no art. 1096° do Cód. Proc. Civil.
O digno magistrado do Ministério Público apresentou as alegações de fls. 19, concluindo que nada obsta à revisão e confirmação da decisão revidenda.
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Atenta a simplicidade da questão a decidir, foram dispensados os vistos – arts. 1099º, 2, e 707º, 4, do Código de Processo Civil.
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Analisada a decisão revidenda, impõe-se concluir que:
- Não se suscita qualquer dúvida quanto à autenticidade do documento de que consta o respectivo texto, nem sobre a sua inteligibilidade;
- A mesma já não é passível de recurso, segundo a lei do país em que foi proferida – República Federativa do Brasil;
- A competência da autoridade administrativa brasileira não decorreu de fraude à lei, sendo certo que aquela não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses. Com efeito, o art. 1.124-A do Código de Processo Civil Brasileiro, introduzido pela Lei nº 11.441, de 4 de Janeiro de 2007, estatui que: «A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adoptado quando se deu o casamento».
Da escritura pública certificada a fls. 8, consta que: os outorgantes não tinham filhos; estava transcorrido o prazo legal de dois anos de separação de facto; os outorgantes prescindiram reciprocamente de alimentos e declararam que não havia bens a partilhar; a outorgante mulher voltaria a adoptar o seu nome de solteira – [B].
Em conformidade com o §1º do mencionado art. 1.124-A «A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis».
A decisão revidenda não consta de uma sentença, mas sim de uma escritura pública notarial. Todavia, não se pode ignorar que, em muitos Estados, a dissolução do casamento por mútuo consentimento é feita em sede administrativa, donde, como se entendeu no Ac. do STJ, de 12-07-2005, Proc. 05B1880 (rel: Moitinho de Almeida), publicado «in» www.dgsi.pt, deve considerar-se aplicável o processo regulado nos arts. 1094° e seguintes do Código de Processo Civil, de modo a que tal decisão, sendo válida segundo o ordenamento do país onde foi proferida, possa produzir os seus efeitos em Portugal, porquanto vincula um cidadão português.
Pelo exame de todo o processo, não se pode concluir que ocorram as excepções de litispendência ou de caso julgado, com fundamento em causa afecta a qualquer tribunal português.
Tanto o requerente como a requerida foram outorgantes na escritura de que consta a decisão revidenda.
Tal decisão não conduz a um resultado incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
O «divórcio consensual» previsto na legislação brasileira corresponde ao «divórcio por mútuo consentimento» a que se reporta os arts. 1773º e seguintes do Código Civil Português.
A sentença preenche todos os requisitos previstos no art. 1096º do Cód. Proc. Civil.
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Decisão:
Pelo exposto, jugo a acção procedente e confirmo a decisão revidenda, constante da escritura pública de 16-01-2008, lavrada a fls. 072/073 do Livro 158 do Tabelionato Fioravanti 2º Ofício Notas e Registro Civil, Comarca e Município de Dourados, Estado de Mato Grosso do Sul, República Federativa do Brasil, atinente ao «divórcio directo consensual» (divórcio por mútuo consentimento) entre o requerente e a requerida, passando essa decisão a produzir todos os seus efeitos em Portugal.
Custas pelo requerente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido – art. 446º, 1, do Cód. Proc. Civil.
Notifique.
Fixo o valor da causa, para efeito de custas em 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros).
Oportunamente, cumpra-se o disposto no art. 78º, 1 e 2, com referência ao art. 7º, 1, do Código do Registo Civil, referenciando o Assento de Casamento nº 631, lavrado na Conserva- tória do Registo Civil de Braga, a 31-08-2004.
Guimarães, 2010-05-11
/António da Costa Fernandes/
/Isabel Maria Brás Fonseca/
/Maria Luísa Duarte/