Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2504/13.6TJVNF-A.G1
Relator: MARGARIDA FERNANDES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
LIVRANÇA
ACEITANTE
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Nos termos do art. 70º nº 1 ex vi 77º da L.U.L.L. a acção contra o aceitante relativa a livrança prescreve no prazo de três anos a contar do seu vencimento.

II - A ficção legal prevista no nº 2 do art. 323º do C.C. pressupõe a verificação de três requisitos: (i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção; (ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; (iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor/exequente (devendo este requisito ser interpretado em termos de nexo de causalidade objectiva, ou seja, entre a conduta do requerente, posterior ao requerimento para a citação, e o resultado de a citação ter sido efectivada para além do quinto dia posterior à apresentação daquele).

III – Numa acção executiva, em que a penhora precede a citação, com pluralidade de executados, não é imputável ao exequente a citação pelo agente de execução dos executados embargantes quase três anos após a entrada da mesma ainda que a primeira penhora tenha ocorrido cerca de dois meses após esta data.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

Y, S.A., instaurou, em 17/08/2013, execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, contra R. M., Maria, L. M., S. M., X - Comércio Internacional de Têxteis, Lda., apresentando como título executivo uma livrança, no valor de € 7.546,50, vencida em 07/12/2012, subscrita por esta sociedade e avalizada pelos demais executados e por Manuel, entretanto declarado insolvente, e indicando como valor da execução a quantia de € 8.371,58.
*
L. M. e S. M. deduziram contra Y, S.A., oposição à execução, mediante os presentes embargos de executado, pedindo a sua absolvição do pedido, a extinção da execução e a condenação da exequente como litigante de má-fé em multa e indemnização em montante nunca inferior a € 1.500,00.

Para tanto alegam, em síntese, que o direito que a exequente pretende fazer valer nos autos de execução se encontra prescrito uma vez que decorreram mais de três anos entre a data do vencimento da livrança dada à execução e a sua citação, sendo certo que não foi promovida pela citação prévia.

Referem já ter pago a quantia exigida pela exequente e nada devem por conta do montante que a exequente pretende cobrar.
*
A exequente contestou impugnando os factos alegados pelos oponentes, concluindo pela improcedência da oposição.
*
Procedeu-se a audiência final, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória, reproduzimos na íntegra:

“Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a presente oposição à execução, determinando o prosseguimento da execução.
*
Custas a cargo de embargantes.
Registe e notifique.”.
*
Não se conformando com a decisão recorrida veio o executado L. M. dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

1. O exequente tem culpa no atraso da citação do executado/embargante e quando o exequente é responsável pelo atraso da citação do executado e este atraso lhe é imputável ou seja, sempre que este infrinja objetivamente qualquer norma conexionada com o andamento do processo, por exemplo falta de pagamento do preparo inicial dentro do prazo, errada indicação da residência do réu, ou não apresentação dos duplicados, aqui nestes casos, não se interrompe a prescrição.
2. É precisamente esta falta imputável ao exequente/embargado que os recorrentes invocaram na sua petição inicial de embargos de executado, pois sucedeu que o requerimento executivo, movido pela exequente tem junto um título executivo vencido em 25.11.2013, deu entrada em tribunal em 07.08.2013, o auto de penhora do imóvel dos executados ocorreu em 30.10.2013 e, após esta penhora o exequente podia e devia ter requerido a citação dos executados, mas optou por não o fazer e pretendeu penhorar outros bens dos executados, designadamente os seus salários e só em 21.06.2016 ocorre a citação dos executados por requerimento da Agente de Execução de 09.06.2016.
3. O processo executivo está apenso a estes autos e tudo o que consta do mesmo deve estar assente nestes autos e do mesmo consta que o auto de penhora do imóvel dos executados é de Outubro de 2013, mas nessa data o exequente optou por penhorar salários aos executados, em vez de os citar.
4. O iter do processo executivo e esta alteração da matéria de facto deve ser dada como assente e determina que objetivamente é imputável ao exequente a citação tardia dos executados para a execução.
5. Mas no caso destes autos a citação não ocorreu antes daquela data por causa imputável à exequente.
6. Assim, nos termos do art.º 70º parágrafo 1º da LULL, aplicável às livranças ex vi do art. 77º do mesmo diploma legal, dispõe que “Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento” (…), pelo que a livrança está prescrita, prescrição que se invoca para os devidos e legais efeitos.
7. Assim, não ocorreu a interrupção da prescrição nos termos do disposto no art.º 323º nº 2 do CC, sendo manifestamente procedente a prescrição invocada pelo embargante/recorrente nos presentes autos.
8. Na apreciação da matéria de facto ocorreu ainda um outro erro grave de julgamento, porquanto no decurso do processo o recorrente juntou aos autos um documento contabilístico que demonstra inequivocamente que o valor da referida dívida, em causa nestes autos, na contabilidade da empresa consta como pago, ou seja, em termos contabilísticos da sociedade X – Comércio Internacional de Têxteis, Lda, este pagamento foi lançado na contabilidade.
9. Não existiu qualquer prova pericial a infirmar a falsidade da contabilidade da sociedade X Comércio Internacional de Têxteis, Lda, pelo salvo o devido e muito respeito por outra opinião, na contabilidade da referida empresa tal dívida está paga pelo que não existe motivo para este ponto da matéria de facto não ser dado como provado o ponto e) dos factos não provados: e) Na mesma data foi lançado na contabilidade da empresa X – Comércio Internacional de Têxteis, Lda, este pagamento.
10. Assim, tal documento obviamente tem a força por si só de demonstrar que o ponto e) dos factos não provados deve ser dado como provado, ou seja deve ser dado como provado.
11. Finalmente, em concreto deve ser considerado provado o facto considerado em a), c) e d) dos factos não provados, ou seja: a) Os executados já pagaram a quantia exigida pela exequente. c) A quantia referida em 9 dos factos provados foi entregue para liquidar a quantia exequenda, em causa nestes autos, na sede do Banco A. d) Os Srs. R. M. e Manuel deslocaram-se ao Porto ao edifício W e pagaram integralmente o valor em dívida a dois representantes do referido Banco.
12. Na audiência de 24 de outubro de 2017, iniciada a audiência às 14 horas e 44 minutos, a testemunha Manuel, apresentada pelo embargante, prestou declarações, tendo o seu depoimento início às 14:47:30 e terminou às 15:27:18 horas e o seu depoimento ao minuto 10.52, da sua inquirição foi claríssimo dizendo que pagou o referido valor.
13. Em face deste depoimento, conjugado com o documento comprovativo do levantamento no indicado dia de 9.000,00 euros, e dos documentos da contabilidade da sociedade X – Comércio Internacional de Têxteis, Lda que demonstram o referido pagamento, todos estes meios de prova conjugados devem determinar a alteração das alíneas a) c) e d) da matéria de facto julgada não provada alterando-se a mesma para provada.
14. A sentença do Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou relevantes disposições legais bem como violou as regras de interpretação da prova, previstas entre outros nos arts. 414º e 607º, n.º 5, do CPC, e o disposto nos arts. 323, n.º 2 e 342º, n.º 2, do Código Civil e o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzida.”.

Pugna pela revogação da sentença seguindo-se os ulteriores termos do processo.
*
Contra-alegou a exequente pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.
*
Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

A) Saber se a livrança dada à execução se mostra prescrita, mais concretamente apurar se a prescrição se deve ter como interrompida nos termos do art. 323º nº 2 do C.P.C.;

B) Caso se entenda que a livrança não prescreveu apurar se houve erro no julgamento da matéria de facto.

C) Apurar se ocorreu eventual erro na subsunção jurídica.
*
II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. No âmbito do processo de execução com o nº 2504/13.6TJVNF – de que os presentes autos constituem apenso –, o embargado/exequente “Banco B, S. A.” fundou a execução no facto de ser legítimo portador de um escrito, denominado “livrança”, no montante global de € 17.297,10 (dezassete mil, duzentos e noventa e sete euros e dez cêntimos), emitida em 12/04/2013 e com vencimento em 22/04/2013.
2. O "BANCO B, S.A", anteriormente denominado Banco A, S.A. celebrou com a aqui Exequente "Y, S.A.", em 23/12/2010, escritura pública mediante a qual cedeu a esta, que aceitou, um conjunto de créditos que aquele Banco havia concedido a diversos mutuários.
3. Esta operação incluiu a cessão para a Exequente, entre outros, do crédito aqui em causa, acompanhado dos respectivos acessórios e garantias, sendo esta a titular do mesmo.
4. A Exequente é dona e legítima portadora de uma livrança no montante de € 7.546,50 (sete mil quinhentos e quarenta e seis euros e cinquenta cêntimos), vencida em 07/12/2010, subscrita pela sociedade executada X – Comércio Internacional de Têxteis, L.da e avalizada pelos restantes executados e por Manuel, entretanto declarado Insolvente.
5. A referida livrança titula financiamento bancário efectuado à subscritora pelo Banco cedente no exercício da sua actividade comercial.
6. Apresentada a pagamento, na data do respectivo vencimento, a mesma não foi paga, naquela data, nem posteriormente e até ao presente.
7. A data da instauração do processo de execução ocorreu em 17/08/2013.
8. Os executados aqui opoentes/embargantes foram citados em 21/06/2016.
9. Em 17/07/2009 a sociedade X – Comércio Internacional de Têxteis, Lda. levantou da sua conta bancária a quantia de € 9.000,00.
10. O Banco A, S.A. (doravante designado Banco A) celebrou, a 27/03/2007, com a sociedade X – Comércio Internacional de Têxteis, Lda., um Contrato de Mútuo, pelo valor de € 12.000,00, de que esta se confessou devedora.
11. O empréstimo foi concedido pelo prazo de 48 (quarenta e oito) meses, tendo sido fixadas as condições relativas aos juros, pagamentos, mora e demais constantes daquele contrato, cuja cópia se encontra junta de fls. 27V a 31 que aqui se dão por reproduzidos.
12. Para garantia das obrigações que para si emergiam daquele contrato, a X – Comércio Internacional de Têxteis, Lda. entregou ao aqui embargado uma livrança em branco, por si subscrita e avalizada, entre outros, pelos aqui embargantes conforme consta do artigo 12º, nº 1 do contrato, tendo expressamente autorizado o exequente a, em caso de incumprimento do contrato, proceder ao preenchimento da livrança, apondo-lhe a data de emissão e de vencimento que entendesse conveniente, e fazendo constar como valor tudo o que constituísse o seu crédito conforme autorização de preenchimento subscrita por todos os executados anexa aquele contrato, junta a fls. 31V cujo teor se dá aqui por reproduzido.
13. Face ao incumprimento, por parte da X – Comércio Internacional de Têxteis, Lda., dos termos do contrato que vem de se referir, o Banco A resolveu o contrato e procedeu ao preenchimento da livrança caução entregue, mas não sem antes notificar os intervenientes, entre os quais os ora embargantes.
14. Assim, foram remetidas cartas registadas, datadas de 29/11/2010, para as moradas da X – Comércio Internacional de Têxteis, Lda. e dos respectivos avalistas, entre os quais os ora embargantes, a informar do incumprimento contratual registado, o que determinou a resolução do contrato, e o preenchimento da livrança.
15. O Banco A procedeu ao preenchimento do aludido título, conforme expressamente autorizado pelos seus intervenientes (subscritora e avalistas) ao abrigo do pacto de preenchimento supra referido.
16. O contrato de mútuo celebrado a 27/03/2007 foi incumprido, uma vez que a mutuária deixou de pagar as prestações nos termos contratados, desde a prestação vencida a 27/05/2009.
17. Tendo esta última prestação sido paga pela mutuária, com mora, a 20/08/2009.
18. O que determinou que o Banco A tenha procedido à resolução do contrato por cartas datadas de 30/07/2010.
19. Cartas das quais consta expressamente o valor de capital em divida (€ 6.934,97), juros de mora vencidos (€ 7,25) e despesas e encargos contratualmente estabelecidos (€ 305,96).
*
Foram considerados não provados os seguintes factos:

a) Os executados já pagaram a quantia exigida pela exequente.
b) A sociedade X – Comércio Internacional de Têxteis, Lda., nada ficou a dever à exequente nem à sociedade Banco A.
c) A quantia referida em 9 foi entregue para liquidar a quantia exequenda, em causa nestes autos, na sede do Banco A.
d) Os Srs. R. M. e Manuel deslocaram-se ao Porto ao edifício W e pagaram integralmente o valor em dívida a dois representantes do referido Banco.
e) Na mesma data foi lançado na contabilidade da empresa X – Comércio Internacional de Têxteis, Lda. este pagamento.
*
A) Prescrição da livrança

Importa começar por apurar se o direito de acção da exequente contra os embargantes avalistas prescreveu como defendem estes últimos.

Entendemos que não. Vejamos.

Antes de mais, atenta a data da entrada da presente acção executiva – 17/08/13 - e o disposto no art. 6º nº 3 da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho, que aprovou o Novo Código de Processo Civil (N.C.P.C.), verifica-se que, ao caso em apreço, relativamente aos títulos executivos e formas de processo, são aplicáveis as normas do anterior C.P.C. com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei nº 226/2008 de 20/11. No mais, aplica-se o N.C.P.C. a todas as execuções pendentes à data da entrada em vigor da referida Lei, i.e., em 01/09/2013.

Como refere o art. 4º nº 3 do C.P.C. Dizem-se acções executivas aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado.

E nos termos do art. 45º nº 1 do C.P.C. Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.

Refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 1, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 88:

“O título executivo constitui pressuposto de carácter formal da acção executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de acção e o seu objecto (nº 1), assim como a legitimidade activa e passiva para a acção (art. 55º-1).
O objecto da execução tem de corresponder ao objecto da situação jurídica acertada no título, o que requer a prévia interpretação deste. (…)
É também pelo título que se determina o quantum da prestação. (…)”.
Em sede de títulos executivos vale a regra da tipicidade prevista no art. 46º do C.P.C..

O art. 46º nº 1 c) do C.P.C. confere exequibilidade aos documentos particulares assinados pelo devedor. Como requisito de fundo, para que estes documentos, constituam título executivo exige-se que os mesmos formalizem a constituição de uma obrigação ou neles se reconheça a existência de uma obrigação anteriormente constituída (neste caso inclui-se a promessa de cumprimento ou o reconhecimento de dívida previsto no art. 358º do C.C.). Caso a obrigação seja pecuniária a lei exige que a mesma seja líquida ou liquidável por simples cálculo aritmético.

Assim sendo, verifica-se que, no caso em apreço, o documento apresentado como título executivo – a livrança - se inscreve no disposto no art. 46º nº 1 c) do C.P.C..

A livrança é um título de crédito à ordem que consubstancia uma promessa pura e simples de pagar uma certa quantia, numa determinada data e local, a uma determinada pessoa ou à ordem de quem deve ser paga (art. 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças).

O beneficiário da mesma assume a posição de tomador e de portador enquanto não transmitir a livrança, designadamente por endosso.

O portador pode exercer os seus direitos de acção contra o subscritor e contra os avalistas, na data do respectivo vencimento, pelo valor nela inscrito, juros e despesas (art. 43º 1ª e 2ª partes, 48º ex vi art. 77º da L.U.L.L.).

No caso em apreço, verificamos que, tendo em atenção a data de vencimento da livrança dada à execução (07/12/2010) e a data de entrada do requerimento executivo (17/08/2013), neste momento ainda não havia decorrido o prazo de prescrição do direito de acção da exequente/embargada Y, S.A. contra os avalistas, aqui executados, previsto no art. 70º nº 1 ex vi 77º da L.U.L.L..

Contudo, uma vez que a citação dos embargantes apenas ocorreu em 21/06/2016, defendem estes a prescrição do direito da exequente/embargada por considerarem que a citação não ocorreu antes por razão imputável a esta.

Quid iuris?

Dispõe o art. 298º nº 1 do C.C. que “Estão sujeitos à prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.

Deste preceito retiram-se os seus dois requisitos: a inércia do titular do direito (que faz presumir uma renúncia ao exercício do direito ou, pelo menos, torna o titular indigno da tutela do direito) e o decurso do tempo.

O fundamento deste instituto radica em razões de certeza do direito e de segurança no comércio jurídico.

A prescrição, quando invocada (não opera ipso jure – art. 303º do C.C.), confere ao obrigado o poder de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito (art. 304º nº 1 do C.C.). O prazo da prescrição, em regra, começa a correr a partir do momento em que o direito pode ser exercido (art. 306º nº 1 do C.C.). Em certas circunstância a prescrição pode ser suspensa (art. 318º a 322º do C.C.) ou interrompida (art. 323º a 325º do C.P.C.) sendo que, no primeiro caso, a suspensão ocorre por força da lei, independente da vontade do credor, enquanto que no segundo caso se impõe uma conduta destinada a tal fim, ou do credor ou devedor.

Dispõe o art. 323º do C.C., sob a epígrafe “Interrupção promovida pelo titular”:

1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias.
(…)
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

Deste preceito retira-se que, para interromper a prescrição, não basta a mera introdução do feito em juízo sendo necessário a prática de actos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão e que, em regra, o devedor tome efectivo conhecimento da reclamação do direito. Contudo, para acautelar os direitos do credor no caso de atrasos na citação ou notificação quando estes atrasos não lhe são imputáveis, o legislador ficcionou a efectivação do acto de citação ou notificação no prazo máximo de cinco dias após a propositura da acção.

Como refere o Ac. do S.T.J. de 03/10/2007, in www.dgsi.pt, esta “ficção” pressupõe a concorrência de três requisitos:

- que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção;
- que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;
- que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor.

Este aresto acrescenta ainda que “Este último requisito deve ser interpretado em termos de causalidade objectiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação”.

Refere o Ac. da R.C. de 13/06/2006, in www.dgsi.pt: “É jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que a citação efectuada para além do quinto dia após aquele em que for requerida não é imputável ao requerente quando a demora é devida a motivos de índole processual, de organização judiciária, negligência do tribunal ou dos seus funcionários, dolo do devedor, acumulação de serviço ou outras circunstâncias anómalas. E que a demora é imputável ao respectivo requerente quando se demonstre existir um nexo objectivo de causalidade entre a conduta do requerente, posterior ao requerimento para a citação, e o resultado de a citação ter sido efectivada para além do quinto dia posterior à apresentação daquele.”

Exige-se que o retardamento da citação seja imputável exclusivamente a terceiro, pois caso seja imputável em igual medida ao requerente e aos serviços de justiça por exemplo, já não é aplicável o nº 2 do art. 323º do C.C. (neste sentido vide Ac. da R.P. de 16/10/2017, in www.dgsi.pt).

Revertendo ao caso em apreço, atenta a data da entrada da acção executiva, nos termos do art. 465º do C.P.C., na redacção do Dec.-Lei nº 38/03 de 08/03, O processo comum de execução segue a forma única. Nos termos do art. 812º-C d), 812º-F nº 1 e 833º-A do C.P.C. a penhora é efectuada sem citação prévia do executado, excepto quando a citação prévia pelo agente de execução tenha sido requerida pelo exequente alegando factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito e ofereça de imediato os meios de prova.

No caso sub judice, uma vez que a exequente indicou à penhora apenas um imóvel do executado R. M., a agente de execução (A.E.) começou por proceder à penhora deste bem em 30/10/2013 (art. 951º do N.C.P.C.). Dado que este bem já se mostrava penhorado foi proferida decisão de sustação nos termos do art. 794º do N.C.P.C.. Na sequência de requerimento da exequente com indicação de novos bens à penhora procedeu-se em 11/06/2014 à penhora da quota na sociedade XX – Technical Fabrics & Garments World Commerce, Lda. pertencente ao executado R. M.. Nestes momentos não se procedeu à citação dos executados.

Não obstante as diligências levadas a cabo pela A.E., esta durante um largo período de tempo não logrou encontrar quaisquer bens ou direitos penhoráveis aos embargantes. Apenas em 01/06/2016 e 10/06/2016 logrou proceder à penhora do crédito de € 465,36 referente ao reembolso do I.R.S. de que os ora embargantes L. M. e S. M. passaram a ser titulares. Em 21/06/2016 foram estes citados (art. 855º nº 3 do C.P.C.). Os demais executados foram citados um pouco depois.

O formalismo processual que prevê que a citação apenas ocorra depois de efectuada a penhora não pode prejudicar a exequente daí que, in casu, a prescrição deve ter-se por interrompida cinco dias após a entrada da acção executiva nos termos do nº 2 do art. 323º do C.P.C. tanto mais que inexiste qualquer nexo objectivo de causalidade entre a conduta da requerente, posterior ao requerimento para a citação, e o resultado de a citação ter sido efectivada para além do quinto dia posterior à apresentação daquele.

Exactamente a este propósito lê-se no supra citado Ac. da R.P.: “A ação executiva de que estes autos dependem iniciou-se sob forma sumária, forma processual em que a citação apenas ocorre após a efectivação da penhora (artigo 856º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Porém, isso não tem obstado a que a jurisprudência entenda que em tal caso a prescrição se tenha por interrompida nos cinco dias subsequentes à instauração da acção executiva, pois que nesse caso a não realização da citação nesse prazo decorre do figurino processual que o legislador deu a essa forma processual, não devendo o exequente ser penalizado por isso.”.

Não assiste razão aos apelantes quando referem que, após a penhora do imóvel em 30/10/2013, devia a exequente ter requerido a citação dos executados e optou por penhorar outros bens. Com efeito, uma vez instaurada a acção executiva com uma determinada forma processual, incumbe ao A.E. impulsionar a mesma de acordo com a lei processual inexistindo fundamento legal para o alegado requerimento da exequente a pedir a citação dos executados. O eventual menos correcto modus operandi por parte da agente de execução não é imputável à exequente uma vez que esta, não obstante ter sido por ela escolhida, não é uma mandatária desta, sendo antes uma auxiliar de justiça do Estado (Neste sentido Rui Pinto, in A Ação Executiva, AAFDL Ed., pág. 126),

Por outro lado, não devia a exequente ter requerido a citação prévia uma vez que os autos deram entrada vários meses antes de se completar o prazo de prescrição de 3 anos. Acresce que dos mesmos não resultam factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito.

Pelo exposto, não procede a apelação nesta parte.
*
B) Reapreciação da matéria de facto

Os apelantes impugnam a decisão relativa à matéria de facto defendendo que as alíneas a), c), d) e e) dos factos não provados deviam integrar os factos provados.
A apelada pronunciou-se pela manutenção da matéria de facto dada como não provada.

Vejamos.

O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).

Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência. A este propósito refere Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 3ª ed., p. 256: “A exigência legal, para ser atacada, impõe que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, se estabeleça o fio condutor entre a decisão de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamento), fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes”.

A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.
Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.

Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Assim sendo, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

No caso em apreço entendemos que o julgamento de facto mostra-se correcto.

Com efeito, e desde logo, o documento contabilístico junto a fls. 6, a nosso ver nada prova, uma vez que se mostra desgarrado de outros de onde resulte a que empresa se reporta. De qualquer modo, poderá demonstrar apenas que determinada quantia ou quantias foram lançadas na contabilidade, mas, de modo algum, que essa quantia corresponda a um pagamento à aqui exequente.
No que concerne ao alegado pagamento da quantia exequenda com a entrega da quantia de € 9.000,00 no âmbito de uma reunião no Porto em Julho de 2009 subscrevemos o referido pelo Tribunal a quo acerca da não credibilidade desta afirmação. A única testemunha arrolada pelos embargantes é Manuel, pai do primeiro e sogro da segunda, gerente da sociedade X – Comércio Internacional de Texteis, Lda., igualmente avalista da livrança em causa e não executado por haver sido declarado insolvente. Estes factos naturalmente fragilizam o seu depoimento, pois é por demais interessado no desfecho dos autos. Ainda assim, o referido por esta testemunha também não merece credibilidade por não ser conforme às regras da experiência e não se mostrar alicerçado em outra prova. A alegada entrega da quantia de € 9.000,00 em dinheiro ao gestor da conta da empresa para pagamento da quantia exequenda não é crível, pois não é usual ser este o meio normal de pagamento, nem que quem possa ter feito uma entrega desta natureza se conforme em não receber um comprovativo do mesmo, nem exigir a entrega da livrança alegadamente paga. Acresce que a testemunha S. F., então funcionária do Banco A, S.A., embora não se recorde da alegada reunião, referiu de forma convincente que não é possível uma tal entrega de dinheiro, e que, quando muito, a pessoa teria que ir ao balcão do banco fazer o depósito e dar ordem expressa acerca da imputação da quantia. Por outro lado, tendo a testemunha Manuel referido que a dívida ascendia a € 8.800,00 não se percebe a alegação de haver sido entregue € 9.000,00 e não aquela quantia.
Pelo exposto, é de manter a matéria de facto provada e não provada improcedendo igualmente a apelação nesta parte.
*
C) Subsunção jurídica

Mantendo-se a matéria de facto provada e não provada há que manter a decisão proferida que se mostra conforme à lei.
*
Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I – Nos termos do art. 70º nº 1 ex vi 77º da L.U.L.L. a acção contra o aceitante relativa a livrança prescreve no prazo de três anos a contar do seu vencimento.
II - A ficção legal prevista no nº 2 do art. 323º do C.C. pressupõe a verificação de três requisitos: (i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção; (ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; (iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor/exequente (devendo este requisito ser interpretado em termos de nexo de causalidade objectiva, ou seja, entre a conduta do requerente, posterior ao requerimento para a citação, e o resultado de a citação ter sido efectivada para além do quinto dia posterior à apresentação daquele).
III – Numa acção executiva, em que a penhora precede a citação, com pluralidade de executados, não é imputável ao exequente a citação pelo agente de execução dos executados embargantes quase três anos após a entrada da mesma ainda que a primeira penhora tenha ocorrido cerca de dois meses após esta data.
*
III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e em confirmar integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
**
Guimarães, 22/11/2018

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade