Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6018/16.4T8GMR-B.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO
Sumário:
I. São requisitos cumulativos do «justo impedimento»: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, isto é, que não se deva a culpa sua (por não ser normalmente previsível ou, sendo-o, não terem aqueles actuado de forma censurável); e que o evento determine a impossibilidade de praticar em tempo o acto (e não apenas uma mera e acrescida dificuldade dessa prática).

II. No juízo de «não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes» a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto (art. 487º, nº 2 do C.C.).

III. O justo impedimento, constituindo uma verdadeira derrogação da regra da extinção do direito de praticar um acto pelo decurso de um prazo peremptório, é concedido às partes a título excepcional, por um imperativo de natureza ético-jurídica, já que não se lhes deve exigir que o pratiquem quando estejam absolutamente impossibilitadas de, em determinado momento, o fazerem, por razões que não lhe sejam imputáveis, e para a verificação das quais não concorreram de forma censurável (arts. 139º, nº 1, nº 3 e nº 4, e 140º, nº 1, ambos do C.P.C.).

IV. Não consubstancia «justo impedimento» a inadvertida guarda e falta de entrega de duas cartas dirigidas para citação de parte, por membro do seu agregado familiar, de idade avançada, débil grau de instrução e afectado por problemas de memória e confusão, por tais circunstâncias serem do prévio conhecimento da dita parte, que não assegurou a verificação do recebimento de correspondência que lhe fosse dirigida, quando dispunha de meios para o efeito (nomeadamente, o concurso de outros membros do seu agregado familiar).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Manuel (aqui Recorrente), residente na Avenida …, em Guimarães, deduziu oposição à execução, por embargos, e oposição a penhora (por apenso à acção executiva sumária, proposta contra si pelo Condomínio do Edifício X, sito na Avenida …, Guimarães, que com o nº 6018/16.4T8GMR corre termos pelo Juiz 1, Juízo de Execução de Guimarães, Comarca de Braga), contra o Condomínio do Edifício X, sito na Avenida …, Guimarães (aqui Recorrido), pedindo nomeadamente que

· os embargos deduzidos fossem considerados tempestivos, por apenas ter conhecido a pendência da acção executiva movida contra si no dia 8 de Março de 2017.

Alegou para o efeito, em síntese, que, residindo com a sua Companheira e os Pais desta, e tendo sido recebidas na casa de todos as cartas de citação de 02 de Fevereiro de 2017 e de notificação de 08 de Fevereiro de 2017 (pertinentes à acção executiva que constitui os autos principais), não lhes foram as mesmas entregues, uma vez que a Mãe da sua Companheira as guardou inadvertidamente junto com diversos panfletos publicitários (mercê dos seus 74 anos, do seu baixo nível de instrução, e dos problemas de perda de memória e de alguma confusão que a afectam).
Mais alegou que apenas se apercebeu desse facto no dia 08 de Março de 2017, quando a sua Companheira, que realizava arrumações e limpezas, encontrou as ditas cartas e panfletos publicitários, só então conhecendo a pendência da acção executiva movida contra si e a penhora nela realizada (formulando no dia imediato pedido de concessão de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, a fim de deduzir oposição à execução, juntando o devido comprovativo aos autos principais).

1.1.2. Notificado para o efeito, o Exequente/Embargado (Condomínio do Edifício X, sito na Avenida …, Guimarães) opôs-se a que se julgasse verificado o justo impedimento invocado.
Alegou para o efeito, em síntese, não consubstanciar o alegado lapso da Mãe da Companheira do Executado/Embargante - de guarda indevida de correspondência que lhe era dirigida - justo impedimento, já que foi devido a culpa, negligência ou imprevidência dela própria, bem como do próprio Executado/Embargante, uma vez que, conhecendo a condição física e mental daquela, devia procurar verificar com frequência se chegara correspondência de que fosse destinatário.

1.1.3. Foi proferido despacho, julgando improcedente o incidente de justo impedimento, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
No caso em apreço, dando como assente os factos relatados pelo executado (daí a dispensa de mais qualquer outra prova) não podemos deixar de concluir que o “desleixo” por si relatado não pode integrar o conceito de “Justo impedimento”.
Na verdade, como acima já se evidenciou, a confessada negligência do executado no que concerne ao tratamento do correio que confessadamente recebe na sua residência nunca pode ser ajuizada como “justo impedimento” para a prática atempada do ato em causa nos autos.
Neste contexto, sem mais delongas, dada a simplicidade da questão, julgamos improcedente o incidente de justo impedimento
*
Após trânsito, abra conclusão no apenso de embargos.
(…)»
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1.2. Recurso (fundamentos)

Inconformada com esta decisão, o Executado/Embargante (Manuel) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-se o mesmo por outro, que deferisse o incidente de justo impedimentos ou, subsidiariamente, que ordenasse a realização da produção da prova arrolada.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):

1ª - Os factos alegados para consubstanciarem «justo impedimento» não caracterizam qualquer «desleixo» ou «negligência» próprios.

II - No âmbito dos presentes autos, o Recorrente suscitou o incidente de justo impedimento para apresentação dos seus embargos dentro do prazo legal, alegando, em suma, que:

1- Há cerca de 09 anos que o Executado vive em união de facto com a sua companheira, Maria, residindo ambos com os pais desta, António e Joaquina, com, respetivamente, 73 e 74 anos de idade;
2)- Sendo que é o pai da companheira do Executado que, quando estes se encontram ausentes da sua residência, em virtude da sua disponibilidade de tempo, recebe a correspondência relativa àquele agregado familiar;
3)- Sucedeu, porém, que, no final do dia 08 de Março de 2017, enquanto se encontrava a realizar limpezas e arrumação, a companheira do Executado e encontrou, numa das gavetas de um dos móveis da sala de jantar, diversos panfletos publicitários;
4)- Sendo que, entre a diversa publicidade encontrada, a companheira do Executado, para além do mais, encontrou correspondência dirigida a este, entre outros, dois envelopes ainda fechados que continham a citação efetuada no dia 02/02/2017 e a notificação datada de 08/02/2017;
5)- Citação e notificação estas que a companheira entregou, cerca das 20.00 horas daquele dia 08, ao Executado, conjuntamente com outras cartas;
6)- Sendo que apenas nesta data (isto é, no final do dia 08/03/2017) é que o Executado teve conhecimento da existência das aludidas citação e notificação;
7)- Tendo confrontado os pais da companheira do Executado, António confirmou ter rececionado a aludida correspondência e que as tinha colocado - como é habitual - em cima da mesa da sala de jantar, conjuntamente com a demais correspondência e diversa publicidade;
8)- Julgando este que - como é usual - aquela correspondência tinha sido retirada daquele local e aberta pelo próprio Executado;
9)- Tendo-se concluído que, uma vez que aquelas cartas se encontravam junto de diversa publicidade que era diariamente consultada pela mãe da companheira do Executado, D. Joaquina, esta misturou a aludida correspondência com aqueles panfletos e, inadvertidamente, guardou tudo numa gaveta do móvel da sala de jantar;
10)- Na verdade, de alguns meses a esta parte, a D. Joaquina tem apresentado alguns problemas de perda de memória e, ainda, alguma confusão, que, conjugados com sua idade avançada, determinam que ela não se tenha apercebido de ter guardado as missivas em apreço;
11)- Para além disso, a identificada D. Joaquina tem um baixo nível de instrução, tendo muitas dificuldades na leitura, pelo que a mesma desconhece o teor da correspondência por si guardada;
12)- Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, por facto que não lhe é imputável, o Recorrente somente tomou conhecimento real e efetivo dos autos executivos principais, da citação efetuada e dos prazos daí decorrentes, no final do dia 08 de Março de 2017;
13)- Desconhecendo, por isso, até àquela data, a pendência dos presentes autos, a penhora efetuada e, bem assim, os prazos em curso, nomeadamente, para deduzir oposição mediante embargos e oposição à penhora;
14)- Uma vez que no momento em que tomou conhecimento do supra exposto, os serviços da segurança social e do tribunal já se encontravam encerrados,
14)- O Requerente formulou, logo no dia seguinte, ou seja, no dia 09/02/2017, o pedido de proteção jurídica, entre outras, na modalidade de nomeação de patrono para efeitos de deduzir os competentes embargos no âmbito dos presentes autos,
15)- E cujo comprovativo, na mesma data, o Requerente juntou aos competentes autos;
16)- Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, devem os factos supra descritos serem verificados como justo impedimento que obstou à prática atempada dos atos,
17)- Nomeadamente de peticionar o benefício de proteção jurídica na modalidade, entre outras, de nomeação e compensação de patrono e de requerer a junção aos respetivos autos, do duplicado carimbado dentro do prazo legal de vinte dias previsto no artigo 856º do CPC, de modo a obter, nos termos legais, a sua interrupção da contagem dos prazos em curso.
18)- Assim como, após a nomeação de patrono, deduzir os embargos que o presente acompanham;
19)- Impedimento que, por não ser imputável ao Executado ou à sua patrona, deve determinar que se considere tempestivamente apresentado em 09/03/2017 o comprovativo do Executado ter requerido, para estes autos, o benefício da protecção jurídica na modalidade de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário, nomeadamente de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono;
20)- E, por via disso, julgar-se na supra identificada data, nos termos legalmente aplicáveis, interrompida a contagem do prazo legal de 20 dias para deduzir embargos aos presentes autos e cuja contagem que se reiniciou com a nomeação da patrona efetuada pelos competentes serviços – cfr. ofício de fls. … e seguintes,
21)- E, consequentemente, julgar-se tempestiva a apresentação dos embargos ora deduzidos”;

III - Determina o Nº 1 do artigo 140ºdo CPC que considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato;

IV - Assim sendo, a verificação do justo impedimento implica a ocorrência de um evento não imputável à parte ou seus representantes, e, bem assim, que esse evento não imputável resulte na impossibilidade de praticar atempadamente o ato;

V - Conforme resulta da doutrina e jurisprudências maioritárias, designadamente na esteira do entendimento plasmado no Acórdão prolatado pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães em 11/12/2015, no âmbito do Procº Nº 56/04.7TCGMR-A.G1 e disponível em www.dgsi.pt, “O conceito de justo impedimento abarca as situações em que a omissão ou o retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria”;

VI - A possibilidade de as partes praticarem, de forma excecional, atos processuais fora dos prazos legais apenas se fica a dever a “razões estranhas e imprevisíveis ocorram, de forma que se revele adequada e equitativa a concessão de um prazo suplementar para a prática do acto” – cfr. Acórdão proferido em 18/07/2006 pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do Procº Nº 1887/06 e também disponível em www.dgsi.pt;

VII - No caso dos autos e em apreço, contrariamente ao entendimento do Ex.mo Tribunal recorrido, os factos alegados nos autos não constituem “desleixo” ou “negligência do executado”, pois o evento descrito nos autos (o não recebimento das citação/notificação), nos termos melhor descritos no requerimento apresentado nos autos, não envolve a culpa ou sequer qualquer negligência imputável ao Recorrente no tratamento do seu correio;

VII - Pois o ora Recorrente, desconhecendo a existência e a pendência de qualquer processo judicial contra si, designadamente os presentes autos executivos, jamais poderia prever o envio da citação e da notificação do cumprimento do artigo 233º do CPC e a sua receção por parte do pai da sua companheira;

IX - Assim como também não podia prever que a mãe da sua companheira, inadvertidamente, lhe podia guardar, sem o seu conhecimento, a sua correspondência;

X - Sendo que, para efeitos de determinação do conceito de “justo impedimento”, a eventual culpa da parte é apreciada, em face das circunstâncias de cada caso e na falta de outro critério legal, pela diligência do bonus pater familiae;

XI - Diligência do bonus pater familiae que, segundo os ensinamento de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, atende "às circunstâncias de cada caso, a lei quer apenas dizer que a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal (um bom pai de família) teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto";

XII - Pelo que não se encontra qualquer fundamentação para o referido – mas infundado – “desleixo” alegado na decisão recorrida, inexistindo quaisquer outros factos dos autos dos quais resulte a hipotética falta de diligência do Recorrente no que concerne ao tratamento da sua correspondência;

XIII - Uma vez que a situação dos autos assume contornos excecionais que, manifestamente, se coadunam com o conceito legal de justo impedimento, por se tratar de um evento não imputável ao Recorrente do qual resultou a impossibilidade de deduzir atempadamente os pretendidos embargos de executado;

XIV - Evento este que jamais se pode qualificar como “desleixo” ou do qual decorra a imputada e alegadamente “confessada negligência” a que se alude na mui douta decisão recorrida;

XV - Atento o alegado no requerimento de fls. … e seguintes destes autos com a referência 5626806 dos autos principais:

a. No final do dia 08 de Março de 2017, enquanto se encontrava a realizar limpezas e arrumação, a companheira do ora Recorrente encontrou, numa das gavetas de um dos móveis da sala de jantar, diversos panfletos publicitários, entre os quais se encontra correspondência dirigida ao seu companheiro, designadamente, e entre outros, dois envelopes ainda fechados que continham a citação efetuada no dia 02/02/2017 e a notificação datada de 08/02/2017;
b. Subscritos que a companheira do Recorrente lhe entregou, cerca das 20.00 horas daquele dia 08, conjuntamente com outras cartas;
c. Tendo o Recorrente confrontado os pais da sua companheira, António confirmou ter rececionado a aludida correspondência e que as tinha colocado - como é habitual - em cima da mesa da sala de jantar, conjuntamente com a demais correspondência e diversa publicidade, julgando este que - como é usual - aquela correspondência tinha sido retirada daquele local e aberta pelo próprio Recorrente;
d. Por essa via, concluiu-se que, uma vez que aquelas cartas se encontravam junto de diversa publicidade que era diariamente consultada pela mãe da companheira do Recorrente, D. Joaquina, esta misturou a aludida correspondência com aqueles panfletos e, inadvertidamente, guardou tudo numa gaveta do móvel da sala de jantar;
e. Sendo que, de alguns meses a esta parte, a D. Joaquina tem apresentado alguns problemas de perda de memória e, ainda, alguma confusão, que, conjugados com sua idade avançada, determinam que ela não se tenha apercebido de ter guardado as missivas em apreço;
f. Para além disso, a identificada D. Joaquina tem um baixo nível de instrução, tendo muitas dificuldades na leitura, pelo que a mesma desconhece o teor da correspondência por si guardada;

XVI - Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, podemos concluir que somente no final do aludido 08/03/2017 é que o Recorrente teve conhecimento da existência das aludidas citação e notificação;

XVII - Desconhecendo, por isso, até àquela data, a pendência dos presentes autos, a penhora efetuada e, bem assim, os prazos em curso, nomeadamente, para deduzir oposição mediante embargos e oposição à penhora;

XVIII - Tendo tomado conhecimento do supra exposto, encontrando-se os serviços da segurança social e do tribunal encerrados, o então Requerente, aqui Recorrente, formulou, logo no dia seguinte, ou seja, no dia 09/02/2017, o pedido de proteção jurídica, entre outras, na modalidade de nomeação de patrono para efeitos de deduzir os competentes embargos no âmbito dos presentes autos e cujo comprovativo, na mesma data, o Recorrente juntou aos competentes autos.

XIX - Sendo que o descrito facto impeditivo não é ser imputável ao Recorrente ou à sua patrona, quer a título de culpa, quer a título de negligência e, bem assim, não lhes ser censurável;

XX - Salvo o devido respeito por distinta opinião, inexiste dos factos alegados pelo ora Recorrente quaisquer circunstâncias de “desleixo” ou sequer “negligência no tratamento da sua correspondência”, uma vez que apenas tal poderia suceder se o Recorrente tivesse conhecimento – o que não sucedia – da pendência dos presentes autos executivos ou se tivesse sido informado pelo pai da sua companheira da receção das missivas em apreço;

XXI - O que também não aconteceu nestes autos, nem tal resulta do alegado pelo Recorrente em sede de incidente de justo impedimento;

XXII - Sendo que, até ao aludido dia 08 de Março de 2017, não era exigível ao Recorrente, nem a qualquer outra pessoa ou homem médio, pensar que a mãe da sua companheira tivesse guardado, por mero lapso, as citação e notificação remetidas pela Ex.ma Senhora Agente de Execução em função nos autos, pois ignorava a sua existência;

XXIII - E, no momento que tomou conhecimento do sucedido, o Recorrente prontamente diligenciou no sentido de solucionar a questão, agindo com a devida prudência e responsabilidade;

XXIV - Tudo o que obstou à prática atempada dos seguintes atos processuais: peticionar o benefício de proteção jurídica na modalidade, entre outras, de nomeação e compensação de patrono e de requerer a junção aos respetivos autos, do duplicado carimbado dentro do prazo legal de vinte dias previsto no artigo 856º do CPC, de modo a obter, nos termos legais, a sua interrupção da contagem dos prazos em curso, e, assim como, após a nomeação de patrono, deduzir os embargos que o presente acompanham;

XXV - O que devia ter determinado, como ainda deve, que se considere tempestivamente apresentado em 09/03/2017 o comprovativo do Executado ter requerido, para estes autos, o benefício da proteção jurídica na modalidade de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário, nomeadamente de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono,

XXVI - E, por via disso, julgar-se na supra identificada data, nos termos legalmente aplicáveis, interrompida a contagem do prazo legal de 20 dias para deduzir embargos aos presentes autos e cuja contagem que se reiniciou com a nomeação da patrona efetuada pelos competentes serviços – cfr. ofício de fls. … e seguintes, e, consequentemente, julgar-se tempestiva a apresentação dos embargos ora deduzidos;

XXVII - Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, deferindo o requerido incidente de justo impedimento, ordene o prosseguimento dos autos principais e o apenso de embargos de executado;

2ª - A produção de prova permitirá aferir se ouve algum tipo de culpa ou negligência que possa ser imputada do Recorrente.

XXVIII - Caso assim se não entenda, o que se não concede nem concebe e por mera hipótese se acautela, subsidiariamente, ser a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene a realização dos meios de prova requeridos, nomeadamente a inquirição das testemunhas arroladas, de modo a aferir se houve algum tipo de culpa ou negligência que possa ser imputada ao Recorrente.
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1.3. Contra-alegações

O Exequente/Embargado (Condomínio do Edifício X, sito na Avenida …, Guimarães) contra-alegou, pedindo que fosse negado provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido.

Alegou para o efeito, em síntese:

1 - Actuou o Exequente/Embargante com negligência ou descuido, por, conhecendo a condição de saúde da Mãe da sua Companheira, não verificou com frequência a chegada de correspondência de que fosse destinatário.

2 - A aceitar-se como «justo impedimento» o por ele alegado, estar-se-ia a abrir a porta para, sob qualquer desculpa, se praticar um acto para além do prazo legal.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· QUESTÃO ÚINICA - São os factos alegados pelo Executado/Embargante susceptíveis de consubstanciarem o conceito legal de «justo impedimento» ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes nos autos os factos elencados em «I - RELATÓRIO» (relativos ao seu processamento), que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Justo impedimento
4.1.1. Justificação

Lê-se no art. 139º do C.P.C. que o «prazo [para a prática de acto processual] é dilatório ou perentório» (nº 1), sendo que o «decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato» (nº 3).
Reconhece-se que os «prazos são uma fatalidade em Direito. Eles traduzem fortes limitações substantivas aos direitos subjectivos das pessoas com a agravante de, muitas vezes, não estarem patentes. Não obstante, eles são necessários: na sua falta toda a administração da justiça se tornaria impossível. Trata-se de um curioso efeito de retorno: os próprios direitos das pessoas ficariam, afinal, imersos em incerteza. Há, pois, que respeitar os prazos sob diversas cominações» (Ac. da RC, de 30.06.2015, Henrique Antunes, Processo nº 39/14.9T8LMG-A.C1, disponível in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
Contudo, e reconhecendo a mesma lei a necessidade, pontualmente, se atenuar a rigidez dos prazos, bem como o efeito preclusivo inevitavelmente associado ao seu esgotamento, veio consagrar alguns mecanismos de salvaguarda excepcional dos direitos de outro modo assim afectados.
Lê-se, por isso, no nº 4 do art. 139º citado que o «ato pode, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte».
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4.1.2. Definição

Lia-se na redacção inicial do art. 146º (nº 3) do C.P.C. de 1961, que se considera «justo impedimento» «o evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário».
Desde cedo se enfatizou, porém - e na esteira de doutrina anterior - , a necessidade de, na definição do carácter «imprevisto» do evento, não se exigir um conceito demasiado «rígido e severo», isto é, «insusceptível de toda a previsão, o que excede todas as possibilidades de previsão, mesmo de pessoas excepcionalmente cautelosas e avisadas»; mas também se acautelou para o risco de não se cair no extremo oposto, aceitando como evento imprevisto todo aquela «que a parte não previu», por assim se abri «a porta a todos os desleixos», desculpando-se «todas as imprevidências».
Logo, o justo equilíbrio alcançar-se-ia exigindo-se às partes que «procedam com diligência normal; não é razoável exigir-se que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais»: tudo «aquilo que excede os limites das previsões normais, tudo aquilo com que não pode razoavelmente contar-se, deve considerar-se “evento imprevisto”» (José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 2º, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1945, p. 77-8).
Contudo, a mesma doutrina não deixou desde logo de referir ainda que, o «que está na base do conceito legal é este pensamento: o interessado não pode colocar-se ao abrigo do justo impedimento quando tenha havido da sua parte, culpa, negligência ou imprevidência. Se o evento era susceptível de previsão normal e a parte não se acautelou contra êle, sibi imputet: a parte foi imprevidente», vendo-se na culpa que levou a que o evento se produzisse a imputação do mesmo aquela, por então não se ter por «estranho à sua vontade» (José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 2º, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1945, p. 72).
Compreende-se, por isso, que o art. 146º, nº 3 do C.P.C. de 1961 fosse sendo interpretado «como exigindo, para a verificação de justo impedimento, os três seguintes requisitos:

1 - um evento normalmente imprevisível, ou seja, insusceptível de prever pela generalidade das pessoas medianamente capazes e diligentes;
2 - estranho à vontade da parte, entendendo-se por este termo “parte” tanto o sujeito da relação processual como o seu mandatário, em termos da parte não poder desculpar-se com o dolo ou negligência do patrono, nem um nem outro com a culpa do empregado do escritório do advogado; além disto, necessário é ainda que o interessado não tenha agido com culpa, negligência ou imprevidência, pois que, se tal acontecer, o evento é-lhe imputável e não pode considerar-se estranho à sua vontade;
3 - e que impossibilite a parte de praticar o acto, por si ou por mandatário, mesmo usando da devida diligência» (Ac. do S.TJ, de 07.03.1995, Fernando Fabião, Processo nº 086784, com bold apócrifo).

Contudo, e por forma a clarificar ser esta a interpretação tida como mais desejável, veio o preceito em causa a sofrer nova redacção, conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, lendo-se então no mesmo que se considera «justo impedimento» «o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto».

Substituiu-se, deste modo, a noção nuclear de acontecimento normalmente imprevisível, pela nova noção de acontecimento não imputável à parte ou ao seu mandatário, por os mesmos não terem tido culpa na sua produção. Logo, a parte ou o seu mandatário podem ter tido participação na ocorrência, desde que essa participação não envolva, nos termos gerais, um juízo de censurabilidade.

De acordo com o preâmbulo do referido Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, pretendeu-se com esta alteração flexibilizar «a definição conceitual de “justo impedimento”, em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam».

Por outras palavras, procurou-se atenuar «a rigidez do anterior sistema de invocação e aceitação do justo impedimento, assente no princípio da imprevisibilidade e da impossibilidade de prática dos actos, centrando agora o instituto na ideia da culpabilidade das partes, dos seus representantes ou mandatários» (António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, Almedina, Lisboa, 1998, p. 87).
Logo, à «luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do ato não seja imputável à parte ou ao mandatário, por não ter tido culpa na sua produção»: a parte ou o mandatário podem «ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade».
«Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário (ou a um auxiliar deste: cfr. art. 800-1 CC)», e por isso um «evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou omissão» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 273-4).
Desde então, o «que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento” - mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática do acto - é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no n.º 2 do art.º 487.º do C. Civil, e sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas» (Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª edição, Almedina, 2004, p. 154-155. No mesmo sentido, citando-o expressamente, Ac. da RG, de 12.11.2015, Francisco Cunha Xavier, Processo nº 56/04.7TCGMR-A.G1, e Ac. da RL, de 22.01.2015, Ondina Carmo Alves, Processo nº 1069/14.6TVLSB-A.L1-2).
São, assim, requisitos cumulativos do justo impedimento a não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes ou mandatários, e a consequente impossibilidade de praticar o ato em tempo (Ac. da RC, de 30.06.2015, Henrique Antunes, Processo nº 39/14.9T8LMG-A.C1, ou Ac. da RP, de 22.11.2016, Maria Cecília Agante, Processo nº339/13.5TBVCD-A.P1), não bastando para o efeito a mera e acrescida dificuldade dessa prática (Ac. da RG. de 07.04.2011, Manuel Bargado, Processo nº 780/07.2TVPRT-C.G1, ou Ac. da RG, de 03.06.2013, Lígia Moreira, Processo nº 473/11.6TAFFAF.G1).
Na determinação da «não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes» «a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal (um bom pai de família) teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 4ª edição, p. 489).

O art. 140º, nº 1 do actual C.P.C. manteve a anterior opção legislativa, lendo-se por isso no mesmo que se considera «”justo impedimento” o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato».
Não se inutilizaram, assim, os anteriores contributos, da jurisprudência e da doutrina, na aplicação deste conceito, podendo nomeadamente integrá-lo (apud José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 275-7, com exaustiva discriminação de arestos):

. atrasos nos serviços do correio, designadamente por greve, ou por deficiente funcionamento interno causado por erro ou atraso na entrega;

. entrega tardia do correio electrónico, quando o envio tenha sido feito atempadamente e a entidade distribuidora não tenha apontado razão para o atraso;

. acidentes e avarias de automóveis, ou atrasos de meios de transporte, se a parte ou o seu mandatário tiverem usado de diligência, segundo um critério de normalidade;

. doença súbita da parte ou do mandatário, e não prolongada, quando configure um obstáculo razoável e objectivo à prática do acto, tidas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa;

. greve de funcionários judiciais, se os tribunais tiverem encerrado sem a prestação de serviços mínimos;

. erro na regravação da cópia da audição, ou omissão de facultar a cópia de acta de diligência a que o mandatário não esteve presente.

Permanecem, assim, excluídos deste instituto os atrasos, omissões, ou quaisquer outros factos decorrentes de negligência (simples ou grosseira), da parte, do mandatário ou dos seus auxiliares ou subordinados.

Compreende-se, por isso, que afirme que o «instituto do justo impedimento tem o seu fundamento num imperativo de natureza ético-jurídica, cuja inteleção é de fácil apreensão e que se prende com o facto de não poder exigir-se a ninguém que pratique atos, em processos judiciais ou administrativos, que esteja absolutamente impossibilitado de, em determinado momento, levar a cabo, por razões que não lhe sejam imputáveis. O contrário, consubstanciaria uma restrição inaceitável ao núcleo essencial do direito fundamental de acesso ao Direito previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa» (Ac. do TCAN, 1º Secção-Contencioso Administrativo, de 20.03.2015, Helena Ribeiro, Processo nº 01578/14.7BEPRT. No mesmo sentido, Ac. da RG, de 23.06.2004, Carvalho Martins, Processo nº 1107/04-1, onde se lê que o «justo impedimento é consagrado na nossa lei, a título excepcional, por uma questão de justiça material, para dar realização a situações excepcionais, por ocorrências estranhas e imprevisíveis ao obrigado à prática do acto», funcionando «como uma válvula de escape à rigidez estabelecida na lei para a prática de certos actos, assegurando, pelos limites em que funciona, a realização do princípio do art. 20.° [da C.R.P.] supracitado»).
Contudo, o «preenchimento do conceito de justo impedimento demanda tacto e circunspecção. Há que manter o justo equilíbrio entre duas tendências opostas: abrir-se o caminho a todas as incúrias e imprevidências; fechar-se a porta a todos ou a quase todos os obstáculos e impedimentos. Todas as contas feitas, o que deve exigir-se às partes e seus mandatários é que procedam com a diligência normal; não é razoável exigir-se às partes ou aos seus mandatários que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais» (Ac. da RC, de 30.06.2015, Henrique Antunes, Processo nº 39/14.9T8LMG-A.C1).
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4.1.3. Tramitação e efeito

Lê-se art. 140º, nº 2 do actual C.P.C. (como já antes se lia no nº 2 do art. 146º do anterior C.P.C.) que a «parte que alegar justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou».
O requerente do justo impedimento terá assim que se apresentar a alegá-lo e a prová-lo logo que o mesmo cesse, devendo considerar tal acto como urgente (Ac. da RP, de 06.06.1990, Sousa Guedes, Processo nº 0124128, e também in B.M.J. nº 398, p. 584).

Precisa-se, porém, que, e «tal como na responsabilidade contratual, a culpa não tem de ser provada, cabendo à parte que não praticou o ato alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (art. 799-1 CC): embora não esteja em causa o cumprimento de deveres, mas a observância de ónus processuais, a distribuição do ónus da prova põe-se nos mesmos termos» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 274).

Precisa-se, ainda, que a não impugnação dos factos alegados pela parte que pretenda beneficiar do justo impedimento «não implica a sanção da sua admissão por acordo, não só porque se não está na fase dos articulados (cfr. artigo 490 do Código Civil) como também porque a questão da existência, ou não, de justo impedimento, capaz de evitar o efeito extintivo do decurso do prazo peremptório, é matéria subtraída à disponibilidade das partes, não funcionando, portanto, a dita cominação» (Ac. do STJ, de 07.03.1995, Fernando Fabião, Processo nº 086784).

Precisa-se, por fim, que o «efeito do justo impedimento não é nem o de impedir o início do curso de prazo peremptório nem o de interromper tal prazo quando em curso, no momento em que ocorre o facto que se deva considerar justo impedimento, inutilizando o tempo já decorrido, mas tão somente o de suspender o termo de um prazo peremptório, deferindo-o para o dia imediato aquele que tenha sido o último de duração do impedimento. Ou seja, através do justo impedimento não se pode pretender que o novo prazo para a prática do acto seja concedido, apenas se concedendo ao requerente a possibilidade de praticar acto no momento (dia) imediatamente posterior ao fim da cessação do impedimento» (Ac. da RC, de 18.07.2006, Garcia Calejo, Processo nº 1887/06. No mesmo sentido, Ac. da RE, de 02.12.2009, Bernardo Domingos, Processo nº 360/08.5TBVVC-A.E1).
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4.2. Caso Concreto (subsunção ao direito aplicável)

Concretizando, veio o Executado /Embargante alegar que, tendo de facto sido endereçadas para, e recebidas na, casa onde mora as cartas destinadas à sua citação (nos termos dos arts. 228º e 233º, ambos do C.P.C.), as mesmas não lhe foram entregues, por terem sido inadvertidamente guardadas com panfletos publicitários pela Mãe da sua Companheira, pessoa já com 74 anos, de fraca instrução, e com problemas de memória e de alguma confusão, só posteriormente sendo encontradas, em arrumações promovidas pela sua Companheira.
Defendeu consubstanciar este facto «justo impedimento» para a apresentação tempestiva da oposição à execução - que imediatamente promoveu, após o seu conhecimento -, nos termos do art. 140º, nº 1 do C.P.C. (desconhecendo-se se arguiu igualmente a falta da respectiva citação com esse fundamento, nos termos o art. 188º, nº 1, al. e) do C.P.C.).

Contudo, e salvo o devido respeito pela sua opinião contrária, se é certo que os factos por si alegados - a serem verdadeiros, e válida a citação de que foi alvo - o teriam impedido de deduzir oportunamente a oposição à acção executiva movida contra si, certo é que não se consideram aqui (ainda que se provassem) não imputáveis à sua pessoa, por se deverem a imprevidência ou negligência sua.
Com efeito, vivendo o Executado/Embargante com a sua Companheira e os Paios desta, na mesma casa, necessariamente todos conhecerão as recíprocas condições física e mental, nomeadamente as menores competências que neste momento afectarão a Mãe da sua Companheira.
Assim, nem o Marido da mesma deveria ter simplesmente deixado a correspondência recebida directamente por si próprio pousada em cima de um qualquer móvel, para posterior recolha pelo Companheiro da Filha, sem posteriormente se certificar posteriormente que de facto este assim procedera, nem o próprio Executado/Embargante se deveria ter desinteressado da verificação frequente - senão mesmo diária - do eventual recebimento de correspondência que lhe fosse dirigida, conhecendo a idade avançada dos Pais da sua Companheira, e o alegado reduzido grau de instrução de um deles, bem como os problemas de memória e de confusão que já o afectarão.
Por outras palavras, caber-lhe-ia antecipar e obviar à menos valia dos eventuais actos praticados por um dos membros do seu reduzido agregado familiar, residente no mesmo espaço comum, não só por conhecer antecipadamente essa alegada menos valia, como ainda por dispor para o efeito do concurso da sua Companheira e do Pai da mesma, isso é, de meios idóneos e suficientes para o efeito (funcionando estes aqui como seus possíveis auxiliares).

Decidir de outro modo, seria transferir para a parte contrária (Exequente/Embargante) o efeito negativo de uma situação à qual é absolutamente alheia, sobre a qual não tem (nem pode ter) qualquer controlo, desonerando do mesmo passo o Executado/Embargante dos custos de uma inicial escolha ou anuência próprias (de residência comum) e de subsequente imprevidência (de falta de verificação de algo que a exigia, conforme era do seu conhecimento antecipado).

Reconhece-se que este entendimento do Tribuna a quo, e que aqui se sufraga, permite o gravoso efeito preclusivo do esgotamento do prazo de dedução de oposição à acção executiva pendente entre as partes. Contudo, é o próprio «sistema processual» que consagra precisos «limites ao funcionamento do princípio do justo impedimento», sob pena da introdução «da mais completa anarquia na ordem processual e, isso sim, afrontando a realização da justiça e do acesso aos tribunais, violaria o princípio constitucional apontado» (Ac. da RG, de 23.06.2004, Carvalho Martins, Processo nº 1107/04-1).

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, julgando não verificado o justo impedimento invocado nos autos pelo Recorrente (Manuel), e improcedente o recurso de apelação por ele interposto, confirmando-se integralmente o despacho recorrido.
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V- DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Executado/Embargante (Manuel), e, em consequência em confirmar integralmente o despacho recorrido.
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Custas da apelação pelo Recorrente (artigo 527º, nº 1 e nº 2 do CPC).
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Guimarães, 18 de Janeiro de 2018.


(Relatora) (Maria João Marques Pinto de Matos)
(1º Adjunto) (José Alberto Martins Moreira Dias)
(2º Adjunto) (António José Saúde Barroca Penha)


SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663º, n 7 do C.P.C.)

I. São requisitos cumulativos do «justo impedimento»: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, isto é, que não se deva a culpa sua (por não ser normalmente previsível ou, sendo-o, não terem aqueles actuado de forma censurável); e que o evento determine a impossibilidade de praticar em tempo o acto (e não apenas uma mera e acrescida dificuldade dessa prática).

II. No juízo de «não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes» a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto (art. 487º, nº 2 do C.C.).

III. O justo impedimento, constituindo uma verdadeira derrogação da regra da extinção do direito de praticar um acto pelo decurso de um prazo peremptório, é concedido às partes a título excepcional, por um imperativo de natureza ético-jurídica, já que não se lhes deve exigir que o pratiquem quando estejam absolutamente impossibilitadas de, em determinado momento, o fazerem, por razões que não lhe sejam imputáveis, e para a verificação das quais não concorreram de forma censurável (arts. 139º, nº 1, nº 3 e nº 4, e 140º, nº 1, ambos do C.P.C.).

IV. Não consubstancia «justo impedimento» a inadvertida guarda e falta de entrega de duas cartas dirigidas para citação de parte, por membro do seu agregado familiar, de idade avançada, débil grau de instrução e afectado por problemas de memória e confusão, por tais circunstâncias serem do prévio conhecimento da dita parte, que não assegurou a verificação do recebimento de correspondência que lhe fosse dirigida, quando dispunha de meios para o efeito (nomeadamente, o concurso de outros membros do seu agregado familiar).

(Maria João Marques Pinto de Matos)