Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
387/11.0TBPTL-B.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- O articulado superveniente, tendo por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, serve tão só para carrear para os autos os factos essenciais a que alude o artº 5º, nº1, do CPC;
II - Desde que tempestivamente apresentado, o articulado superveniente só poderá ser liminarmente rejeitado pelo Juiz caso a factualidade nova nele vertida, e obviamente tendo sempre em consideração as várias soluções plausíveis da questão de direito, manifestamente nenhum interesse têm para a boa decisão da causa.
III - No âmbito do articulado superveniente , e desde que respeitadas as observações referidas em I e II, nada obsta à alteração simultânea do pedido e da causa de pedir, apenas sendo de exigir que o objecto da acção mantenha ainda assim algum nexo com o pedido inicial e com a originária causa petendi.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.Relatório.
Em acção declarativa e com processo ordinário, que o Condomínio.., intentou contra M.., Lda, peticionando a condenação da ré a proceder à reparação/construção ou eliminação dos defeitos de construção existentes em prédio construído pela Ré , já após a elaboração do despacho saneador e fixação da pertinente factualidade ( assente e controvertida ) e, bem assim, da designação da data para a audiência de julgamento, veio a autora, em Junho de 2013, atravessar nos autos ARTICULADO SUPERVENIENTE, impetrando a respectiva admissão, com todas as consequências legais.
1.1.- Satisfeito o contraditório ( tendo a Ré pugnado pela rejeição do articulado superveniente ) e, pronunciando-se sobre a admissibilidade do articulado superveniente indicado em 1, veio o Exmº Juiz a quo a proferir o despacho que se segue ;
“Do articulado superveniente,
A requerente alega que devido às grandes chuvadas os danos no interior das fracções autónomas nomeadamente nas frações B), H) e M) se agravaram
Verificam-se infiltrações através das zonas comuns (terraços de cobertura/juntas de dilatação.
Tal situação está a afectar gravemente o interior das fracções.
Ora, em primeira linha e, salvo devido respeito o Condomínio não tem legitimidade alguma para vir aos autos reclamar os danos que aconteceram nas frações autónomas já que tal reclamação compete aos proprietários das referidas frações.
Por sua vez requerente do articulado não concretiza qual ou quais danos aconteceram, especificando-os, ficando-se por uma formulação genérica de uns hipotéticos danos.
Pelo exposto, por falta de legitimidade e por insuficiência de alegação de factos concretos no articulado, não o admito, e consequentemente se indefere a inspecção ao local dada a não admissão do articulado.
Custas do incidente pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 ½ (uma e meia ) UC.
Notifique”
1.2.- Inconformado com a referida decisão ( a indicada em 1.1.), de imediato e em tempo atravessou nos autos o A. requerimento de interposição de apelação, tendo na respectiva peça recursória formulado as seguintes conclusões :
1ª- Corre termos No Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, ação de processo ordinário, sob o n.º 387/11.0TBPTL, no 2° Juízo, onde figuram como autor Condomínio.. e como Ré M.., Lda;
2ª - A presente ação teve início a 31 de Março de 20 II, em que na petição inicial o Autor alega defeitos de construção do prédio construída pela Ré - prédio urbano.., prédio melhor descrito nos artigos 2° e 3° da petição inicial- e termina pedindo que sejam declarados e reconhecidos os defeitos alegados na p.i. e condenada a ré a proceder à sua reparação/construção ou eliminação. (vide petição inicial que por urna questão de economia processual aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos).
3ª - Entre outros defeitos indicados no artigo 9° da petição inicial o Autor alegou o defeito que se manifesta como "fissuras nos terraços de cobertura".
4ª - A Ré contestou por exceção e por impugnação.
5 ª - O Autor apresentou réplica para responder às exceções.
6ª- Foi elaborado o despacho saneador e notificado às partes em 8 de Novembro de 2012, no qual não foram conhecidas a exceções invocadas na contestação.
7ª- Na base instrutória constante no referido despacho saneador foram elaborados quesitos relativos ao defeito em apreço "fissuras nos terraços de cobertura", nomeadamente nos números 1 a 5. (vide despacho saneador que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos).
8a - Os autos seguiram os trâmites legais e a partes foram notificadas da marcação da data de audiência de julgamento no dia 19 de Dezembro de 2012.
No início da audiência de discussão e julgamento, dia 11 de Junho de 2013, o autor apresentou articulado superveniente nos termos do art.506° do CPC.
10a - A Ré foi notificada do supra referido articulado no início da audiência de discussão e julgamento a qual não prescindiu do prazo de 10 dias para se pronunciar sobre o mesmo.
11ª- A ré apresentou em juízo a resposta ao articulado superveniente apresentado pelo autor., na qual foram invocadas exceções, (Vide requerimento de resposta da Ré ao articulado superveniente apresentado pelo Autor)
12a - Às exceções invocadas pela Ré foi exercido o contraditório por parte do Autor.
13a - Em 24 de Setembro de 2013 foi o autor notificado do despacho objeto deste recurso.
14a - No entender do tribunal a quo o articulado superveniente apresentado pelo autor não foi admitido por falta de legitimidade e por insuficiência de alegação de factos concretos no articulado ,já que se entendeu que não foram especificados os danos que aconteceram ficando-se por urna formulação genérica de uns hipotéticos danos.
15ª- Com tal decisão e fundamentação não pode o recorrente se conformar por duas ordens razão, a saber:
1a) os dois motivos indicados pelo tribunal a quo para não admitir o articulado superveniente não encontram fundamento legal;
2ª) O tribunal a quo justifica a sua tomada de posição com factos e argumentos que não foram invocados pelo recorrente, deturpando ou simplesmente ignorando o pedido formulado no articulado superveniente.
16ª- 1ª ordem de razão :O tribunal a quo, contrariamente ao imperativo legal, assentou a sua decisão de não admitir o articulado superveniente na falta de legitimidade do autor, e na insuficiência da alegação de factos concretos no articulado.
Mediante a prolação da decisão constante no despacho objeto do presente recurso adoptou o tribunal a quo uma interpretação do disposto no nº 4 do atual art.588° do CPC (antigo nº 4 do art.506° do CPC) que não encontra qualquer acolhimento no ordenamento jurídico português, antes desprovendo tal normativo do seu conteúdo útil, desatendendo às ulteriores e perniciosas consequências materiais e processuais resultantes de tal decisão.
17ª - Conforme decorre do art.588° nº4 CPC (antigo nº 4 do art.506° do CPC), um articulado superveniente apenas poderá ser rejeitado em duas circunstâncias, identificadas e delimitadas pelo próprio normativo: em caso de extemporaneidade ou em caso de manifesta impertinência para a boa decisão da causa.
18ª - Circunstâncias estas de todo desconsideradas pelo despacho recorrido, que delas não conhece.
19ª - Pese embora a questão não seja sequer abrangida pelo teor do despacho recorrido, a verdade é que, conforme se alegou em sede própria, o articulado superveniente apresentado é material e substancialmente admissível, nos termos dos arts. 5880 e 5890 ambos do CP C, (antigos arts. 5060 e 5070 CPC).
20ª - A apresentação do articulado superveniente foi oportuna e dentro dos prazos previstos na lei, pois as chuvadas que levaram à manifesta urgência de reparação do defeito nos terraços de cobertura de modo a ter que ser o recorrente a reparar um dos defeitos construtivos em litígio com a consequente alteração de um dos pedidos principais decorreu passados mais de 10 dias após da marcação da data da audiência de julgamento, tal como foi oportunamente explicado. De tal modo que a ré/recorrida não invocou a extemporaneidade do articulado superveniente.
21ª - Relativamente à pertinência dos factos para a boa decisão da causa, defende o recorrente apoiando o seu entendimento na unanimidade da jurisprudência portuguesa de que os factos constantes no articulado apresentado pelo recorrente, nomeadamente, a manifesta urgência na reparação dos defeitos existentes em todos os terraços de cobertura/juntas de dilatação pela ocorrência de chuvas fortes e duradouras durante o ano de 2013 consubstancia um facto objectivamente superveniente constitutivo do direito do autor/recorrente no sentido de que, á data da entrada da acção o Autor tinha apenas tinha o direito de exigir a reparação dos invocados defeitos e no decurso da pendência da mesma, e pela razões invocadas, constitui-se o direito ao Autor/Recorrente mandar reparar os defeitos cuja reparação seja urgente e ser ressarcido pela Ré/Recorrente em termos pecuniários pelo montante pago por essa reparação.
22ª- Nesse sentido Ac. da Relação de Lisboa de 10/09/2009, proc. nº 488/2001.L1¬2, disponível em www.dgsi.pt é dito: "Na compra e venda defeituosa, particularmente, estando em causa incidentes sobre imóveis em que o vendedor é também o construtor, tal como sucede na empreitada nas situações previstas nos artigos 1221º a 1223º do Código Civil, o comprador não pode exigir, autonomamente, a indemnização em substituição da reparação dos defeitos ou da substituição da coisa defeituosa, mas apenas em complemento de qualquer das mencionadas actuações do vendedor, a título de ressarcimento do prejuízo excedente, vigorando nestes casos o princípio de que a indemnização é subsidiária em relação, designadamente, ao pedido de eliminação dos defeitos, o que se compreende, já que a lei dá prioridade à reconstituição natural só sendo viável a indemnização por sucedâneo pecuniário sempre que aquela não seja possível". (itálico nosso).
23ª - Ainda é defendido no referido acórdão: "É certo que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm admitido que o monopólio da eliminação dos defeitos pelo vendedor de coisa defeituosa ou pelo empreiteiro não é absoluto.
24ª -Admite-se que o comprador possa peticionar judicialmente, desde logo, a indemnização em substituição da reparação em determinadas situações específicas que justificam essa pretensão. São elas: (....)" " ... ou ainda, nos casos de urgência na reparação do vício que seja incompatível com a demora da resolução do litígio (itálico e negrito nosso).
Na verdade, o incumprimento definitivo de uma obrigação confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados por esse incumprimento (art.798° do C. C.), o que, neste caso, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, entretanto efectuadas ou a realizar pelo dono da obra, ou por terceiro contratado por este" in "Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra", de João Cura Mariano, 3' edição revista e aumentada, páginas 154 e 155. (itálico e negrito nosso).
25ª - Pelo que os factos alegados no articulado superveniente não só são de manifesta pertinência para a boa decisão da causa, assim como a sua alegação é fundamental para os mesmo poderem ser atendidos pelo tribunal e consequentemente ser considerada na sentença a alteração de um dos pedidos.
26ª - Neste sentido já se debruçou a doutrina:
"A nossa lei processual. consciente das naturais demoras do processo. pretende que a decisão final corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão, na fase da audiência final.
É esta a razão de ser do disposto no artigo 6630, n01, segundo o qual a sentença final deve tomar em consideração os factos constitutivos. modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento daquela discussão. " - in "Processo Civil I - Parte Geral e Processo Declarativo", 8° Edição, Coimbra Editora, página 406, de José João Baptista. (itálico nosso)
27ª - "Dado que, nos termos do artigo 663°/1 do CPC, a sentença final deve atender e considerar todos os factos modificativos, extintivos ou impeditivos da pretensão (v. g. , real. obrigacional, etc.) que autor ou réu (na reconvenção) querem fazer valer em juízo e que possam influir na existência ou no conteúdo da relação material controvertida, compreende-se que haja: (1) factos ocorridos após o momento próprio em que deveriam ter sido invocados pelas partes (nos articulados) ou (2) factos que as partes só deles hajam tomado conhecimento em momento posterior ao articulado próprio.
Mesmo que o juiz possa atender e indagar oficiosamente a verificação e valoração de factos instrumentais (que não factos essenciais) - artigos 2640/2 e 650/1, alínea j), do CPC -, ele não é omnisciente, nem desfruta de poderes telepáticos. Por outro lado, há necessidade de a sentença final ser lavrada à luz da (mais) real situação existente na data em que haja encerrado discussão da causa". - in "Acção Declarativa à luz do Código Revisto", 2" Edição, Coimbra Editora, páginas 499 e 500, de J. P.Remédio Marques. (itálico nosso)
28ª - E a jurisprudência, que neste acórdão espelha bem a consequência da não alegação do factos essenciais: Ac. STJ de 26/0512009, proc. n0927/2002.Cl.Sl, disponível em www.dgsi.pt é dito:
" IV - Os factos supervenientes invocados pelo autor, no decurso da audiência de discussão e julgamento, não podem ser atendidos na sentença, se, tratando-se de factos essências (e não meros factos instrumentais relevantes para o desfecho da lide), não foram expressamente alegados em articulado superveniente, muito menos pela parte que tem o ónus de fazer a sua invocação e prova, in casu o réu, apenas resultando da discussão e julgamento da causa."
29ª - O tribunal a quo justificou a sua tomada de posição com factos e argumentos que não foram invocados pelo recorrente, deturpando ou simplesmente ignorando o pedido formulado no articulado superveniente, pois, diferentemente do que está fundamentado no despacho recorrido, o Autor/Recorrente não está, nem nunca esteve a alegar ou peticionar quaisquer defeitos/reparações ou indemnizações relativas às fracções autónomas dos condóminos.
30ª - O que é pedido é uma indemnização correspondente ao custo real dessa reparação.
31ª - É entendimento unânime que os terraços de cobertura/juntas de dilatação são partes comuns de um prédio.
32ª - As fotografias do interior das fiações autónomas apenas foram junta com o articulado superveniente para demonstrar e vincar a urgência na reparação do defeito referente às partes comuns do prédio que se manifesta através de fissuras nos terraços de cobertura/juntas de dilatação, que entende o autor/recorrente ser difícil explicar de outra forma.
33ª - Do exposto supra resulta que a decisão de rejeição do articulado superveniente oferecido pelo autor viola as mais elementares regras e princípios processuais civis, nomeadamente os consagrados pelos art.s 3º,4º,5º,6º,411º, 547º,588º, 589º,611º, todos do CPC ( antigos artigos 3º, 3º-A, 264º ,265º, 265-A, º, 506º e 663º CPC ) , bem como artº 9º do Código Civil .
34ª - Pelo que deve o despacho objecto do presente recurso, ser revogado com as suas legais consequências, e deve o articulado superveniente oferecido pelo autor ser admitido, e levados ao temas de prova os factos que nele foram alegados
1.3.- Não foram apresentadas contra-alegações.
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Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir resume-se a saber:
a) Se deve a decisão apelada ser revogada, impondo-se a prolação pelo a quo de despacho liminar de admissão do articulado superveniente apresentado pelo apelante.
***
2.Motivação de Facto.
Para além da matéria a que se alude no relatório que antecede , no que à tramitação dos autos concerne, importa ainda atentar no âmbito da decisão a proferir pelo ad quem, no seguinte:
2.1.- A audiência de discussão e julgamento foi designada ( para o dia 11/6/2013 ) por despacho proferido nos autos a 13/12/2012, notificado às partes a 19/12/2012;
2.2.- A audiência preliminar teve o seu início a 25/10/2012;
2.3.- O articulado superveniente foi apresentado pelo Autor no dia e aquando do inicio da audiência de julgamento a 11/6/2013;
2.4.- No articulado superveniente indicado em 2.3. alega o apelante, v.g., que :
“ (…)
1 - Durante o ano de 2013 tem vindo a ocorre fortes chuvadas, permanecendo até ao presente mês de Junho.
2 - A Não reparação, por parte da ré, dos defeitos alegados na petição inicial com a ocorrência de tais chuvadas deu origem a um agravamento acentuado dos danos no interior das fracções autónomas.
3 - Nomeadamente nas frações B, H, M.
4 - Tendo sido os danos provocados por infiltrações de água através das zonas comuns, nomeadamente pelos terraços de coberturas/juntas de dilatação.
(…)
6- A situação supra descrita está a afetar gravemente o interior das frações autónomas e consequentemente a vida dos proprietários que as habitam, fazendo com que não vivam com o normal e esperado nível de qualidade de vida e salubridade, que uma habitação deverá garantir.
7 - Pelo que reveste manifesta urgência a reparação dos defeitos existentes em todos os terraços de coberturas/juntas de dilatação do prédio objeto da presente acção.
8° Apenas com a referida reparação é que se pode afirmar que no próximo outono/inverno os danos no interior das frações não se repitam ou agravem, impossibilitando os seus proprietários de nelas habitarem.
(…)
10º Dada a urgência invocada, é imperativo que durante o verão de 2013 todos os terraços de coberturas/juntas de dilatação sejam totalmente reparados, de forma eficaz e definitiva.
(…)
21º - Na eventualidade de a Ré no prazo legal previsto para responder a este articulado não se dispuser a eliminar tal defeito eficaz e definitivamente, cujas obras terão de ser feitas imperativamente no período do verão de 2013, deve o pedido principal de eliminação deste defeito em concreto, terraços de coberturas/juntas de dilatação, ser modificado figurando como pedido principal para esta situação que a Ré seja condenada a pagar ao Autor uma indemnização correspondente ao custo real da reparação/eliminação dos defeitos existentes nos terraços de coberturas/juntas de dilatação, pagamento esse que será feito dentro do prazo de 30 dias após a apresentação à Ré da fatura comprovativa de que os trabalhos tendentes à eliminação dos defeitos foram realizados, mais deverá a Ré ser responsável pelo pagamento das quantias que o Autor tiver que pagar por sua conta, a qualquer título, por danos provocados pela omissão da eliminação daquele defeito.
2.5.- Na acção intentada pelo apelante, deduziu ele o seguinte pedido:
a) serem declarados e reconhecidos os defeitos alegados nesta p.i. e a ré condenada a proceder à sua reparação/construção ou eliminação em prazo razoável a contar da data da sentença, designadamente em prazo não superior a 60 dias ou outro julgado mais razoável pelo tribunal ;
b) ser a ré condenada, na hipótese de não proceder à reparação dos defeitos no prazo que lhe for fixado nos termos do pedido na alínea anterior, a pagar ao autor uma indemnização correspondente ao custo real dessas reparações/construções e eliminação de defeitos, em montante a liquidar em execução se sentença, acrescido de juros de mora à taxa legal, a pagar no prazo de 30 dias a contar da apresentação do recibo por parte do autor. O não cumprimento do referido prazo implica o pagamento adicional de um quantitativo diário de €500,00;
c) ser a ré condenada a pagar a quantia de €2.400.00 acrescida de IV A., a titulo de prejuízos materiais decorrentes descritos no art. 22° supra, assim como as demais quantias que sejam necessárias para ressarcimento de todos os prejuízos materiais que venha, por omissão, a provocar ao autor, decorrentes de eventuais reparações que este, coagido nesse sentido tenha que fazer, em substituição da ré.
d) ser a ré condenada a pagar ao autor a indemnização por danos não patrimoniais que se vier a fixar a final, e ainda nas custas e procuradoria .
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3.Motivação de direito.
3.1.- Se deve a decisão apelada ser revogada, impondo-se a prolação pelo a quo de despacho liminar de admissão do articulado superveniente apresentado pelo apelante.
Porque de normativos se tratam que são essenciais e decisivos para aferir do “mérito” da apelação interposta pelo recorrente - da decisão interlocutória proferida a 20/9/2013 pelo a quo, e de rejeição de articulado superveniente - , importa antes de mais recordar o que, sobre a referida matéria, dispõem as disposições legais do CPC a seguir mencionadas.
Ora, começando pelo respectivo artº 588º, reza ele que :
“ 1. Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2. Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo, neste caso produzir-se prova da superveniência.
3. O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes será oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4. O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa ; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se ,quanto à resposta, o disposto no artigo anterior. (…) ”.
Já o artº 611º do mesmo diploma legal, nos respectivos nºs 1 e 2, reza que : 1- Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. 2 - Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida “.
Analisando ambas as disposições legais acabadas de transcrever, parcialmente, dir-se-á que, para que o comando do nº1, da disposição legal referida em último lugar seja observado, obrigado está porém a parte, em obediência de resto ao principio dispositivo vertido no artº 5º,nº1, do CPC, de carrear para os autos os competentes factos, o que pode/deve fazer em articulado superveniente, maxime quando decorrido já o timing para apresentação do último articulado admissível e, bem assim, quando em causa estejam factos que, além de não notórios, do respectivo conhecimento não tem outrossim o tribunal conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Mas, uma vez apresentado, e como decorre o supra citado nº 4, do artº 588º, do CPC, havendo obrigatoriamente lugar à prolação de despacho liminar atinente à respectiva admissibilidade, será ele necessariamente de rejeição caso se verifique existir qualquer um dos fundamentos taxativamente previstos, a saber : a extemporaneidade do articulado ou a sua manifesta impertinência , por os factos alegados não interessarem à decisão da causa (1).
Dito isto, e desde logo, retira-se do teor do despacho apelado que não se baseou o Exmº Juiz a quo, para determinar a rejeição do articulado superveniente do apelante, no fundamento legal da sua extemporaneidade.
De resto, tendo presente o alegado pelo apelante no articulado superveniente ora em apreço, manifesto é que os pretensos factos supervenientes terão ocorrido no decurso do primeiro semestre do ano de 2013, razão porque, manifestamente, e em razão do processado nos autos tal como se alcança da motivação de facto do presente Acórdão, subsumem-se eles à previsão da alínea c), do nº3, do artº 588º, do CPC, ou seja, ocorreram em data posterior às referidas nas alíneas precedentes.
Destarte, e à partida, afastado está o primeiro dos fundamentos do nº 4, do artº 588º, do CPC, não tendo o articulado superveniente do apelante sido apresentado extemporaneamente.
Resta, portanto, a possibilidade de in casu verificar-se a segunda parte da previsão do nº4, do artº 588º, do CPC, ou seja, a manifesta impertinência dos factos alegados não interessarem à decisão da causa, quer em razão [ na óptica do a quo ] da falta de “legitimidade” do apelante para reclamar os danos que pretensamente aconteceram nas fracções autónomas, quer ainda pela não concretização dos danos invocados.
Ora Bem.
Como decorre dos nºs 1 e 4, do artº 588º, e nºs 1 e 2 , do artº 611º, ambos do CPC, e acima transcritos, manifesto é que os factos alegados em sede de articulado superveniente, para justificar a apresentação deste ultimo, hão-de necessariamente serem factos essenciais, que é o mesmo que dizer, hão-de poder integrar a previsão do nº1, do artº 5º, do CPC [ quer por constituírem a causa de pedir, quer por ancorarem as excepções aduzidas , e na linha do que estatuía o artº 264º,nº1, do pretérito CPC ], e isto porque, como decorre do nº 2, da mesma e última disposição legal citada, os factos instrumentais e os notórios não carecem sequer de alegação das partes para poderem ser considerados pelo Juiz.
Dito de uma outra forma, outrossim em sede de articulado superveniente, decisivo é que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais , maxime porque integradores da previsão ou “ tatbestand” da norma aplicável à pretensão ou à excepção (2).
Inquestionável é, assim, que não é qualquer facto, ainda objectiva ou subjectivamente superveniente, idóneo e susceptível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente.
Por outra banda, em obediência ao princípio da estabilidade da instância ( cfr. 260º, do CPC), mister é que, os novos factos alegados, caso conduzam a uma alteração da causa de pedir - baseada claro está em factos supervenientes - e , concomitantemente, alicercem e justifiquem uma modificação do pedido ( como manifestamente ocorre in casu, cfr. item 2.4 - artº 21º - da motivação de facto do presente Acórdão ), tal não implique obrigatoriamente a uma convolação para relação jurídica diversa da controvertida ( cfr. nº 6, do artº 265º, do CPC).
Ou seja, sendo actualmente, e de uma forma expressa ( cfr. nº 6, do artº 265º, do CPC), permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, porém o objecto da acção manter ainda assim algum nexo com o pedido inicial e com a originária causa petendi. (3)
Neste conspecto, pertinente é ainda deixar claro que, no que à alteração e/ou ampliação da causa de pedir diz respeito, não afasta sequer alguma doutrina (4) a possibilidade de poder ela ocorrer - a alteração - fora do circunstancialismo dos artºs 272º e 273º do CPC ( actuais 264º e 265º ), o que se justifica designadamente pelo facto de, explica José Lebre de Freitas (5), “O princípio da economia processual, a consideração de que, reduzida a sua previsão, quanto ao autor, aos factos que completem a causa de pedir já invocada, o alcance da norma seria quase nulo e até a inexistência, no artigo anotado, dum preceito como o do art. 508-5 levam a perfilhar a solução da não limitação pelo disposto nos arts. 272 e 273. “
Postas estas brevíssimas considerações, e descendo agora ao concreto, inquestionável é que o apelante, em sede de articulado superveniente, não vem de todo alterar a causa de pedir, antes e quando muito, vem tão só ampliá-la, pois que, mantendo-se e continuando a causa petendi a relacionar-se com existência de defeitos de construção no prédio dos autos e que atingem partes comuns do edifício em questão [ v.g fissuras nos terraços de cobertura e nas garagens - cfr. artº 1421º,nº1, alínea b), e nº2, alínea d), do CC ], limita-se tão só a adicionar/acrescentar factualidade que justifica a respectiva reparação [ que não a reparação das fracções autónomas do edifício, como implicitamente refere o a quo em sede de despacho recorrido, ao aludir à falta de legitimidade ] sem demoras , sendo que é ao administrador que compete, além de outras, as funções de realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns ( cfr. artºs 1430º,nº1 e 1436º,alínea f), ambos do CC ).
Em suma, e socorrendo-nos de seguida das considerações tecidas em Ac. deste mesmo Tribunal da Relação (6), e que se debruça sobre questão/matéria semelhante à que está que em equação na acção de onde emerge a instância recursória ora em apreço, dir-se-á que a causa de pedir primitivamente invocada mantém-se intocável, ou seja, “(…) os invocados defeitos de construção do prédio que possibilitam a infiltração das águas pluviais, mantém-se como causa de pedir, mas agora, com o articulado superveniente foram alegados factos supervenientes que determinam uma modificação do efeito pretendido com a acção. E que factos supervenientes são esses: o agravamento das infiltrações, causado pela delonga da acção, obrigaram os autores a proceder às respectivas obras de reparação”,
Já no que à alteração do pedido concerne ( concretizada outrossim no articulado superveniente, como vimos supra), e se atentarmos ao pedido deduzido na acção ( tal como se mostra ele descrito no item 2.5. da motivação de facto do presente Acórdão ), forçoso é também concluir que se mostra ele, ab initio, já contido no pedido inicial, apenas tendo havido uma alteração de prioridades no âmbito da respectiva dedução.
Em razão do acabado de expor, tudo aponta portanto para que, e desde logo de todo não manifestamente ( como decorre expressis verbis do nº4, do artº 588º, do CPC ) , que a factualidade nova alegada ( ainda que curta ) não tenha qualquer interesse [ ou sejam, no entendimento sufragado por Ac. do TRL (7), desnecessários, despropositados e inúteis ], para a boa decisão da causa , e isto obviamente tendo sempre em consideração as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Tudo visto e ponderado, importa portanto reconhecer que ao apelante assiste razão no recurso interposto, não dispondo em rigor o Mmº Juiz a quo de fundamento legal pertinente que obrigasse à rejeição do articulado superveniente.
Destarte, a apelação procede in totum, devendo o a quo proferir decisão liminar de admissão do articulado superveniente , e , consequentemente, aditar à base instrutória os factos nele alegados que possam interessar à boa decisão da causa.
4.- Concluindo ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC):
I- O articulado superveniente, tendo por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, serve tão só para carrear par os autos os factos essenciais a que alude o artº 5º, nº1, do CPC;
II - Desde que tempestivamente apresentado, o articulado superveniente só poderá ser liminarmente rejeitado pelo Juiz caso a factualidade nova nele vertida, e obviamente tendo sempre em consideração as várias soluções plausíveis da questão de direito, manifestamente nenhum interesse têm para a boa decisão da causa.
III - No âmbito do articulado superveniente , e desde que respeitadas as observações referidas em I e II, nada obsta à alteração simultânea do pedido e da causa de pedir, apenas sendo de exigir que o objecto da acção mantenha ainda assim algum nexo com o pedido inicial e com a originária causa petendi.
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5. Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em , concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado pelo autor:
5.1.- Revogar o despacho recorrido, determinando que tribunal o quo proferira decisão que admita o articulado superveniente, com o subsequente aditamento à base instrutória dos factos pertinentes nele alegados e que possam interessar à boa decisão da causa .
Custas da apelação , pela parte vencida, a final.
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(1) Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1984, pág. 351
(2) Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ibidem, pág. 401.
(3) Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 170 .
(4) Vide v.g. José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 342, e Miguel Teixeira de Sousa, in “As partes, o objecto e a prova na acção declarativa”, Lisboa, Lex, 1995, pág. 190, e “ Estudo sobre o Novo Processo Civil” , págs. 299 e 300 .
(5) Ibidem.
(6) Ac. de 29/3/2012, Proc. nº 198/06.4TBFAF.G1, in www.dgsi.pt.
(7) Ac. de 21/3/2012, Proc. nº 3103/08.0TVLSB.L1-8, in www.dgsi.pt.
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Custas pela parte vencida, a final.
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Guimarães, 10/4/2014
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte