Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2394/09.3TAGMR.G1
Relator: MANUELA PAUPÉRIO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO
ATROPELAMENTO
PEÃO EMBRIAGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: Não pode ser assacada responsabilidade na produção de um acidente a um condutor ao qual surge um peão, embriagado, a atravessar em diagonal uma via, em local não destinado ao atravessamento de peões e que se precipita nesse atravessamento sem qualquer cuidado, o qual para mais reage da forma possível, travando e tentando contornar (evitar) o choque.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I) Relatório

Nestes autos de processo comum com o número acima identificado que correu termos pelo, então, 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, foi o arguido André F. condenado, como autor material de um crime de ofensas à integridade física por negligência, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 148º número 1, 15º alínea b) e 26º 1ª parte, do Código Penal, em concurso aparente com as contra ordenações previsto e punido pelos artigos 3º número 2, 24º número 1 e 81º números 1 e 2 do C.E. na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 7,00€.

Inconformado com a decisão proferida, dela veio interpor recurso, nos termos e com os fundamentos que constam de folhas 1078 a 1116, que aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos e que sintetiza nas conclusões seguintes: (transcrição)

1. A sentença recorrida tem por base erros manifestos na apreciação da prova produzida, sendo patente a mescla que se verifica entre factos e afirmações de natureza conclusiva ali plasmados, bem como a insuficiência da matéria de facto provada para a condenação do arguido, pelo que importa a revogação da mencionada sentença e a sua substituição por outra que absolva o arguido nos presentes autos, em conformidade com o disposto no artigo 410.º n.º 2) alíneas a), b) e c) e no artigo 426.º do CPP).

2. Em primeiro lugar, no que respeita ao facto provado n.º2, em particular a respeito da visibilidade no local do acidente, e ao facto provado n.º7, no que concerne à iluminação pública, salvo do devido respeito pela posição manifestada pelo Tribunal a quo, resulta das declarações do arguido, corroboradas pelo testemunho de Manuel P., André F., Orlando O. e do Sr. Agente Carlos G. que a iluminação no local era fraca, o que dificultaria, consequentemente, a visibilidade no local do acidente, sendo certo que nenhuma prova testemunhal ou documental foi produzida que permitisse afirmar o contrário, pelo que deverá este Tribunal considerar NÃO PROVADOS tais factos na parte respeitante à boa visibilidade e à iluminação por postes de iluminação pública.

3. Tomando em consideração o facto provado n.º 8, reforçamos que a afirmação ali vertida nem sequer configura um facto, mas antes uma conclusão que é incompatível com a restante prova produzida na medida em que as narrações do Recorrente a respeito dos factos manifestam sempre uma lucidez absoluta, como se pode concluir facilmente a partir das descrições que faz da sua reação (travagem imediata) à presença do peão, sendo ainda notória nas suas declarações uma constante e extrema preocupação com o estado do ofendido, tendo sido mesmo o Recorrente a acionar os meios de socorro para se deslocarem ao local.

4. O facto provado n.º 8 é ainda contraditório com o depoimento da testemunha André V., sendo certo que nenhuma outra testemunha afirmou que o Recorrente se encontraria em qualquer estado eufórico e/ou descontraído, tese que apenas resulta das declarações da Meritíssima Juiz no decurso da audiência de julgamento, pelo que deverá este Tribunal considerar o facto n.º8 NÃO PROVADO.

5. No que concerne à travessia, por parte do ofendido, da faixa de rodagem, resulta das declarações do arguido, corroboradas pelo depoimento da testemunha André F. e José P., bem como do auto elaborado pelo Agente da GNR Carlos G. que o peão, ora ofendido, não iniciou qualquer travessia da faixa de rodagem, antes se manteve a deambular na faixa de rodagem de lado para lado, agindo de modo imprevisível e fora dos padrões de normalidade, pois nem sequer atualmente se recorda do que se terá passado, conforme seria expectável de um indivíduo que, na altura (encontrando-se no limiar do coma alcoólico), apresentava uma TAS de 2,57g/l, que surge acompanhada de perturbações da marcha e visão dupla, pelo que deve este Tribunal considerar o facto n.º 10 como NÃO PROVADO.

6. A respeito da distância que medeia entre o termo da curva que antecede o local do acidente e este mesmo local, as testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento declararam sempre considerar que se tratava de uma distância entre os vinte e os vinte e cinco metros, conforme resulta das declarações do arguido e do depoimento da testemunha José P., pelo que seria impossível ao Recorrente avistar o ofendido a uma distância de cerca de 35 metros, quando nessa altura não teria ainda contornado integralmente a curva, o que apenas permite concluir que o facto n.º 11 deve ser considerado por este Tribunal como NÃO PROVADO.

7. Em consequência, antes de contornar integralmente a curva não seria humanamente possível ao Recorrente avistar o ofendido, sendo ainda certo que, uma vez que ele declara que avista o ofendido com as luzes de cruzamento (ou “médios”) e estes apenas iluminam a uma distância de cerca de 30 metros, é incoerente que se considere que o ofendido foi efetivamente avistado a uma distância de “pelo menos trinta e cinco metros”, pelo que também este facto n.º12 deve ser considerado por este Tribunal como NÃO PROVADO.

8. No que diz respeito ao facto n.º13, escusamo-nos de repetir o já alegado relativamente ao estado eufórico e descontraído, parte que deverá, salvo o devido respeito, ser considerada conclusiva e, em todo o caso, não provada, acrescentando ainda que o arguido referiu, por repetidas vezes, que a sua intenção nunca foi contornar o peão, mas antes travar, travar sempre, sendo certo que a testemunha José Pereira, que seguia com o Recorrente no veículo atropelante, também referiu no seu depoimento que este travou bruscamente, e a testemunha André V., que seguia no veículo imediatamente a seguir, também declarou expressamente que o Recorrente travou e tentou desviar-se o máximo que pode, prova que, conjugada, não permite senão concluir, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que o facto n.º13 deve ser considerado por este Tribunal como integralmente NÃO PROVADO.

9. O ofendido agiu imprevisivelmente e forçou o Recorrente a limitar-se a reagir ao seu comportamento tentando parar antes de o atingir e desviar-se dele quando viu que não tinha outra alternativa, factos que em caso algum permitem concluir que o Recorrente se terá atrapalhado, aliás, muito pelo contrário, pois o veículo ficou imediatamente imobilizado no local do embate e, segundo as declarações do arguido e o testemunho de André V. no mesmo sentido, o ofendido terá ficado encostado ao para-choques do carro, não a um metro de distância deste, pelo que também o facto n.º 14 deve ser considerado por este Tribunal como NÃO PROVADO.

10. Apesar de ter tentado travar, foi impossível ao Recorrente antecipar o comportamento do peão, que deambulava de lado para lado, e antecipar-se a este, pelo que o embate foi inevitável, devendo este Tribunal considerar como NÃO PROVADO o facto n.º 15.

11. Resulta da prova produzida que o ofendido apresentou-se na faixa de rodagem do Recorrente sem qualquer pré-aviso e sem se assegurar de que era visto pelos veículos que circulavam na Estrada Nacional, mantendo-se naquela faixa, destinada ao trânsito de veículos, por período superior àquele que seria necessário ao seu simples atravessamento, em consequência disto, o Recorrente travou e, logo que percebeu que não ia conseguir parar o veículo a tempo, procurou desviar-se, pelo que é manifesto que o causador do acidente foi o ofendido, pois o Recorrente fez tudo o que se encontrava ao seu alcance para não embater no ofendido, o que permite concluir que este Tribunal deve entender NÃO PROVADO o facto n.º 24.

12. Inexistiu, portanto, negligência por parte do recorrente, que nunca representou como possível a realização do facto passível de preencher o tipo de crime, tendo em atenção as regras da experiência comum e o padrão normal de circulação rodoviária.

13. Pois era imprevisível e manifestamente anómalo que qualquer peão se apresentasse, na faixa de rodagem, a alguns metros do veículo e ali se mantivesse por período superior àquele que seria necessário ao seu efetivo atravessamento, principalmente durante a noite.

14. Nestas circunstâncias, o condutor adotou o comportamento que lhe seria exigível, isto é, travou de modo a permitir ao peão a efetivação de tal travessia em condições de segurança, de acordo com o padrão de razoabilidade que deve ser seguido pelo agente em conformidade com o estabelecido no artigo 24.º n.º2 do Código da Estrada, segundo o qual o recorrente não deveria diminuir subitamente a velocidade do veículo, mas procurar reduzir a velocidade certificando-se de que daí não resultaria perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o seguiam.

15. E travar progressivamente era mesmo o comportamento mais adequado tendo em conta o local em que se deu o acidente, imediatamente após uma curva e mal iluminado, designadamente tendo em consideração as consequências que poderiam advir de uma imobilização imediata do veículo imediatamente após a curva que, no caso, sempre seria de todo em todo manifestamente impossível.

16. Foi, portanto, o ofendido que atuou de modo imprevisível e errático, confundindo o Recorrente e criando perigo e violando regras básicas de circulação e segurança rodoviária, como afirma o próprio Tribunal a quo.

17. O peão nem mesmo se certificou que tendo em conta a distância que o separava dos veículos que transitavam na Estrada Nacional e a respetiva velocidade, poderia efetuar tal travessia sem perigo de acidente, nem procurou efetivar tal travessia de forma célere.

18. Pois, aliás, o ofendido apresentava uma taxa de álcool de 2,57g/l de sangue e, no momento do embate, encontrava-se no meio da via pública, alegando posteriormente em sede de julgamento que não se lembra de nada do que teria acontecido no dia do acidente, pelo que nada do que foi posteriormente afirmado pelo ofendido em julgamento deverá relevar como prova, por se tratar de meros comportamentos que este “idealmente” teria tido, provavelmente até sem a menor correspondência com a realidade.

19. Apresentando-se a caminhar na faixa de rodagem, o ofendido criou uma expectativa legítima, na pessoa do Recorrente, de que efetuaria regularmente a travessia, o que somente justificaria a redução da velocidade do veículo que o recorrente conduzia, não a sua imediata imobilização que, aliás, resultou impossível atenta a matéria provada.

20. Afinal, o condutor de veículo não tem de contar com um peão que inicia a travessia da via, invadindo a faixa de rodagem, sem olhar para o lado de onde provém o veículo, de forma repentina, quando este se encontrava já a curta distância. Pois cada condutor supõe que as outras pessoas aceitam as regras de trânsito e os deveres gerais de prudência. Outro entendimento conduziria à paralisação do trânsito” (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 14.07.2008, processo n.º 0834104, relator: Fernando Baptista).

21. O condutor comum não pode ser forçado a prever todos os comportamentos dos peões: deve confiar que estes agirão de acordo com um determinado padrão de razoabilidade, que serão confiáveis, o que não aconteceu neste caso.

22. Acresce que não se provou que as capacidades do condutor se encontravam diminuídas no momento do acidente, ou que este se encontrava num estado de algum modo anormal, o que seria mesmo incoerente com a preocupação que sempre manifestou para com o ofendido.

23. E, conforme resulta do Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.05.2012, proc. n.º 2739/08.3TBVIS.C2, relator Francisco Caetano, “A taxa de alcoolemia (…) não induz, só por si, o nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente de viação. No mesmo sentido, o Ac. Do TRP proferiu que "Nos acidentes de viação, mais do que a violação frontal de uma regra de trânsito, importa essencialmente determinar o processo causal da verificação do acidente, ou seja, a conduta concreta de cada um dos intervenientes e a influência dela na sua produção" (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 14.07.2008, processo n.º 0834104, relator: Fernando Baptista).

24. E foi, de facto, o comportamento do peão que esteve na origem do atropelamento, pois este colocou-se inadvertidamente em frente ao veículo automóvel sem qualquer pré-aviso e sem verificar sequer se algum veículo circulava na faixa de rodagem, pelo que deverá ser-lhe imputada integralmente a culpa pela verificação deste sinistro.

25. Pelo contrário, a conduta do Recorrente foi a expectável de qualquer condutor de diligência média, pelo que, não tendo aumentado o risco de ocorrência do acidente, não poderá este ser responsabilizado pela sua verificação, pois as condutas realizadas ao abrigo do risco permitido não são negligentes (não chegam a preencher o tipo de ilícito negligente), se o agente não criou ou incrementou qualquer perigo juridicamente relevante, não existindo sequer a violação de um dever de cuidado.” (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-08-2009, proc. n.º 151/99.2PBCLD.L1-5, relator: Simões de Carvalho).
26. O Recorrente mais não fez, portanto, do que atuar segundo o princípio da confiança, como seria razoável que o peão se comportasse, apenas tendo desconfiado do comportamento do peão quando se apercebeu que ele não se limitava, como seria normal, a atravessar a via.

27. Sem prescindir, se dúvidas houvesse quanto à responsabilidade culposa do sinistro, sempre deveria ser chamado à colação pelo Tribunal a quo o princípio do in dubio pro reo, que “sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-03-2010, proc. n.º 1058/08.0TACBR.C1, relator: Brízida Martins).

28. Pelo que, sendo fundadas as dúvidas sobre quem foi responsável pela ocorrência do acidente, deveria o julgador ter decidido pela não responsabilização jurídico-penal do arguido, tendo por base este princípio basilar do Direito Penal Português.

29. Note-se que nos autos, nem da prova obtida em sede de julgamento não existe qualquer facto evidente e inequívoco que comprove a prática do crime por que o Recorrente foi condenado.

30. Com o devido respeito, o Tribunal a quo, aliás mui douto, limitou-se a apreciar a prova utilizando ideias preconcebidas, sem contudo, fundamentar cabalmente a sua decisão em factos e ponderar devidamente a conduta de cada um dos intervenientes do acidente.»

A este recurso respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, conforme decorre de folhas 1123 a 1137, concluindo pela improcedência do recurso interposto.

Também o fez o assistente, conforme decorre de folhas 1150 a 1156, pugnando pela manutenção do decidido.

Neste tribunal o Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, em súmula concluindo da forma seguinte:
«Afigura-se-nos que o repositório de provas suscita uma fundada convocatória do princípio “in dubio pro reo” e o consequente cerceamento da matéria de facto da imputação.
Este princípio ou regra, como também é usual chamar-se, embora sem uma tradução formal em qualquer norma do direito processual penal, constitui hoje um ditame omnipresente nos sistemas penais do mundo civilizado e tem a sua incidência no campo da prova, só devendo ser convocado perante um “non liquet” a esse nível. Competindo, no nosso processo penal, em última instância, ao tribunal reunir as provas necessárias à decisão e não lhe sendo lícito abster-se de decidir, impõe-se-lhe que, perante a falta, insuficiência ou equivocidade dessas mesmas provas, decida a favor do arguido

Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código de Processo Penal veio o assistente apresentar a sua resposta reafirmando a bondade da decisão proferida.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II) Fundamentação

A decisão proferida considerou provados e não provados os factos seguintes: (transcrição)

« 1) No dia 28 de Maio de 2009, cerca das 22:45 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca BMW, matrícula …, pertença de “…, Ld.ª”, pela E.N. 105, na localidade e freguesia de …, Guimarães, no sentido Lordelo – Vila das Aves, pela hemifaixa direita da via, atento este sentido de marcha.
2) Neste local, a estrada apresenta um traçado recto com 300 metros de comprimento e inclinação ascendente de 3,51% no sentido seguido pelo veículo conduzido pelo arguido, precedido de uma curva à esquerda, com boa visibilidade.
3) O pavimento é em asfalto betuminoso e na data referida estava em bom estado de conservação, seco e limpo.
4) No local, a faixa de rodagem tem duas vias de trânsito separadas por linha longitudinal descontínua ao centro, tem 6,80 metros de largura, encontra-se ladeada na direita por uma berma com 0,40 metros de largura e um passeio com 1,50 metros de largura e na esquerda por uma berma com 0,20 metros de largura, atento o sentido de marcha do veículo do arguido, e, do lado direito, atento o mesmo sentido de marcha, situa-se a Rua Padre Joaquim Sousa Lobo, que entronca na E.N. 105.
5) Para além da sinalização vertical a limitar a velocidade máxima permitida a 50 km/hora existente ao longo do trajeto realizado pelo arguido nesta artéria até chegar a Lordelo, este troço da via possui moradias em ambos os lados e encontra-se integrado na localidade de Lordelo, também determinante da limitação a 50 km/hora a velocidade máxima permitida para os veículos naquele local.
6) Na altura, atento o sentido de marcha do arguido, não se registava, à sua frente, movimento de outros veículos a circular em qualquer dos sentidos desta artéria, nem existiam em toda a extensão e largura daquele traçado recto, desde o seu início e até ao final, numa distância de 300 metros, quaisquer obstáculos naturais ou imprevistos na faixa de rodagem que pudessem impedir ou perturbar a sua visibilidade.
7) O arguido conhecia bem o local, circulava com as luzes do veículo que conduzia acesas na posição de médios e este veículo não registava qualquer problema mecânico, nomeadamente nos órgãos de travagem, direcção ou suspensão, e o local encontrava-se iluminado com postes de iluminação pública.
8) O arguido tinha acabado de jantar em … com amigos, tendo no decurso dessa refeição ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 0,57 g/l, o que lhe provocou um estado psicológico e emocional de euforia e de descontração relativamente ao demais trânsito, nomeadamente de peões, que se registava, com a consequente limitação da sua capacidade de discernimento e de reflexos para a avaliar o tipo e a gravidade dos obstáculos que lhe surgissem no exercício da condução e para se determinar de forma a contorná-los ou a evitá-los e, assim, obstar à colisão.
9) arguido imprimia ao veículo que conduzia uma velocidade, pelo menos, de 50 km/h.
10) E, após descrever a sobredita curva à esquerda e entrar no traçado recto da via, o arguido não se apercebeu que à sua frente, próximo do marco indicador do km 32,900, o peão Augusto F. iniciara o atravessamento apeado da estrada do lado direito para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha seguido pelo veículo ….
11) Nas circunstâncias aludidas, o arguido podia avistar o peão Augusto F. a efectuar o atravessamento da via quando estava a uma distância dele de, pelo menos, 35 metros.
12) O arguido apercebeu-se da presença do peão Augusto F. quando este estava sensivelmente no eixo da via e quando estava a uma distância dele de, pelo menos, 35 metros.
13) Por força do seu referido estado eufórico e descontraído, o arguido, ao aproximar-se do peão Augusto F., em vez de parar o veículo, abrandou e prosseguiu a marcha, no propósito de o contornar e de continuar o seu destino.
14) Contudo, quando se preparava para passar pelo peão, devido à redução das suas capacidades e dos seus reflexos provocada pelo consumo de bebidas alcoólicas e à velocidade a que seguia, o arguido atrapalhou-se sem motivo, mudando repentinamente trajectória do veículo que conduzia para a esquerda e, logo de seguida, de forma inesperada, para a direita, e foi colher o Augusto F., nele embatendo com a parte dianteira esquerda do automóvel na perna esquerda deste, levantando-o do solo e projectando-o contra o pára-brisas dianteiro, onde este embateu com a cabeça, caindo de seguida sobre o capot, após o que foi lançado para o solo, onde caiu, cerca de um metro à frente.
15) Só depois de ter colhido o peão é que o arguido deteve a marcha do veículo que conduzia.
16) O atropelamento do Augusto F. ocorreu na hemifaixa direita, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo arguido, a cerca de 2,20 metros da linha delimitadora da berma direita e a cerca de 2,60 metros de distância do passeio do mesmo lado, distância por ele percorrida após ter iniciado o atravessamento, apesar de embriagado e de apresentar uma taxa de álcool no sangue de 2,57 g/l.
17) Nas referidas circunstâncias, o peão Augusto F. percorreu a sobredita Rua … e iniciou a travessia da E.N. 105, a fim de chegar à sua habitação situada do outro lado desta última via.
18) O peão iniciou a travessia da E.N. 105 saindo directamente da Rua Padre …, sem percorrer qualquer parte do passeio ou da berma do lado direito da E.N. 105, atento o sentido Lordelo – Vila das Aves.
19) O peão iniciou a travessia da E.N. 105 e caminhou por esta até ao momento do atropelamento de forma oblíqua, da direita para a esquerda, no sentido Vila das Aves – Lordelo.
20) O peão iniciou a travessia da estrada sem se certificar de que, tendo em conta o veículo .. que nela transitava e que podia avistar a uma distância superior a trinta metros, o podia fazer sem perigo de acidente.
21) No local da travessia, não existia qualquer passagem de peões, sendo que a mais próxima daquele local distava mais de 50 metros.
22) Devido à violência do impacto do embate e da consequente queda sobre o pára-brisas e capot e depois no solo, o Augusto F. sofreu escoriações na face e região lombar esquerda, fractura dos ossos da perna esquerda e luxação do ombro direito, tendo sido assistido no local pelo INEM e transportado de urgência para o Centro Hospitalar do Alto Ave, onde lhe foi feita redução da luxação do ombro e redução da fractura dos ossos da perna esquerda que foi imobilizada com aparelho gessado, tendo ficado internado em ortopedia, donde teve alta em 15/06/2009, passando a ser seguido na consulta externa de ortopedia, e tendo de novo sido internado, em 30/09/2010, para tratamento de rotura da coifa dos rotadores do ombro direito que lhe sobreveio da referida luxação do ombro, tendo sido operado e foi-lhe dada alta em 8/10/2010, passando de novo a ser seguido na consulta externa de ortopedia, tendo feito tratamentos de fisioterapia donde teve alta em 31/03/2011.
23) Tais lesões determinaram-lhe 671 dias para cura clínica, sendo 17 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 654 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional, provocaram-lhe dores, com um quantum doloris fixável no grau cinco numa escala de sete graus de gravidade crescente, e determinaram-lhe como sequelas permanentes rigidez do ombro direito, rotura da longa porção do bicipete, cicatriz normocrómica vertical com 7 centímetros na face anterior do ombro, atrofia da coxa esquerda e consolidação viciosa da fractura da perna esquerda, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, e corresponde-lhes um dano estético permanente fixável no grau três numa escala de sete graus de gravidade crescente.
24) No exercício da condução o arguido actuou sem a atenção, as cautelas, a aptidão e o cuidado exigíveis a um condutor medianamente diligente e prudente, apesar de ciente de que ao actuar desta forma a sua conduta não era permitida.
Dos factos constantes do pedido de indemnização civil, excetuados os já considerados provados e os que constituem juízos de valor e de direito e conclusivos:
25) Durante a recuperação, o demandante teve períodos em que nem sequer conseguia fazer a sua higiene pessoal, estando totalmente dependente da filha Liliana F., com quem foi residir no Porto, tendo deixado a sua habitação de Guimarães.
26) Ainda em decorrência das lesões e sequelas que lhe advieram do atropelamento, o demandante sente dores no membro inferior esquerdo quando tem de permanecer em pé ou caminhar por períodos prolongados de tempo e no ombro direito quando faz alguns movimentos, tendo dificuldades em manipular objectos com o membro superior direito, por rigidez do ombro.
27) Em consequência das lesões resultantes do acidente, o demandante despendeu o montante total de € 840,55, em deslocações a consultas e tratamentos a que teve de submeter-se, fármacos, tratamentos médicos e consultas médicas.
28) Na altura do acidente, o demandante trabalhava como pedreiro na empresa “…, Ld.ª” e auferia o salário líquido mensal de € 587,00.
29) Em consequência das lesões e do período de doença com afectação da sua capacidade para o trabalho que lhe advieram do acidente, o demandante teve perdas de rendimentos nos valores de € 4.136,14, de € 4.337,14 e de € 6.192,00, referentes aos anos de 2009, 2010 e 2011, respectivamente.
30) Quando terminou o período de doença, o demandante manteve-se como empregado da empresa onde trabalhava à data do acidente, mas passou a desempenhar funções diferentes, deixando de executar serviços mais pesados, por dificuldades do membro superior direito.
31) Em resultado das consequências que lhe advieram do acidente, o demandante sentiu-se desgostoso e angustiado.
32) A responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do referido veículo com a matrícula …, propriedade da empresa “…Ld.ª”, estava transferida para a demandada “Liberty Seguros, S.A.”, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, em vigor à data do acidente.
Mais se provou:
33) O arguido já sofreu a seguinte condenação: por sentença de 9/11/2009, transitada em 30/11/2009, pela prática, em 7/11/2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1, do Código Penal, foi condenado na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 5,00, e na pena acessória de conduzir veículo motorizados pelo período de 3 meses, que foram declaradas extintas pelo pagamento/cumprimento em 11/03/2010.
34) Além do referido em 33), o arguido não tem averbado no seu registo individual de condutor qualquer infração rodoviária.
35) O arguido frequentou o curso de gestão, que não concluiu; é solteiro; não tem filhos; vive com o pai, sendo órfão de mãe; é comerciante de materiais para a construção civil, explorando o seu estabelecimento e do seu pai há cerca de quatro anos, tendo um empregado ao seu serviço; aufere o salário mensal de € 500,00; possui um apartamento T2 que está à venda, pagando a prestação mensal de € 260,00 para amortização do empréstimo que contraiu para a sua aquisição.
36) O demandante Augusto F. aufere o salário mensal de € 600,00 e vive em casa arrendada, pagando a renda mensal de € 150,00.
2. Factos não provados
Não se provaram outros factos, em contradição com os provados ou para além deles, nomeadamente e com relevo para a decisão da causa, não se provou o seguinte:
a) O arguido imprimia ao veículo que conduzia uma velocidade entre os 60 km/h e os 70 km/h.»

A factualidade provada encontra-se fundamentada pela forma seguinte: (transcrição)
«O tribunal ancorou a sua convicção no conjunto da prova produzida, que analisou e valorou de forma crítica, fazendo apelo às regras da experiência e da lógica e a critérios de normalidade e razoabilidade, nos termos que passamos a expor.
Foram valoradas, desde logo, as declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento.
O arguido narrou a materialidade relativa à data e local do acidente, à configuração, traçado e condições da via, ao estado do tempo, à identificação do veículo que conduzia, ao sentido de marcha em que seguia, à inexistência na faixa de rodagem de quaisquer obstáculos capazes de impedir ou perturbar a sua visibilidade e aos danos registados no seu veículo em resultado do acidente, o que tudo fez no sentido de confirmar a factualidade que a respeito resultou provada, sendo que as suas declarações, nesta parte, mostraram-se dignas de acolhimento, por coerentes e consentâneas com a demais prova produzida.
Mais assumiu que conhecia bem o local, onde habitualmente circulava, e que na altura circulava com as luzes do veículo que conduzia acesas, na posição de médios, e que este seu veículo não apresentava qualquer problema mecânico.
Admitiu que na altura imprimia ao veículo .... uma velocidade de 50 km/hora – esta parte do declarado pelo arguido, conjugado com a restante prova produzida, mormente com o depoimento da testemunha André F., condutor do veículo que seguia atrás do veículo ...., e na consideração dos demais elementos objectivos apurados (atinentes nomeadamente à imobilização do veículo e aos danos por este apresentados), levaram-nos a formar a convicção, no que tange à velocidade a que na altura circulava o veículo .., no sentido da materialidade que a respeito resultou provada.
Confirmou a existência de postes de iluminação pública no local, mas disse que a luz do poste que ficava próximo do local onde ocorreu o acidente devia estar desligada, sendo que apesar esta sua última asserção, não foi capaz de asseverar tal realidade, admitindo que a luz pudesse estar ligada mas fosse muito fraca – a este respeito, os depoimentos conjugados das testemunhas Carlos M., André F. e José M., a que à frente faremos menção, levaram o tribunal a formar a sua convicção no sentido da factualidade que ficou fixada. De resto, é aqui de referir que foi o próprio arguido a afirmar o seu convencimento de que não haveria diferença no desfecho da situação se tivesse melhor iluminação pública.
Assumiu saber que estava a conduzir o veículo .... depois de ter estado a ingerir bebidas alcoólicas, não tendo colocado em causa a taxa de álcool no sangue que registava quando depois do acidente foi submetido ao respectivo teste.
Relativamente à demais factualidade considerada provada referente à afectação das capacidades do arguido/condutor em resultado daquela taxa de álcool, o tribunal estribou-se nos dados cientificamente demonstrados sobre a matéria e acolhidos pelo próprio legislador português nomeadamente para considerar conduta contra-ordenacional a condução de veículo por condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l (cfr. art.º 81.º do Código da Estrada) – tais dados permitem afirmar que um condutor com álcool em excesso no sangue (igual ou superior a 0,5 g/l para a nossa lei) conduz com menor preocupação e cuidados, arrisca mais, apercebe-se mais tarde dos obstáculos, tem dificuldades de visão e tem mais problemas em resolver um imprevisto, porque a capacidade de reacção está mais diminuída.
Disse ainda o arguido que não viu o peão a iniciar o atravessamento da estrada ou mesmo a efectuar tal travessia. Referiu que vê o peão pela primeira vez quando está a uma distância dele de cerca de vinte metros. O peão nessa altura está à sua frente, sensivelmente no meio da via, de pé e parado, não percebendo o arguido qual o seu destino, tendo então travado e desviado o veículo que conduzia primeiro para a esquerda e depois para a direita (atento o seu sentido do marcha) e o próprio peão nessa altura também foi para um lado e para o outro, por forma que não conseguiu evitar o atropelamento, embatendo-lhe com a parte dianteira esquerda do veículo …, na sequência do que o peão caiu sobre o capot, bateu no pára-brisas e foi depois projectado para o solo, ficando caído à frente do veículo a cerca de um metro, tendo depois o próprio deixado descair o carro cerca de dois metros. Cumpre aqui de dizer que o afirmado pelo arguido a propósito da distância a que o mesmo viu o peão pela primeira vez, não mereceu cabal acolhimento, sendo que a tal respeito foi fundamental à formação da convicção do tribunal o depoimento da testemunha José M., nos termos que à frente melhor veremos.
Para além das declarações do arguido, foram relevantes as declarações do assistente/demandante Augusto F., o qual, pese embora tenha começado por afirmar não se recordar do atropelamento, do exacto momento e circunstancialismo em que o mesmo ocorreu, desde logo não pôs em causa a taxa de álcool que então registava, bem como explicitou que na ocasião provinha de um estabelecimento de café, que percorreu a Rua …a qual entronca na EN 105, do lado direito, atento o sentido Lordelo – Vila das Aves) e que dessa rua entrou directamente na EN 105 (não tendo nomeadamente caminhado na berma e ou no passeio). Mais afirmou que na altura se dirigia à sua casa que ficava do outro lado da estrada EN 105 e que na travessia da estrada que fazia, saindo directamente da referida rua, ia ter à quina da sua casa – o que levou o tribunal, dada a localização da aludida rua e da casa do assistente, a concluir que o este/peão fazia a travessia da estrada de forma oblíqua, como ficou provado –. Disse ainda que saiu daquela rua e entrou logo na EN 105 não fazendo qualquer paragem antes de iniciar a travessia, dizendo que não se lembrava se antes de iniciar tal travessia olhou para um lado e para o outro lado da via, limitando-se a afirmar que “na sua consciência não vinha ninguém”, o que tudo levou o tribunal, na consideração do próprio relato e na convocação das regras da experiência e da demais prova efectuada, a formar a sua convicção no sentido de que o peão iniciou o atravessamento da estrada nos termos fixados. Elucidou ainda sobre as consequências que lhe advieram do acidente, o que fez de molde a confirmar o que sobre a matéria ficou provado, fazendo-o de forma credível porque consonante com a prova documental e pericial produzida, com o depoimento da testemunha sua filha Liliana F. e com as regras da experiência atenta a natureza das lesões que lhe advieram do acidente. Pronunciou-se ainda sobre a sua situação económica.
Assumiu, outrossim, particular relevância o depoimento da testemunha José M., que na altura seguia como passageiro no veículo ...., no banco da frente ao laXGo do condutor (o arguido, seu amigo), tendo o mesmo, entre o mais, dito o seguinte: à frente do .... não circulava qualquer veículo; a dada altura o arguido/condutor começou a travar e é nesse momento que o próprio olha para a estrada e vê um peão sensivelmente no eixo da via, a uma distância de cerca de 20 metros do veículo .... – esta parte do depoimento da testemunha em destaque, permitiu ao tribunal, na consideração de que a travagem por parte do arguido surge depois de um tempo de reacção que dada a velocidade a que seguia lhe permitiu percorrer cerca de 15/16 metros, e também na consideração de que ele circulava com as luzes acesas na posição de médios e de que o local encontrava-se iluminado por postes de iluminação pública, a formar a sua convicção de que o arguido viu pela primeira vez o peão quando estava a uma distância dele de, pelo menos, 35 metros –; nessa altura em que olhou para o peão vê-o na via a andar para um lado e para o outro (é aqui de referir que deste relato não se pode inferir, como se sustenta na contestação apresentada pela demandada, que o peão fazia a travessia da via de forma errática, mas antes evidencia a normal reacção de um peão naquelas concretas circunstâncias em que este se encontrou, em que com a taxa de álcool que registava estava na iminência de ser embatido por um veículo, que também ele vem na sua direcção a ziguezaguear); depois do embate saiu do carro e dirigiu-se ao peão, que estava caído à frente do veículo ...., a cerca de um metro, acrescentando que não se apercebeu se o arguido mexeu no carro após o embate e imobilização, mas se a GNR indicou que o peão estava caído a 3,30 metros do veículo ...., é porque este foi mexido.
Foi também essencial o depoimento da testemunha André F., que na altura circulava a tripular o seu veículo atrás do veículo ...., o qual referiu, entre o mais, o seguinte: a dada altura vê o carro do arguido a desviar-se de algo, circulando na via para um lado e depois para o outro, altura em que vê um peão à frente do carro do arguido, sensivelmente no eixo da via, a andar de um lado para o outro (é de referir que este deambular do peão relatado pela testemunha, como já afirmamos, mais não traduz do que a normal reacção de um peão nas concretas circunstâncias em que este se encontrou), e a embater de seguida no peão; depois do embate saiu do seu carro (assim como saiu do carro do arguido um passageiro que seguia ao lado do condutor, a testemunha José M.), e dirigiu-se ao peão, vendo que este estava caído à frente do veículo ...., a uma distância de cerca de um metro, tendo o arguido na altura deixado descair o veículo dois/três metros; confirmou a existência de iluminação pública no local ainda que tenha dito que era fraca; elucidou ainda que na altura o próprio imprimia ao veículo que conduzia um velocidade de cerca de 50 km/hora, seguia atrás do carro do arguido a uma distância de cerca de 20 / 30 metros e que quando se percebeu das referidas manobras do carro do arguido o próprio travou o seu veículo e conseguiu fazê-lo parar em segurança atrás do carro do arguido (deixando espaço entre eles), não tendo estado na iminência de bater na traseira do veículo do arguido.
Esta última parte do depoimento da testemunha, na convocação das regras da experiência e da demais prova, em que este condutor perante uma manobra imprevisível do carro da frente e estando a uma distância de 20/30 metros, não lhe bateu na traseira, conseguindo travar em segurança atrás dele, permitiu ao tribunal reforçar a convicção de que o arguido/condutor do veículo ...., nas concretas circunstâncias em que se encontrou, podia e devia ter evitado o atropelamento do peão. E afirmamos reforçar a convicção do tribunal porquanto, perante os elementos objectivos colhidos, em que o arguido seguia com as luzes do veículo que conduzia acesas na posição de médios, o local achava-se iluminado com postes de iluminação pública, o arguido estava a uma distância de 35 metros (pelo menos) do peão quando o viu pela primeira vez e em que este estava já próximo do eixo da via, o veículo .... circulava a uma velocidade de cerca de 50 km/h e não apresentava qualquer problema mecânico, nomeadamente nos órgãos de travagem ou direcção, permitiu ao tribunal adquirir a convicção de que o arguido/condutor do veículo .... nas concretas circunstâncias em que se achou estava em condições de parar o veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente e assim deixar passar o peão que já tinha iniciado a travessia da faixa de rodagem.
Também foi considerado o depoimento da testemunha Carlos M., agente da GNR que no exercício das suas funções se deslocou ao local do acidente logo após a sua ocorrência, o qual, em audiência de julgamento, depôs por forma a confirmar o teor da participação do acidente de fls. 11 a 15 que elaborou na sequência dessa diligência, tendo este depoente, entre o mais, precisado o traçado, configuração e características da via, a visibilidade e o estado do tempo, fazendo-o de molde a confirmar o que a respeito ficou provado, e afirmado que o veículo .... estava imobilizado no local, na metade direita da estrada, atento o sentido Lordelo – Vila das Aves, que o peão estava caído à frente do veículo, a cerca de três metros deste, que na estrada, à frente do veículo havia vestígios do embate (vidros e plásticos partidos) e que não havia rastos de travagem e, a respeito da iluminação do local, disse que havia postes de iluminação pública, não se recordando em concreto se o poste estava sem luz, mas afirmando que se na altura tal fosse a situação, dentro daquele que é o seu procedimento normal em tais situações, teria feito constar tal facto (e não fez) da respectiva participação do acidente.
Atendeu-se ainda ao depoimento da testemunha Manuel F., o qual referiu que na altura circulava a tripular o seu veículo no sentido Lordelo – Vila das Aves e que chegou ao local logo após o acidente, quando o veículo de arguido e o veículo que circulava imediatamente atrás deste já estavam parados e quando ainda não tinha chegado a GNR nem o INEM, que chegaram logo depois, tendo o mesmo, além do mais, precisado que o peão estava caído na faixa de rodagem à frente do veículo ...., a dois ou três metros deste veículo, e que o local era iluminado por um poste de iluminação pública.
Importa aqui dizer que o depoimento da testemunha Orlando M., oferecida pela demandada, não foi de molde a abalar a indicada prova produzida em audiência de julgamento, porquanto o mesmo não revelou ter conhecimento directo dos factos atinentes ao acidente, por o não ter presenciado, tendo-se limitado a transmitir ao tribunal a averiguação a que procedeu do acidente ajuizado (por solicitação da demandada para quem presta serviços como averiguador de acidentes de viação desde 1985), sendo que a propósito das características da via, matéria sobre que se pronunciou, tendo-se deslocado ao local depois do acidente e no âmbito da referida averiguação a que procedeu, depôs de modo a confirmar o que resultou provado sobre a matéria.
Cumpre também afirmar que o depoimento da testemunha Ilda C., senhoria do assistente/demandante à data dos factos, não mereceu qualquer préstimo, pois para além desta testemunha não ter deposto com o necessário grau de isenção e desprendimento, tendo ficado bem patente a sua animosidade para com o ofendido (ao que não terá sido alheia a circunstância da relação de arrendamento não ter cessado de forma pacífica), e de não se nos ter afigurado minimamente verosímil à luz das regras da experiência e do normal suceder que esta testemunha, com a sua idade e à hora em causa, se encontrasse à janela quando ocorreu o acidente, tal depoimento revelou-se inconsistente e carecido de consonância com a demais prova produzida, nomeadamente com as declarações do arguido e com os depoimentos das já citadas testemunhas José M. e André F..
Foi ainda considerado o depoimento da Liliana F., que se revelou crucial ao apuramento das consequências que advieram ao assistente/demandante em resultado do acidente, tendo a mesma deposto por forma a confirmar a factualidade que a respeito ficou provada, da qual revelou ter conhecimento directo, como filha do assistente que o acompanhou ao longo de toda a recuperação, o acolheu na sua casa e dele cuidou.
Atendeu-se também ao depoimento da testemunha Narciso C.a, o qual, como dono da empresa entidade patronal do demandante, confirmou que este à data do acidente trabalhava como pedreiro, que o mesmo esteve sem trabalhar e auferir o respectivo salário desde a data do acidente até 2011 e que quando regressou ao trabalho passou a fazer trabalhos mais leves, deixando de trabalhar como pedreiro.

Finalmente, foi fundamental a prova documental e pericial produzida, com destaque para: a participação do acidente de fls. 5 a 15; os elementos clínicos de fls. 39 a 53, 334 a 338, 355 a 375 e 495 a 515; o talão de alcoolímetro de fls. 60; os documentos relativos ao proprietário e ao veículo .... de fls. 159 a 161; o auto de exame directo, as fotografias e o croqui do local de fls. 162 a 174; as fotografias e o auto de observação do veículo .... de fls. 305 a 310; os relatórios perícias de fls. 81 a 83, 131 a 133, 386 a 389 e 648 a 651; os documentos, recibos e facturas de fls. 429 a 442, 444 a 488, 493, 494; a apólice de seguro relativa ao veículo .... de fls. 589 a 590; as fotografias de fls. 595 a 598; o certificado de registo criminal e o registo individual de condutor do arguido de fls. 917 a 921.

Perante o conjunto da prova produzida, na convocação das regras da experiência e da lógica e do normal acontecer, foi possível ao tribunal formar a sua convicção, com o exigido grau de certeza e segurança, no sentido dos factos dados como provados.
Ao apuramento das condições pessoais e sociais do arguido e da sua situação económica foi essencial o relatado pelo próprio sobre a matéria.
Quanto à factualidade não provada, a mesma foi assim considerada em face do que já ficou dito e por a prova produzida apenas ter apontado, com o exigido grau de certeza e segurança, no sentido dos factos provados.»

Importa conhecer:
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada)., sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95..
No caso dos autos, face às conclusões apresentadas refere o recorrente que a decisão proferida padece dos vícios constantes do artigo 410º número 2 alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, peticionando em consequência o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do que se encontra preceituado no artigo 426º do mesmo diploma legal.
Vejamos se assim é.
Existirá erro notório na apreciação da prova, sempre que do texto da decisão proferida se evidencie uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal, conclusão que se há de impor como evidente quer da mera leitura da decisão que se aprecia, quer da conjugação do que nela se refere com as regras da experiência comum. Exige-se, assim, que da leitura da decisão, se evidencie um engano percetível ao comum dos leitores e que se traduza numa conclusão contrária àquela que os factos relevantes impõem.
Ou seja importa que, perante os factos provados e a motivação explanada, se torne evidente, para todos, que a conclusão da decisão recorrida é ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Cfr. Ac. do STJ de 22/10/99 in BMJ 490, 200
A este propósito e por todos veja-se o que consta do Ac. do STJ de 20 de Abril de 2006 (P. 06P363, Relator Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.dgsi.pt) aí se refere:
“ (…) o erro notório na apreciação da prova consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão deveria manifestamente ter sido a contrária, já por força de uma incongruência lógica, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas, ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova.”.
Existe,pois, erro notório na apreciação da prova quando,“…pelo menos, a prova em que se baseou a decisão recorrida não poderia fundamentar a decisão do tribunal sobre essa matéria de facto, sendo que essa prova, não pode ser outra que não a que serviu de base à fundamentação da convicção do tribunal, visto o erro ter de decorrer do texto da decisão recorrida, sem recurso a elementos extrínsecos (Ac. do mesmo Tribunal de 30/01/2002).
Tal vício só se verifica pois “…quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.
Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou a legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos” (CPP Anotado de Simas Santos e Leal Henriques, Vol. II).
Ora respaldados por estes princípios recentremo-nos no caso concreto.
Lendo a decisão proferida e respigando os factos provados, a nossa atenção imediatamente é convocada para a que consta sob o número 8; aí se dá por assente que: « O arguido tinha acabado de jantar em Vizela com amigos, tendo no decurso dessa refeição ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 0,57 g/l, o que lhe provocou um estado psicológico e emocional de euforia e de descontração relativamente ao demais trânsito, nomeadamente de peões, que se registava, com a consequente limitação da sua capacidade de discernimento e de reflexos para a avaliar o tipo e a gravidade dos obstáculos que lhe surgissem no exercício da condução e para se determinar de forma a contorná-los ou a evitá-los e, assim, obstar à colisão.» (sublinhado nosso)
Com base na prova destes factos é evidente a conclusão de que o facto de o arguido conduzir com uma taxa de álcool no sangue superior ao permitido por lei foi causal (ainda que no caso tivesse havido outra concausa/ ou causa concorrente) do acidente; o arguido exercia a condução num estado que lhe provocava euforia e descontração que lhe limitou a sua capacidade de ver o peão e de prevenir o embate nele.
A decisão de condenar ou de absolver tem de ser o corolário lógico dos factos assentes (provados e não provados) e estes – para que se entenda porque foram dessa forma considerados – têm de ser suportados na(s) prova(s) que o tribunal teve perante si, que examinou e ponderou.
Tudo isto tem de resultar evidenciado, de preferência de forma clara, simples e concisa da fundamentação da sentença – quer da fundamentação da matéria de facto, quer da fundamentação de direito -.
Daí a importância deste segmento da decisão, que tem mesmo consagração constitucional, no artigo 205º da nossa Lei Fundamental, preceito no qual se prevê o dever de fundamentar as sentenças por parte de quem as profere e um correlativo direito a esta fundamentação por parte dos seus destinatários.
É pela fundamentação que se explicita aos arguidos e às vítimas a não arbitrariedade da decisão tomada e esta se legitima pela demonstração àqueles, e aos demais que dela tomem conhecimento, das razões pelas quais a decisão foi a que foi e não poderia ter sido outra.
É ainda pela fundamentação da decisão que se possibilita o recurso revelando ao tribunal superior o processo lógico trilhado para se concluir como se concluiu.
Assim sendo importa então respigar na fundamentação da decisão a prova em que se estribou o tribunal para dar, como deu, tais factos, por assentes (os referidos constantes do número 8 da factualidade provada)
A TAS decorreu evidenciada do exame efetuado ao arguido (folhas 60 dos autos).
Mas seria esse de facto o valor que deveria ter resultado provado?
Entendemos que não. Na data em que a decisão foi proferida deveria ter sido efetuado o desconto do EMA.
A nova redação do artigo 170º, do Cód. Estrada, dada pela Lei n.º 72/2013, de 3 de setembro (em vigor desde 1 de janeiro de 2014), passou a impor claramente que no auto de notícia o agente autuante terá de fazer constar constar o valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo « (…) b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais.»
Assim sendo e porque esta lei se mostra claramente mais favorável, ter-se-ia de a ter tido em consideração quando se cuidou de dar como provada a taxa de álcool no sangue com que o arguido conduzia. Não o tendo feito incorreu o tribunal recorrido em erro notório na apreciação da prova.
Impõe-se, então, nos termos do preceituado no artigo 426º número 1 do Código de Processo Penal corrigir tal erro importando assim que, ao resultado obtido de 0.57 g/l se efetue o desconto do erro máximo admissível constante do quadro anexo à Portaria 1556/2007 de 10/12, que no caso é de 8%. Assim resulta que a TAS efetuar a considerar é a de 0,52g/l (0,57 – 0,05).
Este é a primeira correção à matéria de facto assente que importa fazer.
Impõe-se agora aquilatar em que provas se estribou o tribunal para dar como assente que, conduzindo o arguido com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida (ainda que, como se viu não fosse certo o valor considerado), esta lhe provocava um estado de euforia e de desatenção limitador da sua capacidade de reação.
Quanto a este aspeto o tribunal recorrido, na sua fundamentação, limita-se a dizer que se estribou nos «(…) dados científicos demonstrados sobre a matéria e acolhidos pelo próprio legislador … para considerar conduta contra-ordenacional a condução de veículos que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l».
Salvo sempre o respeito devido, dizer isto é não dizer nada.
Uma coisa são os estudos subjacentes e fundamentadores de uma opção legislativa que apontam para uma diminuição (geral) das condições para o exercício de condução por parte de quem tiver ingerido bebidas alcoólicas e tipificar como contraordenação quem exercer a condução com uma TAS de 0,5 g/l ou 0,2 g/l [se for condutor profissional ou efetuar determinado tipo de transportes a que concretamente alude o artigo 81º do C.E] e como crime quem o fizer com uma TAS de 1,2 g/l (artigo 292º nº 1 do Código Penal), outra, completamente diversa, é dar-se como provado que o arguido conduzia num estado de euforia e desatenção e para tanto aludir, para prova de factos considerados provados na concreta situação que se aprecia, estudos científicos (quais?) que não concretiza nem indica e que, seguramente, não exibiu em julgamento; dos quais não pôde, portanto, o arguido defender-se. Esta prova, tal como é convocada, não pode servir para fundamentar a convicção. É o que claramente preceitua o artigo 355º do Código de Processo Penal quando estatui, no seu número 1 que: «Não valem em julgamento nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência».
Ademais a sufragar-se o entendimento expresso pelo tribunal sempre a condução sob a influência do álcool seria causal dos acidentes que ocorressem. E sabemos que assim não é. Também existem estudos, vários, que nos dizem que as consequências reais, efetivas, da ingestão de bebidas alcoólicas, difere de pessoa para pessoa Assim e apenas a título de exemplo encontramos no “http://www.azores.gov.pt/Portal/pt/entidades/srtt-dropc/textoTabela/àlcool+e+Condução.htm» e apenas nos referimos a este por ser um sítio oficial onde se encontra dito o seguinte:

« Factores que interferem na TAS
Há diversos factores que interferem na TAS. Estes factores podem ser de ordem pessoal ou relacionados com as formas de absorção, ou, ainda com as características da bebida:
Factores pessoais
Referem-se alguns dos principais:
· Peso – as pessoas mais pesadas, normalmente, apresentam taxas menos elevadas, comparativamente com pessoas com menos peso perante a ingestão, da mesma forma e na mesma situação, de igual quantidade da mesma bebida;
· Idade e sexo – os factores de natureza hormonal e enzimática inerente a estes factores diferenciam a forma de desenvolvimento do processo de metabolização do álcool. A capacidade metabólica face ao álcool é, em geral, significativamente inferior nos adolescentes do que nos adultos. Da mesma forma as mulheres estão, como grupo, pior dotadas para a defesa enzimática face ao álcool do que os homens e pela menor quantidade de água que o seus organismos contêm;
· Crianças, filhos de alcoólicos, epilépticos, doentes do aparelho digestivo,
· Pessoas que tenham sofrido traumatismos cranianos, etc., são mais sensíveis ao álcool;
· O estado de fadiga, alguns estados emocionais, certos medicamentos, as mudanças bruscas de temperatura, a pressão atmosférica e a gravidez aumentam a sensibilidade ao álcool.
. Portanto, assiste razão ao recorrente quando coloca em causa a prova dos factos constantes do ponto e que são essenciais para a decisão a proferir.
Destarte para se concluir que, na inexistência de prova, a matéria constante do ponto 8 da matéria provada tem de resultar não provada, aí se fazendo constar, tão só, a TAS de 0,52 g/l com que o arguido exercia a condução.
Foi por certo a consideração desta taxa de álcool que contribuiu para assacar ao arguido a responsabilidade maior na produção do acidente. Mas a nosso ver a conclusão a retirar-se da matéria assente é exatamente a contrária.
No ponto 11 da matéria assente o tribunal considerou provado que o peão podia ser avistado pelo veículo a efetuar o atravessamento da via quando estava a uma distância de 35 metros e que o arguido se apercebeu da presença do peão a essa distância.
Assim sendo:
- ou o peão estava já a fazer o atravessamento da via e então poderia tê-la concluído sem qualquer problema porque se colocaria na outra hemi faixa de rodagem antes do veículo conduzido pelo arguido chegar junto de si;
– ou o peão estava a efetuar o atravessamento não viu logo o veículo conduzido pelo arguido e quando o viu atrapalhou-se, andou para a frente e para trás e acabou colhido pela viatura – [ versão que se aproxima do relato dos factos feito pelo arguido ];
- ou o peão inicia o atravessamento quando o veículo conduzido pelo arguido se encontrava a cerca de 35. [ versão que se aproxima mais da trazida a julgamento pela testemunha André Filipe Costa que seguia numa viatura atrás da conduzida pelo arguido]
A primeira situação sabemos que não ocorreu. Qualquer das outras isenta de responsabilidade o arguido na produção do acidente.
Com efeito que pode fazer um condutor perante um peão que efetua um atravessamento de uma via, considerando o tribunal provado que este o realiza sem se certificar que o poderia fazer em segurança, caminhando de forma oblíqua e embriagado [ apresentando uma TAS de 2,57 g/l] a não ser travar e tentar imobilizar o veículo, na tentativa de não colher o peão.
O tribunal considerou provado que o arguido conduzia pelo menos a 50 Km/hora.
Assim sendo, socorrendo-nos uma vez mais da informação contante de um sítio oficial http://www.velocidade.prp.pt/ da prevenção rodoviária portuguesa, concluiu-se que circulando um veículo a uma velocidade de 51Km/hora, com um tempo de reação de 1,2 segundos (manifestamente ajustado), em piso de alcatrão e seco ( em boas condições portanto) tem como resultado uma distância de reação de 17 metros, uma distância de travagem de 13 metros e uma distância de travagem de 30 metros.
Ou seja os factos provados constantes da decisão evidenciam que o arguido reagiu de modo rápido ao avistamento do peão e os 30 metros percorridos até conseguir imobilizar o seu veículo é a distância precisa num tempo de reação ajustado. Na decisão fala-se de uma distância de pelo menos 35 metros e não 30, mas igualmente se dá por assente que o arguido circulava a pelo menos 50 km/h. Ora admitindo, como aliás o fez o arguido nas declarações que inicialmente prestou em audiência, que circularia a mais do que 50 km/hora, a conclusão é similiar porquanto para uma velocidade de 56 km/hora e o mesmo tempo de reação, a distância de paragem passa a ser de 34 metros.
A prova não é, porém um exercício de matemática; o que vem de dizer apenas e tão só para tentar demonstrar que existe uma precipitada conclusão assacando ao arguido a responsabilidade pela produção do acidente. Com efeito cremos não ser possível assacar responsabilidade a um condutor ao qual surge um peão, embriagado, a atravessar em diagonal uma via, em local não destinado ao atravessamento de peões e que se precipita nesse atravessamento sem qualquer cuidado, o qual para mais reage da forma possível, travando e tentando contornar (evitar) o choque. De facto o tribunal dá também como provado que: « 14)- Contudo, quando se preparava para passar pelo peão, devido à redução das suas capacidades e dos seus reflexos provocada pelo consumo de bebidas alcoólicas e à velocidade a que seguia, o arguido atrapalhou-se sem motivo, mudando repentinamente trajectória do veículo que conduzia para a esquerda e, logo de seguida, de forma inesperada, para a direita, e foi colher o Adelino A. nele embatendo com a parte dianteira esquerda do automóvel na perna esquerda deste, levantando-o do solo e projectando-o contra o pára-brisas dianteiro, onde este embateu com a cabeça, caindo de seguida sobre o capot, após o que foi lançado para o solo, onde caiu, cerca de um metro à frente o arguido»
Cremos porém que se o tribunal não tivesse firmado, e como dissemos, de forma errada e infundadamente, a convicção de que o arguido estava a exercer a condução com os seus reflexos diminuídos, mais razões teria para concluir, perante a prova das condições em que se encontrava o peão, que seria este que se encontraria em (melhores) condições pessoais para se atrapalhar e ziguezaguear do que o condutor para o fazer.
Esta conclusão é ainda reforçada pelo croquis (folhas 162 a 174) efetuado pelos agentes da autoridade que ao local se deslocaram após o acidente, marcando a localização do peão na hemi-faixa direita atento o sentido de marcha do arguido logo junto ao local onde a viatura se encontrava imobilizada.
Existe ainda a nosso ver uma notória contradição entre o que consta do ponto 10 da matéria assente onde se refere que o arguido não se apercebe de que o peão inicia o atravessamento da via e de que apenas o vê quando este se encontra no eixo da via e o que consta do ponto 16 da matéria assente onde se dá por assente que o peão foi colhido na hemifaixa direita, atenta o sentido de marcha do arguido. Para que os factos não se contradigam então a versão trazida pelo arguido é que deveria ter vingado; o peão atrapalhou-se, andou para trás e para a frente e acabou colhido pela viatura do arguido que ao se aperceber da presença do peão trava.
Mesmo que dos factos apurados não possamos retirar com toda a certeza o modo como se produziu o acidente, impõe-se contudo, pelo que já se disse que, da matéria provada, se expurgue toda a factualidade que imputa ao arguido estados de euforia, desatenção, redução de capacidade e diminuição de reflexos em virtude da TAS com que exercia a condução (agora outra corrigida nos termos sobreditos), a qual terá de ser tida como não provada, o que nos resta não é suficiente para imputar ao arguido uma conduta negligente causadora do acidente. Não nos podemos esquecer, como bem salientou o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, que estamos no âmbito de um processo penal, onde o arguido goza do princípio da presunção de inocência, constitucionalmente consagrado, dele decorrendo o princípio processual penal do “in dubio pro reo” , princípios esses que nos impõem, perante a incongruências factuais e de prova detetadas, perante as dúvidas sobre a causa do acidente, perante a impossibilidade de se provar, para além da dúvida razoável que o mesmo se produziu por atuação negligente do arguido se produziu, a absolvição do arguido

III Decisão:
Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido André F. e, consequentemente absolvê-lo do crime de ofensa à integridade física negligente pelo qual havia sido condenado.

Sem custas

21 de setembro de 2015