Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/13.1T4AGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE LOUREIRO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Data do Acordão: 04/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA: JUÍZO DO TRABALHO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1152º E 1154º DO C. CIVIL.
Sumário: I – A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, definidos, respectivamente, nos artºs 1152º e 1154º do C. Civil, assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).

II – O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.

III – No contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.

IV- Porém, em última análise, é o relacionamento entre as partes – a subordinação ou a autonomia – que permite atingir aquela distinção.

V – A subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho subordinado implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

VI – A celebração de um contrato de trabalho com uma pessoa colectiva pública estava, em 2006, sujeita a determinados requisitos procedimentais e formais de validade (Lei nº 23/04, de 22/06, entretanto revogada pela Lei nº 59/08, de 11/09), a saber: existência de um prévio processo de selecção de candidatos, subordinado aos princípios da publicação da oferta de trabalho, da igualdade de condições e oportunidades, com fundamentação da decisão de contratação em critérios objectivos (artº 5º); existência de um quadro de pessoal onde tenha cabimento o trabalhador contratado (artº 7º/1); observância da forma escrita (artº 8º, nº 1).

VII – Nos termos do artº 122º/1 do CT/2009 o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.

Decisão Texto Integral: O autor propôs contra as rés a presente acção emergente de contrato de trabalho e com a forma de processo comum, pedindo:
I. Que sejam declarados nulos os contratos de prestação de serviço que celebrou com as rés;
II. Que se reconheça que os contratos que vincularam o autor e as rés entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2012, mais não foram do que um artifício jurídico com vista a encobrir uma verdadeira relação laboral entre o autor e a 1ª ré, sujeito a subordinação jurídica e normas de direito privado:
III. A condenação da 1ª ré a reconhecer que a relação laboral estabelecida com o autor é a de um verdadeiro contrato de trabalho, com início em Janeiro de 2006;
IV. Que seja declarado ilícito o despedimento do autor pela 1ª ré, por não ter sido precedido de procedimento disciplinar;
V. A sua reintegração na 1ª ré, voltando a ocupar o posto de trabalho e a desempenhar as funções que vem desenvolvendo desde Janeiro de 2006;
VI. A condenação da 1ª ré a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento (31 de Dezembro de 2012) até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do disposto no artigo 390º do Código do Trabalho;
VII. A condenação solidária das rés a pagarem-lhe:
- € 20.428,86, respeitantes aos subsídios de férias e de Natal desde Janeiro de 2006 a 31 de Dezembro de 2012;
- € 5.350,65, respeitantes a subsídio de alimentação, desde Janeiro de 2006 a 31 de Dezembro de 2012;
- € 949,68, respeitante a diuturnidades, desde Janeiro de 2006 a 31 de Dezembro de 2012;
- € 2.071,30, a título de formação profissional não recebida;
- As diferenças dos descontos efectivamente pagos pelo autor, na medida em que foram efectuados como se de trabalhador independente se tratasse;
- Juros de mora, até integral e efectivo pagamento.
Alegou, em resumo, que a 1ª ré sucedeu ao Hospital Distrital de F... (HDA), de quem o autor era realmente trabalhador subordinado e sem termo, sendo que essa relação de trabalho subordinado foi encoberta através de diferentes contratos celebrados com o Hospital Distrital de F... (HDA) e com a rés – um contrato de trabalho a termo e diversos contratos de prestação de serviço.
Com efeitos reportados a 31/12/12, a 1ª ré despediu ilicitamente o autor porque não houve qualquer procedimento disciplinar.
Com excepção do período compreendido entre 1/6/2007 e 30/11/2007, o autor nunca recebeu subsídio de férias, subsídio de Natal ou subsídio de alimentação, nem diuturnidades, do mesmo modo que lhe não foram concedidas horas de formação.
Sempre procedeu aos descontos para a Segurança Social  como se de um trabalhador independente se tratasse, excepto no período entre 1/6/2007 e 30/11/2007, sendo que por ser trabalhador subordinado deveria apenas proceder mensalmente ao desconto para a Segurança Social de 11%, percentagem inferior àquela por referência à qual procedeu aos ditos descontos.
É, assim, titular dos direitos correspondentes aos pedidos que formulou na conclusão da petição.
A 1ª ré contestou, pugnando pela improcedência da acção.
Em resumo, negou a existência de uma relação de trabalho subordinado entre o autor e o HDA, na qual a 1ª ré tivesse sucedido, razão pela qual nunca se registou qualquer despedimento do autor.
A segunda ré também contestou, excepcionando a sua ilegitimidade para a acção, arguindo a incompetência do Tribunal do Trabalho em relação ao pedido reportado aos descontos para a Segurança Social, e invocando a prescrição dos créditos peticionados.
Por outro lado, sustenta que o autor prestou a sua actividade a essa ré ao abrigo de um real contrato de prestação de serviço.
As demais rés também contestaram, sustentando que o autor celebrou com elas, no real interesse dele, verdadeiros contratos de prestação de serviço ao abrigo dos quais prestou a sua actividade no HDA e depois na 1ª ré, razão pela qual não existiu contrato de trabalho, nem despedimento, actuando o autor em abuso de direito ao invocar a existência da relação de trabalho subordinado aludida na petição inicial.
O autor respondeu às excepções da ilegitimidade e do abuso de direito invocadas pelas rés, concluindo pela sua improcedência.
Saneado o processo, com improcedência da excepção de ilegitimidade arguida pela segunda ré, procedeu-se a julgamento, com observância dos legais formalismos, logo após o que foi proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte:
Em face de todo o exposto, julgando a acção parcialmente procedente, decide-se:
I. Declarar nulos os contratos denominados de prestação de serviços celebrados entre o A. e os RR..
II. Reconhecer que desde Janeiro de 2006 até 31 de Dezembro de 2012, vigorou um contrato de trabalho entre o A. e o R. Centro Hospitalar B..., E.P.E. (em que se veio a fundir o Hospital Distrital de F..., sucedendo-lhe o referido R. em todos os direitos e obrigações, a partir de 03/03/2011).
III. Declarar que tal contrato de trabalho cessou em virtude de despedimento ilícito, por parte do R. Centro Hospitalar B..., E.P.E..
IV. Declarar nulo o referido contrato de trabalho.
V. Condenar o R. Centro Hospitalar B..., E.P.E. a pagar ao A.:
a) € 3.509,70 (três mil, quinhentos e nove euros e setenta cêntimos), correspondentes às  retribuições que o A. deixou de auferir desde o seu despedimento, em 31 de Dezembro de 2012, até à data em que lhe foi notificada a contestação do R. Centro Hospitalar B..., E.P.E. (3 de Março de 2013), onde foi pela primeira vez invocada a nulidade do contrato;
b) € 20.428,86 (vinte mil, quatrocentos e vinte e oito euros e oitenta e seis cêntimos), respeitantes aos subsídios de férias e de Natal desde Janeiro de 2006 até 31 de Dezembro de 2012;
c) € 983,88 (novecentos e oitenta e três euros e oitenta e oito cêntimos), de diuturnidades;
d) € 5.350,65 (cinco mil, trezentos e cinquenta euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de subsídio de refeição, desde Janeiro de 2006 até 31 de Dezembro de 2012;
e) € 2.071,30 (dois mil, setenta e um euros e trinta cêntimos), de retribuição por formação profissional não proporcionada;
f) Juros de mora à taxa legal (actualmente de 4%) sobre as quantias referenciadas supra em V. a), b), c), d) e e), até integral pagamento, contabilizados desde a data do vencimento de cada uma das retribuições, no que se refere às quantias aludidas nas als. a), b), c) e d), e desde 31 de Dezembro de 2012, no que respeita à mencionada na al. e).
VI. Absolver as RR. da instância, no que concerne aos pedidos de condenação na devolução da diferença entre as contribuições que o A. pagou para a Segurança Social, como trabalhador independente e as que teria que pagar, se a relação tivesse sido encarada como de contrato de trabalho por tempo indeterminado; e para que se proceda à regularização do seu enquadramento contributivo junto do sistema da Segurança Social.
VII. No mais, absolver as RR. do pedido.”.
É dessa sentença que a 1ª ré recorreu, apresentando as seguintes conclusões:
[…]
O autor e a segunda ré contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
*
II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) saber se a relação contratual constituída entre o autor e o HDA, na qual sucedeu a ré Centro Hospitalar B..., E. P. E. (CHBV, E. P. E.) era de trabalho subordinado ou, ao invés, de prestação de serviço;
) se o autor tem direito a receber do réu CHBV as retribuições intercalares entre a data do seu despedimento (31 de Dezembro de 2012) e a data em que lhe foi notificada a contestação do réu (4/3/2013).
*
III – Fundamentação

A) De facto

A primeira instância descreveu como factos provados os que a seguir se deixam transcritos:
[…]

*
B) De direito

Primeira questão: saber se a relação contratual constituída entre o autor e o HDA, na qual sucedeu a ré Centro Hospitalar B..., E. P. E. (CHBV, E. P. E.) era de trabalho subordinado ou, ao invés, de prestação de serviço.

Importa apurar, em primeiro lugar, se a relação contratual entre o autor e o HDA, na qual sucedeu o CBHV pode ou não qualificar-se como sendo de trabalho subordinado, sendo certo que era sobre o autor que impendia, neste domínio, o correspondente ónus da prova (art. 342º/1 do CC).
Importa traçar, assim, ainda que sumariamente, a distinção entre esses dois institutos.
A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, definidos, respectivamente, nos artigos 1152.º e 1154.º do CC, assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
Assim, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
Porém, através do critério do objecto do contrato, nem sempre surge com nitidez a distinção entre as duas figuras, já que, frequentemente, não se consegue determinar se a obrigação assumida foi a de “prestar uma actividade intelectual ou manual”, própria do contrato de trabalho, ou se obrigação consiste em “proporcionar certo resultado do trabalho intelectual ou manual”, própria do contrato de prestação de serviço – todo o trabalho visa a obtenção de um resultado e este não existe sem aquele.
Por isso, em última análise, é o relacionamento entre as partes – a subordinação ou autonomia – que permite atingir aquela distinção.
Volvendo à situação em apreço e aos factos dados como provados, é de concluir no sentido de que esses factos permitem sustentar que a relação contratual que se constituiu e prolongou entre o autor e o HDA foi de trabalho subordinado, tendo sido numa relação dessa natureza que a ré CHBV sucedeu.
Comece por dizer-se que ao que acaba de sustentar-se não constitui obstáculo a circunstância de vários dos instrumentos jurídicos outorgados para dar suporte formal a tal relação não terem a designação de “Contrato de Trabalho”, tendo mesmo a designação de “Contratos de Prestação de Serviços” (pontos 3, 30, 42 dos factos provados).
Com efeito, o “nomen iuris” aposto nos contratos não é um elemento decisivo na respectiva qualificação jurídica, que deverá antes ser estabelecida em função dos elementos materiais de diferenciação que se encontrem patentes na execução do contrato.
Neste sentido, vem decidindo o STJ em vários arestos, entre os quais podemos aqui invocar o acórdão de 10/12/2009, disponível in www.dgsi.pt, onde se refere: “Resultando dos factos materiais fixados pelas instâncias que a autora, na execução da sua actividade, estava sujeita à autoridade e direcção do réu, verificando-se uma relação de dependência da conduta da trabalhadora na execução da prestação laboral em relação às ordens ou orientações determinadas pelo empregador, é de concluir que a relação contratual entre eles estabelecida como contrato de avença preenche os requisitos de um contrato de trabalho, sendo certo que, nos contratos de execução continuada, havendo contradição entre o tipo contratual inicialmente acordado e o realmente executado, prevalece a execução assumida, efectivamente, pelas partes.” – cfr., também, acórdão da Relação de Lisboa de 20/2/13, proferido no âmbito da apelação 1215/11.1TTLSB.L1-4.
Por outro lado, não resulta dos factos provados, que o HDA apenas estivesse interessado no resultado da actividade do autor e que este apenas estivesse obrigado à prestação de um dado resultado, como seria suposto se estivesse em causa uma verdadeira relação de mera prestação de serviço.
Com efeito, analisadas conjunta e globalmente os pontos 3, 4, 13, 21, 37, 50, 53 e 58 dos factos provados, facilmente se conclui que o autor sempre prestou ao HDA e depois ao CHBV, por contratação directa ou indirecta[1] para o efeito, uma determinada actividade essencialmente intelectual, materializada nas funções correspondentes à categoria de Técnico de Informática, designadamente gestão e manutenção de software, hardware, utilizadores, redes, digitalização de raio X (sistema pacs), controlo e manutenção de anti-vírus, segurança de todo o sistema hospitalar e helpdesk a todos sistemas e funcionários do Hospital.
Por outro lado, como se verá, essa actividade tinha que ser prestada num determinado contexto organizacional condicionante do tempo e do espaço da prestação a que o autor estava obrigado, bem assim como segundo instruções e ordens impostas pelo HDA ou pelo CHBV e que eram condicionantes do modo como a actividade tinha que ser prestada, estando o autor integrado numa cadeia hierárquica de que dimanavam ordens e instruções que tinha de acatar – o autor estava assim obrigado a uma actividade cujo contexto e programa de prestação era organizado, no seu núcleo essencial (tempo, lugar e modo de execução), pelo respectivo credor, como é típico acontecer numa relação de trabalho subordinado (acórdão do STJ de 5/3/2013, proferido no âmbito do processo 3247/06.2TTLSB.L1.S1).
Ora, assim sendo, não pode sustentar-se que ao HDA e depois ao CHBV apenas interessava, como era suposto acontecer se estivesse em causa uma relação de mera prestação de serviço, o resultado da actividade do autor; para lá dele, interessava-lhe, também, o local, o tempo e o modo como era desempenhada a actividade a que o autor se tinha obrigado com vista à consecução daquele resultado que igualmente era desejado.
Outrossim, não se vislumbra como possa razoavelmente sustentar-se, nesse enquadramento e como era suposto acontecer numa relação de mera prestação de serviço, que o autor estava apenas obrigado à prossecução, em regime de plena autonomia, de um determinado resultado (acórdão do STJ de 8/5/2012, proferido no âmbito do processo 539/09.2TTALM-L1.S1), adoptando os meios e as técnicas por si livremente escolhidas como sendo aquelas que, segundo os seus conhecimentos e capacidades, melhor se adaptavam à consecução do resultado a prestar, com gestão livre e autónoma do tempo e do espaço do desempenho da actividade.
Do exposto colhe-se uma primeira indicação no sentido de que está em causa uma relação de trabalho subordinado.
Considerando agora a forma efectiva pela qual foi sendo executada a relação entre o autor, o HDA e depois o CHBV, a conclusão vai, igualmente, no sentido de que os factos demonstrados apontam no sentido que essa relação deve ser qualificada como de trabalho subordinado.
Com efeito, a subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho subordinado implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um destino concreto à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas, traduzindo-se a supremacia da entidade patronal, ainda, nos poderes regulamentar e disciplinar.
A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica.
A subordinação traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e/ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: i) a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; ii) o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; iii) existência de controlo do modo da prestação do trabalho; iv) obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; v) propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; vi) retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; vii) exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade - estão aqui em causa os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização) a que se aludem, por exemplo, no acórdão do STJ de 19/12/2012, proferido no âmbito do processo 247/10.4TTVIS.C1.S1., de  9/2/2012, proferido no âmbito do processo 2178/07.3TTLSB.L1.S1, e de 5/11/2013, proferido no âmbito do processo 195/11.8TTCBR.C1.S1.
Esclareça-se, por fim, que a subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.
Importa referir, como quer que seja, que “A autonomia técnica não constitui, por si, óbice à qualificação da situação jurídica no âmbito laboral, como se depreende do disposto no art. 5º n.º 2 da LCT. A autonomia técnica não é conferida ao trabalhador pelo empregador, pois ela resulta da natureza da actividade e da qualificação profissional do trabalhador; em tal caso, o trabalho continua a ser organizado, orientado, controlado e utilizado pelo empregador, subsistindo um contrato de trabalho com uma responsabilidade acrescida para o trabalhador.” – parecer da Procuradoria-Geral da República 5/2004, de 01/07/2004, DR, IIª Série, de 19/08/2004, pp. 12593 e segs; no mesmo sentido, citando Galvão Telles, Abílio Neto, Contrato de Trabalho, suplemento do BMJ, 1979, p. 171, bem como acórdão do STJ de 22/9/2010 (processo 4401/04.7TTLSB.S1).
Aliás, nesses casos de necessária preservação da autonomia técnica e científica do contratado, importa ter em especial atenção, como já de induz do exposto, que a subordinação jurídica pode ter um conteúdo variável, com distintos graus de concretização e de intensidade, em função do concreto tipo de actividade a prestar, da especialização e da qualificação do contratado, sendo particularmente difícil a qualificação da relação contratual naquelas situações em que estão em causa actividades tradicionalmente desenvolvidas em regime de profissão liberal, como é o caso dos médicos e advogados, mas que actualmente se mostram cada vez mais prestadas em regime de subordinação jurídica e económica no seio de estruturas organizacionais mais ou menos complexas.
Cumpre recordar, a propósito, a lição de Sousa Ribeiro (Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra, 2007, p. 356): “No que diz respeito a certas tarefas de grande tecnicidade, requerendo um elevado grau de especialização e qualificação, e designadamente no âmbito de profissões de acesso regulamentado, está, mesmo, afastado que o profissional possa estar sujeito a ordens ou instruções precisas, quanto à forma concreta de as executar. Goza assim, sempre, em qualquer regime, de autonomia técnico-executiva, de independência operacional. Mas tal situação não é incompatível com a subordinação jurídica, pois não pode confundir-se com a autonomia económico-organizativa, esta sim, privativa do trabalho autónomo. Basta que o trabalhador não goze desta segunda forma de autonomia para que a subordinação subsista, ficando então reduzida a aspectos externos à própria prestação de trabalho, embora com ele conexos, às condições organizativas e de carácter administrativo que a enquadram, sem contender com o conteúdo dos actos de prestação.
E acrescenta que, nestas situações, a ambiguidade que subsista deve ser resolvida no sentido da subordinação “…quando o profissional está sujeito a medidas organizativas e a uma disciplina de trabalho em cuja definição não participa.”.
Visto quanto vem de referir-se, afigura-se-nos que os factos dados como provados apontam inequivocamente para uma situação de subordinação do autor em relação ao HDA e depois ao CHBV, na qual o autor não beneficiava da autonomia económico-organizativa referida por Sousa Ribeiro, antes estava sujeito a medidas organizativas e administrativas, bem assim como a uma disciplina de trabalho imposta pelo HDA e depois pelo CHBV e em cuja definição não participou.
Para assim concluir-se, recorde-se que: a) o autor prestava a actividade para que foi contratado em instalações do HDA e depois do CHBV, que, assim, determinaram ao autor o local da prestação da sua actividade (pontos 9, 14, 22, 46, 51 e 58 dos factos provados); b) o autor cumpria horário de trabalho (pontos 15, 23, 38, 47 e 52 dos factos provados) – foi o HDA e depois o CHBV que determinaram ao autor, pois, o núcleo essencial do tempo da prestação da actividade.
Por outro lado, o autor estava integrado numa cadeia hierárquica instituída no HDA e depois no CHBV, cadeia essa de onde dimanavam ordens e instruções que o autor tinha de cumprir (pontos 16, 24, 40, 49, 55 e 56 dos factos provados); o trabalho prestado pelo autor estava sujeito a fiscalização por parte dessa mesma cadeia hierárquica (pontos 24º e 59º dos factos provados) – de tudo resulta, conjugadamente, que o HDA e depois o CHBV determinavam e fiscalizavam, no seu núcleo essencial, o modo da prestação da actividade a que o autor se obrigara.
Resulta de quanto vem de referir-se que, como é típico nas relações de trabalho subordinado, era o credor da prestação, o ora recorrente e o HDA, quem determinava o núcleo essencial do local, do tempo e do modo da prestação a que estava obrigado o devedor, no caso o aqui autor.
Para lá disso, importa atentar, igualmente, em que dos factos provados resulta inequivocamente que o autor estava integrado na estrutura organizativa do recorrente e do HDA, tanto assim que lhe foi atribuído um número mecanográfico (ponto 18 dos factos provados).
Todos os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pelo autor no desempenho da sua actividade pertenciam ao recorrente e ao HDA (pontos 17, 25 e 39 dos factos provados).
O autor recebia uma remuneração mensal fixa (pontos 5, 12 e 34 dos factos provados), de que dependia economicamente para subsistir (ponto 60 dos factos provados), sendo certo que essa remuneração não tem que ser directamente paga pela entidade empregadora para que possa dar-se como assente a existência de uma relação de trabalho subordinado, podendo sê-lo por terceiros, como terá sucedido no caso dos autos a partir do momento em que as segunda e quarta rés intermediaram, por assim, dizer, a relação entre o HDA, o recorrente e o autor – neste sentido, acórdãos do STJ de 4/5/05 (processo 04S1505), de 7/10/2004 (Revista n.º 1002/04) e de 30/06/2011 (processo n.º 69/07.7TTCBR.C1.S1).
O facto de o autor ter emitido os denominados “recibos verdes” e de ter sido ele quem suportou as contribuições obrigatórias para a segurança social não relevam aqui especialmente, pois que tal resulta necessária e consequencialmente do enquadramento formal dado à relação entre o autor, o HDA e o CHBV, directamente ou com intermediação das demais rés, como relação de mera prestação de serviço.
A intermediação das demais rés na relação entre o HDA, o recorrente e o autor também de nada relevam para efeitos de ser afasta a existência de uma verdadeira relação de trabalho entre o HDA, o CHBV e o autor, pois, todo o desempenho funcional do autor se processava à margem de qualquer intervenção dessas rés (ponto 57 dos factos provados).
Repare-se, aliás, que apesar do contrato de prestação de serviço celebrado em 1/1/2010 entre o autor e a ré D... determinar que o mesmo caducaria em Janeiro de 2011, sem nele se prever qualquer renovação automática, o certo é que o autor continuou a trabalhar  para o HDA e depois para o CHBV, até 31 de Dezembro de 2011 (ponto 45 dos factos provados), passando a partir de 1/1/2012 a emitir recibos verdes à ré E... (ponto 50 dos factos provados), sem que se saiba com que base se deu tal mudança e com que fundamento continuou o autor a prestar o seu trabalho ao recorrente e ao HDA até 31/12/2012.
Tudo quanto vem de referir-se aponta no sentido de que existia uma verdadeira subordinação do autor ao HDA e depois ao recorrente, devendo ser qualificada como de trabalho subordinado a relação intercedente entre eles.
*
Face à conclusão acabada de enunciar, logo se verifica que o regime a convocar para efeitos de enquadramento dos factos dados como provados e para apreciação das pretensões do autor deduzidas contra as rés é o regime jurídico do contrato individual de trabalho, que não o regime do contrato de prestação de serviço.
Por isso, não pode aplicar-se na situação dos autos o regime dos artigos 10º do DL 184/89, de 6/6, na redacção dada pela Lei 25/98, de 26/5, e dos arts. 35º e 36º da Lei 12-A/08, de 27/2, especificamente instituído para os contratos de prestação de serviço.
De resto, a nulidade assinalada pela sentença recorrida aos contratos de prestação de serviço em que o autor outorgou, não é a cominada nos referidos art. 10º (n. 6) e 36º (n. 1), com os efeitos conservatórios nelas determinado, antes é a nulidade decorrente do estatuído no art. 294º do CC, por se considerar que tais contratos de prestação de serviço foram celebrados em fraude à lei, com todos os efeitos decorrentes do estatuído no art. 289.º do CC – “Sendo nulos os contratos denominados de “prestação de serviço” que foram sendo formalizados, desde 1 de Janeiro de 2006 até 31 de Dezembro de 2012, quer com o 1º R., quer com as demais RR., nos termos do disposto no art. 294º do Cód. Civil, não produzindo quaisquer efeitos no que diz respeito ao vínculo laboral permanente que se formou entre o A. e o 1º R., através do exercício estável e continuado da actividade do primeiro, de modo juridicamente subordinado ao segundo, tal como é defendido no supra-citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/05/2005.”.
+
A relação de trabalho subordinado entre o autor e o HDA, no qual sucedeu o CHBV, iniciou-se em 2006, sem subordinação a qualquer termo, sendo por referência a essa data que deve aquilar-se da (in)validade dessa relação.
Para tanto, comecemos por uma breve incursão sobre a questão da natureza jurídica do Hospital Distrital de F... (HDA) em 2006, data em que se iniciou, para esse Hospital, a prestação pelo autor da sua actividade profissional de técnico de informática, sendo certo que aquele HDA viria a ser integrado na recorrente Centro Hospitalar B..., E. P. E. (CHBV, E. P. E.), por fusão do Hospital Infante D. Pedro, E. P. E., do Hospital Visconde Salreu de Estarreja e do próprio HDA (art. 1º/1/c do DL 30/11, de 2/3), sucedendo o CHBV às unidades de saúde que lhe deram origem em todos os direitos e obrigações, independentemente de quaisquer formalidades. (art. 2 do DL 30/11, de 2/3).
A Constituição da República Portuguesa (CRP) consagrou no seu art. 64.º o direito à protecção da saúde, tendo em vista garantir a todos os cidadãos o acesso a cuidados de saúde através da criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e tendencialmente gratuito – princípios da universalidade, generalidade e gratuitidade tendencial do acesso aos cuidados de saúde.
Com vista à concretização dessa imposição constitucional, foi aprovada a Lei de Bases da Saúde (LBS - Lei 48/90, de 24/8), que assumiu a existência de um Sistema de Saúde, que “… é constituído pelo Serviço Nacional de Saúde e por todas as entidades públicas que desenvolvam actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas  as entidades privadas e por todos os profissionais livres que acordem, com as referidas entidades públicas, a prestação de todas ou de algumas daquelas actividades.” (nº 1 da Base XII da LBS), e que atribui ao SNS, regulamentado, orientado, planeado, avaliado e inspeccionado pelo Ministério da Saúde (Base VI, nº 4), as seguintes características: ser universal quanto à população abrangida; prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação; e ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos - Base XXIV.
Nos termos do nº 4 da Base I da LBS “[…] os cuidados de saúde são prestados por serviços e estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por  outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos.”.
O SNS abrange todas as instituições prestadoras de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde (Base XII, nº 2), sendo tutelado pelo mesmo Ministério, que igualmente tutela as administrações regionais de saúde que administram as diferentes regiões de saúde em que se divide o território nacional (Bases XVIII, nº 1, e XXVI),
Por sua vez, o DL 11/93, de 15/1, que aprovou o Estatuto do SNS, define este como “… um conjunto organizado e hierarquizado de instituições e de serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, funcionando sob a superintendência ou tutela do Ministro da Saúde.” (artigo 1.º do referido Estatuto).
O HDA foi criado pelo art. 2º do DR 18/87, de 4/3, que lhe conferiu a natureza de pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira, natureza essa que veio a ser mantida pelo DL 19/88, de 21/1 (art. 2º, nº 1), vigente à data da primeira contratação do autor pelo HDA (2006).
Posteriormente, a Lei 27/02, de 8/11, para além de ter  procedido a alterações à LBS, veio institucionalizar a empresarialização dos hospitais  integrados na rede de prestação de cuidados de saúde, através da aprovação, em anexo  ao referido diploma, do novo Regime Jurídico da Gestão Hospitalar (RJGH).
Nos termos do art. 2º/1 do  (RJGH) e no que toca à natureza jurídica dos hospitais que podem integrar a Rede Nacional de Prestação de  Cuidados de Saúde, podem existir quatro tipos  distintos de hospitais públicos, em função do modelo de gestão adoptado:
a) os hospitais integrados no sector público administrativo (Hospitais S.P.A.), como estabelecimentos públicos, dotados de personalidade  jurídica, autonomia administrativa e financeira, com ou sem autonomia patrimonial (cfr. capítulo II do RJGH – arts. 9º e ss);
b) os hospitais com a natureza de entidades públicas empresariais (Hospitais E.P.E.), como estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e natureza empresarial;
c) os hospitais sociedade anónimas (Hospitais S.A.), como sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos; e
d) os hospitais criados em regime de parcerias público-privadas, como estabelecimentos privados, com ou sem fins lucrativos, com os quais sejam celebrados contratos.
Até à criação do Centro Hospitalar B..., E. P. E. (CHBV, E. P. E.) pelo DL 30/11, o HDA continuou a ser uma pessoa colectiva pública, dotada de personalidade  jurídica, autonomia administrativa e financeira,  integrada no sector público administrativo do Estado.
Ora, é sabido que as pessoas colectivas públicas dotadas de autonomia administrativa e financeira, do tipo da que o HDA foi desde a sua criação até à sua inclusão no CHBV, integram a denominada administração indirecta do Estado que, como é sabido, integra: a) as pessoas colectivas de estatuto público, nas quais se integram os institutos públicos[2] [de prestação (v.g. hospitais públicos não empresariais, Instituto Nacional de Estatística), reguladores (v.g. INTF, I.P. - transportes ferroviários; InIR, I.P. – infra-estruturas rodoviárias; INAC, I.P. – aviação civil; IMOPPI, I.P. – mercados de obras públicas e particulares e do imobiliário; ERSAR, I.P. – serviços de águas e resíduos), fiscalizadores (v.g. Autoridade da Concorrência, Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar) e de infra-estruturas (v.g. Instituto Marítimo-Portuário)], e as entidades públicas empresariais[3]; b) as pessoas colectivas de estatuto privado[4], nas quais se integram as empresas públicas sob a forma societária, as fundações e as associações - João Caupers,  Introdução ao Direito Administrativo, 10ª edição, Editora Âncora, pp. 123 e ss.
Os serviços personalizados da administração indirecta do Estado devem ser qualificados como institutos públicos (arts 2º e 3º/1 da Lei 3/04, de 17/1) – cfr. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3ª edição, Almedina, p. 366.
De tudo se conclui, pois, que o HDA foi uma pessoa colectiva pública com personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira, integrando a administração indirecta do Estado sob a forma de instituto público de prestação.
+
Aqui chegados, importa ter em conta que a celebração de um contrato de trabalho com uma pessoa colectiva pública estava, em 2006, sujeita a determinadas requisitos procedimentais e formais de validade (Lei 23/04, de 22/6, entretanto revogada pela Lei 59/08, de 11/09), a saber: existência de um prévio processo de selecção de candidatos, subordinado aos princípios da publicitação da oferta de trabalho, da igualdade de condições e oportunidades, com fundamentação da decisão de contratação em critérios objectivos (art. 5º); existência de um quadro de pessoal onde tenha cabimento o trabalhador contratado (art. 7º/1); observância da forma escrita (art. 8º n.º 1).
Ora, no caso dos autos, os factos provados não demonstram a satisfação de qualquer desses requisitos, com a consequente nulidade do contrato de trabalho sem termo que deve considerar-se como existente desde Janeiro de 2006, entre o autor e o HDA, no qual sucedeu o CHBV, por violação de normas de carácter imperativo (art. 294º CC) – no sentido da nulidade de contratos de trabalho celebrados por organismos do Estado com preterição das regras concursais impostas pelo art. 47º/2 da CRP, pelo DL 427/89, de 7/12, na redacção do DL 218/98, de 17/6, e pela Lei 23/2004, de 22/6, pode consultar-se, apenas a título exemplificativo, acórdãos do STJ de 10/4/2013 (processo 2006/09.5TTPNF.P1.S1), de 26/11/2008 (processo 1982/08 LSB.L1.S1), de 30/09/2009 (processo 4646/06.5TTLSB.L1.S1), de 1/6/2011 (processo 156/09.7TTVNG.P1.S1), e de 22/9/2011 (processo 528/08.4TTSTR.E1.S1).
*
Segunda questão: se o autor tem direito a receber do réu CHBV as retribuições intercalares entre a data do seu despedimento (31 de Dezembro de 2012) e a data em que lhe foi notificada a contestação do réu (4/3/2013).

Para os efeitos da questão que importa agora abordar, releva o CT/09, por ser esse o diploma legal em vigor à data da cessação da relação de trabalho entre o autor e o CHBV.
Nos termos do art. 122º/1 do CT/09 o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução; nesse mesmo sentido importa considerar, igualmente, os artigos 15º/1 da LCT e 115º/3 do CT/03.
Aquele vício de nulidade nunca foi invocado pelo autor ou pelo CHBV com vista à cessação da relação contratual existente entre eles, o que vale por dizer que à data da cessação da prestação de trabalho por parte do autor ao CHBV tudo se passava como se existe e fosse válido o contrato de trabalho denunciado pelo CHBV.
Assim sendo, tendo o CHBV procedido a essa denúncia fora do âmbito de qualquer procedimento disciplinar movido ao autor, o CHBV despediu-o ilicitamente (art. 381º/c CT/09).
Na verdade, nos termos do art. 123º/1 do CT/09 “Ao facto extintivo ocorrido antes da declaração de nulidade ou anulação de contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato.”.
Resulta deste normativo legal que a regra de que o contrato trabalho inválido produz efeitos como se fosse válido, enquanto se encontra em execução, abrange os próprios actos extintivos até que a nulidade seja declarada e o contrato anulado – neste sentido, a título de exemplo, acórdãos do STJ de 28/4/10 (Processo 413/08.OCBR.C1.S1), de 8/6/11 (Processo nº 118/09.4TTMAI.P1.S1) e de 22/9/11 (Processo 1694/07.ITTLSB.L1.S1).
Ao contrário do que parece sugerir a recorrente, o autor não arguiu na sua petição a nulidade da relação de trabalho sem termo que considerava existir entre ele e a recorrente.
Tanto não a invocou que peticionou o seguinte:

O que o autor arguiu foi, mais propriamente, a nulidade dos contratos celebrados entre ele e as diferentes rés para encobrir a verdadeira relação de trabalho subordinado que considerava existir entre ele, o HDA e o CHBV, designadamente os diferentes contratos de prestação de serviços indicados na petição inicial.
Atente-se no que o autor alega nos seguintes artigos da petição:






Conformemente ao assim alegado, o autor peticionou o seguinte:

Se, como a recorrente refere, também não arguiu a nulidade do contrato de trabalho subordinado e sem termo invocado pelo autor, limitando-se a responder à nulidade dos contratos de prestação de serviço peticionada pelo autor, tal significaria que até à data da sentença a nulidade aqui em questão nunca foi invocada ou declarada oficiosamente.
Por isso mesmo e em consequência daquela ficção legal de validade dos contratos entre o autor e o CHBV, esse contrato só poderia declarar-se cessado por uma das formas e causas previstas no CT, entre as quais não se conta a denúncia unilateralmente assumida pelo CHBV que, como bem decidiu a sentença recorrida, configura necessariamente um despedimento ilícito – neste sentido, acórdãos do STJ de 22/9/11 (Processo 528/08.04TTSTR.E1.S1), de 26/11/08 (Processo 1982/08.S1), de 28/4/10, (Processo 413/08.OTTCBR.C1.S1), e de 3/6/09, (Processo nº 622/09).
Esse despedimento ilícito, enquanto facto extintivo independente da invalidade do contrato, está igualmente sujeito, por força do citado art. 123º/1, aos correspondentes efeitos previstos no CT – neste sentido, por exemplo, acórdãos do STJ de 10/04/2013 (processo 2006/09.5TTPNF.P1.S1), de 22/09/2011 (processo 528/08.4TTSTR.E1.S1), de 10/03/2011 (processo 267/08.6TTCVL.C1.S1), e de 28/04/2010 (processo n.º 413/08.0TTCBR.C1.S1).
Como assim, o autor tinha direito, além do mais, às denominadas retribuições intercalares (art. 390º/1 CT/09), mas estas apenas até à data em que tomou conhecimento de que nulidade foi invocada ou, quando assim não aconteça, até à data em que tomou conhecimento de que ela foi oficiosamente declarada pelo tribunal - acórdãos do STJ 30/9/2009 (processo 4646/06.5TTLSB.L1.S1) e de 22/9/2011 (processo nº 528/08.4TTSTR.E1.S1); no caso em apreço, tendo o despedimento ocorrido com efeitos reportados a 31/12/2012 e tendo a acção sido proposta em 10/1/2013, as retribuições intercalares serão devidas entre 1/1/2013 e a data de notificação ao autor da sentença recorrida que declarou oficiosamente a nulidade do contrato.
Simplesmente, a sentença recorrida considerou que a nulidade foi arguida na contestação do CHBV e limitou à data da sua notificação ao autor as retribuições intercalares que reconheceu ao autor.
Como flui do supra exposto, o autor tinha direito a tais retribuições pelo menos até à data fixada para o efeito pela sentença recorrida, pelo que o recurso não pode proceder.
Na parte em que o autor tinha direito a essas mesmas retribuições mesmo para lá da data da notificação da contestação do CHBV, o autor não interpôs recurso da decisão e, por isso, não podem ser-lhe reconhecidas retribuições para lá dessa data.
Tudo a significar que a sentença deve subsistir nos exactos termos em que foi exarada.
*
IV - Decisão


Acordam os juízes que integram esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar improcedente a apelação e confirmar integralmente a sentença recorrida
Custas pelo recorrente.
Coimbra, 3/4/2013.

 (Jorge Manuel Loureiro - Relator)

 (Ramalho Pinto)

 (Azevedo Mendes)


[1] Com intermediação das demais rés.
[2] Os institutos públicos podem revestir diferentes modalidades organizativas:
a) Serviços Personalizados (v.g. IGESPAR - Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico; IVV - Instituto da Vinha e do Vinho; ISS - Instituto da Segurança Social; ACSS - Administração Central do Sistema de Saúde; Instituto dos Registos e do Notariado; ICNB –Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade; INFARMED (medicamentos); Turismo de Portugal;  Instituto de Reinserção Social; Administrações das Regiões Hidrográficas; Autoridades Metropolitanas de Transportes (AMT/Lisboa e AMT /Porto); INA – Instituto Nacional de Administração; AMA - Agência de Modernização Administrativa);
b) Estabelecimentos Públicos (v.g. Universidades e Institutos Politécnicos públicos, Centros de Investigação Científica, Hospitais públicos não empresarializados);
c) Fundações Públicas – Fundação para a Ciência e Tecnologia,  Centro Cultural de Belém, Fundação CEFA (formação autárquica).
Os Institutos públicos (I.P.) são actualmente objecto de regulação-quadro pela Lei 3/2004, de 15/1, alterada e republicada pelo DL 105/07, de 3/4, embora alguns estejam sujeitos a regimes específicos, nos termos do artigo 48.º da Lei, como as universidades e institutos politécnicos,  as instituições públicas de solidariedade social, os estabelecimentos do Serviço  Nacional de Saúde, as regiões de turismo, o Banco de Portugal e as entidades  administrativas independentes.
[3] As entidades públicas empresariais (EPEs) são pessoas colectivas de direito público e de regime privado, que foram autonomizadas do conceito de institutos públicos. Embora sujeitas a regimes de direito privado, dispõem, em regra, de  poderes públicos de autoridade e estão submetidas a superintendência e a tutela mais ou menos intensa. Exemplos: na área dos transportes [REFER, CP, API, NAV, Metropolitano de Lisboa]; na área da gestão de recursos públicos [GeRAP (Gestão Partilhada de Recursos na Administração Pública), ANCP (Agência Nacional de  Compras Públicas), SPMS (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde), Agência para o Investimento e Comércio Externo, Parque Escolar]; na área cultural [Teatro Nacional D. Maria II, Teatro Nacional de S. João, OPART  (Organismo de Produção Artística – CNB e TNSC)]; na área da saúde [alguns  Hospitais (CHUC, Curry Cabral, etc.), Centros Hospitalares (Barreiro Montijo, etc.) e Unidades Locais de Saúde (Alto Minho, Baixo Alentejo, Guarda)].
As Entidades Públicas Empresariais são reguladas por diplomas  específicos, bem como pelo Capítulo III do Decreto-lei n.º 558/99, de 17 de  Dezembro (alterado pelo Decreto-lei n.º 300/2007, de 23 de Agosto).
[4] Estão aqui incluídas a generalidade das empresas públicas, que são sociedades de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, instituídas para  finalidades públicas sob a forma de sociedades comerciais, como, entre muitas, a  PARPÚBLICA, a SIEV- Sistema de Identificação Electrónica de Veículos, SA, etc.
Excepcionalmente, estas empresas podem ser detentoras de poderes públicos de autoridade, como é o caso das várias Administrações Portuárias.
O sector empresarial do Estado (que inclui, além das empresas públicas,  as empresas participadas) é regulado pelo DL 558/99, de 17/12 (alterado pelo DL 300/07, de 23/8)
Há ainda as fundações (públicas) de direito privado que são objecto de  criação estadual (Fundações universitárias, nos termos do RJIES: U. Porto, U.  Aveiro, ISCTE), que tem de ser autorizada por diploma legal, nos termos do  artigo 3º/4 da Lei 3/04.