Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3549/15.7 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:03/24/2022
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:CONTA DE CUSTAS
RCP – 26/7
TAXA DE JUSTIÇA
APOIO JUDICIÁRIO
Sumário:Se a parte vencedora litigar com o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nada pode exigir da parte vencida a título de custas de parte, na medida em que valor nenhum despendeu no processo que se enquadre no estatuído no nº 3 deste artigo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O Ministério Público representado pelo respetivo Magistrado, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, veio interpor recurso do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 17 de maio de 2021, que indeferiu a reclamação por si deduzida, da conta de custas de parte liquidada no âmbito de processo de oposição de execução fiscal, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, peticionando a revogação do despacho recorrido, e a sua substituição por outro que defira a reclamação da conta de custas, no valor de € 561,00.

O Reclamante, ora Recorrente termina as alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

«I – Recorre o Ministério Público, em defesa da legalidade, do aliás douto despacho proferido na data de 17.05.2021, de fls. 268/272 dos autos (SITAF), pelo qual foi indeferida a reclamação que apresentara da conta de custas liquidada no processo por nela ter sido incluída a importância de € 612,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo do disposto no artigo 26º, nº 7, do RCP, e com a menção de que essa importância correspondia ao valor da taxa de justiça do vencedor que litigara com apoio judiciário.

II – A interposição do recurso é efectuada ao abrigo do disposto no nº 3, do artigo 280º, do CPPT, na redacção dada pela Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro, pela qual se admite o recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário.

III – Para o efeito de assegurar a recorribilidade do despacho (recorrido), à luz da apontada norma processual, o Ministério Público sinaliza quatro despachos proferidos por tribunais tributários da primeira instância, que decidiram em sentido oposto ao do despacho recorrido, justamente sobre a mesma questão de direito e com igual enquadramento factico-juridico.

IV – As decisões em causa, que se invocam como fundamento para a recorribilidade do despacho (recorrido), ao abrigo do disposto no nº 3, do artigo 280º, do CPPT, são:

a) o despacho dado pela Juiz R…, na data de 11.12.2020, no processo de oposição nº 1080/18.8BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa;

b) o despacho dado pela Juiz T...., na data de 24.10.2019, no processo de oposição nº 54/13.0BESNT, do TAF de Sintra;

c) o despacho dado pela Juiz T...., na data de 18.11.2019, no processo de oposição nº 1520/13.2BESNT, do TAF de Sintra;

d) o despacho dado pela Juiz S…., na data de 29.08.2020, no processo de oposição nº 665/14.6BESNT, do TAF de Sintra;

V – A circunstância de se tratar de despachos e não de sentenças, isto quer a decisão recorrida e quer as decisões que se invocam como fundamento, não obsta à sua admissibilidade para efeitos de admissão do recurso, e isto porque o artigo 280º, do CPPT, e desde logo na sua epígrafe, utiliza em matéria de recursos uma expressão de ordem genérica, decisões, ou seja, abrange uma ou outra das formas dos actos de administração da justiça pelos juízes, e de resto, face ao disposto no artigo 152º, nº 2, do CPC, no conceito de sentença, em sentido amplo, cabem não só os actos que decidam a causa principal mas também os que decidam de algum incidente que apresente a estrutura de uma causa, e a reclamação da conta de custas configura justamente um incidente processual susceptível de incluir nessa categoria.

VI – Por outro lado, no domínio da redacção do artigo 280º, do CPPT, anterior à Lei 118/2019, de 17 de Setembro, e perante o recurso previsto no respectivo nº 5, muito idêntico ao agora consagrado no nº 3, a jurisprudência fiscal sempre considerou que o mesmo tanto abrangia sentenças como despachos.

VII – Deste modo, e considerando assim estar pois assegurada a recorribilidade da decisão (recorrida), nada obsta a que seja admitida à luz do disposto no nº 3, do artigo 280º, do CPPT, por se verificarem os pressupostos da mesma, ou seja (I), a identidade da questão fundamental de direito em apreciação, (II), a ausência substancial de regulamentação jurídica, (III), a identidade de situações factico-juridicas, (IV), oposição da solução jurídica adoptada relativamente a quatro decisões de qualquer outro tribunal tributário.

VIII – A questão que se coloca á douta apreciação do tribunal ad quem consiste em saber se é admissível a inclusão na conta de custas de um crédito, no caso presente na importância de € 612,00, ao abrigo do artigo 26º, nº 7, do RCP, sob a observação “taxa de justiça do vencedor que litiga com apoio judiciário”, que o Ministério Público entendeu na sua reclamação da conta não ser possível de incluir na mesma por falta de base legal para tanto.

IX – A Mma. Juiz a quo fundamenta a sua decisão, e no essencial, na circunstância do legislador, com essa disposição do nº 7, ter pretendido criar norma de efeito equivalente ao do nº 6, desse mesmo artigo 26º, do RCP, de acordo com a qual se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do beneficio de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor da causa é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P.

X – A nosso ver a decisão recorrida não fez uma lidima interpretação da norma do nº 7, do artigo 26º, do RCP, na medida em que a mesma não habilita à inclusão na liquidação da conta de custas do processo de qualquer valor a título de custas de parte, pois a conta do processo unicamente inclui as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos, de acordo com o disposto no artigo 30º, nº 1, do RCP, e, de resto, desde que as mesmas se mostrem em divida.

XI – De resto, no caso até de não haver custas em divida no processo nem sequer haverá lugar à elaboração de conta, como se estabelece na disposição do artigo 29º, nº 1, alínea a), do RCP.

XII- Neste sentido se pronunciou o Conselheiro Salvador da Costa, na Adenda à 7ª edição das “Custas Processuais” (fls. 6), ao referir que (…) Em suma, se a parte vencedora litigou com apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não pagou quantia alguma a esse titulo, pelo que, apesar de vencedora, não pode exigir da parte vencida qualquer importância no âmbito das custas de parte previstas nos artigos 529º, nº 4, 533º, nº 1 e 2, alínea a) e b), ambos do CPC, e 26º, nº 3, alíneas a) e b), do Regulamento (…).

XIII – E acrescenta mesmo, e referindo-se à norma do nº 7, do artigo 26º, do RCP “…não se vislumbra neste normativo utilidade alguma e configura-se contrário às supracitadas normas da lei de processo civil e deste Regulamento…”.

XIV – Deste modo, e também a nosso ver, a decisão recorrida fez uma errada interpretação e aplicação da norma do nº 7, do artigo 26º, do RCP, e violou ainda o disposto no artigo 30º, nº 1, da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril.

XV – Neste termos, e no mais de direito que doutamente não deixarão de ser supridos, será de julgar procedente o presente recurso com a consequente revogação do despacho recorrido, e a sua substituição por outro que defira a reclamação da conta de custas apresentada pelo Ministério Público.

Porém, V.Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, apreciarão e decidirão como for de Direito!»


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Não foram aprentadas contra-alegações.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer aludindo que “(…)tendo em conta o disposto no art. 146º nº 1 do C.P.T.A., aplicável a estes autos por força do disposto no art. 2º, al. c), do C.P.P.T., não me vou pronunciar sobre o mérito do recurso.”
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Com dispensa dos vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se é admissível a inclusão na conta de custas de um crédito, no caso presente na importância de € 612,00, ao abrigo do artigo 26º, nº 7, do RCP, sob a observação “taxa de justiça do vencedor que litiga com apoio judiciário”, que o Ministério Público entendeu na sua reclamação da conta não ser possível de incluir na mesma por falta de base legal para tanto.



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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 De facto

Não foram destacados factos provados e não provados no despacho recorrido.

O TAF de Sintra apreciou a reclamação da conta de custas deduzida pelo Digno Magistrado do Ministério Público, cujo teor se transcreve na íntegra:


«O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou reclamação da conta de custas.

Em síntese, alegou que, por força do disposto no n.º 7 do art.º 26.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), inexiste a possibilidade de incluir na conta de custas o valor das custas de parte (€ 612,00, no caso) que revertem a favor do IGFEJ.

Sustentou que “a norma referida supõe um prévio pagamento das custas de parte, pelo vencido no processo, mas a mesma não habilita à inclusão na liquidação da conta de custas do processo de qualquer valor a título de custas de parte, pois a conta unicamente inclui as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos, de acordo com o disposto no artigo 30º, nº 1, do RCP”.

Terminou requerendo a reforma da conta de custas “por forma a excluir da mesma a verba no valor de € 612,00, da responsabilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira fundada no artigo 26º, nº 7, do RCP”.


*

O Exmo. Senhor Escrivão de Direito elaborou informação, na qual se pode ler, designadamente, que «[a] DGAJ, pelo seu Centro de Formação, informou todos os Tribunais que caso a parte vencedora beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, dever-se-á incluir na conta de custas do vencido a taxa de justiça devida pelo impulso processual do vencedor, observando-se, sempre a proporção do vencimento, quer nos encargos a reembolsar quer na taxa de justiça devida”.

*

Cumpre apreciar e decidir.

Se a parte vencedora gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, “as custas de parte pagas pelo vencido revertem a favor do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.” – cf. n.º 7 do art.º 26.º do RCP, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março.

Como é afirmado por Salvador da Costa, a reconstituição do pensamento legislativo que presidiu ao disposto neste normativo não se revela fácil (cf. Salvador da Costa, em «Alteração do Registo das Custas pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março», disponível em https://drive.google.com/file/d/1rBagyGN1ZLMvaWaUUA7tFzSGc4CR99BK/view).

De todo o modo, na fixação do seu sentido e alcance, partiremos do pressuposto de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil).

Assim sendo, verificamos, desde logo, que o legislador pretendeu criar uma norma de efeito equivalente àquela que se encontrava prevista no n.º 6 do referido art.º 26.º do RCP, de acordo com a qual se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, «o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.».

Atualmente, e face às normas acima identificadas, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é responsável pelo reembolso da taxa de justiça paga pela parte vencedora, quando for parte vencida na ação o Ministério Público ou o beneficiário do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; e, por outro lado, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é beneficiário das custas de parte pagas (leia-se, taxa de justiça) pela parte vencida, quando o beneficiário do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, for parte vencedora na ação.

E dizemos apenas taxa de justiça paga porque, quanto aos demais elementos que integram as custas de parte (isto é, os encargos e os honorários), os mesmos já são levados a regra de custas, por força do disposto nas subalíneas i) e ii) da alínea a) do art.º 16.º e alínea c) do n.º 3 do art.º 30.º do RCP, do art.º 36.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e do n.º 1 do art.º 8.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro. Pelo que o sentido daquela expressão «custas de parte pagas» só terá alguma utilidade se for entendida como dizendo respeito a «taxa de justiça paga».

Quando o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é responsável pelo reembolso da taxa de justiça, sabemos que o reembolso da taxa de justiça não depende da apresentação da nota discriminativa de custas de parte, mas tão-só de requerimento dirigido ao juiz, apresentado pela parte vencedora no processo (cf. Salvador da Costa, em «As Custas Processuais, Análise e Comentário», 7.ª edição, Almedina, p. 236).

Resta saber qual o procedimento que deve ser adotado quando o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é beneficiário das custas de parte pagas (leia-se, taxa de justiça paga) pela parte vencida, nos termos do n.º 7 do art.º 26.º do RCP.

A resposta encontra-se na alínea f) do n.º 3 do art.º 30.º do RCP, de acordo com a qual a conta é processada pela secretaria, através dos meios informáticos previstos e regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, nela devendo ser, nomeadamente, indicados os montantes a pagar ou, quando seja caso disso, a devolver à parte responsável.

E este procedimento é coerente com o sistema de custas processuais.

Isto porque estamos perante um crédito que é devido pela parte vencida ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., cujo montante é equivalente ao valor da taxa de justiça paga pela parte vencida. E, atenta a particularidade das circunstâncias, a existência de tal crédito não depende do envio de nota discriminativa e justificativa de custas de parte nem, tão-pouco, de um pagamento da taxa de justiça pela parte vencedora. Tal direito de crédito do IGFEJ nasce da verificação dos elementos da previsão n.º 7 do art.º 26.º do RCP: o primeiro, a existência de uma parte vencedora que é beneficiária de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e, o segundo, o pagamento de custas de parte (leia-se, taxa de justiça) pagas pela parte vencida.

Além de que há uma obrigação que a lei faz impender sobre a secretaria, que é a de processar a conta nela indicando, nomeadamente, os montantes a pagar ou, quando seja caso disso, a devolver à parte responsável [alínea f) do n.º 3 do art.º 30.º do RCP]. E um dos montantes a pagar é aquele que resulta do n.º 7 do art.º 26.º do RCP, de acordo com o qual a parte vencida ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. deve um montante equivalente às «taxas de justiça pagas».

Por último, este entendimento não contende com o n.º 1 do art.º 30.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, que estabelece que «[a]s custas de parte não se incluem na conta de custas», uma vez que não estamos perante meras custas de parte, mas antes perante um crédito devido ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. nascido ao abrigo do n.º 7 do art.º 26.º do RCP.

Este procedimento permite ainda ultrapassar a dificuldade relativa à não intervenção do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. em cada um dos processos em que teria direito ao crédito equivalente à «taxa de justiça paga» pela parte vencida e em que não é notificado da sentença proferida por forma a solicitar, processo a processo, os créditos que lhe são devidos, sendo que a diferença entre os beneficiários deste crédito justifica a diferença de tratamento na forma da respetiva liquidação.

Face ao acima exposto, a conta reclamada não merece censura e deve manter-se nos seus precisos termos, pelo que, sem necessidade de outros considerandos, indefere-se a reclamação da conta de custas apresentada pelo Digno Magistrado do Ministério Público.


*

Sem custas – cf. n.º 1 do art.º 527.º do CPC e alínea a) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP.»


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II.2 - De Direito
O presente recurso vem interposto pelo Ministério Público junto do TAF de Sintra, em defesa da legalidade, do despacho proferido na data de 17.05.2021, de fls. 268/272 dos autos (SITAF), pelo qual foi indeferida a reclamação que apresentara da conta de custas liquidada no processo por nela ter sido incluída a importância de € 612,00, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo do disposto no artigo 26º, nº 7, do RCP, e com a menção de que essa importância correspondia ao valor da taxa de justiça do vencedor que litigara com apoio judiciário.

Alega o recorrente que a decisão recorrida não fez uma lidima interpretação da norma do nº 7, do artigo 26º, do RCP, na medida em que a mesma não habilita à inclusão na liquidação da conta de custas do processo de qualquer valor a título de custas de parte, pois a conta do processo unicamente inclui as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos, de acordo com o disposto no artigo 30º, nº 1, do RCP, e, de resto, desde que as mesmas se mostrem em divida. [conclusão de recurso X]

Adianta-se, desde já, que assiste razão ao recorrente.

Vejamos o que sobre esta matéria escreveu Salvador da Costa, na Alteração do Regime das Custas pela Lei nº 27/2019, de 28 de Março, no Blog do Instituto Português do Processo Civil, em 16.04.2019, pág. 4:

«2.2. Artigo 26º, nºs 6 e 7

A alteração do nº 6 deste artigo é de natureza meramente formal, porque se limitou, em jeito de atualização ou de correção nominativa, a substituir a designação “Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I.P.” pela designação “Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P.”, que é a que resulta dos respetivos estatutos.

O novo nº 7 deste artigo é do seguinte teor:

“7 - Se a parte vencedora gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, as custas de parte pagas pelo vencido revertem a favor do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P..”

A reconstituição do pensamento legislativo que presidiu ao disposto neste normativo não se revela fácil. Vejamos se dele se pode extrair algum sentido útil coerente com o sistema de custas processuais em que se integra. Se porventura isso não for possível, então deverá, ao que parece, ser considerado não escrito.

O primeiro elemento da sua previsão é o facto de a parte vencedora ser beneficiária de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; e o segundo está no facto de a parte vencida ter pago custas de parte.

O terceiro elemento, por seu turno, relativo à estatuição normativa, estabelece que as referidas custas de parte pagas pela parte vencida revertem para o IGFEJ, I.P..

(…)

Em suma, se a parte vencedora litigou com apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não pagou quantia alguma a esse título, pelo que, apesar de vencedora, não pode exigir da parte vencida qualquer importância no âmbito das custas de parte previstas nos artigos 529º, nº 4, 533º, nºs 1 e 2, alíneas a) e b), ambos do CPC, e 26º, nº 3, alíneas a) e b), do Regulamento.

Também o IGFEJ, I.P. não tem direito, face à parte vencida, a exigir a esta o valor que a parte vencedora não pagou relativo à taxa de justiça e que pagaria se não fosse a concessão do apoio judiciário, porque a lei não o prevê.

Quanto aos encargos cujo pagamento o IGFEJ, I.P. tenha adiantado também os não pode exigir à parte vencida a título de custas de parte porque entram em regra de custas a seu favor na conta, à margem do instituto das custas de parte.

Consequentemente, não se vislumbra neste normativo utilidade alguma e configura-se contrário às supracitadas normas da lei de processo civil e deste Regulamento.

Em consequência, propendemos a considerar não escrito o disposto no referido normativo – nº 7 deste artigo 26º do Regulamento - por via da aplicação da interpretação ab-rogante.

Este entendimento tem necessariamente repercussão negativa relativamente ao disposto no nº 4 do artigo 35º deste Regulamento, a que adiante nos referiremos.»

Na mesma linha, escreveu J. H. Delgado de Carvalho, em 26/09/2019, no Blog do Instituto Português de Processo Civil:


«O (novo) n.º 7 do artigo 26.º do RCP
1. A Lei n.º 27/2019, de 28 de março, aditou ao artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) o n.º 7, com a seguinte redação:

"Se a parte vencedora gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, as custas de parte pagas pelo vencido revertem a favor do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.."


Tendo em conta que os encargos e a compensação ao patrono nomeado são inscritos na conta final de acordo com a regra de custas fixada pelo juiz (cf. artigos 16.º, alínea a), subalíneas i) e ii), e 30º, n.º 3, alínea c), do RCP, artigo 36.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e artigo 8º, n.º 1, da Portaria 10/2008, de 3 de janeiro) e considerando ainda que os encargos cujo pagamento o IGFEJ, I.P. tenha adiantado nos termos do artigo 20.º, n.º 2, do RCP também entram na regra de custas a final, embora sem ser através do mecanismo das custas de parte, o único sentido útil do novo n.º 7 do artigo 26.º do RCP é estabelecer que o IGFEJ, I.P. passa a ter direito, quando a parte vencedora litiga com apoio judiciário, a exigir à parte vencida (que não beneficia de apoio judiciário) o valor ficcionado que a parte vencedora pagaria a título de taxa de justiça se não fosse a concessão do apoio judiciário.


2. Esta taxa e justiça ficta (que não foi suportada pela parte vencedora, dado que a mesma beneficia de apoio judiciário) não se encontra prevista na lei (v., no mesmo sentido, o Cons. Salvador da Costa, no paper publicado no Blog do IPPC, em 16.04.2019, pág. 4, acessível em
https://blogippc.blogspot.com/…/alteracao-do-regime-das-cus…).

Isto significa que não pode ser exigida à parte vencida, no âmbito do mecanismo das custas de parte previsto no n.º 7 do artigo 26.º do RCP, o valor (total ou parcial) da suposta taxa de justiça, de acordo com a regra de custas a final, que a parte vencedora teria pago não fosse o apoio judiciário de que beneficia.

Para aquele valor poder ser exigido à parte vencida (que litiga com a parte vencedora que beneficia de apoio judiciário) teria de haver uma lei que criasse ou habilitasse a criação dessa taxa ficta, dado que é da reserva relativa de competência da Assembleia da República a criação de taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas (cf. art. 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição).


3. É, pois, admissível a reclamação pela parte vencida contra a exigibilidade pela secretaria do pagamento da taxa de justiça que a parte vencedora teria pago não fosse o apoio judiciário de que beneficia, com fundamento na inconstitucionalidade orgânica.»

Refira-se que, mais recentemente, Salvador da Costa in “Custas Processuais”, Análise e Comentário, 8ª Edição, pág. 177, escreveu o seguinte:

«Pelos seus termos, face ao sistema de custas e de apoio judiciário vigentes em que se integra, tendo em conta o disposto no art. 9º do Código Civil, este normativo não expressa um sentido lógico. Com efeito, se a parte vencedora litigar com o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nada pode exigir da parte vencida a título de custas de parte, na medida em que valor nenhum despendeu no processo que se enquadre no estatuído no nº 3 deste artigo.

Consequentemente, a parte vencida não pode estar vinculada a pagar à parte vencedora qualquer quantia a título de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pelo que o segmento normativo em que se expressa que as custas de parte pagas pelo vencido revertem a favor do IGFEJ, I.P. não pode ter algum sentido útil.

Decorrentemente, propendemos em considerar dever este normativo ser objeto de interpretação ab-rogatória, em termos de considerar não escrito.

Por isso, não se coloca a questão da sua aplicação ou não aos processos pendentes no dia 27 de Abril de 2019, face ao disposto no nº 1 do artigo 136º do CPC e no nº 1 do artigo 12º do Código Civil.»

Ainda sobre a nota informativa da DGAJ, referida no despacho recorrido, escreveu Salvador da Costa, na obra acabada de citar:

«O Centro de Formação da DGAJ, na nota informativa nº 17/2019, de 23 de Abril, considerou dever ser incluída na conta final, a cargo da parte vencida, a taxa de justiça que a parte vencedora não pagou e que deveria pagar se não beneficiasse de apoio judiciário na referida modalidade.

É uma solução que o referido normativo não comporta.»(1)


Na esteira da melhor doutrina, forçoso é concluir que assiste razão ao recorrente, pelo que se concede provimento ao recurso, e se revoga o despacho recorrido, substituindo-o por outro que defira a reclamação de conta de custas apresentada pelo Ministério Público, o que se determinará no dispositivo.

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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, e consequentemente, revogar o despacho recorrido, substituindo-o por outro que defira a reclamação de conta de custas apresentada pelo Ministério Público.

Sem Custas.

Registe e notifique.


Lisboa, 24 de Março de 2022


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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Catarina Almeida e Sousa]


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(1)Nota de rodapé 146, pág. 177.