Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
51012/18.6YIPRT-E.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
TRIBUNAL COMPETENTE
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL COMUM
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTERPRETAÇÃO LITERAL
DIREITO DE DEFESA
INTERESSE PÚBLICO
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
Declarada a incompetência absoluta do tribunal findos os articulados e requerendo o autor, ao abrigo do art.99 nº2 CPC, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, para que oposição do réu seja justificada não é suficiente a mera alegação genérica, em abstracto, dos fundamentos, sendo necessária a alegação concreta dos fundamentos, ou seja, do dano causado ao direito de defesa.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

1.1.- Z..., R.I. instaurou 30/4/2018) procedimento de injunção, transformado em acção declarativa, com forma de processo comum, contra Águas do Norte, S.A.

Alegando ter prestado serviços à Ré, no âmbito do mandato forense, relativo aos processos n.ºs 4/08.0..., 5/08.3..., 6/08.1... e 2166/08.2..., reclama o pagamento dos honorários, pedindo a condenação da Ré a pagar à Autora a importância global de €118.454,40, acrescida de juros vencidos, calculados desde 7 de dezembro de 2016, até à presente data, à taxa legal comercial aplicável em cada momento, no montante de €11.585,81, bem como nos juros vincendos até efetivo pagamento,

1.2. A Ré contestou, defendendo-se por excepção, o erro no meio processual usado e a excepção da prescrição dos créditos, bem como por impugnação, dizendo já ter pago os honorários.

1.3. – No Juízo Central Cível da Comarca ..., foi proferido saneador declarando-se o tribunal materialmente competente e a Ré recorreu de apelação, tendo a Relação do Porto confirmado a sentença.

1.4. – A Ré recorreu de revista e o STJ, por acórdão de 30/6/2020, confirmou a decisão da Relação

A Ré interpôs recurso de uniformização de jurisprudência e o Supremo Tribunal de Justiça decidiu por Ac UJ de 26/4/2022 (publicado no DR N.º 118/2022, I.ª Série de 21-06-2022) revogar o Acórdão da Relação, julgar absolutamente incompetente em razão da matéria o Juízo Central da Comarca ..., e competente a jurisdição administrativa para apreciar e julgar o presente litígio, absolvendo a Ré, aqui Recorrida, da instância.

Fixou a seguinte jurisprudência – “Compete à jurisdição administrativa a apreciação dos litígios emergentes de contrato de mandato forense celebrado entre um advogado e um contraente público”.

1.5. – A Autora requereu, nos termos do art. 99 nº2 do CPC a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo por forma a serem aproveitados os articulados.

1.6. A Ré deduziu oposição, alegando, em resumo:

Entende a Ré que os articulados apresentados não deverão ser aproveitados, por diversas ordens de razão, umas de ordem eminentemente jurídico-substantiva, relativas ao regime de direito material aplicável à relação jurídica da qual emergem os alegados créditos em discussão nos presentes autos, e outras de ordem jurídico processual, atinentes às diferenças que o CPC e o CPTA estabelecem, no que respeita às relações jurídicas processuais entre partes, e à respetiva tramitação processual.

Isto significa que a defesa apresentada pela Ré não pôde carrear aos autos (nos articulados existentes) fundamentos próprios do regime aplicável aos contratos administrativos, quer relativamente ao procedimento de formação do contrato, quer relativamente à execução do contrato.

Assim como, os regimes legais de validade e invalidade dos actos e contratos administrativos.

Acresce que, o interesse público não está previsto como critério de decisão – razão pela qual a Ré ficou privada do direito de o invocar, para os devidos efeitos legais, pelo que, sempre resultaria prejudicada a ponderação dos interesses públicos em causa nos autos, porquanto a Ré ficou privada de os invocar em sede própria, e de o mesmo ser atendido como critério de decisão autónomo.

Ou seja, aquando da construção da sua defesa, a Ré viu-se coartada de tomar em consideração materialidade da qual se poderia prevalecer tivesse sido o presente litígio originariamente submetido na jurisdição administrativa.

Razão pela qual, a Ré não contemplou na sua contestação/oposição todas as questões próprias e específicas da sua relação contratual com a Autora. Nem utilizou todos os meios de defesa que lhe seriam proporcionados se a acção tivesse sido proposta no tribunal competente.

Assim, considerando as diferenças normativas atinentes à cisão jurisdicional judicial e administrativa, quer do ponto de vista do direito material, quer do ponto de vista do direito adjetivo, e tendo em conta a forma como a propositura da presente acção na justiça judicial se projetou na defesa da Ré, furtando-a de se prevalecer de meios de defesa próprios do direito administrativo, a remessa deverá ser decidida no sentido do não aproveitamento dos articulados, sob pena de resultarem prejudicadas as suas garantias de defesa, enquanto entidade pública (e enquanto entidade adjudicante - art. 2.º, n.º 2, al. b) do Código dos Contratos Públicos).

A remessa dos presentes autos com aproveitamento dos articulados para a jurisdição administrativa traz implicações aos direitos processuais e garantias de defesa da Ré, na medida em que, tivesse sido a presente ação proposta ab initio nesta jurisdição, a definição da sua estratégia defesa teria diferente configuração, como também poderia socorrer-se de outros expedientes jurídicos de natureza adjectiva e substantiva próprios e específicos do direito administrativo, resulta justificada a presente oposição à remessa com aproveitamento dos atos….

1.6. – Por sentença de 30/5/2022 decidiu-se julgar injustificada a oposição e ordenar a remessa do processo ao tribunal competente.

1.7. – Inconformada, a Ré recorreu e apelação e a Relação do Porto, por decisão singular de 15/7/2023, decidiu julgar procedente o recurso, julgar procedente a oposição e indeferir a remessa dos autos ao tribunal administrativo.

1.8.- A Autora reclamou para a conferência e a Relação, por acórdão de-7/12/2023 indeferiu a reclamação e manteve o despacho reclamado.

1.9. Inconformada, a Autora recorreu de revista, com as seguintes conclusões:

A OPOSIÇÃO DA RECORRIDA À REMESSA DO PROCESSO AO TRIBUNAL COMPE- TENTE, PARA SER EFICAZ, TINHA DE SER DEVIDAMENTE JUSTIFICADA, NÃO BASTANDO SER, COMO FOI, “UMA OPOSIÇÃO PURA E SIMPLES, OU SEJA, IMOTIVADA”;

“NÃO SE CONSIDERA JUSTIFICADA A ALEGAÇÃO GENÉRICA, POR REMISSÃO PARA O PRECEITO DA LEI DA JURISDIÇÃO COMPETENTE (…) SEM CONCRETIZAR OS NOVOS ARGUMENTOS A PONDERAR.”; NÃO SE VERIFICA OPOSIÇÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA À REMESSA DO PROCESSO AO TRIBUNAL COMPETENTE QUANDO NÃO SE MOSTREM CONCRETIZADOS OS MEIOS DE DEFESA, EXISTINDO SÓ CONSIDERAÇÕES ABSTRATAS, GENÉRICAS.”; OU, COMO SE AFIRMA NA DOUTA DECISÃO SOB CENSURA, A RECORRIDA DEVIA “INVOCAR OS MOTIVOS CONCRETOS E VEROSÍMEIS PARA JUSTIFICAR A OPOSIÇÃO”;

ORA, A OPOSIÇÃO DA RECORRIDA NÃO PREENCHE AQUELES REQUISITOS PELO QUE FOI, E BEM, DESCONSIDERADA PELO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA;

– A RECORRIDA, DE FACTO, NÃO FUNDAMENTOU, VÁLIDA E OBJETIVAMENTE, A SUA OPOSIÇÃO À REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL HAVIDO COMO MATERIALMENTE COMPETENTE.DAÍ QUE A SUA OPOSIÇÃO À REMESSA DO PROCESSO PARA O TRIBUNAL COM-PETENTE NÃO ESCAPE A QUALQUER JUÍZO DE VEROSIMILHANÇA QUE LHE CONFIRA JUSTIFICAÇÃO, DO MESMO PASSO QUE TAL OPOSIÇÃO É INJUSTIFICADA NO PLANO DA RAZOABILIDADE E DA PLAUSIBILIDADE;

A REMESSA DO PROCESSO AO TRIBUNAL JULGADO COMPETENTE NÃO É UM BENEFÍCIO PARA O AUTOR, MAS PARA A APLICAÇÃO DA JUSTIÇA, NA VERTENTE DO RESPEITO PELO PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL;

NO CASO CONCRETO, TRATANDO-SE DE UMA INJUNÇÃO, PROCEDIMENTO, POR DEFINIÇÃO, MAIS CÉLERE, POR MAIORIA DE RAZÃO SE JUSTIFICA A APLICAÇÃO DAQUELES PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E DA CELERIDADE PROCESSUAIS;

É QUE PARA DIRIMIR O PEDIDO DA RECORRENTE APLICA-SE, OBRIGATORIA- MENTE, “O REGIME DOS PROCEDIMENTOS DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES EMERGENTES DE CONTRATOS”, LEI ADJETIVA ESPECIAL MAIS EXPEDITA, ATENTA A NATUREZA DE TAL MATÉRIA;

OS INTERESSES DO RÉU SÓ SE SOBREPÕEM, NESTE ÂMBITO, ÀQUELE INTERESSE PÚBLICO, CASO ELE DEMONSTRE E JUSTIFIQUE QUE TAL REMESSA LHE CAUSA DANO À SUA DEFESA, POR PODER OFERECER DEFESA DIFERENTE (E MELHOR) DO QUE FIZERA;

– SUCEDE QUE A RECORRIDA NÃO DEMONSTROU NEM JUSTIFICOU ADEQUADA ,MENTE QUE, NO CASO CONCRETO, A REMESSA DO PROCESSO AO TAF CAUSARIA DANO À SUA DEFESA;DE RESTO, E AO INVÉS DO DEFENDIDO NO DOUTO ACÓRDÃO (E DECISÃO SIN- GULAR),O QUE SE PETICIONA NO PROCESSO SÃO OS HONORÁRIOS DEVIDOS PELA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FORENSES QUE SE INICIARAM EM 20 DE JANEIRO DE 2008 E 24 DE FEVEREIRO DE 14 2008, DATAS DAS ASSINATURAS DAS PROCURAÇÕES FORENSES EMITIDAS;

– NESSA ALTURA AINDA NÃO ESTAVA EM VIGOR O CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS – SÓ SERIA PUBLICADO EM 29 DESSE MÊS E SÓ VIRIA A ENTRAR EM VIGOR EM 30 DE JUNHO SEGUINTE;

OUTROSSIM, EM VIGOR ESTAVA, ENTÃO, O DECRETO-LEI N.º 197/99, DE 8 DE JUNHO, MAS QUE, NOS TERMOS DO SEU ARTIGO 77.º, 1, J), NÃO DISCIPLINAVA OS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PRESTADOS A ENTIDADES INTEGRADAS NOS SETORES DA ÁGUA, ENERGIA, TRANSPORTES E TELECOMUNICAÇÕES,SENDO CERTO QUE A MANDANTE, A SOCIEDADE “ÁGUAS DO CÁVADO, SA”,EM CUJOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES ACABOU POR SUCEDER A RECORRIDA, ERA E FOI ATÉ À SUA EXTINÇÃO, INTEGRANTE DO SETOR EMPRESARIAL DO ESTADO E, POR ISSO, INTEGRANTE, PARA AQUELES EFEITOS, NO SETOR DA ÁGUA, NA QUALIDADE DE CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO NO ÂMBITO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA PARA O CONSUMO HUMANO,– NATUREZA QUE MANTÉM

A, ORA, RECORRIDA; SOB O PONTO DE VISTA SUBSTANTIVO NÃO EXISTIA QUALQUER REGIME LEGAL ESPECÍFICO QUE PUDESSE SER APLICADO PELOS TAF; SOB O PONTO DE VISTA DA FORMAÇÃO DO CONTRATO TAMBÉM NÃO HAVIA QUALQUER PROCEDIMENTO LEGALMENTE PREVISTO. APLICÁVEIS ERAM O CÓDIGO CIVIL E O ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS;

– TAMBÉM NÃO SE DESCORTINA RAZÃO PARA A QUEIXA DA RECORRIDA, RECO- LHIDA PELO DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, DE NÃO PODER INVOCAR O INTERESSE PÚBLICO! PARA RESOLVER O CONTRATO DE MANDATO NÃO TINHA NECESSIDADE DE TAL INVOCAÇÃO. BASTAVA REVOGÁ-LO …

DECIDINDO DIVERSAMENTE, O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO VIOLOU, DESIG NADAMENTE, O DISPOSTO NO ARTIGO 99.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

1.10. A Ré contra-alegou no sentido da improcedência do recurso, alegando, em síntese:

Tendo a Recorrida invocado no requerimento de oposição à remessa que a circunstância de a presente acção, em que são peticionados créditos emergentes de contratos públicos, ter sido proposta junto dos tribunais comuns a impediu de invocar questões próprias e específicas do quadro normativo que rege os contratos públicos, o qual dispõe de um regime próprio sobre a fase de formação, a fase de execução e as validades/invalidades destes contratos, sempre teria o Tribunal a quo o dever de considerar tais razões atendíveis ao abrigo do princípio da defesa efetiva e, nessa medida, considerar a oposição justificada.

Compulsado o teor das razões vertidas no requerimento de oposição à remessa submetido nos autos, conclui-se que as mesmas se encontram razoavelmente concretizadas, com a descrição da situação desfavorável que tal remessa traduz para a defesa da Recorrida e, bem assim, a indicação de normatividade (ainda que de forma abstrata) suscetível de influenciar o desfecho do litígio.

Certo é que não poderá exigir-se à Ré/Recorrida, que no seu requerimento de oposição ao aproveitamento dos articulados, explique o que pretende invocar na nova ação que não tenha alegado na sua contestação perante o Tribunal materialmente incompetente, porquanto tal exigência teria subjacente a realização de um juízo cognoscitivo apenas autorizado aos tribunais administrativos e, além do mais, constituiria um desvendar da sua defesa perante a autora, ora recorrente, em sede imprópria.


II - FUNDAMENTAÇÃO


2.1. – Decretada a incompetência absoluta após os articulados, o art.105 nº2 do CPC/1961 determinava o seu aproveitamento desde que “estando as partes de acordo sobre o aproveitamento, o autor requeira a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ser proposta”

O novo CPC de 2013, reforçando as razões subjacentes de economia processual já não exige o agora acordo das partes, pelo que mesmo existindo desacordo a recusa da remessa pressupõe que a oposição do réu seja justificada.

Assim, julgada a incompetência absoluta do tribunal findos os articulados, a lei (art.99 nº2 CPC) confere ao autor o direito de requerer a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, desde que o réu não ofereça oposição justificada.

Procura-se salvaguardar o equilíbrio entre os interesses do autor, assentes em razões de economia processual a justificar o princípio da utilidade e os interesses do réu, os seus direitos de defesa.

O que significa “oposição justificada”?

A oposição considera-se justificada quando a remessa seja susceptível de implicar prejuízo para a defesa do réu, ou seja, se das razões alegadas se evidenciar que não se defendeu devidamente na instância extinta e poderá ampliar a sua defesa na nova instância (cf., por ex.Ac STJ de 15/1/2019 (proc nº 1021/16.), Ac STJ de 2/6/2020 ( proc nº 937/16 ), disponíveis em www dgsi.pt)

Coloca-se a questão de saber se para a justificação da oposição da remessa é suficiente a mera alegação genérica, em abstracto, dos fundamentos ou se é necessário a alegação concreta dos fundamentos, ou seja, do dano causado ao direito de defesa.

Dado que, perante a oposição, o tribunal terá de fazer um juízo de ponderação, em face dos interesses em confronto, o réu deve concretizar as razões pelas quais se opõe, o que ressalta tanto da interpretação literal (“oposição justificada”), como da ratio legis .

Por isso, não bastando a mera oposição, exige-se que seja “justificada”, logo incide sobre o réu o ónus de alegação das razões concretas, pois só assim se pode aferir, ainda que perfunctoriamente, da diminuição das garantias de defesa.

Neste contexto, o critério seguindo no Ac RP de 27/3/2023 ( proc nº 30/22), em www dgsi.pt, é o que melhor traduz a ratio legis – “ A necessidade de justificação da oposição à remessa para o tribunal competente aponta no sentido da necessidade de uma fundamentação, ainda que com um menor grau de exigência, segurança e certeza do que a requerida em sede de fundamentação de qualquer pretensão em geral, porventura com um grau de exigência similar ao da necessidade de justificação do receio de lesão do direito acautelado no domínio dos procedimentos cautelares (veja-se o nº 1 do artigo 365º do Código de Processo Civil). Por isso, ainda que não se requeira uma comprovação segura e cabal das razões ou dos motivos invocados para justificar a oposição à remessa do processo ao tribunal materialmente competente, a nosso ver, devem ser invocados motivos concretos para justificar a oposição e os mesmos devem ser verosímeis”.

Também no Ac RG de 16/1/2020 (proc nº 4140/16), em www dgsi.pt, decidiu que “o tribunal, para julgar da relevância dos fundamentos no sentido da diminuição das garantias de defesa terá de conhecer, em concreto, dos meios de defesa que os oponentes apresentariam no novo tribunal, que não puderam usar no tribunal declarado incompetente. Não basta alegar as possibilidades de defesa, em abstrato, atenta a natureza do processo administrativo, como o fizeram os recorrentes”, e no Ac RG de 9/11/2023 (proc nº 9554/23), em www dgsi.pt, “Não constitui oposição justificada a invocação, apenas de forma genérica, de “meios” e “questões”, adjetivas ou substantivas, próprios da jurisdição competente, que não foram utilizados / invocados, sem que estejam sequer identificados.”

2.2. - Na situação dos autos, a Ré, para fundamentar a oposição, alegou ficar impedida de usar os meios de defesa que poderia prevalecer-se se a acção tivesse sido instaurada no tribunal competente, ou seja, impedida de recorrer à materialidade jurídica, adjectiva ou substantiva, própria da jurisdição administrativa.

Assim, não pôde invocar questões próprias e específicas do quadro normativo que rege os contratos públicos que dispõem de um regime próprio sobre a fase da formação, execução, validade e invalidade. Por outro lado, também não pôde invocar o interesse público.

No entanto, trata-se de uma alegação genérica, não concretizada, e sem a indispensável concretização não é possível a formulação do juízo de ponderação.

Se as simples diferenças de tramitação processual e a natureza das normas de direito público relevassem em abstracto, então sempre que a competência material fosse deferida à jurisdição administrativa nunca se poderia aplicar a remessa ou a oposição seria sempre justificada, o que contraria a finalidade do regime do novo Código de Processo Civil sobre os efeitos da incompetência.

Procede a revista, revogando-se o acórdão recorrido, julgar injustificada a oposição e ordenar a remessa do processo ao tribunal competente.


III - DECISÃO


Pelo exposto, decidem:

1)


Julgar procedente o recurso e revogar o acórdão recorrido, julgando-se injustificada a oposição e ordenar a remessa do processo ao tribunal competente.

2)


Condenar a Ré/recorrida nas custas.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Abril de 2024.


Jorge Arcanjo (Relator)

Manuel Aguiar Pereira

Nelson Carneiro