Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
37/08.1TBSCD.C2.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RESPONSABILIDADE DO GERENTE
SÓCIO
ILICITUDE
DEPÓSITO BANCÁRIO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 11/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O regime jurídico da responsabilidade civil dos administradores e gerentes de sociedades comerciais é extensivo a quem exerça a gerência de facto.

II. Apurada a ilicitude do comportamento traduzida na violação de deveres sociais, o gerente de facto é responsável pelos danos causalmente imputados à sua atuação.

III. O simples facto de se apurar que o gerente de facto efetuou depósitos nas contas bancárias da sociedade não permite concluir nem que exista uma situação de enriquecimento sem causa da sociedade nem que tais depósitos constituam suprimentos pelos quais deva ser creditado.

Decisão Texto Integral:

I - ANTÓNIO VICTOR, Ldª, intentou (1ª ação) a presente ação declarativa contra AA, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 832.920,00, ou aquela que efetivamente se vier a provar corresponder aos seus reais prejuízos por aquele causados, assim como os futuros que no seu decurso se apurem, bem como nos que se vierem a liquidar.

Alegou que o R. é sócio da A., desde janeiro de 2012, detendo 66% por capital. Apesar de a gerência de direito se encontrar atribuída ao sócio BB, o R. arrogou-se da qualidade de gerente, passando a gerir os destinos da A., na decorrência do que praticou atos que lesaram o património da A.

Nomeadamente, levou, sem documentação, quantidades significativas de produto da A., para uma outra sociedade, Domage, Ldª, sem que haja efetuado os respetivos pagamentos, colocando a A. em infração perante as autoridades alfandegárias e fiscais e prejudicando a A. ao não ver pagas as quantidades de matérias-primas por si produzidas, sendo o valor estimado de € 395.212,00 nos anos de 2004, 2005 e 2006.

Nas relações entre a A., como cliente, e a Domage, Ldª, como fornecedora, esta faturou à A. inúmeros produtos que nunca deram entrada nos armazéns da A. no valor de € 25.065,09.

Um dos funcionários da A. passou a estar diariamente ao serviço da Domage, Ldª, continuando a A. a suportar os respetivos salários estimados em € 41.880,00, sendo igualmente debitados à A. custos em combustíveis e refeições, no valor de € 23.240,00, quando tais custos se reportam a viaturas ao serviço exclusivo da Domage, Ldª.

Os elevados valores de receitas omitidas à A. conduziram à contração de sucessivos empréstimos, gerando encargos financeiros muito desfavoráveis, dadas as taxas de juros à razão de 10,5 % anuais, na ordem dos € 95.840,00, evitáveis por desnecessários.

No exercício de 2002 encontra-se contabilizada na rubrica honorários o valor global de € 13.875,82, sem referência à sua natureza e em documentos não válidos ou sem qualquer documento, sendo o seu beneficiário o R.

No site da DGCI apurou-se a existência de dívidas fiscais e coimas por infrações fiscais em mora e coimas por infrações fiscais, alcançando mais de € 120.000,00, sendo certo que a quantia de € 58.837,95 de IEC em falta, resulta da ilegal introdução no consumo e comercialização pelo R. em benefício seu ou da Domage, Ldª, de cerca de 36.112,22 litros de licor de ginja da A., no período compreendido entre 1-1-03 e 31-4-04, produto este num valor não inferior a € 50.000,00, fora uma coima no montante de € 30.000,00 aplicada à A.

Acresce que, em agosto de 2007, levou 888 caixas de ginja, em setembro mais 235 caixas, e pediu para embalarem mais 300 caixas, tudo num valor aproximado de € 70.182,36, sem que a A. tenha recebido qualquer valor como contrapartida devida.

Em novembro de 2007, voltou a levar 5.652 garrafas de licor de ginja, agora no valor global de € 23.252,33, sem proceder ao respetivo pagamento e à declaração de introdução no consumo junto das autoridades alfandegárias.

Os prejuízos globais ascendem a mais de € 832.920,00 e pelos quais o R. é responsável ao abrigo do disposto no art. 72º, nº 1, por violação do art. 64º do CSC.


A A. propôs uma segunda ação – proc. nº 549/08….. –, contra o R., apensada aos presentes autos na qual pediu a sua exclusão da qualidade de sócio da A., perdendo a titularidade e o domínio das suas participações sociais/quotas no valor nominal de € 12.469,98.

Fundou esta segunda ação também na prática de atos que se traduziram na obtenção de vantagens económicas à conta da A., criação injustificada de encargos, descapitalização, uso de bens sociais ou dos seus capitais para fins estranhos e prejudiciais aos interesses da A. e fraudes na contabilidade e na administração, visando satisfazer apenas interesses pessoais e conduzindo à quebra da confiança entre ele e a A. e os demais sócios.


O R. contestou ambas as ações, alegando que se viu obrigado a intervir na gerência da A. porquanto o seu gerente BB não praticava os atos necessários à gestão da sociedade. Todas as decisões da gerência foram tomadas com o conhecimento e o acordo do sócio-gerente e todos os produtos alegados nos arts. 65º a 69º da petição foram efetivamente fornecidos e deram entrada nas instalações da A.

Quanto às dívidas fiscais apenas subsiste uma dívida de € 14.341,85, encontrando- se em contencioso uma possível dívida de € 59.000,00 relativa a factos que têm a ver com a alegada falta de álcool em stock, sendo que pode reportar-se a período anterior a janeiro de 2002 por não ter havido controle de stocks aquando da aquisição das quotas por parte do R.

Com exceção dos € 43.443,84 relativos ao último fornecimento de 2007, todos os produtos entregues pela A. à Domage, Ldª, foram faturados e pagos.

Alegou ainda que é credor da A. com fundamento na realização de suprimentos em valor a liquidar, formulando pedido reconvencional de condenação da A. a pagar-lhe o valor que exceder a compensação.

Requereu a intervenção provocada passiva do sócio-gerente BB, incidente que foi admitido.

Foi proferida sentença que julgou a ação principal parcialmente procedente e:

- Condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 309.918,38;

- Condenou o R. a pagar à A. a quantia que se liquidar em execução de sentença, no que respeita aos prejuízos não quantificados, com o limite relativo ao montante total do pedido da ação principal;

- Julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo R.;

- Foi julgada procedente a ação apensa, sendo declarada a exclusão do R. da qualidade de sócio da A., com perda da titularidade das suas participações sociais.

O R. apelou e a Relação revogou a sentença na parte em que condenou o R. no pagamento da quantia líquida de € 309.918,38, substituindo-a pela condenação no pagamento da quantia a liquidar, unicamente quando aos prejuízos não quantificados:

i) Preço da “Ginja Victor” introduzida no consumo durante os anos de 2001 e 2007, correspondente às 52.628 garrafas a que se reporta o ponto 58., havendo que descontar o valor dos últimos fornecimentos a que se reporta o ponto 44., bem como a quantia de € 92.365,00 correspondente ao valor dos depósitos efetuados pelo R. nas contas da A.;

ii) Valor das coimas que tenham sido ou venham a ser aplicadas à A. na sequência de tais factos e cujo pagamento a A. venha a suportar.


A A. interpôs recurso de revista em que concluiu que:

6. O acórdão recorrido parte de um pressuposto errado, quando ao montante correspondente às 52.628 garrafas, ordena o desconto do valor dos últimos fornecimentos e referidos no ponto 44., por entender que se tratava de uma duplicação de valores.

7. O ponto 44. deu como provado que à firma Domage, Ldª, a A. forneceu mercadoria no valor de € 43.443,84 relativa aos últimos fornecimentos de 2007 e que aquela não lhe pagou.

8. O ponto 58. refere-se que no período compreendido entre janeiro de 2002 e outubro de 2007, foram introduzidos no consumo, pelo menos, 52.628 garrafas ginja a um litro a 18%, sem que tal facto tenha sido refletido nas vendas da A. e sem que esta haja liquidado os respetivos impostos – IABA e o IVA.

9. Não existe qualquer duplicação de valores.

10. Estão em causa duas situações completamente distintas, por um lado as garrafas retiradas da A. e introduzidas no consumo sem que as mesmas tenham sido refletidas nas vendas (ponto 58.),

11. E, por outro, fornecimentos efetuados pela A. à R. que não foram pagos (ponto 44.) apesar de faturados, o que, de resto, até resulta do valor ao cêntimo encontrado.

12. Desta forma, andou mal o acórdão em crise ao considerar existir uma duplicação no que a estes dois pontos da matéria de facto se refere e que se trataria das mesmas garrafas.

13. E pior andou quando ordena o desconto do valor dos últimos fornecimentos e referentes no ponto 44. ao valor a apurar resultante da introdução no consumo das 52.628 garrafas.

14. Pelo que, deve a decisão ser revogada nesta parte.

15. O acórdão em crise ordenou a dedução ao valor que vier a ser encontrado em liquidação de sentença pela introdução no consumo das 52.628 garrafas, da quantia de € 92.365,00, correspondente ao valor dos depósitos pelo R. efetuadas nas contas da A.

16. Tal condenação advém da alteração à matéria de facto e no acrescentado ponto 91. onde se refere que no período compreendido entre 1-1-02 e 31-10-07, o sócio AA procedeu ao depósito de inúmeras quantias num total de € 92,365,00, em contas bancárias da António Victor.

17. Ora, não existe qualquer documento que permita concluir como concluiu o tribunal a quo.

18. No relatório pericial, os peritos identificaram depósitos, num total de € 92,365,00, sendo que destes, apenas o valor de € 44.487,68 identificaram como sendo do R.

19. Relativamente aos restantes, estes foram apelidados de “valores não confirmados” e à falta de melhor explicação foram lançados na conta do sócio.

20. Não é sequer possível determinar quem procedeu a tais depósitos e se os mesmos foram efetuados e a que título, e nomeadamente, se posteriormente foram essas quantias levantadas pelo sócio, ou quais as quantias levantadas pelo sócio das contas da sociedade a fim de, também por esta forma, se verificar qual o saldo entre o deve e o haver.

21. Ora face à ausência de resposta clara dos peritos relativamente ao que se terá passado, nunca poderia o tribunal a quo dar como provado que tais depósitos foram efetuados pelo R., até tendo por base as regras do ónus da prova.

22. Em nenhum momento é sequer referido que o R. foi ou não já ressarcido de tais quantias.

23. A presente situação, refere-se precisamente aos casos em que este tribunal pode cassar uma decisão sustentada em determinado facto cuja prova, dependente de documento escrito, foi declarada a partir de depoimento testemunhal, de documento de valor inferir, de confissão ineficaz ou de presunção judicial.

24. A este propósito bem andou o acórdão da 1ª instância ao dar como não provado que o R. tenha efetuado quaisquer suprimentos.

25. O pedido reconvencional foi totalmente julgado improcedente, pelo que, também por esta via, não podia o tribunal ordenar o respetivo desconto.

26. Nunca o tribunal poderia, sem mais, deduzir ao montante que o R. terá de pagar à sociedade, por força da introdução as referidas garrafas no consumo, o valor dos depósitos por este efetuados na sociedade.

27. O pagamento de empréstimos a sócios e ou suprimentos têm regras próprias previstas no CSC que terão de ser cumpridas.

28. Não existe qualquer facto dado como provado de que esse montante se encontre, ainda, em dívida e muito menos que se trate de uma dívida líquida e exigível que possa, de alguma, fazer operar o instituto da compensação.

29. Deve o acórdão em crise ser revogado na parte em que decide a dedução da quantia de € 92.365,00, correspondente ao valor dos depósitos efetuados pelo R. nas contas da A. ao valor a apurar resultante da introdução no consumo das 52.628 garrafas.

30. Andou mal o Tribunal a quo ao alterar a decisão proferida em 1ª instância e, se é certo que face às limitações impostas quanto ao recurso em matéria de facto por este Tribunal, outras resultam de uma má aplicação das regras de experiência e dos factos dados como provados ao direito.

31. O acórdão em crise alterou a responsabilização do R. no pagamento dos prejuízos sofridos pela A. em virtude da conduta deste, nomeadamente:

32. Custos com o trabalhador CC, o tribunal procedeu, à alteração da matéria de facto dada como provada (ponto 45.), considerando que nos anos de 2004, 2005 e 2006, o trabalhador também passou a distribuir produtos Domage, Ldª, sendo que a respetiva remuneração e encargos sociais foram pagos pela A., num total de € 62.889,00

33. Esta alteração implicaria, quando muito, que pelo menos metade do valor dos salários com o trabalhador, computados em € 62.889,00 fosse imputada ao R.

34. Nenhum sentido faz que tais custos sejam alocados apenas à A., uma vez o referido trabalhador distribuía durante os anos de 2004, 2005 e 2006 produtos da empresa do R., sendo certo que este assumiu e chamou para si exclusivamente todas as demais funções de gestão da A., concretamente relacionadas com comercialização, fornecedores, banca, pagamentos administrativas, contabilísticas e com clientes.

35. Devolução de honorários: com base no ponto 47. o tribunal de 1ª instância condenou o R. a devolver à A. a quantia de € 13.875,82 que este terá recebido da A., eventualmente, a título de honorários.

36. A matéria de facto do ponto 47. manteve-se inalterada, pelo que deverá manter-se a decisão de 1ª instância.

37. Devolução de custos financiamentos de empréstimos: o R. contraiu vários empréstimos ou financiamentos bancários, em nome da A., os quais geraram encargos financeiros, com taxas de juro à razão de 10,50% anuais, num montante que se situa em € 95.840,00, e requerendo ou pedindo o financiamento, sem deles ter conhecimento, intervenção, ou assinatura, o gerente BB.

38. Com base no ponto 69. o tribunal de 1ª instância condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 95.840,00 correspondente aos encargos financeiros com taxas de juro que a A. se viu forçada a suportar face à gestão do R.

39. A matéria de facto do ponto 69. manteve-se inalterada, pelo que deverá manter-se a decisão de 1ª instância.

40. Omissão da venda de conjunto de 5.310 garrafa, cujo valor global não foi possível apurar em concreto.

41. Com base nos no ponto 43. o tribunal de 1ª instância condenou o R. a pagar à A. a quantia a liquidar em execução de sentença das referidas garrafas.

42. A matéria de facto do ponto 43. manteve-se inalterada, pelo que deverá manter-se a decisão de 1ª instância.

43. Fornecimento pela A. de mercadorias à firma Domage, Ldª, no valor de € 43.443,84, relativa aos últimos fornecimentos de 2007 e que aquela lhe não pagou.

44. Com base no ponto 44. o tribunal de 1ª instância condenou o R. a pagar à A. a quantia supra referida.

45. A matéria de facto do ponto 44. manteve-se inalterada, pelo que deverá manter-se a decisão de 1ª instância.

46. Dívida de IABA no montante de € 28.023,08: no varejo realizado em janeiro de 2008 - no qual foi levado a cabo um “controlo cruzado” com a Domage, Ldª, e às estampilhas fiscais da A. - concluiu-se que ocorreu introdução “irregular” no consumo (sem as respetivas DIC´S), de 31-5-04 a 31-12-07 de um total de 16.827 garrafas de litro de licor de ginja, com as perdas tributáveis correspondentes a um total de € 3.028,86 e, em consequência, uma dívida de IABA no montante de € 28.023,08, acrescida de importância não quantificada a título de juros compensatórios.

47. A matéria de facto do ponto 53. manteve-se inalterada, pelo que deverá manter-se a decisão de 1ª instância.

48. Coima de € 30.000,00: por ocasião do varejo realizado em janeiro de 2008 e na referida firma Domage, Ldª, apurou-se a existência de 25.605 garrafas de “Ginja Victor Litro -18” nas suas instalações sem qualquer documento de venda, com valor não apurado em concreto, tal como existiam divergências entre as guias de transporte e as faturas emitidas pela A. à Domage, Ldª, mediando entre as saídas do entreposto fiscal (diretamente para clientes da Domage ou para esta) e a emissão das respetivas faturas, vários meses, ou acumulando-se num único documento (fatura) diversas e diferentes saídas, quer em quantidade, quer em tempo da sua ocorrência.

49. Por que pagar a consequência da descrita conduta do R., a A. teria mais, a título de IABA, juros e coimas, quantia não apurada em concreto, além do respetivo IVA, tendo-lhe sido aplicada uma coima de € 30.000,00, acima identificada.

50. 25.605 garrafas de “Ginja Victor Litro-18” nas instalações da Domage, Ldª, sem qualquer documento de venda;

51. Em 30-11-07 estavam registadas na contabilidade da A. as seguintes dívidas:

- IVA: € 56.007,98;

- IABA: € 167.338,00,09;

- SEGURANÇA SOCIAL: € 21.149,25.

52. Em 29-11-07 a A. devia à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo …… quantia não apurada em concreto, mas não superior a € 3.926,12.

53. Os factos dados como provados resultam da conduta do R. e levaram à exclusão do R. enquanto sócio da sociedade - decisão que o tribunal a quo manteve inalterada - e à sua responsabilização no pagamento dos danos causados em sede de decisão de 1ª instância.

54. A conduta do R. foi de tal forma grave que levou o tribunal a excluí-lo de sócio, decisão mantida pela Relação.

55. O acórdão da Relação, apesar de manter essa decisão, retirou da responsabilidade do R. parte dos danos por este causados à sociedade, decisão com a qual obviamente não se pode concordar.

56. A subsunção legal da condenação do R. ao ressarcimento dos danos elencados, e com a qual se concorda na integra, está devidamente explanada na sentença de 1ª instância a qual se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

57. Dos factos dado como provados, dúvidas não podem restar que o R. violou o dever de cuidado, zelo e lealdade plasmados no art. 64º do CSC.

58. Tal violação constitui um comportamento ilícito e culposo do R., o que se presume (art. 72º do CSC), e sem que o R. tenha logrado ilidir tal presunção, bem pelo contrário verifica-se dos factos provado a existência de culpa efetiva do R. assente na ilicitude da sua conduta para com a sociedade.

59. Como amplamente referido na sentença da 1ª instância e que supra se transcreveu, o R. exerceu sempre a gerência da sociedade, estando tal plasmado na matéria de facto provada.

60. Sendo que nos termos do art. 72º do CSC os gerentes, respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.

61. E nos termos do art. 80º do CSC “as disposições respeitantes à responsabilidade dos gerentes, administradores e diretores aplicam-se a outras pessoas a quem sejam confiadas funções de administração”.

62. Provados estão, também os danos causados à sociedade com a conduta do R. e os quais foram já supra elencados.

63. Verifica-se também todos os requisitos na responsabilidade, dano, culpa, ilicitude e nexo de causalidade, previstos no art. 483º do CC.

64. A conduta do R. é assim censurável pelo direito, em razão de ele não ter agido como podia e devia, ou seja, por ter atuado com culpa.

65. Verificando-se, também, o nexo de imputação entre os factos provados e os danos, uma vez que entre estes existe uma relação de causalidade adequada, isto é, não fosse a conduta do R., os danos elencados não se teriam verificado ou, abstraindo a conduta do mesmo, seria de prever que os referidos factos/danos não se teriam verificado ou produzido.

66. Uma vez verificados os pressupostos da responsabilidade civil – facto ilícito, culpabilidade, prejuízos, nexo de causalidade – o gerente é civilmente responsável.

67. Constatada a existência da responsabilidade do R., verifica-se a obrigação de indemnização, traduzida na reparação dos danos suportados pela A.

68. Desta forma, é o R. pessoalmente responsável, através do seu património, pelos danos derivados da sua conduta e que foram causados no património da sociedade, nos termos do art. 563º do CC e art. 72º do CSC.

69. Pelo que outra decisão não poderá ser proferida do que revogar o acórdão proferido e consequentemente, condenar o R. nos moldes elencados na decisão da 1ª instância (com as ressalvas inerentes à alteração da matéria de facto que a A. já não pode atacar).

70. Desta forma, deve o R. ser condenado a pagar à A. as seguintes quantias:

I. € 43.443,84 (fornecimentos não pagos);

- ½ € 62.889,00 (salários trabalhador);

- € 13.875,82 (honorários);

- € 28.023,08 (dívida de IABA);

- € 30.000,00 (contraordenação);

 - € 95.840,00 (despesas financeiras);

II. E pagar ainda à A. a quantia que se liquidar em execução de sentença, no que tange aos acima elencados prejuízos não quantificados, com o limite relativo ao montante total do pedido da ação principal.


Foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir.


II - Factos provados:

1. A A. foi constituída em 28-9-95, entre BB, DD e EE, ficando cada um deles como titular de uma quota no valor nominal de € 12.469,95, representativa de 33,33% da totalidade do capital social investido no montante de € 37.409,85 e tem como seu objeto social a produção e comércio de licores e outras bebidas alcoólicas, sua importação e exportação, sendo detentora do entreposto fiscal de produção PT50355010801, atribuído pela DGAI, pelo que os produtos que fabrica “Licor de Ginja Victor” ficam em regime de suspensão do Imposto sobre Álcool e Bebidas Alcoólicas até serem introduzidos no consumo.

2. A A. foi constituída para dar continuidade à atividade industrial e comercial que antes havia sido iniciada por FF, por volta de 1932, de fabrico e comercialização de licor de ginja, detentor da marca "Ginja Victor" e que vinha sendo depois prosseguida, também em nome individual e a partir de 27-3-87 até 1995, pelo filho daquele, BB que, aliás, já trabalhava com o pai há cerca de 20 anos.

3. Ao BB ficaram confiadas exclusivamente as funções relacionadas com o fabrico do licor de ginja, enquanto aos sócios DD e EE todas as demais funções de gestão, nomeadamente, as relacionadas com os aspetos comerciais, banca, clientes, fornecedores, administrativos, contabilísticos, etc.

4. Nos termos então inicialmente acordados entre os três identificados sócios fundadores, nas cláusulas 5-A e 6-A do pacto social constitutivo - que ainda hoje se mantém inalterado - todos os sócios foram nomeados gerentes, obrigando-se a A. com a assinatura de dois gerentes.

5. Em 23-1-02, os sócios DD e EE, por escritura pública lavrada a fls. 38 do livro 56-E, do Cart. Not.……, com renúncia à gerência, cederam as suas quotas ao R.

6. Em consequência de tal cessão de quotas, a distribuição do capital social da A. passou a ser de duas quotas para o R., cada uma no valor nominal de € 12.469,98 e de uma quota, no mesmo valor nominal, para o sócio-gerente BB.

7. A partir desse momento o R. passou a exercer todas as funções de gerência na A., que antes competiam aos gerentes DD e EE, mantendo-se o gerente BB nas que já vinha exercendo.

8. Em 18-6-07, por força da divisão da quota de € 12.469,95 pertencente a BB, foi por aquele transmitida a GG, uma quota da A., no valor de € 1.000,00.

9. Através ou mediante prévias convocatórias efetuadas nos termos legais, no dia 5-12-07, foi convocada para ter lugar uma assembleia geral da A., em sessão extraordinária, com a seguinte ORDEM DE TRABALHOS

1. Dar a conhecer e apreciar a revelada conduta do sócio AA, nesta qualidade e enquanto gerente de facto da sociedade, nos períodos compreendidos a partir de fevereiro de 2002 até outubro de 2007;

2. Analisar quais as consequências decorrentes para a sociedade, particularmente quanto aos prejuízos que lhe foram causados pela conduta do sócio AA, nesta qualidade e como seu gerente de facto, a que se refere o ponto 1;

3. Deliberar sobre a instauração pela sociedade de uma ação judicial e eventual procedimento criminal contra o sócio AA, com vista à sua responsabilização e indemnização a favor da sociedade pelos danos a esta causados com a sua conduta, quer enquanto sócio quer enquanto gerente de facto;

4. Deliberar sobre a instauração pela sociedade de uma ação judicial com vista à exclusão judicial do sócio AA, face às consequências e resultados das suas condutas, a que se referem os pontos 1, 2 e 3 anteriores, para com a sociedade".

10., 11., 12, 13., 14., 15., 16. e 17. – Eliminados.

18. O sócio e gerente BB instaurou uma ação judicial visando a anulação das deliberações sociais positivas, bem como à anulação dos votos do R., e os respetivos procedimentos cautelares, destinados a acautelar os efeitos úteis daquela, aos quais couberam, respetivamente, os nºs 9/08….. do … Juízo e 822/07……. do … Juízo.

19. Nesta última foi proferida decisão, datada de 10-1-08, já transitada em julgado, da qual consta, além do mais aí exarado, o seguinte:

“Decisão:

Pelo exposto, julgo procedente a pretensão do requerente BB e, em consequência:

1. Declaro e ordeno a suspensão da execução das deliberações sociais positivas constantes do instrumento de ata de reunião de assembleia geral da requerida, de 5-12-07, registada no livro nº 1, a fls. 2, sob o nº 16, do ano de 2007, do Cart. Not.  ……, introduzidas e votadas pelo sócio AA págs. 16 a 23, concretamente aquelas a que se referem os pontos um a seis de tal matéria.

2. Declaro provisoriamente nulos, por ilegais, os votos proferidos pelo sócio AA, em situação de impedimento por conflito de interesses com a sociedade, que conduziram às deliberações negativas a que se referem os pontos um a quatro da ordem de trabalhos de p. 2 a 16 do supra mencionado instrumento de ata de reunião da assembleia geral, considerando assim provisoriamente aprovadas essas mesmas deliberações com os votos do requerente e da sócia GG”.

20. A A. instaurou a ação principal, da qual os procedimentos cautelares mencionados em 15. constituíram incidente, que foi distribuída ao … Juízo do então Trib. Jud. de ……, proc. 9/08……..

21. Ambas as ações foram julgadas procedentes, a ação principal confirmada em via de recurso e o procedimento cautelar alterado em sede recursiva, com uma maior amplitude.

22. Com a entrada em 2002 do R. na sociedade, o sócio BB manteve-se a exercer na A. exclusivamente as funções relacionadas com o fabrico do licor de Ginja, na ordem das duas produções anuais e, de anos a anos, 3 vezes por ano, alturas em que então se deslocava à sede social, além de a assinar, quando solicitado pelo R. cheques e alguns documentos, alguns daqueles em branco.

23. Por sua vez o R. assumiu e chamou para si exclusivamente todas as demais funções de gestão na A., concretamente as relacionadas com comercialização, fornecedores, banca, pagamentos, administrativas, contabilísticas e com clientes.

24. Consta da certidão de matrícula da A. que, mediante a ap. …, de 12-7-02, foi registada a transmissão da quota pertencente a BB a F........, Ldª e, mediante apresentação de 3-7-07 foi cancelada a transmissão da quota a favor de F........, Ldª, pelo que tornou a ser titular da mesma BB.

25. Mais dela consta que a sua gerência era exercida por BB no período em que foi titular de uma quota F…, Ldª.

26. A Domage, Ldª, tem sede em …, ……., matriculada na CRC … sob o nº ……, e tem por objeto a representação, importação, exportação e comercialização de marcas e produtos alimentares e bebidas e o capital de € 4.987,98, distribuído por duas quotas, sendo uma de € 4.489,18, pertencente ao ora R., que exerce as funções de gerente daquela sociedade, e outra de € 498,90, pertencente ao sócio HH.

27. Na sequência da descrita alteração societária, por acordo entre o BB e o R., a Domage, Ldª, veio a tornar-se fornecedora da A. e praticamente a sua única cliente, no pressuposto de que adquirisse à A. a quase totalidade da sua produção a qual, em seguida, comercializaria e distribuiria no mercado.

28. Após o R. entrar para sócio da A., a Domage, Ldª, passando a ser o quase exclusivo cliente daquela - como tal devendo beneficiar até de redução de preço para revendedor -, passou a pagar à A. a “Ginja Victor” a 372$00 ou € 3,40 litro.

29. Com o descrito quadro de funções foi sendo o R. quem, sozinho e em representação da A., estabelecia contactos e contratava com fornecedores, com a Banca e com a referida Domage, Ldª, enquanto quase cliente única daquela.

30. Era ainda o R. quem, exclusivamente, assumia todas as funções relacionadas com a comercialização dos produtos da A., os pagamentos, assumindo ainda todas as funções administrativas e com clientes, tudo por sua iniciativa.

31. O sócio BB, para além do fabrico, limitava-se a assinar cheques e alguns documentos, efetuando algumas assinaturas, em branco, e quando solicitado pelo R.

32. Face às circunstâncias referidas nos pontos 22., 23., 29., 30. e 31., e à total ausência de ajuda e participação por parte de BB em quaisquer outras funções para além das relacionadas com a produção, este não estava ao corrente do quotidiano da vida económico-financeira-comercial da A.

33. Além do sócio BB, também os funcionários depositavam inteira confiança no R., o qual, para além de sócio maioritário, invocava a sua qualidade …. e foi sempre dando a entender que tudo corria na normalidade.

34. Era o R. quem tratava ou mandava tratar ao TOC tudo o relacionado com os livros, a documentação e a contabilidade sociais, documentos contabilísticos e sociais que, após o R. ter adquirido a qualidade de sócio, passaram a estar na posse de um contabilista da sua confiança, onde permaneceram, encontrando-se na sede social umas pastas com faturas e fichas, bem como um computador onde eram lançadas tais faturas.

35. - Não provado.

36. À data de 15-5-09, não se encontrava registada qualquer outra prestação de contas posterior a 29-4-99, encontrando-se em falta a prestação de contas relativas aos exercícios de 1999 e seguintes.

37. - Não provado.

38. Era o R. quem, no suporte informático/computador da firma, lançava as faturas, dado que os funcionários da A., ao tempo, não estavam capacitados para emitirem tais documentos.

39. A A. sempre realizou, em regra, duas produções anuais de ginja, salvo uma ou outra vez em que fez três produções.

40. - Não provado.

41. - Não provado.

42. Por outro lado, o R. fez dar entrada na contabilidade da A. a fatura nº …15 de 27 de janeiro, relativa à compra de 1.680 garrafas de Vinho do Porto ….. White, 1.680 garrafas de Vinho do Porto …… Tawny, para além de 24 garrafas de Vintage …., no valor de € 10.382,06, com IVA incluído, mercadoria que deu entrada nos armazéns da A.

43. Relativamente a um conjunto de 5.310 garrafas foi omitida a venda das mesmas, cujo valor global não foi possível apurar em concreto.

44. À firma Domage, Ldª, a A. forneceu mercadoria no valor de € 43.443,84, relativa aos últimos fornecimentos de 2007 que aquela lhe não pagou, respeitando a quantidades, produtos e procedimento não concretamente identificados ou apurados e à declaração de introdução no consumo junto das autoridades alfandegárias.

45. O trabalhador da A., CC, a dada altura, em data não apurada em concreto, e por período também não apurado em concreto, mas nos anos de 2004, 2005 e 2006, também passou a distribuir produtos da Domage, Ldª, sendo a respetiva remuneração e encargos sociais pagos pela A., num total de € 62.889,00.

46. - Não provado.

47. No exercício de 2002 encontra-se contabilizado na rubrica de honorários o valor global de € 13.875,82, sem referência à sua natureza e em documentos internos, sem a forma legal ou sem quaisquer documentos, sendo seu beneficiário o R., que recebeu tal quantia.

48. A Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, procedeu a duas ações inspetivas no âmbito do imposto especial sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (IABA), uma respeitante ao período decorrido entre 1-1-03 e 31-5-04 (Varejo de 2004) e uma segunda abrangendo o período de 31-5-04 até 7-1-08 (Varejo de 2008) e que tiveram a A. por destinatária.

49. No varejo de 2004 apurou-se uma quantidade de 13.440,29 litros de álcool a 100%, resultando uma diferença para menos de 6.500,20 litros de álcool a 100%, aí se concluindo que tal diferença resulta numa dívida em sede de IABA no valor de € 58.371,80.

50. Mais se fez constar do respetivo relatório que “a diferença para menos detetada (...) configura-se como uma contraordenação aduaneira prevista e punível nos termos da al. b) nº 1 do art. 96º conjugado com o nº 1 do art. 109º do RGIT, anexo à Lei nº 15/01, de 5 de junho.”

51. A referida quantidade de álcool em falta corresponde a 36.112 garrafas de licor de “Ginja Victor”.

52. Foi sempre o R. quem tratou de todo este processo com a Alfândega …, apresentando requerimentos, prestando declarações ou deduzindo reclamações, incluindo impugnações, sempre assumindo-se como representante legal da A., mantendo em seu poder toda a documentação e notificações relativas ao processo de varejo.

53. No varejo realizado em Janeiro de 2008 – no qual foi levado a cabo um “controlo cruzado” com a Domage, Ldª, e às estampilhas fiscais da A. – conclui-se que ocorreu introdução “irregular” no consumo (sem as respetivas DIC’s), de 31-5-04 a 31-12-07, de um total de 16.827 de garrafas de litro de licor de ginja com as perdas tributáveis correspondentes a um total de € 3.028,86 e, em consequência, uma dívida de IABA no montante de € 28.023,08, acrescida de importância não quantificada a título de juros compensatórios.

54. Mais se apurou em tal varejo terem sido rececionadas nas instalações da Domage, Ldª, 25.605 garrafas de “Ginja Victor L–18” sem qualquer documento de venda, com valor não apurado em concreto.

55. Em tal varejo foi igualmente reportada a existência de divergências entre as guias de transporte e as faturas emitidas pela A. à Domage, Ldª, mediando entre as saídas do entreposto fiscal (diretamente para clientes da Domage, Ldª, ou para esta) e a emissão das respetivas faturas, vários meses, ou acumulando-se num único documento (fatura) diversas e diferentes saídas, quer em quantidade, quer em tempo da sua ocorrência.

56.a. Na sequência das conclusões e propostas constantes do relatório de varejo de 2008, a A. teria que pagar a mais, a título de IABA, juros e coimas, quantia não apurada em concreto, além do respetivo IVA.

56.b. Na sequência das conclusões e propostas constantes do relatório do varejo de 2004, foi aplicada à A. uma coima de 30.000 €.

57. - Eliminado.

58. No período compreendido entre Janeiro de 2002 e outubro de 2007 foram introduzidas no consumo, pelo menos, 52.628 garrafas de ginja de um litro a 18%, sem que tal facto se tenha refletido nas vendas da A., e sem que esta haja liquidado os respetivos impostos – IABA e o IVA  – sendo que a cada garrafa corresponde um custo de € 1,64 de ginja, € 1,66 de IABA e € 0,64 de IVA, num total de € 3,94, num quantitativo total global não apurado em concreto, auferindo a A., por cada litro de ginja vendido um lucro cujo quantitativo também não foi apurado em concreto.

59. Era o R. quem ordenava aos funcionários da A. a preparação e o embalamento de determinadas quantidades de licor de ginja, por vezes fazendo ele próprio tais levantamentos, em horários e momentos não apurados em concreto, tudo no período compreendido entre fevereiro de 2002 e outubro de 2007.

60. A A. pagava ao sócio BB a renda mensal de € 1.000,00, como contrapartida pela utilização das instalações.

61. Com a distribuição do produto da A. a Domage, Ldª, auferia um lucro não quantificado, sendo que a distribuição feita pela A., mesmo por rent-a-car, implica um custo, por garrafa, não quantificado.

62. A A. sempre liquidou à DGAIEC todo o lABA cobrado e que, relativamente às faturas emitidas em 2004, 2005 e 2006, ascendeu a € 165.660,76.

63. Em meados de 2007 constatou-se que a contabilidade de 2004 e 2006 não se encontrava elaborada, verificou-se a inexistência de balancetes analíticos e extratos quanto aos restantes anos – à exceção dos relativos a dezembro de 2002 – e a inexistência de declarações periódicas de IVA do 1º, 3º e 4º trimestres de 2003, de declarações dos Mod. 22 de IRC de 2005 e 2006, de declarações anuais e dossiers fiscais de todos os exercícios (2002 a 2006) e de balanços, anexos, demonstração de resultados e inventários.

64. E também se constatou que os documentos contabilísticos existentes não se encontravam classificados e registados.

65. Por via do conjunto de omissões mencionadas em 64., as faturas 14, 15, 16, 17, 20, 24, 25 e 29 não estavam lançadas na contabilidade do ano de 2004 da A., mas encontravam-se contabilizadas na escrita organizada da A. na conta da Domage, Ldª.

66. Por sua vez as faturas do ano de 2005, nºs 6, 7 e 8 e do ano de 2006, as nºs 9, 10, 11 e 12, constam da contabilidade reorganizada da A., levada a cabo aquando da efetivação da perícia dos autos.

67. O controlo das entradas de produtos e matérias-primas, saídas do fabrico, produções era efetuado pelo Sr. II.

68. BB entre 2002 e 2007 nunca elaborou ou mandou elaborar o relatório de gestão, as contas de exercício e demais documentos de prestação de contas, nunca convocando uma assembleia de sócios e submetendo tais documentos à sua apreciação.

69. O R. contraiu vários empréstimos ou financiamentos bancários, em nome da A., os quais geraram encargos financeiros, com taxas de juro à razão de 10,50% anuais, num montante que se situa em € 95.840,00, sendo que dos documentos respetivos, requerendo ou pedindo o financiamento, não teve conhecimento e intervenção, com a sua assinatura, o gerente BB.

70. Também em sede de instituições bancárias o R. movimentou e movimentava regularmente a débito contas bancárias da A., apenas com a sua assinatura.

71. Em 30-11-07 estavam registadas na contabilidade da A. as seguintes dívidas:

- IVA: € 56.007,98;

- IABA: € 167.338,00,09;

- SEGURANÇA SOCIAL: € 21.149,25.

72. Existia também uma coima aplicada por via de contraordenação referida infra, no montante de € 30.000,00 que estava impugnada.

73. A A. recorreu a empréstimos bancários, relativamente aos quais se encontravam em dívida, em 23-1-02, o valor de € 49.879 à CGD e € 69.831,71 à CCAM ….

74. Em 29-11-07 a A. nada devia à CGD.

75. Nesta mesma data a A. devia à caixa de CCAM…. quantia não apurada em concreto, mas não superior a € 3.926,12.

76. O R. manteve os empregados, sem prejuízo do que se exarou em 45. sobre o funcionário CC.

77. As chaves das instalações da A. eram detidas por pessoas não apuradas em concreto, mas pelo menos estavam na posse de BB, do R. e de um funcionário não identificado, os quais tinham acesso permanente e ilimitado às mesmas.

78. Muito esporadicamente os funcionários vendiam garrafas de ginja ao balcão.

79. No período compreendido entre os anos de 1995 a 2007 a A. teve uma faturação líquida não apurada em concreto, faturando quantia também não quantificada a nível de impostos, sobretudo IVA, IABA e selo.

80. Ao longo destes anos, a A. pagou despesas correntes, designadamente com o salário dos funcionários que no ano de 2001 ascenderam a montante não quantificado e, em média, em cada ano, desde 2002 a 2007, assumiram valor não apurado em concreto, tal sucedeu com os montantes pagos à Segurança Social relativamente aos seus funcionários.

81. A A. foi liquidando as compras com matérias-primas e outros produtos cujo valor total, em 2001, não se apurou em concreto.

82. A A. foi liquidando despesas anuais com o álcool, açúcar, garrafas, caixas de cartão, impostos (incluindo IABA), selos fiscais, honorários do TOC, despesas administrativas, água, eletricidade, telefone, seguros, cápsulas, rótulos e outros encargos, todo e cada um deles em montante médio não especificado.

83. O IABA liquidado pela A., relativamente às faturas emitidas em 2004, 2005 e 2006, ascendeu a montante não quantificado, ainda que numa situação na qual o teor alcoólico foi reduzido de 20º para 18º por litro, com redução do valor comercial e custos de produção.

86. Conforme consta das atas cujas cópias se encontram juntas aos autos apensos a fls. 352 e ss., no ano de 1995 a A. teve um resultado líquido negativo de 55.863$00, no ano de 1996 de 3.025.559$00, no ano de 1997 de 9.475.829$00, no ano de 1998 de 6.508.029$00, no ano de 1999 de 2.670.064$00, no ano de 2000 de 1.431.850$00.

87. A partir de abril de 2008 BB renunciou à sua remuneração como gerente, além de que no ano de 1999 já não havia gerentes remunerados e ainda a A. deixara de pagar as rendas das suas instalações.

88. Em 28-11-02 teve lugar uma Assembleia Geral Extraordinária, convocada por F........, Ldª, que informou ter adquirido a quota de BB, a quem foi informada da débil situação económica da empresa e a sua necessidade em obter suprimentos para pagar os prejuízos e dívidas acumulados e transitados da anterior gerência e reorganizar a gestão e atividade da sociedade.

89. No período de 1995 a 2001 os sócios EE e DD fizeram, cada um deles, empréstimos contabilizados à sociedade no valor de € 35.556,78 e muitos outros não contabilizados, perdendo nela dezenas de milhares de contos cada um, ao invés do BB que obteve um empréstimo da sociedade de € 5.353,45.

90. Todas as faturas emitidas pela A. relativamente aos fornecimentos efetuados à Domage, Ldª, e que que se encontram na contabilidade da A. a dezembro de 2007, se encontram pagas.

91. No período compreendido entre 1-1-02 e 31-10-07, o R. procedeu ao depósito de inúmeras quantias, num total de € 92.365,00, em contas bancárias da A.

92. No ano de 2001, a A. faturou € 70.000,00.


III – Decidindo:

1. Tratando-se de uma ação fundada na responsabilidade civil de sócio de sociedade por quotas que exerceu a gerência de facto, o que foi decidido pelas instâncias permite concluir que se encontra estabilizada toda a matéria relacionada com os pressupostos dessa responsabilidade, com exceção do montante dos danos correspondentes aos prejuízos causados pelo R., por ter incumprido deveres que sobre si recaíam.

A questão que poderia suscitar mais polémica seria a da aplicação ao R., sócio da sociedade A., das normas que regulam a responsabilidade civil dos gerentes ou administradores, na medida em que não tinha juridicamente a qualidade de gerente, mas apenas de sócio, tendo desempenhado, no entanto, as funções de gerente de facto, com a concordância dos órgãos da sociedade, incluindo o sócio-gerente (de direito) BB.

Porém, até essa questão de direito, mais problemática, se encontra ultrapassada, na medida em que as instâncias, com vasta ilustração doutrinal (com destaque para Ricardo Costa, A Responsabilidade dos Gerentes e Administradores de Facto no CIRE, e “Responsabilidade Civil Societária dos Administradores de Facto, em Temas Societários e para J. M. Santos Cabral, “O Administrador de Facto no Ordenamento Jurídico Português”, na Revista do CEJ, nº 10, p 113), concluíram pela aplicabilidade ao R., na sua qualidade de sócio da A. e gerente de facto da mesma, do referido regime jurídico, decisão que não foi impugnada no presente recurso de revista interposto pela A.

Neste contexto, encontrando-se estabilizada a resposta a tal questão, partir-se-á do pressuposto de que o facto de o R., sócio da A., ter exercido, durante diversos anos, as funções de gerente de facto também o colocava sob a alçada do regime jurídico que regula a responsabilidade civil dos gerentes e administradores de sociedades comerciais, importando apurar, no essencial, neste recurso de revista, em que medida procede a pretensão da A. de condenação do R. no pagamento de uma indemnização correspondente aos prejuízos causalmente imputados à sua atuação ilícita no âmbito das referidas funções de gerente de facto.


2. Para este efeito basta que se retenham alguns aspetos extraídos do regime jurídico das sociedades comerciais, designadamente do art. 64º do CSC, que enuncia os deveres fundamentais dos gerentes e administradores da sociedade: deveres de cuidado e de diligência correspondentes aos de um gestor criterioso e ordenado e deveres de lealdade, no interesse da sociedade e para proteção de outros sujeitos, como os trabalhadores, clientes e credores (cf. Acs. do STJ, de 26-9-17, 178/11, e de 28-2-13, 189/11, em www.dgsi.pt).

Tais deveres encontram a devida concretização, designadamente nos arts. 65º e ss., a respeito do dever de relatórios de gestão e de apresentação de contas, assim como no art. 254º, nº 1, do CSC, nos termos do qual os gerentes de sociedades por quotas não podem exercer, por conta própria ou alheia, atividade concorrente, devendo abster-se de atuar em conflito de interesses ou obter vantagens para si mesmo em prejuízo da sociedade.

Os efeitos do incumprimento de tais deveres são descritos nos arts. 71º e ss., sobressaindo o art. 72º, nº 1, do CSC, segundo o qual os gerentes respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões praticadas com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa sua ou se, agindo livre de qualquer interesse pessoal, o fizerem sob critérios de racionalidade económica.

Trata-se de matéria que, não sendo questionada no caso concreto, foi objeto de análise mais pertinente noutros casos apreciados neste Supremo: v.g. Ac. do STJ, de 29-10-15, 535/11, relatado pelo ora relator (em que se considerou não existir o pressuposto da ilicitude) Ac. do de 25-10-12, 1059/06, em que o ora relator interveio como adjunto, de 28-2-13, 189/11, ou no Ac. do STJ, de 1-4-14, 8717/06, todos em www.dgsi.pt.


2. No caso concreto, a ação foi instaurada pela sociedade António Victor, Ldª, e, apesar de ter sido requerida e deferida a intervenção do sócio-gerente BB, este foi absolvido em ambas as instâncias, estando afastada a possibilidade de considerar na presente revista a existência de alguma responsabilidade solidária do Interveniente com o ora R.

Contudo, apesar disso, não pode ignorar-se – numa apreciação global dos motivos que estão na génese da presente ação – que, a par da responsabilidade pessoal do R., outros sujeitos permitiram que a situação descrita na matéria de facto apurada se arrastasse sem que tenham sido acionados os mecanismos legais destinados a proteger os interesses da sociedade A. e dos demais sujeitos cuja tutela se faz através do cumprimento dos deveres que recaem sobre os que exerceram, de direito ou de facto, os poderes de gestão.

Na realidade, a própria A., por si ou por falta de intervenção dos órgãos de gestão, máxime do sócio-gerente que fora designado de acordo com as regras societárias, permitiu que, por exemplo, saíssem para a esfera da sociedade Domage, Ldª, dominada pelo R., produtos que não foram faturados nem pagos, assim como foi permitido que o R. agisse indiscriminadamente como “dono” de uma e de outra sociedade, incumprindo, de modo manifesto, os deveres de separação de patrimónios e de contabilidades, o que reverteu em prejuízo da A., não apenas por ter sido alvo de inspeções das autoridades fiscais, como ainda pelo facto de elevadas quantidades de bebidas e outros produtos não terem sido contabilizadas como vendas da A. a quem cabia o recebimento do respetivo preço.

Estes aspetos terão de encontrar reflexo na presente decisão, ao menos na medida em que não seja possível apurar com a necessária exatidão qual o limite da responsabilidade que ao R. pode ser imputada, tendo em conta as alterações que foram introduzidas pela Relação no enunciado de factos provados.

Considerando que a pretensão da A. é integrada por um somatório de parcelas, optamos por analisar cada uma delas, pois assim o demanda o facto de a A. enunciar diversas questões em função de cada uma das parcelas.

Mas para o efeito teremos de entrar em linha de conta não apenas com as alterações da matéria de facto provada que foram introduzidas pela Relação, como ainda com o facto de que, a par dos aspetos de ordem jurídica, a Relação apreciou de forma conjugada os diversos meios de prova que serviram para sustentar a matéria de facto provada e não provada, prevalecendo, nos casos que possam suscitar-se dúvidas, o juízo que a Relação formulou e que ficou expresso no acórdão recorrido.


3. Considerando que o recurso foi interposto pela A., unicamente em torno da quantificação dos danos, podemos desde já assentar, como matéria que não sofre discussão, que constitui prejuízo da A., imputável à atuação do R., o facto de este ter introduzido no consumo, durante os anos de 2001 a 2007, pelo menos 52.628 garrafas de licor, sem que tivessem sido contabilizadas como vendas da A.

Com efeito, consta do ponto 58. que “no período compreendido entre janeiro de 2002 e outubro de 2007 foram introduzidas no consumo, pelo menos, 52.628 garrafas de Ginja de um litro, a 18%, sem que tal facto se tenha refletido nas vendas da A., e sem que esta haja liquidado os respetivos impostos – IABA (Imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas) e o IVA (Imposto sobre o valor Acrescentado) – sendo que a cada garrafa corresponde um custo de € 1,64 de Ginja, € 1,66 de IABA e € 0,64 de IVA, num total de € 3,94, num quantitativo total global não apurado em concreto, auferindo a A., por cada litro de ginja vendido um lucro cujo quantitativo também não foi apurado em concreto”.

No confronto com este singelo facto e atentos os demais pressupostos da responsabilidade civil que se encontram verificados, a A. tem naturalmente direito a que obtenha do R., como responsável pela atuação prejudicial aos seus interesses económicos, a quantia resultante da multiplicação de, pelo menos, 52.628 garrafas pelo valor unitário de € 3,94, valor unitário que já engloba o imposto especial e o IVA que à A. também é suscetível de ser imputado pelas autoridades tributárias.

Aquela quantidade de garrafas de bebida constitui o número mínimo que foi possível apurar, mas não existe qualquer outro elemento que permita incrementar, nem sequer através de uma condenação genérica, o valor dessa parcela da indemnização que se fixa em € 207.354,32


3. A A. considera que deve ser contabilizado também como prejuízo, pelo menos, metade do salário que foi pago a um seu trabalhador, CC, uma vez que pelo R. foi parcialmente afeto ao serviço de outra sociedade de que o R. era gerente, a Domage, Ldª.

A Relação considerou que não existiam motivos para responsabilizar o R. pelo salário do funcionário CC suportado unicamente pela A., apesar de ter desempenhado funções também no interesse da sociedade Domage, Ldª.

Justificou assim a decisão:

Face às alterações introduzidas quanto a esta matéria em sede impugnação da matéria de facto (cf. pontos 45. e 46., este último dado como não provado) temos que o trabalhador da António Victor, Ldª, CC, a dada altura, em data não apurada em concreto, e por período também não apurado em concreto, mas nos anos de 2004, 2005 e 2006, passou a distribuir, também, produtos da Domage, sendo que a respetiva remuneração e encargos sociais pagos pela A., ascenderam a um total de € 62.889,0.

Tal funcionário era trabalhador da A. (como foi reconhecido pela legal representante da autora em depoimento de parte), e sempre terá estado afeto à parte comercial e de distribuição, sendo que, o facto de a Domage assegurar a compra da quase totalidade dos seus produtos não a exime de proceder às respetivas entregas (na Domage ou em clientes terceiros) e de assumir os respetivos custos, como vinha fazendo até então. É certo ser aqui relatado um aproveitamento dos seus serviços para entregas respeitantes também a produtos da Domage Contudo, não se nos afigura ser razão suficiente para passar a imputar o pagamento da totalidade do respetivo salário à Domage e, muito menos, para responsabilizar o R. pelo respetivo pagamento, apenas porque era ele, em simultâneo, o administrador de facto da António Victor e o administrador da Domage.

A decisão da Relação tem subjacente a alteração da matéria de facto, pois enquanto a 1ª instância considerara provado que o referido trabalhador ficara afeto, em exclusivo, à sociedade Domage, Ldª, a Relação fixou uma realidade diversa, considerando provado apenas que “o trabalhador da A., CC, a dada altura, em data não apurada em concreto, e por período também não apurado em concreto, mas nos anos de 2004, 2005 e 2006, também passou a distribuir produtos da Domage, Ldª, sendo que a respetiva remuneração e encargos sociais pagos pela A., num total de € 62.889,00”.

Assim, tendo em conta essa alteração, não é possível caracterizar o tipo de relação que existia entre o referido trabalhador da A. e a Domage, Ldª e, acima de tudo, falham elementos que permitam quantificar o nível de afetação desse trabalhador à Domage, Ldª.

Ora, estando em causa, em simultâneo, o apuramento da amplitude do incumprimento de deveres societários por parte do R. e do grau de afetação de um trabalhador da A. a outra empresa por si dominada, aspetos cujo ónus da prova recaía sobre a A., não se mostra viável, nem sequer por aproximação, estabelecer se houve algum dano efetivo na esfera da A. ou a sua quantificação, de modo a responsabilizar o R.

Por conseguinte, neste contexto, não existem motivos para divergir da decisão da Relação.


4. Pretende a A. que seja compensada pelos honorários que foram cobrados pelo R. nos termos que constam do ponto 47.

A Relação revogou, nesta parte, a sentença de 1ª instância e considerou que não havia que fazer tal compensação, nos termos seguintes:

O tribunal, com base no ponto 47. da factualidade dada como provado - “no exercício de 2002 encontra-se contabilizado na rubrica de honorários o valor global de € 13.875,82, sem referência à sua natureza e em documentos internos sem a forma legal ou sem quaisquer documentos, sendo seu beneficiário o R., que recebeu tal quantia” – condenou o R. a devolver à autora a quantia de € 13.875,82 que o R. terá recebido da autora a título de honorários.

Insurge-se a A. quanto a tal obrigação de restituição, porquanto, tendo este prestado serviços profissionais para a autora, os mesmos presumem-se remunerados, nos termos do art. 1158º do CC.

Temos de dar razão ao apelante.

Os autores nada mais alegam para fundamentar o pedido de condenação do réu a devolver o valor que recebeu a título de honorários durante aquele ano, para além da omissão de documentos que o suportem.

Não alegam que tais serviços não tenham sido prestados (aliás o facto de o R. ter exercido as funções administrador de facto de desde 2002 a outubro de 2007 constituiu precisamente um dos fundamentos da presente ação), nem que o R. tivesse renunciado a receber qualquer remuneração, sendo que, segundo o art. 255º do CSC, salvo disposição do contrato de sociedade em contrário, o gerente tem direito a uma remuneração, a fixar pelos sócios (sendo que do teor do ponto 87., em que se dá como provado que, a partir de abril de 2008, a BB renunciou à sua remuneração como gerente, inculca a ideia de que, apesar de não exercer de facto funções de gerência, terá sido remunerado por tais serviços até então).

Contrariando o que decidiu a Relação, constata-se que, relativamente ao exercício de 2002, se encontra contabilizado na rubrica de honorários o valor global de € 13.875,82 pago ao R., sem referência à sua natureza e sem documentos que expliquem os motivos desse pagamento.

Esta forma de “contabilizar” uma despesa traduz uma flagrante violação de deveres da gestão que era efetivamente praticada pelo R., tanto mais que se tratava de transferências diretas do património da A. para o património pessoal do R.

Nessas e em todas as operações de entradas e saídas de dinheiro era imprescindível que ficassem registados na contabilidade da A., pela forma devida, os motivos subjacentes a tais pagamentos, o que se revelava extremamente simples, tendo em conta, além do mais, o facto de o R. ser ….. de profissão, estando também obrigado a ter a sua contabilidade organizada.

A realização de um tal pagamento em proveito do R., sem a explicitação do seu fundamento, traduz uma clara violação dos deveres para com a sociedade, tanto mais que não se apurou que efetivamente algum serviço tenha sido prestado pelo R. e que fosse merecedor de um pagamento específico fora das funções de gerência que vinha exercendo.

Por isso, a referida saída de dinheiro não encontra justificação, sendo o R. responsável pela sua reposição.


5. Pretende ainda a A. que o R. seja responsabilizado pelos custos de financiamentos solicitados em nome da A., no valor de € 95.840,00.

Disse a Relação a este respeito que:

Insurge-se o apelante contra a decisão da sua condenação no pagamento da quantia € 95.840,00, com base na materialidade a que se reporta o ponto 69º, com o seguinte teor:

“69. Ainda o R. contraiu vários empréstimos ou financiamentos bancários, em nome da AVL, os quais geraram encargos financeiros, com taxas de juro à razão de 10,50% anuais, num montante que se situa em € 95.840,00, sendo que dos documentos respetivos, requerendo ou pedindo o financiamento, deles não teve conhecimento e intervenção, com a sua assinatura, o gerente BB.”

Segundo o apelante, a factualidade constante do ponto 69 não é suficiente para condenar o R. no pagamento de tal quantia porquanto, para aferir a prática de um facto ilícito, violador dos deveres do gerente era necessário saber: quem e quando concedeu à autora tais empréstimos, quais os montantes mutuados, a necessidade dos empréstimos, em que foi usado o montante mutuado, custos alternativos com empréstimos. Sem tais elementos não é possível verificar se os referidos custos financeiros constituíram um dano, se os mesmos eram desnecessários ao desenvolvimento e sustentação da atividade comercial da autora ou se esta tinha outras alternativas mais vantajosas para se financiar. Por fim, sustenta ainda que tenho a autora utilizado os referidos montantes mutuados, daí retirando um evidente benefício, a condenação do R. no pagamento do valor dos juros geraria um manifesto enriquecimento sem causa.

Nesta parte, temos de dar razão ao R.

Por que motivo deverá o R. suportar os encargos dos empréstimos contraídos pela A. quando, da leitura da factualidade dada como provada, não se descortina qualquer facto do qual possa resultar ter a contração de tais empréstimos correspondido a atos de má gestão? (sendo que se encontra provado que, tendo a autora recorrido a empréstimos em data anterior à entrada do R. como sócio, em valores que rondavam os € 120.000,00, os mesmos se encontravam praticamente liquidados em 20.11.2007 – cf., pontos 73., 74., 75.).

O que poderia estar aqui em causa era, tão só, uma violação do dever de cuidado, da “diligência de um gestor criterioso e ordenado”, na modalidade do dever de tomar decisões substancialmente corretas.

Encontrando-se o dever de gestão no centro dos deveres dos administradores, ele implica discricionariedade, embora pautada pelos deveres gerais do art. 64º, tem um conteúdo altamente indeterminado, até por ser uma “obrigação de meios” e não uma “obrigação de resultado”.

Na sequência da discussão acerca da responsabilidade dos administradores por decisões atentatórias do dever de cuidado, mais precisamente do dever de tomar decisões razoáveis, veio dispor o novo nº 2 art. 72º do CSC:


O mérito de certas decisões dos administradores não é julgado pelos tribunais com base em critérios de razoabilidade, mas segundo critério de avaliação excecionalmente limitado: o administrador será civilmente responsável somente quando a decisão for considerada “irracional”, sem qualquer explicação coerente, incompreensíveis.


Se a violação dos deveres legais – deveres de cuidado e de lealdade – constitui um comportamento ilícito que, verificados os restantes pressupostos implica também responsabilidade civil dos administradores perante a sociedade, e se o nº 1 do art. 72º consagra uma presunção de culpa dos administradores pela violação dos deveres legais, tal presunção não abrange a ilicitude.

Ora, relativamente à contratação dos empréstimos aqui em causa, não se encontra demonstrado qualquer facto do qual possa resultar ter constituído uma decisão menos adequada e muito menos, uma decisão irrazoável. Não existem nos autos elementos que apontem para que a contração de tais empréstimos não tenha sido justificada ou tenha sido efetuada em moldes demasiado onerosos para a A.

Nesta parte é também de revogar a decisão recorrida, na parte em que condenou o R. no montante de € 95.840,00, respeitante aos custos financeiros dos empréstimos contraídos durante o período da sua gerência.

Concordamos com a Relação, improcedendo, nesta parte, a argumentação da A.

É verdade que apenas o R. interveio nos financiamentos, sendo que o pacto social exigia a assinatura do gerente BB.

Todavia, para além de se verificar uma absoluta inércia do gerente da A. relativamente à atuação singular do R., reveladora da concordância tácita quanto a tal forma de atuação, não existe qualquer elemento que permita qualificar a gestão que assim foi feita, e designadamente nada permite concluir sobre os reais motivos do recurso ao financiamento e designadamente se foi motivado também pela atuação ilícita do R. Também não é possível afirmar que tivesse existido um desvio ilegítimo do capital que foi obtido por via do financiamento.

Faltam, pois, fundamentos para responsabilizar o R. pelos custos dos financiamentos que foram contraídos em nome da A. e no interesse desta.


6. Considera também a A. que, como o decidiu a 1ª instância, o R. deve ser responsabilizado pelo facto de ter sido omitida na contabilidade da A. a venda de 5.310 garrafas de licor cujo valor não foi possível apurar.

Considerou a Relação a este respeito que:

Relativamente a um conjunto de 5.310 garrafas foi omitida a venda das mesmas, cujo valor não foi possível apurar em concreto.

Insurge-se o apelante contra a decisão de o condenar no valor de tais garrafas, em valor a liquidar, quando a matéria dada como provada não permite apurar que garrafas são estas, quando foram adquiridas, quando foram vendidas e por quem, inexistindo qualquer facto ilícito imputável ao réu.

Tal matéria corresponde ao facto levado ao ponto 43. da matéria de facto dada como provada: “Relativamente a um conjunto de 5.310 garrafas foi omitida a venda das mesmas, cujo valor global não foi possível apurar em concreto”.

Desde logo, nos questionamos sobre o alcance de tal facto, supondo-se ter sido extraído das afirmações dos srs. peritos contantes da resposta ao quesito 69 (fls. 1007), bem como dos esclarecimentos por si prestados a fls. 1018 do suporte físico. Os srs. Peritos terão chegado a tal resultado face à existência de duas faturas de compras (ns. …05 e …15) pela António Victor respeitantes à compra pela A., a primeira, de 5040 garrafas e a segunda, de 3.384 garrafas (de Porto ….. e Porto …. tinto), só encontrando documentos de vendas respeitantes a 13.872 garrafas; a partir daí, e comparando com os documentos existentes e existências constantes do inventário, concluem que, havendo compras de 17.010 garrafas e tendo apenas sido vendidas 11.700 garrafas, terá havido omissão de vendas relativamente a 5.310 garrafas, ou seja, deduzem que as garrafas compradas à quais não corresponde um posterior documento de venda, terão sido vendidas sem emissão de documentos.

Contudo, o que verdadeiramente temos são 5.310 garrafas relativamente às quais existem documentos de compra por parte da A., que não surgem no inventário de 2007 e sem que haja documentos que comprovem a sua saída da A.V., desconhecendo-se o que lhes terá acontecido.

Por outro lado, fazendo os srs. peritos incluir nessa contagem as garrafas que teriam sido compradas através da fatura nº …..05 da Firma X…., Lda., no valor de € 14.683 - correspondente à compra de 1680 garrafas de vinho do Porto …. white e 3.360 garrafas de vinho do porto …… Tawny, afirmam que esta fatura, apesar de ter um recibo correspondente, nunca foi paga nem reclamada e “concluindo-se que esta fatura não tem substância ou seja, as mercadorias nunca entraram em armazém” (p. 1107 dos autos).

Ora se, apesar dos documentos existentes, os srs. peritos contataram que essas 5.040 garrafas nunca deram entrada nas instalações da A., que esta também não as pagou, que as faturas não foram reclamadas e que a sociedade cessou a atividade em 31.12.2003, inexiste sequer qualquer prejuízo relativamente ao facto de as respetivas garrafas não aparecerem.

Como tal, a deduzir-se tratar-se das garrafas a que se reportam os srs. peritos na resposta ao ponto 69., não se pode afirmar que a existência de qualquer perda de ganho pela autora relativamente a tais garrafas.

Por outro lado, chama-se ainda a atenção para a circunstância de que sempre se trataria de facto não alegado pela A. – o que a autora alega no art. 68º da p.i. é que “O R. (…) fez dar entrada na contabilidade desta, faturas de terceiros, cujos produtos não deram entrada física nas suas instalações, como sucedeu com a fatura nº ….05 da firma “X….., Lda.”, relativa a vinho do Porto, no valor de 14.683,03 € com IVA incluído e com a fatura nº …15, de 27 de janeiro, relativa ao mesmo tipo de bebida alcoólica, no valor de € 10.382,06”.

Ora, o Juiz a quo, dando como não provada a matéria respeitante à fatura nº …15 (facto que fez constar do ponto 8. dos factos “Não Provados”), dá como provado que “relativamente a um conjunto de 5.310 garrafas foi omitida a venda das mesmas”, quando o que a Autora alegara é que as garrafas a que se reportavam as tais faturas ….15 e …..05 nunca haviam dado entrada física no armazém.

Ou seja, tal facto não poderia ser tido em consideração pelo tribunal por não alegado.

É de revogar a decisão recorrida no sentido de condenação do Réu no respetivo valor.


Estamos perante um segmento da pretensão deduzida pela A. que no seu essencial estava dependente da matéria de facto que deveria ser considerada provada.

Ora, nesta parte, a Relação extraiu uma conclusão diversa daquela que a A. defende fundando-se na conjugação dos diversos elementos de facto e bem assim nos meios de prova cuja apreciação livre está fora do alcance deste Supremo Tribunal de Justiça, sendo inviável infirmar o juízo de facto que foi formulado pela Relação a tal respeito.

O resultado é a confirmação do que a Relação decidiu sobre esta parcela do pedido formulado.


7. Considera a A. que deve ser condenado o R. a pagar-lhe a quantia de € 28.023,08 correspondente ao IABA relacionado com 16.827 garrafas de licor, com base na factualidade referida no ponto 53.

A este respeito, a Relação justificou uma resposta negativa nos seguintes termos:

De tal materialidade e do facto, de o Relatório do Varejo de 2008, distinguir tais vendas das garrafas vendidas “sem qualquer documento de venda”, deduzimos que tais garrafas terão sido objeto da respetiva faturação, ou seja, terão sido debitadas à autora. Ora, aquando da faturação, nelas é efetuada a cobrança do correspondente IABA e IVA (cfr., a título de ex., fatura emitida por fornecimento de Ginja Victor à Domage e que se mostra junta a fls. 156 do Proc. apenso de destituição de sócio).

Como tal, dos autos não consta qualquer facto que nos permita concluir que nos documentos de venda relativamente a tais garrafas não tenham sido devidamente contabilizados os montantes devidos a título de IABA e IVA, assim como, não é alegado que tais fornecimentos se encontrem por pagar, sendo que os Srs. peritos até concluíram que todos os fornecimentos à Domage que foram objeto de faturação se encontram pagos.


Mais do que encontrar apoio jurídico para a procedência deste segmento da pretensão da A., está em causa o apuramento da matéria de facto ou, mais concretamente, o resultado da conjugação de diversos elementos de facto que a Relação analisou para concluir que a referida quantia não é devida.

Ora, por estar relacionado com a matéria de facto e com meios de prova sujeitos a livre apreciação também este juízo deve ser acatado por este Supremo, sem que existam elementos seguros que permitam divergir da argumentação e da respetiva conclusão.

Por conseguinte, manter-se-á este segmento do acórdão recorrido.


8. A Relação determinou a dedução ao valor do prejuízo decorrente da falta de contabilização de pelo menos 52.628 garrafas de licor do montante de € 92.365,00. Tal decisão foi sustentada no aditamento do facto 91., ou seja, de que no período compreendido entre 1-1-02 e 31-10-07, o R. procedeu ao depósito de inúmeras quantias num total de € 92.365,00, em contas bancárias da A. Daqui partiu para a aceitação desse meio de defesa alegado pelo R. com o argumento de que a quantia em causa pode ser integrada na categoria de suprimentos feitos à sociedade ou, no limite, que no encontro de contas entre a A. e o R. deverão ser considerados os referidos depósitos, sob pena de enriquecimento sem causa.

Fê-lo do modo seguinte:

“Contudo, a consideração de tais depósitos como “empréstimos” à sociedade (e a serem empréstimos à sociedade teriam de ser considerados suprimentos) ou a sua consideração como mero pagamento das inúmeras quantidades de garrafas que ia levantando da A. para a Domage sem a respetiva faturação, surge como irrelevante para a questão aqui em apreço, consistente no direito do R. a ver compensado o respetivo valor nos montantes que a final vier a ser condenado a indemnizar a A.

No caso de se tratar de “empréstimos” (e ainda que nulos por falta de forma) sempre teria o A. o direito à restituição das quantias mutuadas (arts. 1142º e 289º, nº 1, do CC). No caso de se tratar de pagamentos das garrafas que o R. ia levantando sem a correspondente faturação, então, também o valor de cada um desses depósitos teria de ser considerado e abatido ao valor em que a autora vier a ser condenada relativamente ao “preço” de tais garrafas.

Quanto à questão de tais empréstimos poderem ser ou não qualificados como suprimentos surge aqui igualmente como irrelevante.

A qualificação dos empréstimos feitos à sociedade como “suprimentos” – mútuo à sociedade feito por um sócio, com a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, contrato este não sujeito a forma legal (art. 243º, nºs 1, 2 e 6, do CSC) e não dependente de prévia deliberação dos sócios (art. 244º, nº 3, do CSC) – destina-se unicamente a proteger os credores sociais: sendo contabilisticamente registados como passivo, uma vez decretada a insolvência da sociedade os suprimentos só podem ser reembolsados aos credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas para com terceiros (art. 245º, nº 3, do CSC).

Concluindo, independentemente do objetivo visado pelo R. com aqueles sucessivos depósitos – como mútuos à sociedade A. ou como pagamentos parciais das mercadorias que ia levantando sem a respetiva faturação –, a partir do momento em que o R. é responsabilizado pelo pagamento à A. do valor das garrafas de Ginja Victor retiradas da A. sem a devida faturação, terá direito a deduzir, aos montantes por si devidos e em que vier a ser condenada na quantia a liquidar, as quantias que fez ingressar nas contas bancárias da A., sob pena de enriquecimento sem causa por parte da A.”.

Contra esta opção se insurge a A. dizendo, por um lado, que a matéria de suprimentos de sócios obedece a um regime jurídico próprio que a matéria de facto não permite aplicar e que, além disso, não se apurou que tenha sido o R. a fazer os depósitos que redundaram nessa quantia global, nem a que título os depósitos foram realizados ou se tais quantias foram depois levantadas pelo R.

Cremos que a razão está do lado da A., na medida em que o referido facto, por si só, é insuficiente para considerar a existência de algum crédito a favor do R. ou a existência de pagamento parcial de alguma dívida que este teria contraído relativamente à A. pela apropriação de bebidas sem a correspondente faturação.

Nem por uma via nem pela outra é possível defender o abatimento do crédito da A. sobre o R., já que a consideração de suprimentos obedece a regras que não foram minimamente respeitadas e que não encontram o menor reflexo na matéria de facto provada.

Suprimento constitui um contrato mediante o qual o sócio de sociedade por quotas empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir o que foi entregue; também pode traduzir o diferimento do vencimento de algum crédito para com a sociedade (art. 243º do CSC).

Ora, no caso concreto, nada disto se apurou, não havendo qualquer facto que demonstre a que título foram feitos os depósitos em numerário por parte do R. nas contas da sociedade, sendo que a maior responsabilidade pela falta de demonstração é do próprio R. que, ao agir como agiu, no âmbito da gerência de facto da A. e da gerência da Domage, Ldª, deu azo à confusão de massas patrimoniais, tornando indistinguíveis alguns movimentos efetuados e a razão por que ocorreram.

Tão pouco vale para o caso o apoio complementar que a Relação pretendeu encontrar na figura do enriquecimento sem causa, figura que não pode ser utilizada sob qualquer pretexto e designadamente por simplesmente se desconhecer a razão de ser dos depósitos realizados.

Para que seja feito uso desse instrumento de equilíbrio patrimonial regulado nos arts. 473º e ss do CC não basta que se apure a existência de uma transferência patrimonial de uma esfera para a outra, sendo necessário que se prove que da transferência resultou um enriquecimento de uma das partes e o empobrecimento da outra, ambos sem causa justificativa.

Ora, não se provar a causa de uma transferência não equivale a considerar que a transferência é injustificada e que deva ser reposta na esfera do transferente. Perante aquele singelo facto não pode concluir-se que houve um empobrecimento do R. nem tão pouco que houve o correspondente enriquecimento da A. e muito menos se que um e outro sejam injustificados.

Aliás, a confusão patrimonial e o desrespeito pelas regras contabilísticas e de gestão societária não permitem que se passe um pano sobre toda a situação irregular que se verificou, acabando por beneficiar o R. com o reconhecimento de um crédito ou de um pagamento parcial que a matéria de facto não permite afirmar com o mínimo de segurança.

Por conseguinte, não existe qualquer motivo para abater ao montante do crédito que venha a ser reconhecido à A. a quantia de € 92.365,00.


9. A Relação determinou ainda o abatimento no crédito que a 1ª instância reconheceu à A. da quantia de € 43.443,84, correspondente ao facto 44., considerando que essa parcela representa uma duplicação do valor. Ademais considera que tal quantia traduz uma dívida da sociedade Domage, Ldª, sobre a A., não havendo motivo para considerar que se trate de uma dívida do R. ou que este deva ser responsabilizado pela reposição de tal quantia no património da A.

Refere a Relação que:

Condenação no pagamento do montante de € 43.443,84 relativos a fornecimentos feitos à Domage no final de 2007 e não pagos e no que se vier a liquidar relativamente às garrafas de Ginja Victor ilegalmente introduzidas no consumo.

Insurge-se o apelante contra tal condenação, relativa a fornecimentos feitos à Domage no final de 2007, alegando que tal facto não nos permite imputar qualquer responsabilidade ao réu, sendo que, a haver qualquer dívida relativamente ao preço de tais mercadorias, o devedor da mesma é a sociedade Domage e não o seu sócio ou gerente, sendo a autora credora da Domage no valor das respetivas vendas, sendo que, tendo o Réu sido afastado da gerência da Domage, não tinha qualquer forma ou obrigação de promover a cobrança da referida dívida.

Tal condenação tem por base o seguinte facto constante do ponto 44. dos factos provados: “À firma Domage, Ldª, a A. forneceu mercadoria no valor de € 43.443,84, relativa aos últimos fornecimentos de 2007 e que aquela lhe não pagou, respeitando a quantidades, produtos e procedimentos não concretamente identificados ou apurados e à declaração de introdução no consumo junto das autoridades Alfandegárias”

Nesta parte é de dar razão ao apelante.

O devedor dos fornecimentos efetuados e não pagos é o comprador, a Domage, que não se confunde com o seu administrador ou sócio, aqui sócio, sendo que, a autora não fundamenta o seu pedido numa eventual desconsideração da personalidade da Domage

Caso assim se não entendesse, haveria ainda que atentar-se em que, sob pena de os mesmos estarem a ser duplicadamente considerados, que esses fornecimentos de Ginja Victor à Domage se incluem dentro dos números totais de garrafas apuradas relativamente a Ginja Victor ilegalmente introduzidas no consumo e a que se reportam o ponto 58 da matéria de facto.

É de revogar, nesta parte, a decisão recorrida.

É verdade que o fornecimento a que se refere o ponto 44. traduz juridicamente um mero crédito da A. sobre a Domage, Ldª, pelo qual esta é a única responsável, sem que existam motivos para a condenação do R. no seu pagamento, como o fez a 1ª instância.

Mas por outro lado, não existe motivo algum para considerar que o quantitativo correspondente a esse fornecimento de € 43.443,84 esteja incluído nos fornecimentos de garrafas a que se refere o ponto 58.

Aliás, enquanto neste ponto estão em causa apenas garrafas de licor de ginja, no ponto 44. estão em causa produtos cuja qualidade e quantidade não se encontra determinada, não havendo motivo para se afirmar que exista uma repetição de valores.

Por isso se revogará, nesta parte o acórdão da Relação.


10. A A. pretende ainda que se condene o A. no pagamento de quantias a liquidar no que concerne aos prejuízos não quantificados, mas fá-lo de uma maneira pouco clara, sem concretização dos factos reveladores de algum prejuízo cuja quantificação não tenha sido possível realizar na ação executiva.

A condenação genérica é permitida pelo art. 609º do CPC, mas para o efeito era necessário que estivessem demonstrados factos que, na perspetiva da A., correspondessem a danos causados pelo R. no exercício da sua gerência.

Ora, para além dos que já foram anteriormente considerados e para além da condenação que já consta do acórdão recorrido no que concerne ao pagamento das coimas que a A. venha a suportar em consequência da atuação do R., não existem elementos que permitam afirmar a existência de outros prejuízos causalmente imputáveis à atuação ilícita do R. e, mais concretamente, nada permite integrar nessa categoria os factos que a A. enuncia na conclusão 51ª respeitantes aos valores em dívida na contabilidade da A. relacionados com IVA, IABA e Seg. Social.

 

IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista, de modo que, alterando o que foi decidido pela Relação relativamente ao pedido de condenação, vai o R. condenado a pagar à A. as quantias de:

a)  € 207.354,32 correspondente ao preço de 52.628 garrafas de licor;

b) de € 13.875,82 correspondente ao quantitativo que o R. recebeu a título de honorários indocumentados;

c) e o valor das coimas que tenham sido ou venham a ser aplicadas na sequência dos factos apurados e cujo pagamento a A. venha a suportar.

Custas da revista a cargo de ambas as partes na proporção do decaimento.

Notifique.


Lisboa, 11-11-21



Abrantes Geraldes (relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo