Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
176/13.7T2AVR.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO
DANO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
INDEMNIZAÇÃO
QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
Data do Acordão: 07/05/2018
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: PROVIDA PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR / MOMENTO DA CONSTITUIÇÃO EM MORA.
Doutrina:
-António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, Volume I, Indemnização do Dano da Privação do Uso.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO N.º 805.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA (AUJ) N,º 6/14.
Sumário :
I. Na ação de indemnização por responsabilidade civil por factos ilícitos ou pelo risco a constituição em mora, se não for anterior, nos termos da 1ª parte do nº 3 do art. 805º do CC, ocorre com a citação para a ação.

II. Porém, numa situação em que a R. Seguradora foi anteriormente demandada perante Tribunal Arbitral, em cujo processo foi proferida sentença que, em recurso, foi anulada, ficando inviabilizado o reconhecimento do direito de indemnização nessa ação, a data da constituição em mora, para efeitos de contagem dos respetivos juros, corresponde à da notificação da Seguradora para contestar essa anterior ação arbitral.

III. A indemnização atribuída ao lesado correspondente ao valor do veículo sinistrado abarca a despesa que o lesado suportou com a introdução de melhorias (película de escurecimento dos vidros).

IV. Independentemente da resposta à questão da ressarcibilidade do dano da privação do uso como dano autónomo de natureza patrimonial, o facto de o veículo sinistrado ser usado pelo lesado no seu quotidiano profissional e na sua vida particular não pode deixar de determinar a atribuição daquela indemnização respeitante ao período em que perdurou a privação do uso da viatura (in casu, até à aquisição de uma nova viatura pelo lesado).

V. Na determinação do valor dessa indemnização, por forma a obter uma aproximação relativamente ao objetivo da restauração natural da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo ou se acaso a Seguradora tivesse entregue ao lesado um veículo de substituição, cabe a ponderação do valor que esta suportaria com o aluguer de um veículo que desempenhasse uma funcionalidade semelhante àquela que desempenhava o veículo sinistrado, com recurso à equidade em face das demais circunstâncias.

VI. O facto de a privação do uso do veículo ter provocado ao lesado forte perturbação da sua vida e o de, por causa do acidente, ter ocorrido perturbação no gozo de férias do lesado e sua família que se encontrava agendado, são merecedores da tutela do direito a título de danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral:

I - AA intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra BB, SA, pedindo a condenação da ré a pagar ao autor:

- € 24.748,99, dano material pela perda total de veículo (descontado o salvado);

- € 28.748,99, dano patrimonial de privação de uso de veículo;

- dano não patrimonial de privação de uso de veículo, a fixar por equidade;

- € 20,00, dano por danificação de objeto;

- € 45,75, consultas médicas e medicamentos;

- € 15.000,00, dano não patrimonial de vivência da iminência da morte;

- € 4.500,00, dano não patrimonial por contusão e dores;

- € 2.000,00, dano não patrimonial por frustração do gozo de férias em família;

- € 3.000,00, dano não patrimonial por conduta de má-fé e abuso de direito da ré;

- juros moratórios, à taxa de 4%, sobre a quantia de € 10.500,00, desde 29.09.2011 até efetivo e integral pagamento;

- juros moratórios, à taxa de 4%, sobre a quantia de € 1.558,76, desde 27.10.2011 até efetivo e integral pagamento;

- juros moratórios, à taxa de 8%, sobre a diferença entre a quantia de € 12.058,76 e a quantia que for fixada na sentença, desde 28.09.2011 até efetivo e integral pagamento.

Fundamenta o seu pedido em danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente de viação de que foi vítima imputável a condutor de veículo segurado na R., bem como da não assunção por parte da ré da sua responsabilidade.

A R. impugnou alguns dos factos em que o autor estribou o seu pedido. Aceitou partilhar a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente. Repudiou a alegada extensão dos mesmos.

O A. replicou, pedindo a condenação da R. como litigante de má-fé. Apresentou articulado superveniente, que foi admitido e ao qual a R. respondeu.

Realizou-se a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a R. a pagar a pagar ao A.:

a) € 33.655,75, por danos patrimoniais, com juros de mora, à taxa legal cível, a partir da citação e até integral pagamento;

b) € 8.500,00, por danos não patrimoniais, com juros de mora, à mesma taxa legal cível, desde a data da sentença e até integral pagamento.

c) No mais, absolveu a R.

Inconformada, veio a R. recorrer. O A. interpôs recurso subordinado.

A Relação julgou improcedente o recurso de apelação da R. e parcialmente procedente o recurso subordinado do A. e condenou a R. a pagar a este:

- € 49.896,74, por danos patrimoniais, com juros de mora, à taxa legal, desde 27-11-11 até integral pagamento;

- € 12.000,00, por danos não patrimoniais, com juros de mora, à mesma taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento.

A R. interpôs recurso de revista suscitando essencialmente as seguintes questões:

- Os juros sobre a indemnização referente a danos patrimoniais apenas podem contar-se a partir da citação, nos termos do art. 805º, nº 3, do CC;

- Não pode atribuir-se autonomia indemnizatória às despesas feitas pelo A. com a aplicação de películas nos vidros do veículo;

- O A. não provou que tivesse tido algum prejuízo decorrente da privação do uso do veículo, não havendo motivo para atribuir uma indemnização que supera o valor do veículo;

- Não havia motivo para incrementar a indemnização pela privação do uso nem pelos danos morais decorrentes dessa mesma privação;

- Não existe motivo para atribuição de indemnização pela alteração do gozo das férias que o A. tinha programado.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II – Factos provados:

1 - O A., previamente à presente ação, instaurou em 14-11-11 no Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), procedimento destinado à intervenção de Tribunal Arbitral – fls. 44/57.

2 - Nesse procedimento, que correu termos sob o nº A-2011-03353-JT, foi demandada a aqui R. BB, SA, para proceder ao pagamento ao aqui A. da quantia de € 68.863,43, acrescida de danos e juros vincendos – fls. 54/55.

3 - A ora R. foi notificada para deduzir oposição, tendo-a apresentado, contudo, extemporaneamente, conforme foi decidido pelo Sr. Juiz Árbitro do CIMPAS e, após, em recurso, confirmado pelo Trib. da Relação do Porto – fls. 112/130.

4 - O Juiz Árbitro proferiu decisão na qual:

a) Ordenou o desentranhamento da contestação por extemporânea;

b) Decidiu não existirem exceções ou questões prévias a obstar ao conhecimento de mérito;

c) Com fundamento numa repartição igualitária da culpa do acidente de ambos os condutores, julgou a reclamação parcialmente provada, por procedente, condenando a reclamada a pagar ao reclamante a quantia de € 11.338,00 – fls. 113 vº.

5 - O ora A. e ali reclamante interpôs recurso para o Trib. da Relação do Porto – fls. 112/130.

6 - Nos autos de recurso, que correu termos sob o nº 207/12.8YRPRT-5.ª Secção da Relação do Porto, foi proferido o acórdão datado de 5-11-12, transitado em julgado, no qual foi decidido “julgar procedente o recurso interposto pelo reclamante AA, na medida em que suscitou a questão da invalidade da decisão arbitral e, nessa exata medida, anular a decisão arbitral proferida no dia 19-6-12” – fls. 130.

7 - No ponto 5.4. desse mesmo acórdão consta o seguinte:

O art. 25º da LAV estabelece que o poder jurisdicional do árbitro finda com a notificação do depósito da decisão que ponha termo ao processo ou, quando tal depósito seja dispensado, com a notificação da decisão às partes.

A arguição da nulidade da sentença arbitral faz-se em recurso, caso seja interposto (arts. 27º, nº 3 e 29º, nº 1, da LAV).

No caso, a consequência da anulação seria a repetição do julgamento.

Mas, a extinção do poder jurisdicional inviabiliza-o; ela significa que o juiz arbitral já não vai poder rever, reavaliar, voltar a apreciar o pedido.

A consequência é portanto (estritamente) a respetiva invalidação”.

8 - No dia 24-8-11, cerca das 13,55 h, no entroncamento entre a Av. ..., ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o veículo Volkswagen Polo Live 1.2., com a matrícula ...-DU-..., conduzido por CC, e o veículo Chevrolet Captiva Seven Xtreme, com matrícula ...-IE-..., conduzido pelo ora A., seu proprietário.

9 - A R. ... entronca na ... pelo lado esquerdo desta, atento o sentido ... (E.N. nº 109 – Hospital de ...).

10 - Os veículos de matrícula ...-DU-... e ...-IE-...circulavam na Av. ... (EN-109 – Hospital de ...).

11 - O A. acionou o respetivo sinal de mudança de direção à esquerda, para, no entroncamento da Av. ..., passar a circular por esta via.

12 - Aproximando-se do local destinado à mudança de direção, o A. reduziu a velocidade da sua marcha e verificou que nenhum veículo circulava em sentido oposto.

13 - Tendo ainda, pelo espelho retrovisor, visualizado que o veículo da R. circulava no mesmo sentido (Nascente-Poente), a uma distância de cerca de 200 m, ou seja, circulava ainda na ponte aérea existente sobre a linha férrea, num local em que a estrada passa a ter uma ligeira inclinação (descida).

14 - Em seguida, o A. posicionou o veículo no local adequado (à esquerda do eixo da via, junto deste) a realizar a manobra na perpendicular — a única possível para entrar na R. ..., face à configuração desta (ângulo de cerca de 45º em relação à Av. ...) — e executou a manobra de mudança de direção à esquerda, a velocidade de cerca 10 a 15 kms/h.

15 - Quando já se encontrava na execução da manobra de mudança de direção à esquerda, aproximando-se da respetiva perpendicular, foi o veículo do A. embatido na sua parte lateral esquerda traseira pela parte frontal do veículo segurado na R. – doc. 19 a 30.

16 - O embate ocorreu na hemi-faixa esquerda (sentido Nascente-Poente), próximo do meio da faixa de rodagem.

17 - O embate ocorreu quando o veículo do A. já se encontrava quase na perpendicular, na realização da manobra, previamente assinalada.

18 - O veículo do A. Chevrolet Captiva tem 7 lugares, um comprimento de 4,635 m, a distância entre eixos de 2,705 ms, 1,85 m de largura e 1,755 m de altura, com barras de proteção em toda a caixilharia e com o peso bruto de 2.505 Kg – fls. 144.

19 - A estrada, com duas faixas de rodagem, tem uma largura total de 6,60 m.

20 - Com o impacto, o veículo do A. foi projetado para a frente lateral direita da Av. ... (considerando o mesmo sentido nascente-poente), sendo ainda o pneumático lateral traseiro esquerdo arrastado na via em cerca de 0,5 m fls. 142 e 144.

21 - Ficando momentaneamente sem controlo, mas tendo o A. conseguido paralisá-lo a cerca de 10 a 12 m após o local do embate, na berma da hemi-faixa esquerda de rodagem, deixando as respetivas marcas no pavimento.

22 - Com o impacto abriram-se todos os airbags (salvo os frontais) do veículo do A., laterais, de cortina e dos bancos, incluindo os do lado oposto ao embate.

23 - O veículo segurado na R. paralisou cerca de 25 m após o local o embate, na mesma berma da hemi-faixa esquerda de rodagem (sentido nascente-poente).

24 - Após o sinistro, deslocou-se ao local uma patrulha da PSP de Ovar, que registou a respetiva ocorrência, por auto de participação, registado sob n.º NPP 394509/2011 – fls. 1043/1048.

25 - A Av. ... é uma via que faz ligação entre a EN 109, o mercado, o hospital e o centro da cidade de ...

26 - A R. ... é uma via pela qual se acedem a vários prédios urbanos e rústicos, incluindo uma casa de habitação do A., para onde este se deslocava.

27 - Trata-se de um entroncamento situado dentro de uma localidade, com limite máximo de velocidade de 50 kms/h.

28 - O local do embate é precedido de uma reta de cerca de 200 m, com ligeira inclinação (descida), após passagem da ponte aérea sobre a linha férrea, sendo esta também precedida de uma reta.

29 - Em ambos os sentidos, antes do entroncamento, a linha contínua marcada na estrada passa a descontínua e, após o entroncamento, volta a estar marcada contínua.

30 - A estrada é alcatroada e encontrava-se em bom estado de conservação.

31 - No sentido nascente – poente, desde o início da linha descontínua até ao entroncamento são cerca de 60 m.

32 - A cerca de 150 m do local do embate, no sentido nascente–poente, está afixado um sinal de fim de proibição de ultrapassagem.

33 – No sentido de marcha oposto e do outro lado da estrada, está afixado um sinal de proibição de ultrapassagem.

34 - A sinalização referida em 32. e 33. existe igualmente a cerca de 400 m a nascente do local do embate, antes e depois da ponte aérea sobre a via férrea, em ambos os sentidos de trânsito.

35 - No momento do sinistro, o tempo apresentava-se com céu limpo (sol).

36 - O veículo segurado na R. ficou com a parte da frente toda destruída, esbatida e recolhida.

37 - O veículo do A.:

a) Ficou todo arqueado e torcido;

b) A parte lateral esquerda traseira (porta, jante e depósito de combustível) foi toda empurrada para o seu interior;

c) O eixo foi quebrado;

d) Todas as portas ficaram movidas do seu lugar;

e) Tendo inclusivamente ficado torcido e dobrado do lado oposto (direito) ao embate.

38 - Ficou marcado na estrada o vestígio de um dos pneus do veículo do A. em corte lateral.

39 - O veículo segurado na R. circulava a velocidade superior a 50 kms/h.

40 - A condutora do veículo segurado na R. prestou, no dia a seguir ao acidente, as declarações que constam de fls. 1045 vº, escritas e assinadas por esta, do seguinte teor:

“Quando circulava na Av. ... no sentido nascente poente, após o aqueduto onde a linha já era descontínua dei sinal para ultrapassar a viatura que circulava à minha frente o mesmo deu sinal para a esquerda quando eu me encontrava já a fazer a ultrapassagem e como é óbvio não tive alternativa alguma de evitar o choque”.

41 – O A. prestou, no dia do acidente, as declarações que constam de fls. 1046 vº, escritas e assinadas por este, do seguinte teor:

“Circulava na Av. ..., no sentido nascente - poente, e com a devida antecedência, acionei o indicador de mudança de direção à esquerda, sendo minha intenção passar a circular na R. ....

Quando efetuava a manobra de mudança de direção, fui embatido de forma brusca e violenta na lateral traseira, lado esquerdo, pela frente do veículo ...-DU-..., que circulava atrás, no mesmo sentido.

O local do embate ocorreu na faixa esquerda de rodagem, considerando que nesse sentido o meu veículo já se encontrava em posição perpendicular, ao elaborar a manobra”.

42 - Na sequência e por virtude do embate, o veículo do A. foi atingido em toda a parte lateral esquerda (exceto no guarda-lamas frontal), bem como em toda a sua estrutura, incluindo quadro, sistema de suspensão traseiro e eixo.

43 - Todas as portas, incluindo do lado oposto ao do embate, foram deslocadas.

44 - Ficando o veículo totalmente arqueado e torcido, quer no seu exterior, quer no seu interior.

45 - E impossível de ser deslocado pelos próprios meios.

46 - Sem qualquer iniciativa da parte do A., surgiu no local um veículo pesado rebocador, cujo operador contactou a Assistência em Viagem da DD, SA (do veículo do A.) e, segundo instruções exclusivas dessa Assistência em Viagem, transportou o veículo desde o local do sinistro para a Oficina da marca (Chevrolet) mais próxima, situada em Aveiro.

47 - A R. realizou uma perícia ao veículo, na ausência do A., apesar deste ter solicitado para ser notificado da data e hora da sua efetivação.

48 - Apesar de devidamente notificada para facultar ao A. o teor do relatório de peritagem, a R. nunca respondeu ao solicitado nem nunca disponibilizou cópia do aludido relatório.

49 - O A. só tomou conhecimento de cópia desse relatório com a junção da mesma com a contestação extemporânea apresentada pela R. no processo arbitral.

50 - Consta do mesmo relatório de peritagem como valor venal € 25.150,00 e como valor estimado da reparação € 27.638,15.

51 - Por mensagem de correio eletrónico de 8-9-11 (16:38 h.) remetida pela R. - após diversas insistências nesse sentido - foi recebida pelo A. a comunicação que, na decorrência de peritagem ao veículo ...-IE-..., foi concluída pela “perda total do mesmo”, enunciando que “após consulta feita ao mercado e de acordo com as tabelas do Eurotax, o valor de venda do veículo, à data do acidente, era de € 25.000,00” – fls. 158.

52 - O A. comunicou à R. não aceitar o valor indicado como valor venal de venda do veículo, conforme fax de 8-9-11, junto a fls. 159, mas relativamente ao qual a R. não deu qualquer resposta.

53 - Apesar de não constarem expressamente do “relatório de peritagem”, foram tomados em consideração os equipamentos “extras” que o veículo do A. possuía à data da sua aquisição.

54 - Este veículo era tratado com esmero, com todas as manutenções e revisões.

55 - Tendo, à data do sinistro, percorridos apenas 26.202 kms.

56 - No sítio Standvirtual, um veículo idêntico, com matrícula do mês seguinte, mas sem pintura metalizada (cor branco) e com 42.629 kms, encontrava-se à venda, à data de 12-9-11, pelas 16,58 h, por € 28.000,00 – fls. 188.

57 - No sítio Slando, um veículo do mês da matrícula, com quilometragem próxima (22.500 kms) mas sem pintura metalizada, encontrava-se à venda por € 27.500,00 – fls. 189.

58 - Posteriormente à compra, foram aplicadas no veículo do A. películas de escurecimento em todos os vidros laterais e na porta traseira, as quais, devidamente homologadas e após inspeção extraordinária, foram averbadas no Documento Único Automóvel – fls. 61, 64 e 190.

59 - O valor das películas aplicadas foi de € 500,61 – fls. 62 e 63.

60 - O valor da inspeção obrigatória foi de € 98,38 – fls. 65.

61 - O valor do averbamento (obrigatório) ao DUA foi de € 150,00 – fls. 66 e 67.

62 - O valor do salvado é de € 4.000,00.

63 - No dia 26-8-11, o A. remeteu à R. o fax junto a fls. 152, invocando a necessidade premente da atribuição de um veículo de substituição, de idênticas características ao sinistrado – fls. 152 e 153.

64 - Tendo enunciado a razão da estrita necessidade de um veículo para as suas deslocações para os seus locais de trabalho, face às específicas funções que desempenhava (de Juiz de Direito no Círculo Judicial de ... e de Adjunto do Gabinete de Apoio do Conselho Superior da Magistratura, em Lisboa) – fls. 152 e 153.

65 - Carecendo ainda de uma viatura para deslocação em todas as suas atividades diárias, quer pessoais, de conduzir os dois filhos, para assistência familiar, designadamente ida a médicos, hospital, centro de saúde, bem como as demais tarefas quotidianas, férias (em Portugal e na Europa), passeios em família.

66 - O fax foi remetido após um contacto para a linha telefónica da R. (..., Srª ...), solicitando de forma expressa a atribuição de um veículo de substituição – fls. 154.

67 - Esse pedido foi negado pela R., que contudo indicou que a R. tinha parceria com a empresa de aluguer de viaturas EE, junto da qual o A. poderia contratar, querendo, por sua conta e risco, o aluguer de uma viatura da mesma classe e características do meu veículo, que seria posteriormente ressarcido.

68 - De acordo com essas instruções, o A. telefonou para o número geral da EE (707282880), solicitando informação da disponibilidade de uma viatura da mesma classe e com as mesmas condições do seu veículo, a saber, veículo tipo Jipe, de 7 lugares, 1.9 cilindrada, a diesel.

69 - Tendo sido informado pela mesma que a EE não tinha, à data, um veículo disponível com essas características, sendo o mais próximo, um Audi T5, porém apenas de 5 lugares.

70 - No entanto, o aluguer diário dessa viatura era, à data do sinistro, de € 234,75, exigindo ainda uma caução de € 5.400,00, em cheque visado ou em cartão de crédito, que o A. não tinha possibilidades financeiras de apresentar e de pagar – fls. 196/197.

71 - De imediato, por fax de 26-8-11, o A. deu expressamente conhecimento à R. dos termos enunciados pela empresa de aluguer de viaturas EE, solicitando a imediata atribuição de um veículo de substituição – fls. 152/153.

72 - O que sucessivamente reiterou, quer por via telefónica (cf. relação das chamadas efetuadas para o n.º de telefone da R. – doc. 43), quer por fax (cf. faxes de 8-9-11, 12- 09-11, 19-9-11 e 24- 10-11 — docs. 47, 48, 50, 57).

73 - A R. nunca respondeu às interpelações.

74 - Até à presente data, a R. não entregou ao A. qualquer veículo de substituição, nem colocou à disposição do A. o pagamento da indemnização correspondente.

75 - A ora R. enviou ao ora A. a comunicação de fls. 176, datada de 27-9-11, na qual o informou que, terminada a instrução do processo, concluiu que a responsabilidade pela produção do acidente em referência se deve equitativamente a ambos os intervenientes. E que coloca à disposição do ora A. a quantia de € 10.500,00, ficando o salvado na posse deste.

76 - O A. respondeu pela carta junta a fls. 177, datada de 29-9-11, na qual informa a R. que:

a) não aceita os termos da designada “definição de responsabilidade”;

b) não aceita o valor proposto;

c) interpela a R., nos termos do disposto no art. 805º, nº 1, do CC, para proceder ao pagamento imediato da quantia de € 10.500,00 que a R. tinha declarado disponibilizar, por cheque ou transferência bancária para o NIB que indica, vencendo-se juros à taxa legal por cada dia que decorra entre a presente interpelação e o pagamento.

77 - A R. remeteu ao A. a carta junta a fls. 199, datada de 27-10-11, através da qual envia “o termo de quitação nº 80.499 total de € 10.500,00 correspondente a 50% do referido valor venal da viatura, deduzido também em 50% do valor do salvado, que ficarão na posse de V. Exª, cuja formalização agradecemos. Também junto lhe enviamos outro termo de quitação, nº 80.500, no valor de € 1.558,76, correspondente a 50% dos prejuízos reclamados por V. Exª., nomeadamente: paralisação, despesas médicas e objeto danificado (chapéu chuva).

78 - O ora A. respondeu pela carta junta a fls. 202, datada de 2-11-11, na qual:

a) reitera não aceitar os termos da definição da responsabilidade;

b) declara “que não se nega em aceitar qualquer pagamento da Lusitânia, mas só assinará qualquer documento de quitação depois do recebimento do respetivo valor, o qual, sem prejuízo dos juros moratórios devidos, será sempre declarado como correspondente à indemnização parcial, na parte confessada pela Lusitânia, sem qualquer renúncia à ação contenciosa que o signatário instaurará para ressarcimento de todos os danos reclamados.

79 - A R. nunca procedeu a tal pagamento.

80 - À data do sinistro, o Chevrolet Captiva ...-IE-... era a única viatura do A.

81 - Sendo exclusivamente nesse veículo que se deslocava para todas as suas atividades pessoais e profissionais, designadamente conduzindo-o até ao seu local de trabalho, no Tribunal Judicial de ... onde está colocado como juiz efetivo, bem como até à estação da CP de Aveiro a partir da qual se deslocava de comboio para Lisboa, para o exercício das suas funções em acumulação de serviço, como Adjunto do Gabinete de Apoio do Conselho Superior da Magistratura.

82 - Bem como para se deslocar às aulas em horário pós-laboral do Mestrado em Direito da Universidade do ..., que à data do sinistro o A. se encontrava a frequentar e cujo prazo para apresentação de dissertação se encontrava pendente.

83 - Foi também com esse veículo, pela sua configuração estrutural que permitia o reclinar total de todos os bancos (com exceção do banco do condutor), que o A. transportou livros, móveis e pequenos eletrodomésticos entre o local da sua residência e a nova habitação que o A. tinha acabado de construir no concelho de ...

84 - Sem veículo de substituição atribuído pela R., o A. foi obrigado a pedir, de empréstimo, o veículo da sua sogra e o veículo da sua esposa para as deslocações mais urgentes, o que assim sucedeu.

85 - Porém, em virtude de, quer a sua sogra, quer a sua esposa, carecerem dos respetivos veículos, sendo esta última para toda a vida quotidiana, incluindo levar e buscar os filhos à escola e infantário, em horários em que o A. se encontrava em serviço no Tribunal de ... ou em Lisboa, passou a ser conduzido pela sua esposa, com perturbação de toda a vida familiar e pessoal.

86 - Designadamente, obrigando a sua esposa e filhos a levantar-se entre duas a três vezes por semana, às 5,00 h da madrugada, a fim de o A. ser conduzido à estação da CP em ..., para ali seguir para Lisboa no comboio Alfa Pendular n.º 180 (horário em Aveiro: 6,21 h).

87 - Bem como obrigando a esposa do A. a deslocar-se novamente à estação da CP em ..., no final desse dia, para recolher o A., que ali chegava no Alfa Pendular nº 137 (chegada às 21:10) ou nº 129 (chegada às 22:14),

88 - O mesmo sucedendo para conduzir e recolher o A. ao Tribunal Judicial de ..., no início da manhã, à hora do almoço e ao final da tarde.

89 - O local de residência do A. não é servido de transportes públicos (terrestres ou ferroviários) regulares, situando-se a mais de 3 kms, no centro da vila de ..., o local de paragem de autocarros.

90 - Obrigando a deslocações acrescidas, a preocupações com compatibilização de horários, ao acréscimo de comunicações móveis e à total desorganização pessoal e familiar.

91 - Esta circunstância – de não ter veículo próprio ou de substituição – amargurou profundamente o A., que repentinamente se viu dependente de terceiros, coartado na sua livre movimentação e deslocação em todas as suas atividades pessoais e profissionais.

92 - O A. adquiriu um novo veículo em Abril de 2012.

93 - Por virtude do sinistro, foi danificado um guarda-chuva de dimensão larga que se encontrava no interior do veículo – fls. 198.

94 - Por virtude do sinistro, o A. deslocou-se à consulta externa do Hospital da ..., tendo-lhe sido realizados vários exames e incidências radiográficas, administrado Diazepam 5mg PO + Paracetamol 1g IV e receitados medicamentos – fls. 192 a 194.

95 - O A. despendeu a quantia de € 28,55 pela consulta, exames e incidências (pela Convenção ADSE) e a quantia de € 17,20 em medicamentos – fls. 193 e 194.

96 - No momento imediatamente a seguir ao sinistro, o A. ficou durante alguns segundos sem conseguir respirar, derivado da pressão torácica sofrida.

97 - Durante esse período, o A. pensou que iria morrer, que iria deixar a sua esposa viúva e dois filhos órfãos.

98 - O A. saiu no dia do acidente do Hospital da ..., com o diagnóstico de “dor de costas + contusão da coxa esquerda”.

99 - As dores na coluna, no lado esquerdo e na coxa esquerda, apesar da medicação, permaneceram até ao dia 1 de Setembro, inclusive.

100 - Durante todo esse período, teve dificuldade em subir e descer escadas (dor na perna), em estar sentado por mais de 15 minutos (dor na coluna) e em dormir.

101 - O A. ficou impedido de gozar as respetivas férias, as quais tinha previsto gozar, com a sua família, na ... e em ..., tendo inclusivamente antes reservado um hotel para a noite do dia seguinte, no aludido percurso, na cidade da ..., que foi obrigado a cancelar – fls. 195.

102 - A R. remeteu ao A., a 3-10-11, a carta junta a fls. 180 e 181, pretendendo que este autorizasse a desmontagem do veículo (apesar de anteriormente ter reconhecido a perda total do mesmo).

103 - O A. respondeu pela carta de fls. 182.

104 - A R. enviou, então, ao A. a carta junta a fls. 183, na qual esclarece que a “missiva de 3 do corrente foi enviada automaticamente por um lapso informático, pelo que desde já, solicitamos que para além de considerar nula e sem efeito, queira relevar o referido lapso”.

105 - Na carta emitida em 27-10-11 (fls. 199/201) e apesar de anteriores comunicações do A. no sentido de não aceitar qualquer responsabilidade pela eclosão do sinistro (cfr. carta registada de 29-9-11 e fax de 10-10-11) e que só aceitaria assinar qualquer declaração ou recibo, enquanto correspondente a indemnização parcial, na parte reconhecida pela R., jamais se aceitando que o recebimento de tal valor corresponda à resolução definitiva do litígio, a R. pretendeu que o A. assinasse uma declaração em que declarasse por esta via que “com o recebimento da quantia acima, relativa aos prejuízos sofridos no sinistro em referência, tanto a BB, SA, como o seu segurado ficam relevados na correspondente obrigação relativa ao dito sinistro, passando o presente recibo sem reserva, por renunciarmos expressamente a quantos direitos e ações judiciais e indemnizações nos possam corresponder em virtude do mesmo sinistro e de harmonia com as disposições da lei geral”.

106 - Na sequência dos autos de recurso referido supra em 6., foi remetida à R., sob registo postal com aviso de receção (registo RC 0058212587PT), a nota discriminativa e justificativa de custas de parte cujo valor deveria ser pago nos termos do disposto no art. 26.º, n.º 2, do RCP, diretamente ao A.

107 - A R. remeteu para o escritório do mandatário do A. um termo de quitação, que pretendia fosse assinado antes da efetiva receção do valor correspondente – fls. 204/205.

108 - Sem prejuízo, no aludido “termo de quitação” constava o reconhecimento expresso do crédito do A. que se encontrava a pagamento.

109 - Considerando que o escritório do mandatário do A. se situa em Lisboa, o mesmo remeteu ao A. cópia fiel digitalizada da correspondência recebida.

110 - Após a receção de tal documentação, o A. remeteu por correio eletrónico para a sede da R., para o seu balcão de ... e para a gerente do mesmo, a comunicação junta a fls. 206, na qual enunciou que se apresentaria na segunda-feira, dia 10-12-12, no balcão de ... da R. para recebimento da aludida quantia, em numerário.

111 - No dia 10-12-12, cerca das 14,50 h, o A. compareceu no Balcão de ... da R., apresentando à funcionária ... a cópia digitalizada da carta remetida ao mandatário e do “termo de quitação”, impressa a cores – doc. fls. 205.

112 - A Srª Funcionária em causa demonstrou já ter conhecimento do caso, enunciando já estar a aguardar a chegada do A., mas solicitando para aguardar, em virtude de carecer deslocar-se ao Montepio Geral para levantamento da quantia devida (€ 1.849,25), que não tinha disponível em numerário para imediata entrega.

113 - O A. ficou a aguardar a ida e chegada da Srª funcionária para o levantamento da referida quantia, o que efetivamente sucedeu, tendo após procedido à assinatura do documento “termo de quitação” (cópia fiel digitalizada e impressa a cores), entregue o aludido documento e o bilhete de identidade para verificação da assinatura.

114 - Nesse momento, quando a Srª funcionária estava a conferir o bilhete de identidade, verificando que o documento apresentado (e já assinado) não era o documento original, recusou-se a proceder ao pagamento da quantia que quer a R., quer a Srª funcionária já reconheceu ser devido.

115 - Tendo inclusivamente telefonado para a gestora de sinistros ... (na sede da R.) que deu ordens expressas para que o pagamento não fosse efetivado senão contra apresentação e assinatura do “termo de quitação” original.

116 - Mas não se responsabilizando por qualquer extravio desse documento, caso o mesmo tivesse que ser remetido por correio postal, nem aceitando o documento que consistia numa cópia exata e fiel do original (facto que não foi posto em causa), devidamente assinado (a assinatura foi aposta diretamente pelo punho do A. nesse documento, na presença da funcionária da BB) e que consubstanciava em si mesmo uma declaração de quitação irrefutável.

117 - O A. chegou mesmo a consignar que se comprometia em apresentar o documento original, devidamente assinado, após o mesmo lhe ser remetido por correio registado pelo seu mandatário, mas apesar desse comprometimento, a R. continuou a recusar efetivar o pagamento que reconheceu ser devido.

118 - Face à recusa de pagamento, o ora A. solicitou o livro de reclamações e exarou a respetiva reclamação na folha n.º 0129236 – fls. 207.

119 - E perante a inexistência de qualquer solução da R. para a possibilidade de extravio, mesmo através do envio de carta registada, foi obrigado a deslocar-se no dia seguinte a Lisboa, local do escritório do seu Advogado, para obter do mesmo os documentos originais (carta e termo de quitação).

120 - Só perante o documento original, apresentado em 12-12-12, a R. aceitou proceder ao pagamento da quantia devida – fls. 208.

121 - A atitude da R. implicou para o ora A. a indisponibilidade imediata do valor que lhe era devido e ainda o dispêndio de encargos decorrentes da sua deslocação a Lisboa, para levantamento do documento original, sem o qual a R. se recusava a proceder ao pagamento, além de incómodos, aborrecimentos e preocupação,

122 - A esposa do A. está desempregada, de longa duração, sem auferir qualquer rendimento ou subsídio.

123 - O agregado familiar do A. é ainda constituído por dois filhos menores.

124 - Sendo o A. que exclusivamente com o seu vencimento suporta todas as despesas inerentes à vida familiar, incluindo a prestação mensal por crédito hipotecário à habitação.

125 - A R. é uma sociedade anónima, do ramo dos seguros, que no seu sítio Internet (http://www.lusitania.pt/relatorios-e-contas/480.htm) publicita, no respetivo Relatório de Contas de 2010, um resultado líquido positivo de cerca de três milhões de euros e uma liquidez positiva em 2010 de € 1.810.449,88 e no Relatório de Contas de 2011, um resultado líquido do exercício de € 3.034.496,80, totalizando de capital próprio, € 72.427.330,68.

126 - A ora R. foi notificada, no procedimento destinado à intervenção de Tribunal Arbitral referido em 1. e 2., no dia 27-12-11 – fls. 123 vº.

127 - Na ..., atento o sentido de marcha de ambos os veículos, não existe qualquer sinalização de aproximação de entroncamento.

128 - À data do acidente, condutora do veículo Volkswagen Polo com a matrícula ...- DU-... passava diariamente no local onde ocorreu o sinistro e sabia que ali existia um entroncamento.

129 - A responsabilidade civil emergente dos danos causados a terceiros, por via da circulação do veículo de matrícula ...-DU-... encontrava-se validamente transferida para a R., à data do acidente, através de contrato de seguro, titulado pela apólice nº ... – fls. 276/277.

130 - Após ser proferida decisão no procedimento que correu termos no Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (CIMPAS), a ora R. emitiu e enviou ao ora A., por carta datada de 24-7-12, o termo de quitação de fls. 342, no valor líquido de € 11.338,00, do qual consta (além do mais) “a quitação em relação aos danos provocados pelo sinistro referenciado é dada nos termos da decisão exarada no processo judicial”.

III – Decidindo:

1. A recorrente não coloca em causa – agora – a responsabilidade exclusiva da sua segurada pelo acidente de que resultaram danos que o A. veio reclamar na presente ação. Suscita tão só algumas questões sobre algumas parcelas indemnizatórias que foram consideradas e que iremos apreciar individualmente.

2. Quanto ao início da contagem dos juros moratórios referentes aos danos patrimoniais:

Considera a recorrente que tais juros apenas podem ser contabilizados a partir da citação para a presente ação e não desde a notificação da R. para a ação declarativa de condenação que correu termos perante o tribunal arbitral e que terminou com a anulação da respetiva decisão por acórdão proferido pela Relação do Porto.

Vejamos:

Por razões de ordem formal, foi anulada a sentença arbitral que foi proferida no âmbito da ação que o A. instaurou contra a R., com efeitos que, como ficou expressamente referido no acórdão da Relação, determinaram que a resolução do litígio, por decisão de mérito, não tivesse ocorrido nessa ação arbitral.

Em consequência dessa anulação, o A. teve de propor outra ação, tendo optado – como a lei o autorizava – pela instauração da presente ação no tribunal judicial, no âmbito da qual veio a formular, na prática, as mesmas pretensões.

Esta ação foi julgada parcialmente procedente, sendo a R. condenada no pagamento de diversas parcelas indemnizatórias, entre as quais a indemnização por danos patrimoniais, suscitando-se com pertinência a demarcação do momento a partir do qual se contabilizam os respetivos juros de mora.

Trata-se de uma situação que não vem explicitamente prevista no art. 805º do CC mas que não pode deixar de ter a mesma resposta que resulta da parte final do nº 3 para os casos em que se trata de direito emergente de responsabilidade civil por facto ilícito.

Repare-se que ao A. não foi fixado o direito a obter juros moratórios sobre a indemnização por danos patrimoniais desde a data do acidente, mas desde a data em que a R. foi notificada para contestar a ação arbitral que teve aquele desenlace.

Por isso, essa notificação equivale para todos os efeitos a uma citação que porventura fosse executada em processo judicial, de modo que, tendo aquela ação arbitral terminado por uma decisão formal que se traduziu na anulação da sentença, não pode deixar de se considerar que a situação de mora e a contagem dos respetivos juros deve retroagir à data em que a R. foi notificada para contestar, pela primeira vez, a pretensão do A.

Foi através dessa iniciativa processual - que correu perante o tribunal arbitral constituído precisamente para regular litígios decorrentes de sinistralidade automóvel - que o A. confrontou a R. com a sua pretensão indemnizatória, não podendo retirar-se a essa iniciativa a função de constituir a R. Seguradora em mora, malgrado naquela ocasião e mesmo aquando da propositura da presente ação não estar ainda liquidada a indemnização devida pelo acidente da exclusiva responsabilidade da segurada da R.

3. Quanto à indemnização pela mais-valia introduzida pelo A. no seu veículo:

Insurge-se a R. contra o facto de ter sido atribuída autonomia indemnizatória a uma despesa específica que o A. fez com o veículo (películas de escurecimento que colocou nos vidros).

Também não lhe assiste razão.

Na sentença foi atribuído ao veículo o valor de € 28.000,00. Descontando os salvados para o A., no valor de € 4.000,00, a R. foi condenada no pagamento da quantia de € 24.000,00 a título de perda total do mesmo veículo.

Na determinação daquele valor foram tidas em consideração as características normais de um veículo do tipo do Chevrolet Captiva do A. e com a antiguidade e quilometragem semelhantes. Porém, não foi, nem haveria motivo para tomar em conta uma despesa que o A. fizera com um melhoramento específico que interferiu na valorização do veículo, nos termos e para efeitos do art. 41º, nº 2, do DL 291/07.

O A., por razões que apenas a si respeitaram, resolveu colocar películas de escurecimento nos vidros do veículo, o que constituiu uma melhoria que originou despesas relativamente às quais o A. não pode deixar de ser especificamente ressarcido, uma vez que tal melhoria não foi considerada (embora devesse ter sido) para efeitos de avaliação do valor venal ou comercial do veículo.

O importante para o caso é que se tratou de despesas feitas com a introdução de uma melhoria no veículo, diferenciando-o de outro veículo semelhante, mas sem os vidros escurecidos, de modo que a despesa realizada não poderá deixar de ser contabilizada a favor do A. para efeito de apuramento do montante dos danos.

Confirma-se, pois, a referida parcela indemnizatória de € 748,99.

4. Quanto à indemnização pela privação do uso:

4.1. Insurge-se a R. contra a indemnização que foi atribuída ao A. a título de privação do uso [€ 25.092,00 (€ 104,55 x 8 meses)], contrariando a sentença de 1ª instância que reconheceu a esse título a indemnização de € 9.600,00.

No âmbito dessa questão começa por questionar a admissibilidade da figura da indemnização pela privação do uso e depois coloca em crise o valor global que foi arbitrado pela Relação.

4.2. Antes de entrarmos na apreciação destas questões, não podemos deixar de notar que os factos que a este respeito se provaram no caso concreto são significativamente diferentes daqueles que têm sido considerados em numerosos arestos que se encontram acessíveis em que igualmente se coloca a problemática da ressarcibilidade do dano da privação do uso e da quantificação da respetiva indemnização.

Revelam os autos abundantes factos a respeito desta matéria que, aliás, são sustentados em vasta documentação que foi arrolada pelo A. reveladora das diligências que por ele foram feitas com vista à resolução do litígio na fase pré-judicial e à antecipada compensação ou supressão dos danos que a falta do veículo lhe determinava.

Não é corrente, nos numerosos processos em que esta problemática é abordada, uma tal riqueza documental e factual, a par de uma tão cerrada marcação feita à Seguradora responsável no sentido de resolver de uma forma razoável a situação da privação do uso de veículo. Os elementos que transparecem da decisão da matéria de facto dão notícia das diversas diligências que foram efetuadas pelo lesado e que, num primeiro momento, determinaram a apresentação de uma proposta de indemnização por parte da Seguradora, ponderando apenas 50% da responsabilidade pelo sinistro (que o lesado recusou), a que se seguiu uma atitude pautada pela ausência de resposta às solicitações que lhe foram dirigidas dirigiu no sentido de procurar uma solução transitória que passasse designadamente pela atribuição de uma viatura de substituição.

Revelam os autos ainda que enquanto uma opção pelo aluguer de uma viatura por parte do A. determinaria um custo diário de cerca de € 230,00, já a Seguradora conseguiria obter da mesma empresa contactada pelo A. por indicação da R. (EE) uma cotação de € 104,55, ou seja, um custo inferior a metade do valor que era exigido do A. como cliente particular, a que ainda acresceria o valor de uma caução que era exigida.

Todos esses elementos estão demonstrados nos autos, de modo que, para efeitos de aferição da razoabilidade da indemnização que foi arbitrada pela Relação, nos confrontamos não apenas com elementos precisos acerca das consequências da privação do uso, acerca das diligências que foram efetuadas para ultrapassar a situação e da atuação do A. em face da ausência de uma resposta da R., e da sua opção (que estava na sua disponibilidade) de não correr o risco inerente ao aluguer de uma viatura com semelhantes características.

Quadro bem diverso daquele que soe apresentar-se neste tipo de ações, com alegações muito genéricas e com enormes lacunas relativamente a cada um dos referidos aspetos.

Mas a par desses aspetos que não podem deixar de relevar para efeitos de atribuição e quantificação de uma indemnização, não deixaremos de ponderar também as circunstâncias atinentes ao uso que efetivamente era dado pelo lesado ao seu veículo e ao que seria razoavelmente necessário para que a perda do veículo pudesse ser superada através de um veículo com semelhante funcionalidade, ainda que não necessariamente com as mesmas características.

4.3. Concretizando:

Está provado que:

- No dia 26-8-11, o A. remeteu à R. o fax junto a fls. 152, invocando a necessidade premente da atribuição de um veículo de substituição, de idênticas características ao sinistrado – fls. 152 e 153 - tendo enunciado a razão da estrita necessidade de um veículo para as suas deslocações para os seus locais de trabalho, face às específicas funções que desempenhava (de Juiz de Direito no Círculo Judicial de ... e de Adjunto do Gabinete de Apoio do Conselho Superior da Magistratura, em Lisboa) – fls. 152 e 153 - carecendo ainda de uma viatura para deslocação em todas as suas atividades diárias, quer pessoais, de conduzir os 2 filhos, para assistência familiar, designadamente ida a médicos, hospital, centro de saúde, bem como as demais tarefas quotidianas, férias (em Portugal e na Europa), passeios em família.

- O fax foi remetido após um contacto para a linha telefónica da R. (210407510, Srª ...), solicitando, de forma expressa, a atribuição de um veículo de substituição – fls. 154.

- Esse pedido foi negado pela R., que, contudo, indicou que tinha parceria com a empresa de aluguer de viaturas EE, junto da qual o A. poderia contratar, querendo, por sua conta e risco, o aluguer de uma viatura da mesma classe e características do meu veículo, que seria posteriormente ressarcido.

- De acordo com essas instruções, o A. telefonou para o número geral da EE (...), solicitando informação da disponibilidade de uma viatura da mesma classe e com as mesmas condições do seu veículo, a saber, veículo tipo Jipe, de 7 lugares, 1.9 cilindrada, a diesel, tendo sido informado pela mesma que não tinha, à data, um veículo disponível com essas características, sendo o mais próximo, um Audi T5, porém, apenas de 5 lugares.

- No entanto, o aluguer diário dessa viatura era, à data do sinistro, de € 234,75, exigindo ainda uma caução de € 5.400,00, em cheque visado ou em cartão de crédito, que o A. não tinha possibilidades financeiras de apresentar e de pagar – fls. 196/197.

- De imediato, por fax de 26-8-11, o A. deu expressamente conhecimento à R. dos termos enunciados pela empresa de aluguer de viaturas EE, solicitando a imediata atribuição de um veículo de substituição – fls. 152/153 – o que sucessivamente reiterou, quer por via telefónica (cf. relação das chamadas efetuadas para o n.º de telefone da R. – doc. 43), quer por fax (cf. faxes de 8-9-11, 12- 09-11, 19-9-11 e 24- 10-11 - docs. 47, 48, 50, 57).

- A R. nunca respondeu às interpelações.

- Até à presente data, a R. não entregou ao A. qualquer veículo de substituição, nem colocou à disposição do A. o pagamento da indemnização correspondente.

- A ora R. enviou ao ora A. a comunicação de fls. 176, datada de 27-9-11, na qual o informou que, terminada a instrução do processo, concluiu que a responsabilidade pela produção do acidente em referência se deve equitativamente a ambos os intervenientes. E que coloca à disposição do ora A. a quantia de € 10.500,00, ficando o salvado na posse deste.

- O A. respondeu pela carta junta a fls. 177, datada de 29-9-11, na qual informa a R. que:

a) não aceita os termos da designada “definição de responsabilidade”;

b) não aceita o valor proposto;

c) interpela a R., nos termos do disposto no art. 805º, nº 1, do CC, para proceder ao pagamento imediato da quantia de € 10.500,00 que a R. tinha declarado disponibilizar, por cheque ou transferência bancária para o NIB que indica, vencendo-se juros à taxa legal por cada dia que decorra entre a presente interpelação e o pagamento.

- A R. remeteu ao A. a carta junta a fls. 199, datada de 27-10-11, através da qual envia “o termo de quitação nº 80499 total de € 10.500,00 correspondente a 50% do referido valor venal da viatura, deduzido também em 50% do valor do salvado, que ficarão na posse de V.Exª, cuja formalização agradecemos. Também junto lhe enviamos outro termo de quitação, nº 80500, no valor de € 1.558,76, correspondente a 50% dos prejuízos reclamados por V. Exª., nomeadamente: paralisação, despesas médicas e objeto danificado (chapéu chuva).

- O ora A. respondeu pela carta junta a fls. 202, datada de 2-11-11, na qual:

a) reitera não aceitar os termos da definição da responsabilidade;

b) declara “que não se nega em aceitar qualquer pagamento da BB, mas só assinará qualquer documento de quitação depois do recebimento do respetivo valor, o qual, sem prejuízo dos juros moratórios devidos, será sempre declarado como correspondente à indemnização parcial, na parte confessada pela BB, sem qualquer renúncia à ação contenciosa que o signatário instaurará para ressarcimento de todos os danos reclamados.

- A R. nunca procedeu a tal pagamento.

- À data do sinistro, a viatura Chevrolet Captiva ...-IE-... era a única viatura do A., sendo exclusivamente nesse veículo que se deslocava para todas as suas atividades pessoais e profissionais, designadamente conduzindo-o até ao seu local de trabalho, no Tribunal Judicial de ..., onde está colocado como juiz efetivo, bem como até à estação da CP de Aveiro, a partir da qual se deslocava de comboio para Lisboa, para o exercício das suas funções em acumulação de serviço, como Adjunto do Gabinete de Apoio do Conselho Superior da Magistratura, bem como para se deslocar às aulas em horário pós-laboral do curso de Mestrado em Direito da Universidade do ..., que, à data do sinistro, o A. se encontrava a frequentar e cujo prazo para apresentação de dissertação se encontrava pendente.

- Era também com esse veículo, pela sua configuração estrutural que permitia o reclinar total de todos os bancos (com exceção do banco do condutor), que o A. transportou livros, móveis e pequenos eletrodomésticos entre o local da sua residência e a nova habitação que o A. tinha acabado de construir no concelho de ...

- O A. adquiriu um novo veículo em Abril de 2012.

Está anda provado que:

- O veículo do A. Chevrolet Captiva tem 7 lugares, um comprimento de 4,635 m, a distância entre eixos de 2,705 ms, 1,85 m de largura e 1,755 m de altura, com barras de proteção em toda a caixilharia e com o peso bruto de 2.505 Kg – fls. 144.

- Consta do relatório de peritagem como valor venal € 25.150,00 e como valor estimado da reparação € 27.638,15.

- No sítio Standvirtual, um veículo idêntico, com matrícula do mês seguinte, mas sem pintura metalizada (cor branco) e com 42.629 kms, encontrava-se à venda, à data de 12-9-11, pelas 16,58 h, por € 28.000,00 – fls. 188.

- No sítio Slando, um veículo do mês da matrícula, com quilometragem próxima (22.500 kms) mas sem pintura metalizada, encontrava-se à venda por € 27.500,00 – fls. 189.

4.4. Em face desta factualidade, não se percebe que motivos levam a R. Seguradora a questionar (ainda) a ressarcibilidade do dano da privação do uso, tanto mais que não deu seguimento à única alternativa que lhe foi colocada pelo lesado no sentido de restaurar a situação natural, o que passaria pelo fornecimento de um veículo, durante o lapso de tempo da privação do uso do veículo sinistrado, ou seja, até à data em que o A. resolveu adquirir outro veículo.

Quanto à ressarcibilidade do dano da privação do uso dir-se-á, em primeiro lugar, que a jurisprudência que a recorrente cita em sentido contrário (de 2008) à que foi adotada pelas instâncias foi larga e consistentemente ultrapassada por jurisprudência posterior, designadamente da emanada deste Supremo, que passou a reconhecer, sem qualquer espécie de hesitação, o direito de indemnização relativamente a situações, como a dos autos, em que o veículo é usado habitualmente para deslocações, sem necessidade de o lesado alegar e provar que a falta do veículo sinistrado foi causa de despesas acrescidas.

Outra tese ainda mais benévola para o lesado é defensável e encontra também na jurisprudência bastas adesões no sentido de fazer corresponder à privação do uso uma indemnização autónoma, independentemente da prova de uma utilização quotidiana do veículo, ainda que com recurso à equidade e ponderação das precisas circunstâncias que rodeiam cada situação.

Essa é a tese que o ora relator defendeu na monografia citada pela recorrente (Temas da Responsabilidade Civil, vol. I, Indemnização do Dano da Privação do Uso), a qual é compartilhada por diversos autores também citados pela recorrente e com adesão de um largo setor da jurisprudência.

Mas não há necessidade de seguir tal via no caso concreto, bastando-nos o apoio concedido pela primeira alternativa que no caso encontra uma substancial fundamentação, de modo que não pode deixar de se reconhecer ao A. o direito a obter uma indemnização relacionada com a privação do uso do seu veículo automóvel.

Com efeito, nos termos gerais, a Seguradora, para quem seja ransferida a responsabilidade civil do segurado, está obrigada a proceder à reparação integral dos danos imputáveis a este, o que, além do mais, pode passar pela concessão ao lesado de um veículo de substituição (obrigação que, aliás, costuma estar prevista nos contratos de seguro relativamente a danos próprios), como forma de se alcançar ou de se aproximar da reconstituição natural da situação que existiria se acaso não tivesse ocorrido o acidente, nos termos do art. 562º do CC.

Essa atuação está expressamente prevista para os casos em que a Seguradora assuma logo a responsabilidade pelo acidente, nos termos do art. 42º do DL nº 291/07, caso em que terá que formular ao lesado uma proposta razoável de indemnização, não se concebendo que semelhante obrigação deixe de existir pelo simples facto de ter recusado a assunção da responsabilidade que, porém, lhe seja judicialmente imputada. Menos ainda se compreende que tal obrigação deixe de existir quando, em lugar de agir daquele modo, a Seguradora se mantenha numa atitude de inércia relativamente a solicitações que lhe sejam dirigidas pelo lesado, como ocorreu no caso concreto, com indicação dos motivos (razoáveis) que justifiquem a entrega de uma viatura de substituição.

Por conseguinte, não há qualquer dúvida quanto à ressarcibilidade da provação do uso do veículo que afetou o A., faltando apenas operar a quantificação da indemnização concretamente ajustada ao ressarcimento de tal dano.

4.5. Para efeitos de quantificação da indemnização a Relação fez uso da equidade e considerou relevante o valor correspondente ao aluguer de um veículo com semelhantes características que a própria R. referenciou nos autos como sendo aquele que pagaria se acaso procedesse ela tivesse procedido ao seu aluguer.

Com efeito, contrapondo à alegação do A. de que o aluguer diário de um veículo semelhante lhe custaria cerca de € 230.00, a R. Seguradora veio alegar a fls. 494, que, para si, o aluguer não custaria mais de € 85,00 mais IVA (doc. de fls. 497), atingindo o valor de € 104,55. Foi neste valor diário que assentou a Relação para determinar a indemnização relativa à privação do uso do veículo desde a data do acidente até ao dia em que o A., por sua livre iniciativa, adquiriu outro veículo para desempenhar semelhante função.

Nessa operação a Relação ficou bem longe, isto é, a menos de metade do valor comercial de locação de um veículo da tipologia do sinistrado, ou seja, do valor que o A. pagaria se acaso tivesse contratado com uma empresa privada o aluguer de um tal veículo, na condição de assumir o risco da operação e de se responsabilizar pela caução que lhe era pedida.

Uma vez que nessa altura a R. Seguradora apenas assumia a responsabilidade pelo pagamento de metade dos danos, correspondente a 50% da responsabilidade da sua segurada pelo sinistro, o A. não quis suportar os riscos da operação, com os correspondentes encargos relacionados com o valor do aluguer e da caução exigida pela locadora, até porque se provou ainda que nem sequer detinha condições financeiras para tal.

Referiu a Relação, para justificar quer o valor diário, quer o valor global da indemnização, que a sua quantificação a partir de um valor locativo diverso daquele que a própria R. pagaria se acaso tivesse tido a iniciativa de proceder ao aluguer de um veículo, enquanto prosseguiam as diligências tendentes ao apuramento da responsabilidade dos danos, representaria para si um benefício injustificado.

4.6. É verdade que a R. não deu seguimento às solicitações que lhe foram dirigidas pelo lesado no sentido de lhe entregar um veículo de substituição com semelhantes características, o que cumpriria o objetivo da restauração natural da situação. Também é certo que se acaso tivesse agido dessa forma, as despesas realizadas correriam por sua conta, independentemente do período durante o qual perdurasse o litígio.

Por outro lado, se acaso o A. tivesse procedido ao aluguer de uma viatura com semelhante funcionalidade e sem ultrapassar as regras da boa fé, isto é, sem potenciar o agravamento da responsabilidade efetiva da Seguradora, poderia exigir desta o montante que tivesse despendido, na medida em que tal atuação se enquadrasse no objetivo de alcançar, na medida do possível, a restauração natural da situação.

No caso não ocorreu nem uma nem outra das referidas situações, o que nos leva a ter de reponderar, dentro das regras da equidade, qual a justa compensação que deve ser atribuída ao A. a título de privação do uso.

Para o efeito não podem ser descurados aspetos particulares que emergem da decisão da matéria de facto.

Em primeiro lugar, o veículo sinistrado era de uma tipologia fora do comum, o que naturalmente se repercutia no seu valor locativo largamente condicionado pelas regras da oferta e da procura. Era de tipologia especial que, como é do conhecimento geral, não se enquadrava nem enquadra no veículo-tipo que é comum ser disponibilizado pelas empresas que exercem a atividade de aluguer de veículos sem condutor (rent a car), com repercussão direta no preço por cada dia ou por cada mês de aluguer.

Em segundo lugar podemos assentar que que o A. dava ao veículo sinistrado um uso quotidiano, mas não intensivo. Utilizando-o nas suas deslocações para o local onde exercia a sua função, para a estação de caminho-de-ferro próxima nos dias em que tinha de deslocar-se para outro local e também na sua esfera puramente particular, o certo é que tal utilização multifacetada não exigia, apesar de tudo, um veículo com tais características que, como se disse, agravavam substancialmente o custo do respetivo aluguer.

Por fim, o valor que foi declarado pela Relação a título de privação do uso [€ 25.092,00 (€ 104,55 x 8 meses)] ficou bem perto do valor venal do mesmo veículo, circunstância de ordem objetiva que não pode deixar de ser compaginada com as regras da equidade a que temos de recorrer nesta situação.

Sendo a atribuição da indemnização pela privação do uso calculada mediante a ponderação da reconstituição que existiria se não se tivesse verificado o evento, nos termos do art. 562º do CC, e com recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 3, somos levados a concluir pela necessidade de estabelecer essa indemnização num valor intermédio entre aquele que foi fixado por cada uma das instâncias, parecendo-nos ajustado arbitrar o valor de € 15.000,00.

5. Quanto aos danos não patrimoniais conexos com a privação do uso:

A R. insurge-se ainda contra a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais decorrentes da falta de veículo de substituição (€ 5.000,00).

A matéria de facto apurada também é bem elucidativa a esse respeito e da mesma resulta que ambas as facetas devem ser tuteladas através da única via que neste momento é possível: atribuição de uma compensação.

Com efeito, quanto à privação do veículo, o A. confrontou a R. com a necessidade de obter um veículo de substituição, o que a mesma recusou, endereçando ao A. a responsabilidade pelo aluguer de uma viatura, sofrendo o risco que daí poderia advir.

Os efeitos que a falta da viatura determinaram na vida do A. são evidentes e ninguém de boa-fé pode deles duvidar em face do que foi provado:

- Sem veículo de substituição atribuído pela R., o A. foi obrigado a pedir, de empréstimo, o veículo da sua sogra e o veículo da sua esposa para as deslocações mais urgentes, o que assim sucedeu.

- Porém, em virtude de, quer a sua sogra, quer a sua esposa, carecerem dos respetivos veículos, sendo esta última para toda a vida quotidiana, incluindo levar e buscar os filhos à escola e infantário, em horários em que o A. se encontrava em serviço no Tribunal de ... ou em Lisboa, passou a ser conduzido pela sua esposa, com perturbação de toda a vida familiar e pessoal, designadamente, obrigando a sua esposa e filhos a levantar-se entre duas a três vezes por semana, às 5,00 h da madrugada, a fim de o A. ser conduzido à estação da CP em ..., para ali seguir para Lisboa no comboio Alfa Pendular n.º 180 (horário em ...: 6,21 h), bem como obrigando a esposa do A. a deslocar-se novamente à estação da CP em ..., no final desse dia, para recolher o A., que ali chegava no Alfa Pendular nº 137 (chegada às 21:10) ou nº 129 (chegada às 22:14),

- O mesmo sucedendo para conduzir e recolher o A. ao Tribunal Judicial de ..., no início da manhã, à hora do almoço e ao final da tarde.

- O local de residência do A. não é servido de transportes públicos (terrestres ou ferroviários) regulares, situando-se a mais de 3 kms, no centro da vila de ..., o local de paragem de autocarros, obrigando a deslocações acrescidas, a preocupações com compatibilização de horários, ao acréscimo de comunicações móveis e à total desorganização pessoal e familiar.

- Esta circunstância – de não ter veículo próprio ou de substituição – amargurou profundamente o A., que repentinamente se viu dependente de terceiros, coartado na sua livre movimentação e deslocação em todas as suas atividades pessoais e profissionais.

Ou seja, o A., que necessitava do veículo para se deslocar para os locais de trabalho – ... ou para a Estação de caminhos-de-ferro de ..., a fim de apanhar o comboio para Lisboa – e para todos os atos da sua vida quotidiana, teve de enfrentar desafios que apenas são de imputar à R. Seguradora, como responsável final pela indemnização dos danos decorrentes do acidente de que resultou a inutilização do seu veículo.

Todavia, no cômputo da indemnização foram tidos em conta também danos que ocorreram na esfera de familiares do A. que, contudo, não são parte na presente ação. Nesta perspetiva, a consideração desses danos, como danos que atingiram outras pessoas que não aquela que diretamente foi atingida, apenas seria consentida em casos especiais que ficaram acautelados no AUJ nº 6/14, mas que aqui não encontram justificação.

Proceder-se-á, pois, à correspondente redução para metade do valor que foi ficado pela Relação.

6. Quanto aos danos relacionados com a perturbação do gozo de férias:

Está provado que:

O A. ficou impedido de gozar as respetivas férias, as quais tinha previsto gozar, com a sua família, na ... e em ..., tendo inclusivamente antes reservado um hotel para a noite do dia seguinte, no aludido percurso, na cidade da ..., que foi obrigado a cancelar – fls. 195.

A Relação fixou a este respeito a indemnização de € 2.000,00, mas pelos mesmos motivos consideramos que esse valor deve ser reduzido para metade, mais uma vez, com recurso à equidade.

III – Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista, alterando-se o acórdão recorrido na parte referente à indemnização pela privação do uso (ponto 3.) que agora se fixa em € 15.000,00, e aos danos não patrimoniais (pontos 5. e 6.) que agora se fixam em € 2.500,00 em € 1.000,00, respetivamente, mantendo-se, no mais, o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da R. e do A. na proporção do decaimento.

Notifique.

Lisboa, 5-7-18

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo (parcialmente vencida, conforme declaração junta)

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– Voto de vencida

Votei o acórdão, salvo no que se refere ao montante indemnizatório pelo dano de privação de uso, na vertente patrimonial (ponto 3.5. do acórdão e correspondente decisão de atribuição de montante indemnizatório de € 15.000), considerando mais conforme à jurisprudência deste Supremo Tribunal, o montante atribuído pela 1ª instância (€ 1.200,00 mensais x 8 meses = € 9.600,00; que corresponde afinal ao montante de € 40 por dia, que se afigura ser, até à data, o mais elevado seguido pela jurisprudência deste Supremo Tribunal em situações de responsabilidade civil extracontratual idênticas às dos autos, em que não foi alegado nem provado que a privação do uso do automóvel tenha causado ao lesado despesas acrescidas ou lucros cessantes).

Votei portanto neste sentido, ficando vencida nesta parte da decisão.