Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | M. CARMO SILVA DIAS | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS EXTRADIÇÃO DETENÇÃO | ||
Data do Acordão: | 11/04/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA/ NÃO DECRETAMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : | I - A detenção provisória prevista no art. 38.º da LCJIMP, que é feita de forma antecipada e prévia, destina-se a viabilizar um pedido formal de extradição. II - Por isso, essa detenção provisória integra-se no processo de extradição, sendo sujeita a curtos prazos, atenta a sua natureza e finalidade e, também, constitui uma das exceções ao direito à liberdade, que está consagrada constitucionalmente no art. 27.º, n.º 3, al. c), da CRP. III - O procedimento de extradição engloba duas fases ou processos urgentes, a saber (como se explica no ac. do STJ 08-09-2021, processo n.º 1618/21.3YRLSB-A, relatado por Nuno Gonçalves, consultado em www.dgsi.pt.):“- o administrativo a correr na autoridade central e no ministério governamental organicamente competente para decidir, politicamente, da admissão do pedido; - o judicial a correr no tribunal para, quando o pedido tenha sido admitido, julgar e decidir da concessão – ou recusa – da extradição.” IV - O procedimento de habeas corpus não pode ser utilizado para invocar irregularidades (v.g. falta ou insuficiente de motivação) que devem ser colocadas no tribunal que proferiu a decisão em crise, nem tão pouco para decidir questões de nacionalidade ou qualquer outra matéria que não se integre nos fundamentos taxativos que podem justificar aquele procedimento (habeas corpus) V - Quem peticiona o habeas corpus (que não é um recurso) não o pode utilizar indevidamente, nem pretender que, através dele, o STJ se pronuncie sobre matérias que extravasam os seus fundamentos, que são taxativos. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 2286/21.8YRLSB-A Habeas corpus
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I Relatório - que é titular de nacionalidade portuguesa originária pendente de averbamento e foi detido em 2.10.2021 no Aeroporto …, ao abrigo de uma Red Notice, emitida pelas Autoridades da Jordânia em 25.03.2015, sendo em 4.10 seguinte ouvido no TRL, tendo o Sr. Juiz Desembargador ordenado que aguardasse até 18 dias em prisão preventiva, estando desde então detido no EP …, sendo que em 6.10 foi comunicada a sua detenção à PGR e ao GNI, informando este a Jordânia de que dispunha de 18 dias para apresentar pedido formal de extradição (o que foi feito em 7.10), e em 18.10 o Gabinete de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal da PGR informou o TRL que não tinha sido apresentado pedido de extradição até aquela data, pelo que em 19.10, o TRL, nos termos dos arts. 38.º, n.º 5 e 64.º, n.º 3, da LCJIMP (Lei n.º 144/99, de 31.08), ordenou a libertação do requerente/peticionante a ocorrer após as 13h15 de 20.10.2021, uma vez que não tinha recebido pedido de extradição ou pedido de prazo de prorrogação; - que, entretanto, em virtude de contacto ocorrido nesse mesmo dia 19.10 entre o GNI e o seu congénere da Jordânia, dando conhecimento do prazo limite para fazer o pedido de extradição, ainda na mesma data veio o GNI Jordano enviar ao GNI Português informação, via mail, de que estava a preparar o pedido de extradição, por via diplomática, razão pela qual foi apresentado um pedido de prorrogação do prazo, sendo ainda no mesmo dia 19.10, pelas 16h23, proferido despacho judicial de prorrogação de detenção do requerente, nos termos do art. 38.º, n.º 5, da LCJIMP, o qual, todavia, não se mostrava devidamente fundamentado (por não haver razões atendíveis para o efeito), para além de ser escassíssima e insuficiente a informação constante da Red Notice, emitida há 6 anos, não havendo factos que notoriamente justifiquem a extradição, nem tão pouco a detenção para efeitos de extradição (visto o disposto no art. 39.º da LCJIMP), o que igualmente inviabiliza que se faça um controlo adequado da dupla incriminação, não permitindo sequer formular um juízo de prognose que admita, com a confiança necessária, prever que o pedido de extradição venha a ser apresentado e, desse modo, justifique a compressão do seu direito fundamental à liberdade por mais 22 dias (tanto mais que a PGR não recebeu pedido de extradição ou de prorrogação); - que além da declaração manifestada pela autoridade estrangeira de formular pedido de extradição não ser acompanhada de “sinais ativos e atuais” de que efetivamente vai ser apresentada em prazo, afigura-se que a extradição não irá ser admitida por o requerente ser cidadão português originário pendente (como já referido), por não haver Tratado de extradição com a Jordânia (pelo que não existe quaisquer garantias de reciprocidade), por o requerente ter sido julgado na sua ausência, por um “Tribunal de Segurança Nacional da Jordânia”, tudo indicando que se trata de um tribunal de exceção, porque a Jordânia tem sido reiteradamente apontada por diversas organizações internacionais como um Estado que viola, de forma flagrante, os direitos humanos, sendo comum a prática de tortura e não existindo garantias de julgamento equitativo em processo penal, tendo o requerente ali já sido sujeito a detenções arbitrárias, maus tratos e torturas pelas autoridades jordanas, quando ali vivia, como demonstrará, que embora os factos descritos na Red Notice sejam tão vagos (como já referido, que não permitem fazer o controlo da dupla incriminação), também tudo aponta que, mesmo considerando o enquadramento feito pelo MP e pelo tribunal e a data dos factos, o crime já estaria prescrito desde 2010. Remetam-se os autos de habeas corpus ao Senhor Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em conformidade com o disposto no artigo 223º do Código de Processo Penal. D.N.”
3. Tendo entrado a petição neste Supremo Tribunal, após distribuição, teve lugar a audiência aludida no art. 223.º, n.º 3, do CPP, pelo que cumpre conhecer e decidir. II Fundamentação Por ora e tal como desmostram os autos não temos elementos para pôr em causa a hora e data da efectivação da detenção do requerido e, nessa prespectiva, consideramos a mesma como válida. O outro aspecto referido no requerimento, diz respeito ao conteúdo da inserção do pedido de detenção e que decorre da demoninação conferida ao delito "fraude" que, na prespectiva da defesa se mostra inexistente como ilícito criminal no nosso ordenamento jurídico. Efectivamente a denominação "fraude" não consta no elenco dos ilícitos vertidos no C. Penal Português. Porém, essa denominação, mostra-se aferida ao artº. 417º do C. Penal Jordano, sendo para o estado da execução indiferente a terminologia legal ali adoptada. O que importa, é que a situação factica, reconhecidamente suscinta referida nessa inserção (2º. parágrafo de fls. 4 verso) seja susceptível de integrar ilícito no CP Portugês o que se mostra feito nos pontos 4º e 5º do Requerimento Inicial do Exmº. PGR. Se a questão posta por relação à denominação do crime se mostre dirigido ao mandado de detenção e condução que foi entregue ao requerido conforme exibição que agora me foi feita, onde se refere apenas "suspeita da prática do crime de "fraude", emitido pelas autoridades judiciarias da Jordânia, inserido no Sistema de infortmação da Interpol nº. 2015/… com vista a ..." também nos parece que esta indicação se mostra suficiente porque sempre se terá de considerar com remissão para o mandado de emissão da Interpol, esse sim com as exigências de mencionar o ilícito, o tipo legal do crime e um resumo dos factos. Queremos com isto dizer que a citação supra daquele mandado, para nós se mostra suficiente em termos de dar a conhecer ao detido as razãoes da respectiva detenção, não sendo aqui exigiveis pela especificiddae de estarmos no âmbito da cooperação judiciária internacional uma observância completa e integral dos artº.s 257º, nº. 1 e 258º, nº. 1 al. c) do CPP. Quanto à medida de coacção, temos a considerar por um lado que o pedido de cooperação em si se mostra dirigido ao cumprimento de uma pena que, por aferição ao sistema punitivo português, se demonstra próximo ao limite máximo punitivo admitido em Porrtugal e, por outro lado, estamos perante um cidadão estrangeiro, seja por relação ao estado de emissão seja por relação ao estado de execução. Não deixamos de ser sensíveis à situação familiar do requerido no tocante à nacionalidade portuguêsa da mãe e de duas irmãs, que pelos documentos juntos pela defesa permitem concluir por uma vida pessoal sediada em Portugal. No tocante à família directa do requerido a situação de gravides da mulher, sem apoio social e económico para além dos proventos económicos auferidos pelo requerido na sua actividade profissional, não deixa de representar alguma dificuldade em encontrar uma adequada medida de coacção, que possa garantir a eventual futura entrega do requerido e a fixação de uma medida não privativa de liberdade. Tudo isto ponderado, reconhecemos a impossibilidade de, por ora, fixar uma medida não detentiva, até pela qualidade de que o requerido tem na apontada cidadania estrangeira. Dizemos isto pela acrescida facilidade de deslocação que o requerido pode usufruir porquanto proventos económicos detêm, a actividade profissional desempenhada, por ser desenvolvida em qualquer sítio do mundo e, por relação à família directa, nenhum obstaculo existe a que se junto ao mesmo caso saia de Portugal. Nestes teremos, determinamos que o requerido continue na situação de detenção. Aguardem os autos por 18 dias a forrmalização do pedido de extradição por parte das autoridades judiciárias Jordanas. Proceda às comunicaçães a que alude o artº. 64º, nº. 2 da Lei 144/99, 31 de Agosto. Passe mandados de condução ao E.P. Notifique.” “O requerido AA foi detido no dia 02.10.2021, pelas 13h15, no âmbito de um pedido de detenção inserido no Sistema de Informação Interpol nº 2015/…, emitido pelas autoridades judiciárias jordanas, pela prática de crime de “fraude”, com vista à sua extradição para a Jordânia. Por decisão proferida em 04.10.2021 (cf ref Citius …364), foi confirmada a detenção provisória e determinada a respetiva manutenção, nos termos previstos nos artigos 38º, 39º, 62º e 64º, nº 1, todos da Lei nº 144/99, de 31 de agosto. Completam-se em 20.10.2021, pelas 13h15, 18 dias sobre a data da detenção do requerido. Até à data não foi recebido qualquer pedido de extradição das autoridades jordanas, nem foi pedida a prorrogação do prazo para a respetiva apresentação. Assim, tendo em conta o disposto nos artigos 38º, nº 5 e 64º, nº 3, ambos da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, a detenção do requerido cessará pelas 13h15 do dia 20.10.2021, caso até àquela hora nada seja comunicado a estes autos. Passem-se mandados de libertação, a cumprir em 20.10.2021, às 13h15. Notifique. D.N.” - Em 19.10.2021 o GNI … enviou ao GNI …, um email com a referência 94/… de 26 de Março 2015, relativa à extradição para a Jordânia de AA, “Red Notice Control n.º …-2233/…, File n.º 2015/…”, do seguinte teor: “Further to our message of 07-10-2021, please be advised that the time limit for submitting the extradition request (18 days after the date of his arrest) or an extension request, ends tomorrow, 20-10-2021 at 12:00 (local time). "Dear colleagues, please be informed that we are preparing the extradition file. We are kindly requested you (sic.) to extend the period of detention ofthe A/M subject so that we can send it through diplomatic channels at the specific time Best regards Ip Amman". - Dado conhecimento, nesse mesmo dia, pelas 15:57, pelo GNI Português que as autoridades jordanas haviam requerido uma prorrogação do prazo para a apresentação do pedido formal de extradição, foi aberta conclusão ainda em 19.10.2021 (16:11), ao Sr. Juiz Desembargador, o qual proferiu a seguinte decisão, na mesma data[2]: “Uma vez que foi recebido pedido de prorrogação do prazo para apresentação do pedido de extradição, sendo atendível a dificuldade na transmissão de tal pedido pelas vias diplomáticas, nos termos previstos no artigo 38º, nº 5 da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, a detenção provisória manter-se-á até ao limite de 40 dias. Dá-se sem efeito o despacho anterior no que se refere à libertação do detido. Notifique. D.N.” - O peticionante deste habeas corpus está detido no EP ….
2.1. Invoca o peticionante, em resumo, que “(i) vista a ausência de apresentação do pedido formal de extradição no prazo de 18 dias, que se esgotou no passado dia 19 de Outubro. (ii) e sem que tenha sido requerido pelos órgãos competentes do Estado requerente pedido de prorrogação, devidamente fundamentado; (iii) e visto que não existem factos que justifiquem notoriamente a extradição e permitam a privação da liberdade do requerido, sendo altamente provável a inadmissibilidade da sua extradição”, a “manutenção” da sua “detenção é ilegal, nos termos dos artigos 38.°, n.° 5, 39.° e 64.°, n.° 3 da LCJIMP, 222.°, n.° 1 e 2, als. b) e c), do CPP, ex vi art. 3.°, n.° 2, Lei 144/99, de 31.08, e dos arts. 27.°, n°s. 1 e 3 al. c) e 31.° da CRP.”, devendo, por isso, ser de imediato restituído à liberdade. 2.2. Dispõe o artigo 222.º (habeas corpus em virtude de prisão ilegal) do CPP: 1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus. 2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. São taxativos os pressupostos do habeas corpus (que também tem assento no art. 31.º da CRP), o qual não se confunde com o recurso, nem com os fundamentos deste. Aliás, como diz Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Lisboa: Editorial Verbo, 1993, p. 260, o habeas corpus “não é um recurso, é uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”. Convém ter presente, como se refere no art. 31.º, n.º 1 CRP, que “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.” Ou seja, esta providência, que inclusivamente pode ser interposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos (art. 31.º, n.º 2 CRP), tem apenas por finalidade libertar quem está preso ou detido ilegalmente e, por isso, é uma medida excecional e muito célere. De resto, quando se aprecia a providência de habeas corpus não se vai analisar o mérito da decisão que determina a prisão, aqui o mérito da decisão que determinou a detenção para extradição, nem tão pouco erros procedimentais (cometidos pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede de recurso, mas tão só incumbe decidir se ocorrem quaisquer dos fundamentos indicados no art. 222.º, n.º 2, do CPP.
E, o que é que se passa neste caso concreto? O peticionante deste habeas corpus foi detido provisoriamente em 2.10.2021, pelas 13h15, no aeroporto de Lisboa, nos termos dos arts. 38.º, n.º 5 e 39.º da Lei nº 149/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, doravante designada LCJIMP), no âmbito da Red Notice supra referida, emitida pelas autoridades da Jordânia a 25.03.2015, com vista à sua extradição para aquele Estado, para cumprir a pena de 21 anos de prisão, por delito de fraude previsto no artigo 417.º do Código Penal Jordano, em que fora condenado por sentença de 10 de Março de 2015, proferida pelo Tribunal de Segurança do Estado da Jordânia (sendo que não esteve presente em tribunal quando a sentença foi proferida), por factos ocorridos em 2005, acima indicados em resumo. E, tendo sido apresentado o detido ao MP junto do TRL, procedeu-se depois (como determina o art. 64.º da LCJIMP) à sua audição judicial em 4.10.2021, pelas 11h45, tendo a final o Sr. Juiz Desembargador validada e confirmada a sua detenção, determinando que continuasse nessa situação de detenção e que os autos aguardassem por 18 dias a formalização do pedido de extradição por parte das autoridades jordanas. O referido prazo de 18 dias terminava em 20.10.2021 pelas 13h15 (uma vez que o arguido foi detido para extradição em 2.10.2021 pelas 13h15) e apesar de até 18.10.2021 as autoridades da Jordânia não terem apresentado qualquer pedido de extradição, nem terem solicitado prorrogação do prazo para o fazerem (como informou a PGR, por oficio de 18.10.2021), a verdade é que, no dia seguinte, em 19.10 (portanto, dentro do prazo de 18 dias que apenas terminava em 20.10), após receberem mail do GNI português, é que o GNI jordano informou que estava a preparar o pedido de extradição, o qual iria seguir pelos canais diplomáticos, no tempo próprio, requerendo por isso a prorrogação do período de detenção, razão pela qual foi na mesma data, ou seja, ainda em 19.10.2021 (antes de terminar o dito prazo de 18 dias de detenção), proferida a decisão judicial que, considerando atendível a dificuldade na transmissão do pedido de extradição pelas vias diplomáticas, nos termos previstos no art. 38.º, n.º 5, da LCJIMP, manteve a detenção provisória até ao limite de 40 dias (dando sem efeito o despacho anterior, que havia sido dado para o caso de nada ser dito até ao dia 20.10 pelas 13h15 e, portanto, ser necessário ordenar a libertação do requerido). Ora, como sabido, essa detenção provisória prevista no art. 38.º da LCJIMP integra-se no processo de extradição, sendo sujeita a curtos prazos, atenta a sua natureza e finalidade e, por isso, também, constitui uma das exceções ao direito à liberdade, que está consagrada constitucionalmente no art. 27.º, n.º 3, al. c), da CRP. No caso dos autos o aqui peticionante foi detido provisoriamente, de forma antecipada e prévia a um pedido formal de extradição, o que é lícito como se viu. O procedimento de extradição engloba duas fases ou processos urgentes, a saber (como se explica no ac. do STJ 8.09.2021, processo n.º 1618/21.3YRLSB-A, relatado por Nuno Gonçalves, consultado em www.dgsi.pt.): “- o administrativo a correr na autoridade central e no ministério governamental organicamente competente para decidir, politicamente, da admissão do pedido; - o judicial a correr no tribunal para, quando o pedido tenha sido admitido, julgar e decidir da concessão – ou recusa – da extradição.” Quanto ao processo administrativo (que é o que interessa agora aqui), importa ter presente que, como se diz no citado ac. do STJ de 8.09.2021, o mesmo destina-se “a reunir os elementos legalmente exigidos e a apreciar e decidir, politicamente, da admissibilidade do pedido de extradição. Corre na autoridade central e no ministério governamental orgânica e legalmente competente. O Estado estrangeiro apresenta, pela via diplomática, o pedido formal de extradição e todas as comunicações ao mesmo respeitantes, na autoridade central do Estado requerente, que, em Portugal, é a Procuradoria-Geral da República. A qual, verificada a sua regularidade formal e, considerando-o devidamente instruído, elabora informação no prazo máximo de 20 dias, submetendo-o à apreciação do Ministro da Justiça. Que, por sua vez decide, em 10 dias, da admissão do pedido de extradição. Se o Ministro da Justiça indeferir o pedido, a Procuradoria-Geral da República deve ser logo informada, devendo levar, de seguida, a informação ao processo judicial para que o Tribunal determine a libertação imediata do detido e o arquivamento do processo. Se o Ministro da Justiça considerar o pedido de extradição admissível, informa urgentemente, a Procuradoria-Geral da República. A qual remete o pedido de extradição, conjuntamente com os elementos que o instruírem e a decisão política de admissão, ao Ministério Público no Tribunal da Relação onde corre termos o processo à ordem do qual o extraditando se encontra provisoriamente detido. Ministério Público na Relação que, por sua vez, dentro das 48 horas subsequentes, em requerimento instruído com aqueles elementos, vai ao processo à ordem do qual o extraditando está provisoriamente detido, promover o cumprimento do pedido de extradição. Em qualquer caso, a detenção do extraditando deve cessar imediatamente e ser substituída por outra medida de coação processual não privativa da liberdade se o pedido não for apresentado em juízo até ao 60º dia ou a decisão final do Tribunal da Relação não for proferida até ao 65º dia, posteriores àquele em que a detenção ocorreu – art. 52º n.º 1 e 63º n.º 3 da LCJIMP. Prazo máximo da detenção que será aumentado, ope legis, automaticamente, se a decisão da Relação for impugnada através de recurso para o STJ e se for interposto recurso para o Tribunal Constitucional.” Ora, no caso dos autos, já vimos que até 18.10.2021 (portanto, passados 16 dias da detenção provisória do aqui peticionante que foi detido em 2.10.2021) as autoridades do Estado da Jordânia não tinham apresentado qualquer pedido de extradição, nem solicitado a prorrogação do prazo para o fazerem, mas em 19.10.2021 (portanto, passados 17 dias da detenção provisória do aqui peticionante) vieram requerer a prorrogação do prazo da detenção por estarem a preparar o pedido de extradição, que seguiria pelos canais diplomáticos, no tempo próprio. Ou seja, pela informação atual prestada, percebe-se que o Estado da Jordânia, através das respetivas autoridades, estava a tomar um comportamento ativo, atual e interessado, no sentido de dar andamento ao pedido formal de extradição, ainda que na altura estivesse na sua fase administrativa e, sinal disso mesmo, foi também o pedido de prorrogação da detenção, dado que tudo seguiria pelos canais diplomáticos[3]. Assim, também se compreende que, por decisão judicial de 19.10.2021 (portanto, também 1 dia antes de se esgotar o prazo de 18 dias de detenção provisória que fora determinado no dia da audição judicial ocorrido em 4.10.2021), tivesse sido deferido o pedido de prorrogação do prazo para apresentação do pedido de extradição e, por serem atendíveis as razões invocadas (dificuldades na tramitação do pedido de extradição pelas vias diplomáticas), fosse prorrogada a detenção provisória até 40 dias (art. 38.º, n.º 5, da LCJIMP). Daí que se tenha de concluir que, por um lado, foram as autoridades do Estado da Jordânia que formularam, como lhes competia, o pedido de prorrogação, estando em tempo de formular o pedido formal de extradição, o qual se encontra ainda na fase administrativa e, por outro lado, mostra-se justificada a detenção provisória do aqui peticionante para efeitos de extradição (art. 38.º, n.º 5, da LCJIMP), não podendo este habeas corpus ser utilizado para invocar irregularidades ou qualquer outra argumentação que deveria ser suscitada em sede de recurso. Senão vejamos. As questões que coloca na petição deste habeas corpus quanto à insuficiente informação do GNI Jordano de 19.10.2021 e diligências que estará a fazer para a extradição pretendida, bem como sobre a insuficiente fundamentação do despacho judicial da mesma data que prorrogou a detenção provisória para 40 dias ou mesmo do despacho inicial que validou, manteve e determinou a detenção, deveriam ter sido colocadas no processo de extradição (nº 2286/21.8YRLSB) a correr termos no TRL (de que este habeas é apenso), invocando a respetiva irregularidade, e não neste habeas que é providência inadequada para esse efeito (uma vez que essa matéria não integra qualquer dos fundamentos do art. 222.º, que são taxativos). O mesmo se diga quando argumenta com a insuficiência de factos que constam da Red Notice, emitida há mais de 6 anos, sustentando que seriam factos insuficientes para manter a detenção do aqui peticionante, esquecendo que essa matéria também foi analisada pelo Sr. Juiz desembargador quando proferiu decisão a final após conclusão da sua audição judicial. De resto, se não concordava com tal entendimento, deveria ter recorrido das respetivas decisões, não sendo a providência de habeas corpus o meio próprio para discutir essas questões ou o mérito daquelas decisões. Também a questão do aqui peticionante (nacionalidade EUA, conforme passaporte que consta do TIR) ser ou não “cidadão português originário” tem de ser discutida no lugar próprio, que não é este habeas corpus, como bem sabe. Por sua vez, a demais argumentação apresentada na petição deste habeas (quando argumenta ainda não haver tratado de extradição entre Portugal e a Jordânia, não ser possível apreciar a dupla incriminação por os factos imputados serem vagos, ter sido o requerente julgado na sua ausência, ser português, ter sido julgado por um tribunal de exceção, ser a Jordânia um Estado que viola de forma flagrante os Direitos Humanos, sendo comum a prática da tortura e não existindo garantias de um julgamento equitativo, já ter sido ali sujeito a várias detenções arbitrárias, maus tratos e torturas, quando ali vivia e estar o crime pelo qual foi condenado prescrito, concluindo ser altamente provável a inadmissibilidade da sua extradição) mais parece a oposição que veio desde já antecipar a eventual pedido formal de extradição que seja formulado, não cabendo, porém, nos fundamentos do habeas corpus. O peticionante não pode utilizar indevidamente este habeas corpus (que não é um recurso) nem pretender que através dele o STJ se pronuncie sobre matérias que extravasam os seus fundamentos, que são taxativos. De resto, como acima já se viu, a detenção do aqui peticionante foi motivada por facto que a lei permite (detenção para extradição) mantendo-se dentro do prazo legal (na sequência de decisão que atempadamente prorrogou a detenção, nos termos legais). Assim, não foram violados os princípios e as disposições legais invocados pelo peticionante deste habeas corpus.
III - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus formulado por AA. Custas pelo peticionante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC`s.
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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria, pelo Senhor Juiz Conselheiro Adjunto e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente da Secção.
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Supremo Tribunal de Justiça, 04.11.2021
Maria do Carmo Silva Dias (Relatora) Cid Geraldo António Clemente Lima
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