Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0409/21.6BEBRG
Data do Acordão:03/23/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P29141
Nº do Documento:SA2202203230409/21
Data de Entrada:09/20/2021
Recorrente:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL – SECÇÃO DE PROCESSO EXECUTIVO DE LEIRIA
Recorrido 1:A...............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferida 29 de julho de 2021 que julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada por A………………… e, em consequência declarou a prescritas as dívidas exequendas dos PEFs nºs 0301201100269069 e 0301201200567426, improcedendo as demais questões peticionadas.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls…. dos presentes, nos termos do qual o Tribunal a quo julgou a reclamação parcialmente procedente e, em consequência declarou a prescrição das dívidas exequendas dos PEFs nºs 0301201100269069 e 0301201200567426, improcedendo a reclamação quanto ao demais peticionado.
2. Entendeu a douta sentença que, “nos termos do art. 175º do CPPT, a prescrição será conhecida oficiosamente pelo juiz se o OEF que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito, o que sucedeu no caso em apreço, razão pela qual passaremos, de seguida, à apreciação desta questão decidenda”.
3. Contudo, contrariamente ao entendido da douta sentença, o órgão de execução fiscal apreciou, analisou e proferiu despacho quanto à prescrição da dívida em execução.
4. Em 19-08-2019, o Reclamante deu entrada junto dos serviços do OEF de pedido de anulação da dívida exequenda e prescrição no âmbito do PEF nº 0301201100269069 e apensos.
5. Em 17-12-2019, foi proferido despacho pelo OEF por via do qual foram declaradas prescritas as dívidas exequendas do PEF nº 0301201100269069 referentes aos períodos situados entre 04/2006 e 01/2008, mantendo a confirmação da exigibilidade da restante dívida em execução.
6. Ademais em 17-12-2019, o OEF remeteu por via postal registada, ofício dirigido ao Reclamante comunicando-lhe a decisão proferida quanto à prescrição da dívida.
7. Donde que, não tendo sido apresentada reclamação do despacho de 17-12-2019, o mesmo transitou em julgado, por o reclamante se ter conformado com a decisão proferida, pelo que, não pode posteriormente suscitar as mesmas questões que já tinham sido objeto de decisão que lhe foi notificada.
8. Donde que, com o pedido apresentado pelo reclamante em 27-10-2020, este pretendia o mesmo efeito que pretendeu com o pedido apresentado em 19-08-2019.
9. A exceção de caso julgado tem como fundamento a segurança e paz jurídica, bem como imperativos de economia processual, pelo que, o Tribunal deveria ter rejeitado uma segunda análise da prescrição, quando o OEF já a tinha analisado, e o respetivo despacho transitado em julgado.

I.2 – Contra-alegações
Não foram proferidas contra alegações no âmbito da instância.

I.3 – Parecer do Ministério Público
O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
“O INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., apresenta o pressente recurso, por não se conformar com a decisão proferida pelo TAF de Braga, que apreciou a prescrição da dívida tributária, em que é executado A…………….., no âmbito da reclamação por este apresentada.
Diz a Recorrente nas conclusões do recurso que, o juiz, não podia conhecer a prescrição da dívida, nos termos do art. 175º do CPPT, porquanto o órgão de execução fiscal apreciou, analisou e proferiu despacho quanto à prescrição da dívida em execução, por via do qual foram declaradas prescritas as dívidas exequendas do PEF nº 0301201100269069 referentes aos períodos situados entre 04/2006 e 01/2008, mantendo a confirmação da exigibilidade da restante dívida em execução.
Decisão essa, que foi comunicada ao executado, e que não tendo sido apresentada reclamação desse despacho, o mesmo transitou em julgado.
E desta forma, entende a recorrente, que se encontra vedado a apreciação pelo tribunal recorrido, da prescrição da dívida, dado nos encontrarmos perante a exceção de caso julgado.
O Recorrido não apresentou contra-alegações.
Vejamos.
O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídica.
E a prescrição, no processo de execução fiscal, é de conhecimento oficioso, nos termos do art. 175º do CPPT.
Este conhecimento oficioso, é uma especificidade do direito fiscal que se impõe por razões de ordem pública, que corre ao arrepio da prática em direito civil – artº 303º do Código Civil.
Assim, ainda que a prescrição já tenha sido suscitada anteriormente no processo de execução fiscal, e dessa decisão não tenha havido reclamação nos termos do art. 276.º do CPPT, como ocorre in casu, tal não significa que não poderá ser novamente ser suscitada e/ou conhecida.
Considerando que, a sua verificação está ligada exatamente ao decurso do tempo, ou seja, num determinado momento poderá não se verificar a prescrição, mas passado dias, meses ou anos, o prazo prescricional se poderá completar, pelo que, posteriormente, sempre se deverá declarar oficiosamente quer pelo juiz, quer pelo órgão de execução fiscal, sendo o que decorre da lei, art. 175º do CPPT.
Pelo que somos de opinião que não se verifica qualquer erro de julgamento de direito, devendo manter-se na ordem jurídica a decisão recorrida.
Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.”

I.4 - Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
O tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:
A) Correm termos no OEF os PEFs n.ºs 0301201100269069, 0301201200567426, e o PEF 0301201400209244, relativamente a dívidas do reclamante enquanto trabalhador independente dos períodos situados entre 2006/04 a 2012/02 (cfr. fls.235/236 do SITAF e cfr. fls.87 do PEF junto a fls.241/337);
B) Em 29-10-2009 foi apresentado um pedido de pagamento em prestações, com o n.º 11641/2009, deferido a 30-10-2009 e rescindido na mesma data (cfr. 427/431 do SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);
C) Em 13-05-2011, 22-11-2012 e 15-06-2014, respectivamente, o OEF remeteu ao Reclamante por via postal registada com aviso de recepção, documentos designados “Citação” no âmbito dos PEFs supra referidos (cfr. fls.2/11 do PEF inserto a fls.510/648 do SITAF);
D) Dos avisos de recepção dos documentos referidos supra apenas foi assinado o aviso de recepção referente ao PEF nº 0301201400209244 (cfr. fls.2/11 do PEF inserto a fls.510/648 do SITAF);
E) O Reclamante tomou conhecimento do documento supra referido (cfr. documento junto a fls.12 do PEF inserto a fls.510/648 do SITAF);
F) Com data de 01-07-2014 e em 19-08-2019, o Reclamante deu entrada junto dos serviços do OEF de pedidos de anulação da dívida exequenda no âmbito do PEF nº 0301201100269069 (cfr. documento junto a fls.12 e 25 do PEF inserto a fls.510/648 do SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);
G) Em 17-12-2019, foi proferido despacho pelo OEF por via do qual foram declaradas prescritas as dívidas exequendas do PEF nº 0301201100269069 referentes aos períodos situados entre 04/2006 e 01/2008 (cfr. despacho de fls.82/84 do PEF inserto a fls.657/798 do SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);
H) Em 17-12-2019, o OEF remeteu por via postal registada, ofício dirigido ao Reclamante comunicando-lhe a decisão referida supra (cfr. fls.81 do PEF inserto a fls.657/798 do SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);
I) Em 27-10-2020 o Reclamante apresentou junto do OEF requerimento por via do qual, e além do mais, peticiona a prescrição das dívidas referentes aos anos de 2008 a 2012 e a inexigibilidade das mesmas (cfr. documento nº1 junto à PI e cujo teor se dá por reproduzido);
J) Em 19-11-2020, o OEF remeteu por via postal registada dirigida ao Mandatário do Reclamante, ofício comunicando-lhe que “(…) a análise do mesmo se encontra prejudicada, face à existência de despacho, já proferido nos autos. Mais se informa V. Exc.ª que, o despacho foi proferido em 17.12.2019 sendo que, a respetiva notificação foi remetida ao executado, por correio postal registado em 17.12.2019 (cfr. fls.96 do PEF inserto a fls. 657/798 do SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);
K) Em 22-12-2020 o Reclamante apresentou junto dos serviços do OEF documento designado “Recurso Hierárquico” contra a decisão referida em J) (cfr. fls.101/108 do PEF inserto a fls. 657/798 do SITAF e cujo teor se dá por reproduzido);
L) Por despacho de data não concretamente apurada, o OEF proferiu sobre o requerimento referido supra, decisão da qual consta, além do mais, o seguinte (cfr. fls.98 do PEF inserto a fls.657/798 do SITAF e cujo teor se dá por reproduzido):
“(…) ficam vedados aos executados os meios comuns graciosos tais como a reclamação administrativa e/ou o recurso hierárquico, pelo que, por não ter sido apresentado o meio processual adequado (reclamação nos termos do art. 276.º do Código de Procedimento e Processo Tributário) ordena-se a devolução do recurso hierárquico apresentado”;
M) Em 11-01-2021, o OEF remeteu à Sr.ª Mandatária do Reclamante ofício dando-lhe conhecimento da decisão referida supra (cfr. fls.97 do PEF inserto a fls. 657/798 do SITAF);
N) Em 26-01-2021 a PI da presente acção deu entrada nos serviços do OEF (cfr. fls. 1 do SITAF).

II.2 – De Direito
I. Vem o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferida 29 de julho de 2021, a qual julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada por A……………. do despacho do OEF proferido no âmbito do pedido de anulação que deu entrada em 27 de Outubro de 2020 (doravante, 2º pedido), e, em consequência, declarou a prescritas as dívidas exequendas dos PEFs nºs 0301201100269069 e 0301201200567426.
Segundo a Recorrente, e nos termos das respectivas conclusões – as quais delimitam o objecto do Recurso – a sentença recorrida ter-se-á pronunciado acerca de questão já abordada e respondida em termos parcialmente favoráveis em pedido de anulação anterior apresentado ao OEF, em 17 de Agosto de 2019 (doravante, 1º pedido), obstando a que o Tribunal pudesse conhecer da questão, sob pena de violação da exceção de caso julgado.

II. Vejamos, então.
Convém, desde logo, começar por esclarecer que o presente recurso respeita unicamente às dívidas à Segurança Social posteriores a 02/2008 (exigidas no âmbito do PEF nº 0301201100269069) e às dívidas referentes aos períodos entre 01/2011 e 10/2011 (exigidas no âmbito do PEF nº 301201200567426).
É quanto à prescrição destas dívidas que – tendo tal prescrição sido suscitada pelo ora Recorrido no 1º pedido e não tendo havido reclamação pelo mesmo da decisão então proferida, nos termos do artigo 276.º CPPT – ficaria o Tribunal a quo supostamente impedido de se pronunciar na reclamação feita do 2º pedido, tendo-se formado, segundo a Recorrente, “caso julgado”.

III. Ora, pese embora compreendendo a argumentação esgrimida pela Recorrente, não podemos concordar com a mesma.
Na verdade, é certo que o OEF já se houvera pronunciado anteriormente, em termos desfavoráveis, acerca da questão tratada na sentença ora recorrida – a indagação da prescrição das dívidas supra identificadas – e que, à data, a Recorrente não recorrera de tal decisão. E tão-pouco se nega que, entre o primeiro e o segundo pedido, nenhuma factualidade se apura (para além do simples decurso do tempo) que seja susceptível de, em abstracto, justificar a inflexão da posição ali lavrada.
Todavia, e na linha do Parecer do Ministério Público junto aos presentes autos, tal não deve impedir que a prescrição das dívidas possa ser novamente aquilatada, por meio de novo pedido dirigido ao OEF, que será, finalmente, reclamado.
E são duas as razões para que assim se conclua.

IV. A primeira é a de que, contrariamente ao alegado pela Recorrente, não se formou qualquer caso julgado, uma vez que o Tribunal de 1.ª Instância apreciou pela primeira vez a questão que lhe foi trazida a escrutínio, não tendo a mesma sido objecto de qualquer anterior apreciação seja por esse mesmo tribunal seja por qualquer outro órgão judicial.
Com efeito, apesar de a execução fiscal possuir natureza judicial, a exceção de caso julgado não se considera aqui aplicável. A ter-se formado algo, seria a consolidação do ato do OEF não reclamado, no âmbito do qual aquele órgão se pronunciou negativamente quanto à pretensão da Recorrente relativamente à verificação da prescrição, mas que não é impeditiva de novo conhecimento da questão pelos Tribunais.
O que nos traz para a segunda razão que, julgamos, dita igualmente a improcedência do presente Recurso; e que respeita ao conhecimento da questão da prescrição, no âmbito das reclamações apresentadas ao abrigo do artigo 276.º do CPPT.

V. Com efeito, configurando a prescrição uma questão de conhecimento oficioso e sendo cognoscível a todo o tempo, a sua apreciação judicial implica o escrutínio do circunstancialismo da sua verificação (ou não), ainda que possam não se ter verificado, em concreto, factos supervenientes susceptíveis de alterar o sentido interpretativo formulado pelo OEF.
Na verdade, sendo a prescrição um efeito produzido pelo decurso do tempo sobre uma determinada posição jurídica (in casu, um direito), a simples possibilidade de, em abstracto e por mero decurso do tempo, a mesma poder ter ocorrido, justifica o seu escrutínio judicial por parte dos Tribunais.
Aliás, a não ser assim, o próprio conhecimento oficioso ulterior do fundamento da prescrição sempre ficaria prejudicado se o efeito impeditivo do conhecimento da mesma se verificasse.
Assim sendo, e vertendo ao caso sob análise, importa concluir que a não reclamação do indeferimento do 1º pedido de anulação da dívida com fundamento na prescrição desta não obsta à interposição e conhecimento do mérito da reclamação judicial a que se refere o artigo 276.º do CPPT do indeferimento de um 2º pedido de anulação relativo à mesma dívida, igualmente com fundamento em prescrição.
Nada obsta, pelo exposto, ao conhecimento da questão da prescrição por parte do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, enquanto 1.ª instância de controlo judicial.

VI. Falta, por fim, e tratando-se de matéria de conhecimento oficioso, sindicar da verificação em concreto da verificação da prescrição quanto às dívidas em causa, apesar de, convirá sublinhar, a Recorrente não ter contestado, minimamente, a subsunção feita a tal respeito na sentença recorrida.
E, a tal respeito, limitamo-nos a reiterar os termos em que, com rigor e profundidade, a 1.ª Instância já o fez: “…Ante o exposto, não se mostram prescritas as dívidas em crise no PEF nº 0301201400209244.
Porém, já o mesmo não sucede relativamente às dividas exequendas posteriores a 02/2008 e até 12/2010 (as anteriores foram declaradas prescritas pelo OEF) a serem exigidas no âmbito do PEF nº 0301201100269069 e às dívidas referentes aos períodos entre 01/2011 e 10/2011 a serem exigidas no PEF nº 0301201200567426.
Recomeçando a nossa análise, iniciando a mesma pela quantia exequenda mais recente e relativa ao mês de Outubro de 2011 (a dívida mais recente que se encontra em cobrança no PEF n.º 0301201200567426 uma vez que caso se conclua pela sua prescrição, a fortiori, a dívida mais antiga também estará prescrita.
Assim, a quantia exequenda referente ao mês de Outubro de 2011 deveria ser paga até 20-11-2011, dia após o qual se verifica o termo inicial da contagem do prazo de prescrição (21-11-2011).
Sendo assim, se nenhuma causa obstasse ao decurso do prazo prescricional de 5 anos, o mesmo completar-se-ia em 20-11-2016.
Não se vislumbra no probatório no que se refere a estes PEFs qualquer causa interruptiva ou suspensiva do prazo de prescrição, ou seja, qualquer diligência administrativa do qual o Reclamante tenha tomado conhecimento passível de interromper ou suspender o prazo de prescrição.
Não se vislumbram, deste modo, quaisquer causas interruptivas ou suspensivas do prazo de prescrição iniciado em 21-11-2011.
Assim sendo, como é, atenta a inexistência de evidência de ter sido concretizada, designadamente, a notificação para o exercício do direito de audição ou a citação do Reclamante, quedamo-nos perante a inexistência de factos interruptivos ou suspensivos da prescrição, que, no que respeita à dívida recente, ocorreu a 20-11-2016.
” (sublinhados nossos).

VI. Importa, por isso e atento todo o exposto, concluir no sentido do indeferimento do presente recurso.


III. CONCLUSÕES
A não reclamação do indeferimento de um 1º pedido dirigido ao OEF de anulação da dívida com fundamento na prescrição desta não obsta à interposição e conhecimento do mérito da reclamação judicial a que se refere o artigo 276.º do CPPT do indeferimento de um 2º e ulterior pedido dirigido ao OEF de anulação relativo à mesma dívida, igualmente com fundamento em prescrição.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 23 de Março de 2022. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.