Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
34503/18.6YIPRT.P3
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA EIRÓ
Descritores: CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
REPETIÇÃO DO JULGAMENTO
PODERES DO JUIZ
Nº do Documento: RP2024031934503/18.6YIPRT.P3
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: No contexto da dinâmica factual referente ao contrato e ao seu cumprimento/incumprimento, e, de forma a evitar novas contradições foi o julgamento realizado na sua totalidade visto que, toda a matéria de facto referente à prova deste “acordo” se encontra correlacionada. Aliás o acórdão anulatório remeteu para o nº 3, a), b) e c) do artº 662º do diploma que analisamos.
O juiz, nos termos do artº 602º, nº 1 do CPC, goza de todos os poderes necessários para tornar útil e breve a discussão e para assegurar a justa composição da causa – cfr. ainda o artigo 6º do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 34503/18.6TIPRT.P3





Acordam no Tribunal da Relação do Porto



A..., Lda. intentou a presente ação declarativa especial para cumprimento de obrigação pecuniária, emergente de injunção, entretanto convertida em ação declarativa de condenação, em processo comum, contra B..., S.A., peticionando que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia global de 17.232,51€, acrescida dos respetivos juros legais que, sobre o valor de cada uma das faturas se vençam até efetivo e integral pagamento, tendo apurado os vencidos na quantia de 162,37€.
Para o efeito, e em síntese, alegou que, no âmbito da sua atividade, prestou à ré serviços, por esta solicitados, consubstanciados no fornecimento de mão de obra especializada, no âmbito de uma operação de inspeção aérea de linhas MAT na REN.
Alegou, para tanto, que apresentou à ré uma proposta no valor de 17.500,00€, a que acrescia IVA, que incluía os serviços a prestar no decorrer do ano de 2017, nomeadamente nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2017, a qual lhe foi adjudicada pela ré.
Acrescentou que, como acordado, entre outubro e dezembro de 2017, a autora cedeu à ré o seu trabalhador Engenheiro AA, que executaria todas as tarefas pela ré solicitadas, sendo esta, inclusivamente que procedia à gestão dos seus tempos e dos serviços a ser executados por aquele.
Finalmente, alegou que, por conta dos serviços prestados, emitiu as faturas FIC A/992, no valor de € 14.350,00 e FIC A/1009 no valor de €2.882,51, que não foram pagas pela ré, na data de vencimento, não obstante ter sido interpelada, por diversas vezes, para o efeito.
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Regularmente citada, a ré apresentou contestação, tendo, numa primeira asserção, afiançado que o acordo celebrado com a autora se prendeu com a prestação de serviços pela autora tendentes ao processamento dos dados emergentes da operação de inspeção aérea de linhas MAT da REN levadas a cabo pela ré.
Para o efeito, invocou, em síntese, que ainda antes do pagamento da fatura FIC A/886 no montante de € 7.175,00, em 29-12-2017, expôs à autora que estavam a ser faturados trabalhos que ainda não tinham sido realizados. Neste contexto, os representantes legais das partes reuniram e o da autora solicitou o pagamento da referida fatura, apesar da reduzida quantidade de trabalho produzida, como se fosse trabalho prestado no mês de outubro de 2017 e que nos meses seguintes se faria o respetivo acerto de valores, para o que invocou a necessidade de cobrir despesas de estadia e deslocação com o colaborador na execução do contrato.
Assim, alegou a ré que foi nessa condição e na de a autora anular a fatura FIC A/928, entretanto, emitida a 30 de novembro de 2017 – o que efetivamente sucedeu – que a ré aceitou efetuar o pagamento da predita fatura FIC A/866.
Não obstante tal acordo, invocou que a autora enviou novamente a fatura FIC A/992 com o mesmo descritivo da anteriormente anulada, referente à cedência de mão de obra especializada em novembro e dezembro de 2017, apesar de bem saber que tais serviços ainda não tinham sido prestados.
Assim, defende que a autora tentou obter o pagamento da totalidade do trabalho a produzir para a Inspeção Visual Aérea de linhas de MAT da REN, o qual devia ter sido realizado de outubro a dezembro de 2017 e que, àquela data, não tinha sido prestado.
A ré invoca, ainda, que até dezembro de 2017 apenas foi realizada a inspeção aérea de cerca de 2400 km de linha, que corresponde a 14 dias de voo, pelo que, mesmo aceitando o valor unitário de € 320,00 (por voo), a autora apenas poderia ter faturado a quantia de € 6.392,60, sendo que pagou a fatura FIC A/886 no montante de € 7.175,00, pelo que é credora do remanescente, no valor de € 782,39, que devia ter sido prestado com trabalho a realizar em 2018 – o que não sucedeu.
Quanto à fatura FIC A/1009, invoca que o valor inserto não é o correto, uma vez que ficou acordado o valor de € 2,50/Km pelo processamento das linhas em relatório. Pelo que a autora apenas poderia faturar 766 Km à razão de € 2,50, o que perfaz o montante de € 1.915,00, sem incidência de IVA.
Assim, em síntese, a ré admitiu-se devedora da quantia de € 1.278,90, sem incidência de IVA.
A ré deduziu ainda pedido reconvencional contra a autora, peticionando a condenação da autora na entrega de um fato de voo ou no pagamento do respetivo valor, que se cifra em € 140,00.
Por fim, pugnou pela condenação da autora como litigante de má fé.
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A autora deduziu réplica, respondendo à matéria invocada pela ré, pugnando pela condenação desta pelos motivos já aduzidos no seu petitório.
No que se refere à devolução do fato de voo, esclareceu que nunca o entregou porque não lho foi pedido, mas que o faria.
Pugna pela sua absolvição como litigante de má fé.
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Realizada a audiência prévia, foi admitida a reconvenção formulada pela ré, incluindo quanto à compensação de créditos invocada, proferido despacho saneador, com fixação do objeto do litígio e dos temas da prova, conhecidos os requerimentos probatórios apresentados pelas partes e programados os autos a realizar na audiência final.
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Por despacho proferido em 23.04.2019, foi julgada parcialmente extinta a instância reconvencional, no que se refere ao pedido de condenação da autora na entrega do fato de voo, no valor de € 140,00, por inutilidade superveniente da lide.
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A sentença, datada de 02.07.2019, que julgou parcialmente procedente a presente ação – cfr. fls. 121 a 130, verso – foi revogada pelo Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto – cfr. fls. 146 a 153, verso –, que ordenou a sua anulação, com a respetiva repetição do julgamento da causa.
Em obediência a esse acórdão e depois de repetido o julgamento realizado, foi proferida a sentença, datada de 05.07.2021 – cfr. fls. 161 a 174 –, que mais uma vez julgou parcialmente procedente a ação e improcedente o pedido reconvencional –, que também ela foi revogada pelo Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, datado de 05.04.2022 – cfr. fls. 232 a 250 –, que decidiu anular o julgamento ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. a) e c), do CPC, quanto aos concretos pontos – 10, 15 e 20 – para que possam ser sanadas as contradições nos termos citados, devendo observar-se o que dispõe o mesmo artigo, n.º 3, al.s a), b) e c).
E, mais uma vez, em cumprimento do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 05.04.2022, realizou-se a audiência final, com observância dos formalismos legais.
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Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância, não subsistindo, nem sobrevindo, qualquer exceção dilatória, nulidade processual ou questão prévia ou incidental que cumpra conhecer e que obste ao conhecimento do mérito da causa.
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Oportunamente foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
Em face do exposto, julgando parcialmente procedente a ação e, por sua vez, a reconvenção deduzida, decido:
- condenar a ré B..., S.A. no pagamento à autora A..., Lda. da quantia de 2.251,13€ (dois mil, duzentos e cinquenta e um euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora comercial, à taxa supletiva legal sucessivamente em vigor em cada período, desde o dia 08.02.2018 até ao seu efetivo pagamento, absolvendo a ré e a autora do demais contra se peticionado quer por via da ação quer por via de reconvenção, respetivamente.
- julgar improcedente o pedido de condenação da autora A..., Lda. como litigante de má fé, dela o absolvendo;
- condenar a autora e ré no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento.
Notifique e registe”.
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A..., Lda., apelou desta sentença concluindo nas alegações:
1. A recorrente discordando da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente procedente a acção proposta pela Autora, aqui Recorrente, vem dela agora interpor recurso.
2. Atento o tempo decorrido desde o início da presente ação assim como de todas as vicissitudes entretanto ocorridas (nomeadamente a realização do julgamento por três vezes), entende-se ser essencial referir que por sentença datada de 02.07.2019, julgou-se parcialmente procedente a presente ação que, em suma, condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de 16.705,45€, a qual foi revogada pelo Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, que ordenou a sua anulação, com a respetiva repetição do julgamento da causa.
3. O que aconteceu. E, depois de repetido o julgamento realizado, foi proferida (nova) sentença, datada de 05.07.2021, que mais uma vez julgou parcialmente procedente a ação, tendo a Ré sido condenada no pagamento à Autora da quantia de 16.265,00€, que também ela foi revogada pelo Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, datado de 05.04.2022, que decidiu “anular o julgamento ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. a) e c), do CPC, quanto aos concretos pontos – 10, 15 e 20 – para que possam ser sanadas as contradições nos termos citados, devendo observar-se o que dispõe o mesmo artigo, n.º 3, alíneas a), b) e c).”
4. Apesar de para a recorrente ser claro que a repetição do julgamento seria – apenas e só – quanto aos referidos concretos pontos (10, 15 e 20), a verdade é que – por mero dever de patrocínio e celeridade processual – a Autora junta ao processo o requerimento, datado de 29/09/2022. Tendo sido proferido o seguinte despacho:
“Da leitura do acórdão, datado de 05.04.2022, resulta, salvo o devido respeito, a imposição de repetir o julgamento da causa na sua globalidade, com a produção de prova admitida, abrindo caminho a eventual acareação, se necessário, entre as declarações de parte e as testemunhas, ou entre estas, pese embora o foco da contradição, que determinou a revogação da decisão recorrida, se tenha centrado na latente contradição existente entre os artigos 10, 15 e 20.”.
5. Tendo sido, efectivamente, repetido todo o julgamento e não apenas “quanto aos concretos pontos – 10, 15 e 20”, conforme determinava o referido douto Acórdão, e proferida a douta Sentença de que se recorre.
6. Relativamente à “A anulação do julgamento ao abrigo do disposto no artº 662º, nº 2 a) e c) do CPC quanto aos concretos pontos – 10, 15 e 20”, a recorrente deixou bem clara, ab initio, qual a sua posição relativamente à interpretação da decisão do Acórdão proferido a 05 de Abril de 2022.
7. Nomeadamente porque, se analisarmos atentamente os concretos pontos em questão o assunto controvertido é apenas um: a fatura no valor de €2.885,00. Ou seja, qual o acordo efectuado após Janeiro de 2018, qual a base de cálculo utilizado para a elaboração da fatura, etc.. E, caso fosse – por mera hipótese de raciocínio – abordado o ponto 2) e/ou 3) da sentença anterior seria, apenas e só, para efectuar uma localização temporal e conseguir “separar” a celebração do primeiro acordo e o respectivo terminus e a celebração do seguro que deu origem à emissão da segunda fatura. Fatura essa que, entretanto, a Ré aceitou pagar conforme conforme resulta do ponto 19. da sentença ora em crise dos factos provados.
8. Os demais pontos não “beliscam”, portanto, qualquer outro facto dado como provado nem comprometem a sentença já proferida no que diz respeito à condenação da Ré no pagamento à Autora do valor peticionado, e cujo pagamento, o Venerando Tribunal da Relação do Porto (assim como o Tribunal a quo nas demais sentenças) não coloca em causa.
9. Na motivação da Sentença de que se recorre, o Tribunal a quo expressa que da leitura do referido Acórdão, resulta que o que determinou anulação do julgamento foi a contradição existente entre os artigos 10, 15 e 20, “sem que com isso se quisesse dizer que o novo julgamento da causa ordenado – com a repetição da prova requerida pelas partes e a produção de nova prova por acareação – se cingisse exclusivamente a esses concretos pontos da matéria de facto.”. Acrescentando ainda a Meritíssima Juiz que, da aludida decisão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, “resulta a realização de novo julgamento, com produção de toda a prova carreada aos autos pelas partes e ainda, como sugerido, a acareação entre os representantes legais da autora e da ré, incidindo sobre a totalidade da matéria de facto em discussão.”
10. Estamos em crer que do disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. a) e c) e, consequentemente, do n.º 3, al. a), b) e d) do CPC resulta procedimento diferente.
11. Acresce ainda que, desde logo, não podemos concordar com o facto deste julgamento ser visto como um novo julgamento, completamente autónomo, diverso e estanque em relação aos julgamentos anteriores. Criar tal dicotomia entre julgamentos e decisões na mesma causa e instância parece estar em desacordo com a essência do problema subjacente (que é alcançar a justiça do caso) e com os princípios fundamentais do processo.
12. Para além de que desconsiderar toda a prova produzida nos julgamentos anteriores seria dar uma oportunidade às partes de reformular as suas posições, de forma a alcançarem uma decisão diferente no que a mesma lhes foi desfavorável (o que, e salvo o devido respeito, foi exactamente o que aconteceu como melhor explicaremos).
13. Se por um lado é notório o facto de poderem ser apreciados outros pontos da matéria de facto para além dos “concretos pontos” 10, 15 e 20, com o fim de evitar contradições; por outro lado, isso não pode significar que o segundo julgamento seja absolutamente estanque em relação ao anterior. Não obstante o facto de esta possibilidade estar expressamente prevista pelo legislador na última parte da alínea b) do n.º 3 do art. 662.º (a apreciação de outros pontos da matéria de facto), desde logo manifesta-se a ideia de que estamos em presença da continuação do primeiro julgamento e, não, uma repetição de toda a prova como se o(s) julgamento(s) anterior(es) não tivesse(m) existido.
14. O Venerando Tribunal da Relação do Porto ao decidir anular o julgamento quanto aos concretos pontos 10, 15 e 20 da matéria de facto, está – salvo melhor opinião – a proceder a uma anulação parcial do julgamento, e não total.
15. Não tendo existido qualquer referência (fosse onde fosse) aos demais pontos dados como provados na sentença anterior, os mesmos estão considerados assentes e a sentença, relativamente às questões suscitadas nos demais pontos (provados e não provados), os mesmos foram considerados como assentes e a sentença, nessa parte, deve ser dada como definitiva.
16. Assim, e atento o exposto, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser considerada nula e consequentemente ser também nulo todo o julgamento, devendo proceder-se a novo julgamento, apenas e só, quanto aos concretos pontos – 10, 15 e 20 – para que possam ser sanadas as contradições nos termos citados no douto Acórdão datado de 05.04.2022.
17. Acresce ainda, que a jurisprudência é unanime no seguinte: é certo que um julgamento pode vir a ser anulado em sede de recurso, no entanto, daí não resulta uma regressão do processo à fase anterior. Ou seja, um julgamento anulado não é o mesmo que um julgamento inexistente, pelo que não se pode ignorar a realização daquele. Para a recorrente esta é uma questão fundamental para a análise da prova nos presentes autos. E isto porque não se trata da realização de um novo julgamento, mas sim da repetição de dois julgamentos já realizados onde, naturalmente, existiu produção de prova.
18. No terceiro julgamento sendo já conhecido (e mais do que conhecido) o teor das declarações de parte, o depoimento das testemunhas e ainda o teor das sentenças anteriores, podiam as partes vir indicar nova prova em conformidade com os seus interesses e de forma a obter agora uma decisão mais favorável. E foi, salvo o devido respeito, exactamente o que sucedeu.
19. Por fim, e ainda quanto às questões prévias, refira-se que da douta sentença de que se recorre resulta que não foi viável a repetição de novo julgamento pela Mma. Juíza que presidiu o julgamento anterior – pela sua transferência por via do movimento judicial ordinário de juízes. Ora, será vantajoso, de um ponto de vista de coerência e de adequação do sistema, e preferível que o julgamento seja efectuado pelo mesmo juiz, salvo nos casos em que tal se mostre inviável por impossibilidade do juiz que presidiu ao julgamento anterior.
20. Por princípio, a responsabilidade pelo julgamento dos factos e pela elaboração da sentença deve recair sobre um único juiz, exceto em situações de impossibilidade de exercer o cargo ou de dificuldades graves que tornem preferível repetir integralmente os atos realizados no julgamento anterior. Pelo exposto, deve também a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, deverá ser revogada a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que faça prosseguir os autos para julgamento, a ser presidido pela Exma. Sr.ª Juíza que o iniciou.
21. No plano da matéria de facto, o presente pedido de reapreciação apresentado pela Autora cinge-se aos seguintes pontos: 2, 3, 4. 8. 11. 12, 13. 15. 16. e 19.; e ainda dos factos não provados A e B.
22. Em cumprimento do ónus previsto no artigo 640º do Código Processo Civil se indicarem as passagens da gravação dos depoimentos de cada uma das testemunhas, a saber: BB; Engenheiro Civil e representante legal da Ré, cujo depoimento prestado a 29 de Setembro de 2022, foi gravado entre as 10h53m35s e as 12h42m10s, com uma duração total de 01h52m35s (ficheiro nº 20220929105333_3784483_2870303), CC; representante legal da Autora, cujo depoimento prestado a 29 de Setembro de 2022, foi gravado entre as 13h46m42s e as 15h18m19s; com uma duração total de 01h31m36s.; AA; engenheiro electrotécnico, funcionário da Autora, cujo depoimento prestado a 29 de Setembro de 2022, foi gravado entre as 16h01m37s e as 17h19m41s, com uma duração total de 01h18m04s. DD; engenheiro geógrafo, cujo depoimento prestado a 06 de Outubro de 2022, foi gravado entre as 10h28m06s e as 12h10m45s, com uma duração total de 01h42m38s.
23. No ponto 2. da decisão sobre a Matéria de Facto o Tribunal a quo deu como provado que “No âmbito da sua atividade, em setembro de 2017, a autora A..., Lda. e a ré B..., S. A., acordaram entre si, que a primeira procederia à inspeção visual da totalidade das linhas aéreas de MAT (Muito Alta Tensão) da REN, num total aproximado de 7000km, cujos dados eram pela segunda obtidos nos voos por si monitorizados, e, posteriormente, procederia à elaboração do respetivo relatório de processamento dos dados apurados, a realizar no período 10 semanas, compreendidas entre os meses de outubro e dezembro de 2017, pelo preço global de € 17.500,00 acrescido de IVA, que a segunda se comprometeu a pagar se e na medida em que a execução dos trabalhos se efetivasse, numa razão de 2,50€, sem incidência de IVA, por cada km de linha inspecionada. No ponto 3. da decisão sobre a Matéria de Facto o Tribunal a quo deu como provado que “Pelo descrito em 2), a autora afetou à execução dos trabalhos acordados com a ré um seu trabalhador, e Engenheiro AA.”
24. Por outro lado, da decisão sobre a Matéria de Facto o Tribunal a quo deu como não provado que “O acordo descrito em 2), teve como objeto a cedência da autora à ré de mão de obra especializada, no âmbito de uma operação de inspeção aérea de linhas MAT da REN,concretamente, o trabalhador daquela Engenheiro AA, sob as ordens e direções da ré, realizando, durante os meses de outubro, novembro e dezembro de 2017, os trabalhados que aquela lhe atribuía, de acordo com a sua gestão de projetos.” Ora, salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo a julgar como provados os factos 2. 2, por consequência, a dar como não provado o Ponto “A”, apenas se compreendendo que tal apenas ocorreu por manifesto erro da apreciação da prova. E isto porque, também deste julgamento – tanto da prova documental, como da testemunhal - resultou que no âmbito da sua actividade, a Autora celebrou com a Ré um acordo, por solicitação desta por via da qual a primeira se obrigou a ceder à segunda mão de obra especializada, no âmbito de uma operação de inspecção aérea de linhas MAT da REN, a realizar no período de 10 semanas, compreendidas entre os meses de outubro e dezembro de 2017, pelo preço de €17.500,00 (acrescido de IVA), que a segunda se comprometeu a pagar. Desde logo, o referido acordo resulta da proposta apresenta pela Autora à Ré e dos emails trocados pelas partes.
25. No entanto, e para além da proposta e dos emails existentes, tal resulta ainda da prova testemunha recolhida em audiência tendo sido, e mais uma, confirmado que o que esteve na base da negociação entre Autora e Ré era a cedência de mão-de-obra do Eng. AA.
26. Da análise das declarações de parte, conclui-se que, por diversas vezes, o próprio representante legal da Ré confirma que o Eng. AA foi escolhido para a execução deste trabalho. Ou seja, na verdade não era propriamente a Autora que interessava contratar mas sim o Eng. AA por estar já dentro do “projecto”, por ter formação e pelo seu “know-how”.
27. E, apesar do depoimento que a Meritíssima Juiz considera coerente e objectivo mas que, nos parece, com o devido respeito, que se tratou de um depoimento bastante ensaiado e cauteloso (tendo em consideração os seus depoimentos anteriores, assim como as duas sentenças), a verdade é que o Eng. BB acaba por admitir que o Eng. AA seria – naquela data – uma peça fundamental para dar inicio ao projecto. Tendo, e por esse motivo, “ido atrás dele”, na pessoa do Eng. EE, mesmo quando aquele já se encontrava ao serviço exclusivo da Autora.
28. Existiu, portanto, e sem qualquer margem de dúvida, uma cedência de mão da obra do referido Eng. AA à Ré por um período de 10 semanas (entre Outubro e Dezembro de 2017).
29. Resulta do depoimento do representante legal da Autora (que, com o devido respeito, não se tratou de um depoimento titubeante, mas sim de um depoimento coerente com os depoimentos anteriores. Tendo, efectivamente, sido “custoso” atendo o estado de saúde do Sr. CC) o seguinte: - Que foi contactado pela Ré para apresentar uma proposta de cedência de mão de obra (e uma vez que era exclusivamente o Eng. AA quem iria fazer parte do “projecto); - Que apresentou uma proposta “final”, no valor de €17.500,00 pela referida cedência, a qual foi aceite pelo Eng. BB; - Que, após a adjudicação, o Eng. AA iniciou as suas funções sob as ordens e direcções da Ré; - Que o acordo, que consistia na inspecção de linhas MAT da REN, tinha a duração de 10 semanas (outubro, novembro e dezembro).
30. O que tanto o Eng. AA e o Eng. DD confirmam.
31. Resulta ainda da douta sentença ter sido dado como facto provado que “A inspecção visual das linhas aludida em 2) era efetuada em dois momentos: a visualização das linhas, com vista a apurar existência de vícios ou problemas que carecessem de intervenção, e a elaboração do respetivo relatório de processamento daqueles dados, sendo que, como era exigência da REN, entre os dois momentos não poderiam exceder 30 dias.” Ora, salvo o devido respeito, a Recorrente não pode também considerar como facto dado como provado o segmento “sendo que, como era exigência da REN, entre os dois momentos não poderiam exceder 30 dias.” Isto porque, esse conhecimento era apenas da Ré e já não da Autora, como resulta do depoimento do representante legal.
32. Aliás, de acordo com o depoimento do Eng. AA nem o próprio tinha conhecimento que entre os dois momentos não podiam exceder 30 dias, tinha sim conhecimento que os dados tinham que ser processados para que fossem facturados. Devia portanto, o Tribunal a quo, ter dado como provado apenas a parte “A inspeção visual das linhas aludida em 2) era efetuada em dois momentos: a visualização das linhas, com vista a apurar existência de vícios ou problemas que carecessem de intervenção, e a elaboração do respetivo relatório de processamento daqueles dados” e já não o ultimo segmento conforme referido.
33. Resulta ainda da Matéria de facto dada como provado o seguinte (ponto 8.) “Sucede que devido à deficiente qualidade das imagens recolhidas, o Engenheiro AA, por acordo entre a autora e a ré, passou a integrar todos os voos de helicóptero, para a referida finalidade.” Ora, mais uma vez e salvo o devido respeito, não podia o Tribunal a quo
– e com a prova produzida em sede de audiência de Discussao e Julgamento dar como provado o segmento “por acordo entre a autora e a ré”. Isto porque, e como resulta do depoimento do legal representante da Autora assim como da testemunha AA (e já supra transcrito) resulta que foi o Eng. AA que, confrontado com os problemas deparados aquando dos primeiros dois voos, sugeriu que fosse alterado o inicialmente combinado e que começasse, também ele, a fazer parte de todos os voos. O mesmo foi afirmado pela testemunha Eng. DD.
34. Da sentença que se recorre decorre ainda, e como facto provado que: “Recebidas as faturas pela ré, o seu administrador BB contactou o representante legal da autora, CC, recusando proceder ao seu respetivo pagamento, uma vez que aquelas excediam a concreta inspeção visual, então, já realizada pela autora.” Ora, salvo o devido respeito – e conforme resulta das declarações de parte do legal representante da Autora – o Eng. BB não pretendeu, naquela primeira fase, efectuar o pagamento das facturas, não porque “aquelas excediam a concreta inspeção visual, então, já realizada
35. Pelo que, e dos factos provados deveria constar o seguinte: “Recebidas as faturas pela ré, o seu administrador BB contactou o representante legal da autora, CC, recusando proceder ao seu respetivo pagamento, uma vez que ainda não havia recebido qualquer pagamento por parte da REN.”
36. Resulta ainda da matéria de facto dada como provada que “Ambos reuniram, na sede da ré, e acordaram que esta procederia, não obstante o acordado em 2), ao pagamento integral da fatura descrita em 9), como forma cobrir as despesas de estadia e deslocação do seu colaborar na execução do acordo firmado, com a condição de durante a execução dos trabalhos nos meses seguintes se fazer o respectivo acerto de contas e, bem assim, com a condição de proceder à anulação da fatura descrita em 10)..”
37. Atento ao supra exposto relativamente ao facto 2., não pode a recorrente aceitar que o facto 12. tenha sido dado como provado. Devendo, nomeadamente, ser retirado o segmento “ não obstante o acordado em 2),”. Por outro lado, refira-se ainda que a anulação da fatura ocorreu apenas e só devido ao pedido efectuado pela Ré, a que a Autora acedeu para manter a boa relação comercial. Ou seja, a Ré cede ao pagar uma fatura e a Autora cede ao anular a outra.
38. Assim, e atenta a prova produzida e já supra mencionada, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que “Ambos reuniram, na sede da ré, e acordaram que esta procederia, ao pagamento integral da fatura descrita em 9), como forma cobrir as despesas de estadia e deslocação do seu colaborar na execução do acordo firmado, com a condição de durante a execução dos trabalhos nos meses seguintes se fazer o respectivo acerto de contas”
39. Do ponto 13 da Matéria de Facto dada como provada decorre que “Pelo descrito em 11) e 12), a ré procedeu ao pagamento da fatura identificada em 9) e a autora anulou a fatura descrita em 11), emitindo, para o efeito, a nota de crédito DVC A/27, datada de 29-12-2017.”
Ora, atento o exposto relativamente ao ponto 12), não pode a recorrente aceitar a redacção dada ao ponto 13. devendo, portanto, constar apenas que “A ré procedeu ao pagamento da fatura identificada em 9) e a autora anulou a fatura descrita em
11), emitindo, para o efeito, a nota de crédito DVC A/27, datada de 29-12-2017.”
40. Resulta também da sentença que ora se recorre que a “Pelo descrito em 6) e 7), por cada voo realizado pelo Engenheiro AA, a autora e a ré acordaram que esta pagaria aquela a quantia de 320,00€, sem incidência de IVA.” Mais uma vez, e salvo o devido respeito, não pode a recorrente aceitar o ponto em análise. E isto porque, da análise da prova produzida em julgamento, em momento algum foi referido quer por parte do legal representante da Autora, quer pela testemunha AA que houve acordo relativamente ao pagamento de 320,00€ por voo.
Ocorre que, na primeira proposta o Sr. CC fala nos referidos 320,00€ por dia, no entanto e como referido, a adjudicação acaba por ser feita por €17500,00 pelos três meses. No entanto, nunca ficou acordado – entre ambas – que a Ré pagaria a quantia de 320,00€ por voo que o Eng. AA efectuasse. Deve, portanto, ser eliminado tal ponto dos factos dados como provados e ser o mesmo considerado como não provado.
41. Como facto 16. foi dado como provado que “Sem prejuízo do descrito em 2), em janeiro de 2018, a autora procedeu ao processamento dos dados respeitantes a 766 Km de linha área.”
Ora, atendendo a que a Recorrente não aceita (porque não foi provado o ponto 2.) não pode, e por consequência, aceitar que se dê como provado o facto em análise nos termos em que o foi. Devendo, portanto, ter sido dado como provado que “Em janeiro de 2018, a autora procedeu ao processamento dos dados respeitantes a 766 Km de linha área.”
42. Por fim, no ponto 19. da decisão sobre a matéria de Facto, o Tribunal a quo deu como provado que “Por conta do descrito em 16), a autora emitiu a fatura FIC A/1009, vencida em 07.02.2018, no valor de 2.882,51€, cujo pagamento aceitou proceder.” Por outro lado, deu como não provado que: “Em data não concretamente apurada, mas após o referido em A), a autora e a ré acordaram que aquela procederia ao processamento da informação referente aos quilómetros já voados na execução acordo identificado em 2) e sobre os quais ainda não tinha sido elaborado relatório, pelo valor de €2,50, sem incidência de IVA, por quilometro de linha processada em relatório.
43. Ora, mais uma vez e salvo o devido respeito, para além da recorrente não poder aceitar o ponto 16. no que diz respeito ao segmento “Por conta do descrito em 16), e uma vez que não aceita o ponto 16., a verdade é que existe também entre estes dois pontos uma clara contradição que, só por manifesto erro de apreciação de prova se poderá compreender. Isto porque não pode a Meritíssima Juiz considerar como não provado o ponto B., quando dá como provado que, e relativamente a esses mesmos km’s, “a autora emitiu a fatura FIC A/1009, vencida em 07.02.2018, no valor de 2.882,51€, cujo pagamento aceitou proceder.”
44. No que diz respeito à natureza do acordo celebrado entre Autora e Ré, entende a Recorrente que atenta a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento (não só no primeiro e segundo julgamento, mas também no terceiro), impõe-se proceder à respetiva subsunção ao direito aplicável, procedendo à qualificação do acordo celebrado entre as partes. Ora, alicerçando-se no princípio da liberdade contratual que perpassa todo o direito obrigacional do nosso ordenamento jurídico, dispõe o artigo 405.º, n.º 2 do Código Civil que as partes podem (…) reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
45. Dispõe o artigo 1154.º do Código Civil que o contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição. Acresce que quando a modalidade contratual em discussão não se cinge às previstas no artigo 1155.º do Código Civil, ao contrato de prestação de serviços é-lhe aplicável, a título subsidiário, as disposições atinentes à figura jurídica do mandato – cf. artigo 1156.º a 1184.º, todos do Código Civil.
46. Dos factos que a recorrente considera como provados resulta, de facto, que a Autora celebrou com a Ré um acordo, por solicitação desta, por via do qual a primeira se obrigou a ceder à segunda mão de obra especializada, no âmbito de uma operação de inspeção aérea de linhas MAT da REN, a realizar no período 10 semanas, compreendidas entre os meses de outubro e dezembro de 2017, em datas não concretamente apuradas, pelo preço global de € 17.500,00, acrescido de IVA, que a segunda se comprometeu a pagar, bem como que a autora iniciou os seus trabalhos em outubro de 2017.
47. Resultou ainda demonstrado que, posteriormente, a autora e a ré acordaram que aquela procederia ao processamento da informação referente aos quilómetros já voados na execução do referido acordo e sobre os quais ainda não tinha sido elaborado relatório, o que foi realizado em janeiro de 2018. Constatamos, portanto, in casu, as partes celebraram dois contratos de prestações de serviços atípicos.
48. As obrigações do mandatário (Autora) e do mandante (Ré) encontram-se previstas nos artigos 1161.º e 1167.º, ambos do Código Civil.
49. Assim, por via de tais contratos, resultam para ambas as partes direitos e obrigações, sendo que o contrato de prestação de serviços tem como efeitos essenciais a obrigação para o prestador de proporcionar o serviço e a obrigação para o beneficiário do serviço de pagar a respetiva retribuição. Nos presentes autos, a autora peticiona o pagamento quantia global de € 17.232,51, respeitante às faturas FIC A/992 e FIC A/1009, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos.
50. Tendo, conforme exposto, ficado demonstrado que a autora e a ré celebraram um acordo, por solicitação desta, por via do qual a primeira se obrigou a ceder à segunda mão de obra especializada, no âmbito de uma operação de inspeção aérea de linhas MAT da REN, a realizar no período 10 semanas, compreendidas entre os meses de outubro e dezembro de 2017, em datas não concretamente apuradas, pelo preço global de € 17.500,00, acrescido de IVA, que a segunda se comprometeu a pagar. Mais se provou que, por conta de tais serviços, a autora emitiu a fatura FIC A/866, no valor de € 7.175,00, a Fatura FIC A/928, no valor de € 7.175,00, e a Fatura FIC A/992, no valor de € 14.350,00, tendo a ré procedido ao pagamento da primeira e a autora anulado a segunda.
51. Resulta, portanto, que a Ré não cumpriu a obrigação que impendia sobre si de proceder ao pagamento pelo serviço prestado pela autora, no âmbito do referido contrato de prestação de serviços as que as partes celebraram. Por outro lado, e quanto ao pagamento dos quilómetros já voados na execução do referido acordo identificado em 2) e sobre os quais ainda não tinha sido elaborado relatório, foi a própria Ré que admitiu não ter pago mas que, neste momento, admite pagar.
52. Ora, de acordo com o artigo 406.º, n.º 1, 1ª parte do Código Civil, os contratos devem ser pontual e escrupulosamente cumpridos, o que significa que ao devedor incumbe realizar a prestação a que, por força do estipulado pelas partes, se encontra vinculado – artigo 762.º, n.º 1 do Código Civil. No entanto, a ré não cumpriu o essencial da obrigação a que estava adstrita, uma vez que não procedeu ao pagamento do preço devido pelos serviços prestados pela autora.
53. Deverá, portanto, a Ré ser condenada no pagamento integral dos valores peticionados pela Autora. E, deve por isso ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos moldes acima relatados, julgando-se, sempre e em qualquer caso, totalmente procedente a acção e, por consequência, deverá ser a Ré condenada no pagamento dos valores peticionados pela Autora.
Nestes termos e melhores de Direito, cujo douto suprimento se invoca, deverão
V/ Exas. conceder provimento ao presente recurso nos termos enunciados nas conclusões, como é de Direito, com o que V/ Exas., farão como sempre serena e OBJECTIVA JUSTIÇA.

A apelada contra alegou concluindo:
A. A Recorrente discordando da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente procedente a ação por si proposta vem dela agora interpor recurso.
B. Conforme supra referido, o presente processo judicial implicou já a repetição, pela 3.ª vez, da audiência de julgamento.
C. Esta última repetição da audiência de julgamento (que deu origem à sentença da qual a Recorrente ora interpôs recurso) foi ordenada por este Venerando Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão proferido a 05.04.2022.
D. E, relativamente a esse aspeto, a aqui Recorrente veio alegar que esta nova repetição do julgamento deveria ter incidido apenas sobre alguma da matéria de facto em discussão nos presentes autos (ou que, por outras palavras, que o julgamento não deveria ter sido repetido na íntegra).
E. Contudo, tal não pode corresponder à verdade; pois a matéria de facto nos presentes autos está de tal forma interligada entre si que, na verdade, seria impossível que o julgamento apenas tivesse sido repetido parcialmente.
F. O que, aliás, resulta das alegações apresentadas pela ora Recorrente que admite que, a repetição parcial do julgamento, implicaria sempre a abordagem a outros pontos da matéria de facto (“E, caso fosse – por mera hipótese de raciocínio – abordado, o ponto 2) e ou 3)) da sentença anterior”).
G. E, precisamente por esse motivo, para evitar que voltassem a existir factos contraditórios entre si, a posição adotada pelo Tribunal a quo, nomeadamente no despacho proferido a 27.09.2022, foi como se pode ler que “Da leitura do acórdão, datado de 05.04.2022, resulta, salvo o devido respeito, a imposição de repetir o julgamento da causa na sua globalidade, com a produção de prova admitida, abrindo caminho a eventual acareação, se necessário, entre as declarações de parte e as testemunhas, ou entre estas, pese embora o foco da contradição, que determinou a revogação da decisão recorrida, se tenha centrado na latente contradição existente entre os artigos 10, 15 e 20”.
H. Ou seja, aquilo que resulta das referidas normas é que este Venerando Tribunal Central identificou a necessidade de renovar toda a prova assim como de anular toda a decisão de 1.ª instância.
I. E, por isso foi determinado no referido Acórdão a “repetição dos depoimentos e, se possível acareação das testemunhas”, sem alusão concreta à delimitação dos depoimentos apenas a determinada matéria de facto;
J. No mais, este Douto Venerando Tribunal da Relação afirmou ainda que analisada “toda a prova e os elementos constantes dos autos não nos permitem esclarecer e dilucidar as dúvidas que se suscitam” e que devia ser “repetido o julgamento a fim de clarificação de todos os factos”.
K. No fundo, julgou, e bem, este Tribunal Central que toda a prova feita em sede de anterior audiência de julgamento não foi clara nem suficiente para se conseguir decidir de mérito a presente causa.
L. Se as conclusões a que este Douto Tribunal chegou relativamente aos factos 10, 15 e 20 assentam na apreciação de outros factos, como os exemplificados pelo Tribunal da Relação (11, 14, 16, 21, 22), então e, como entendeu o Tribunal a quo seria preciso apreciar, novamente, toda a matéria de facto que estava em causa no processo sub judice.
M. O que significa que não corresponde à verdade o que a ora Recorrente afirma, nas suas alegações de recurso de que não existiu qualquer referência aos demais pontos dados como provados na sentença anterior.
N. Ou seja, e apesar do Tribunal da Relação ter efetivamente entendido que os pontos 10, 15 e 20 são matéria de facto contraditória, o entendimento a que se chegasse em relação a esses pontos iria necessariamente ter implicações na apreciação da restante matéria de facto (como aliás, se veio a verificar na sentença ora proferida).
O. Assim o Tribunal a quo não só considerou que toda a prova estava viciada (o que se veio a comprovar com a realização do julgamento e, nomeadamente, com a acareação dos representantes legais), como sabia que teria de apreciar toda a matéria de facto, pois se a apreciasse apenas parcialmente, isso ia gerar certamente contradições entre os vários pontos assentes da matéria de facto (como supra se exemplificou, relativamente ao ponto 10) – o que poderia determinar a anulação, pela quarta vez, da audiência de julgamento (o que seria, de todo, inconveniente, atenta a já existente morosidade na presente ação judicial).
P. E, mais uma vez, essa prerrogativa foi reconhecida pela Recorrente nas suas alegações de recurso “se por um lado é notório o facto de poderem ser apreciados outros pontos da matéria de facto”.
Q. No mais, foi havia sido apontado pela Ré, em sede de recurso, as incongruências existentes na matéria de facto que não permitiam, na verdade, concluir pela natureza jurídica do contrato em causa, sem se repetir novamente todo o julgamento e, mormente até, sem recorrer ao instituto da acareação, conforme indicado pelo Douto Tribunal de 2.ª instância.
R. E, precisamente por essas incongruências, essa obscuridade e até contradições patentes no caso sub judice, é que o Douto Tribunal a quo teve, efetivamente, de voltar a repetir todo o julgamento – o que levou, naturalmente, a que tomasse uma decisão com base no julgamento por si realizado (e não com base nos anteriores que foram anulados por este Venerando Tribunal Central).
S. Consequentemente, se o próprio Tribunal Central ordenou a repetição dos depoimentos (e a acareação), por considerar a prova até então produzida pouco credível, mas também com deficiências (as já referidas obscuridades), não podia, obviamente, o Tribunal a quo, na sentença proferida, ter tido em conta prova que foi anulada por este Douto Tribunal Central!
T. Na verdade, se o Tribunal a quo tivesse tido em conta, na prolação da sentença, prova não credível e obscura, certamente, que se podia antever o resultado último dessa conduta: uma nova anulação do julgamento (o que, na verdade, não podia o Tribunal a quo conceder).
U. São, por isso, completamente irrelevantes as considerações da Recorrente sobre o que foi dito, nomeadamente pelo representante legal da B..., nos julgamentos anteriormente anulados – até porque, a Recorrente, limita-se a avançar com teorias que, na verdade, não comprova; pois não transcreve, de forma alguma, o que se terá passado nos julgamentos anteriores (certamente porque a sua alegação não tem correspondência com a verdade).
V. Assim, nunca poderia a matéria de facto ser aqui impugnada sem a respetiva comprovação do que é alegado (mormente sem a transcrição dos depoimentos); pelo que o que é alegado pela Recorrente no ponto B das Questões Prévias tem simplesmente de ser ignorado.
W. Efetivamente e procedendo a tese da Recorrente, se fôssemos julgar os vários julgamentos já realizados como uma “continuação” ou, pelo contrário, “não autónomos” entre si; então sempre a Recorrente deveria ter transcrito e também impugnado a prova que resultou desses anteriores julgamentos (o que não fez; tendo apenas se centrado na análise e transcrição dos depoimentos prestados neste terceiro julgamento).
X. E, conforme dito em sede de alegações orais pela Recorrida, procedendo uma tese desse tipo, também se teria de questionar o porquê de agora, neste 3.º julgamento, a Recorrente não ter arrolado as testemunhas anteriores indicadas (mormente o Eng. FF) que confirmou, no julgamento anterior, que o que estava em causa nos autos era uma prestação de serviços.
Y. Em consequência, só este terceiro julgamento interessa - e, em especial, os depoimentos daí resultantes; pois em relação aos anteriores a Recorrente não cumpriu com o ónus que lhe competia previsto no artigo 644.º do CPC.
Z. O mesmo significa dizer que, só essa matéria pode ser atendida e apreciada por este Venerando Tribunal. AA. No mais, e ao contrário do que alega a Recorrente, o depoimento do ora representante legal da B... não é contraditório; e, ainda que existissem ligeiras discrepâncias entre os vários depoimentos por si prestados, sempre se diga que estamos a falar de uma situação que começou em 2016 (e que, à data de hoje, 2023, ainda está a ser discutida) e que o próprio depoimento depende sempre das perguntas feitas quer pelos mandatários das partes (que eram diferentes daqueles que realizaram os anteriores julgamentos) e do Tribunal a quo (que, claramente e bem, na busca da verdade, fez questões até então nunca antes feita no referido processo).
BB. Por fim, vem ainda a Recorrente colocar em crise o facto de não ter sido o mesmo juiz a julgar o processo – ora, sempre se diga que certamente o Tribunal a quo está ciente do princípio da plenitude da assistência e que, certamente, se não foi o mesmo juiz a julgar o processo foi porque isso era inviável (nos termos da alínea b) do n.º 3 do CCP), conforme aliás referiu na sua sentença; e, sendo inviável, sempre o Tribunal a quo fez o que podia ter feito – proceder à repetição da prova.
CC. De facto, e conforme alegado pela Recorrente o que prevê o princípio da plenitude de assistência do juiz, nos termos do n.º 3 do artigo 605.º do CPC é a obrigatoriedade do juiz (transferido, promovido ou aposentado) concluir o julgamento.
DD. Ora, recorde-se que aqui o julgamento já havia sido concluso e que, o que aconteceu foi que este Venerando Tribunal decidiu pela anulação do julgamento (outrora concluído) e pela realização de um novo julgamento.
EE. Em consequência, não seria viável nesta situação que o juiz transferido, voltasse ao Tribunal a quo para iniciar um novo julgamento, pois efetivamente não é isso que resulta da norma supra referida.
FF. De facto, essa norma só teria aplicação se o juiz tivesse iniciado o julgamento e, na sua pendência, tivesse sido transferido, promovido ou aposentado; o que não corresponde ao caso sub judice; pelo que também esse argumento não deve ser atendido.
GG.A Recorrente vem impugnar os factos 2, 3, 4, 8, 11, 12, 13, 15, 16, 19, dados como provados; bem como os factos A e B dados como não provados.
HH. No entanto, a Recorrente não cumpre, na análise de alguma dessa matéria de facto, com o ónus que lhe era exigido, nos termos do artigo 640.º do CPC. Vejamos.
II. Em relação aos factos provados n.º 2 e 3 e facto não provado A, a Recorrente tinha de indicar, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, “c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”; contudo não o fez em momento algum – violando o ónus de impugnação que lhe cabia.
JJ. Efetivamente, e apesar de pôr em crise esses factos, a Recorrente, não diz em momento algum, qual a decisão que no seu entender deveria ter sido proferida sobre essas questões de facto; pergunta-se: dar como não provados? Dar como provados? Dar como parcialmente provados ou não provados? Que formulação deveriam, então, ter? Não se consegue entender.
KK. Pelo que, em relação a esses factos (2, 3 e A) deve concluir-se que a Recorrente não cumpriu com o ónus de alegação que lhe incumbia, nos termos do artigo 640.º do CPC, uma vez que não indicou, para cada um desses pontos qual devia ter sido a decisão proferida pelo Tribunal a quo e, por isso, não poderá este Venerando Tribunal reapreciar essa matéria de facto.
LL. Ainda em relação aos factos provados 11 e 15, apesar de a Recorrente os colocar em crise, ao contrário do que lhe era exigido na alínea b), do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, não indicou “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”. MM.Veja-se que essa exigência se traduz, de acordo com a alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC “a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
NN. O que não se verifica para nenhum dos factos supra referidos.
OO. No fundo, a Recorrente limita-se a solicitar a este Venerando Tribunal que altere os factos 11 e 15, dados como provado; mas sem justificar porquê, nomeadamente sem apresentar a matéria de facto que justifica essa mesma alteração (as concretas passagens da audiência de julgamento).
PP. Pelo que, também por isso, não podem estes pontos 11 e 15 ser reapreciados por este Douto Tribunal.
QQ. No mesmo entender, veja-se (ainda que de uma forma não tão evidente) que o mesmo incumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto se evidencia relativamente à impugnação feita quantos aos factos provados 12 e 13, nos quais a Recorrente se limita a remeter para o facto 2 (sem mais especificações ou sem indicação, com exatidão, das passagens da gravação em que se funda o seu recurso).
RR. Pelo que, também por isso, não podem estes pontos ser reapreciados por este Douto Tribunal.
SS. Ao impugnar os factos provados 2 e 3 e o facto não provado A, no fundo, a Recorrente vem demonstrar que não concorda que, da audiência de julgamento tenha resultado que o contrato celebrado entre as partes assuma a natureza jurídica de contrato de prestação de serviços e não de contrato de cedência de mão-de-obra especializada.
TT. Contudo, resultou à saciedade, quer pela documentação junta pela ora Recorrida, quer por vários depoimentos prestados em audiência de julgamento que, entre as partes, foi efetivamente, celebrado um contrato de prestação e serviços (e não um contrato de cedência de mão-de-obra) que teria de ficar concluído até dezembro de 2017, pelo preço de €17.500,00 (acrescido de IVA), que a Recorrida se comprometeu a pagar.
UU. Em primeiro lugar, as conclusões supra expostas podem ser retiradas da análise da prova documental junta na oposição pela Ré, aqui Recorrida, mais concretamente pela proposta apresentada pela Recorrente, de onde consta claramente no seu ponto 2.2. que “O valor da presente proposta é de €17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), para a realização da totalidade do serviço a decorrer no ano de 2017”.
VV. Para além disso, resulta desse documento que a proposta foi feita com base na documentação cedida pela Ré, ou seja, o contrato que esta havia celebrado com a REN (ponto 1.2. da proposta, onde se lê, “A nossa proposta tem por base a V/ documentação”).
WW. Significa isto que a própria prova documental junta aos autos refere expressamente o tipo de contrato que foi celebrado pelas partes: um contrato de prestação de serviços (e não de cedência de mão de obra).
XX. À prova documental supra referida, acresce a prova testemunhal recolhida em audiência:
a) BB; Engenheiro Civil e representante legal da Ré, cujo depoimento prestado a 29 de setembro de 2022, foi gravado entre as 10h53m35s e as 12h42m10s, com uma duração total de 01h52m35s;
b) CC; representante legal da Autora, cujo depoimento prestado a 29 de Setembro de 2022, foi gravado entre as 13h46m42s e as 15h18m19s; com uma duração total de 01h31m36s.
c) AA; engenheiro eletrotécnico, funcionário da Autora, cujo depoimento prestado a 29 de setembro de 2022, foi gravado entre as 16h01m37s e as 17h19m41s, com uma duração total de 01h18m04s.
d) DD; engenheiro geógrafo, cujo depoimento prestado a 06 de outubro de 2022, foi gravado entre as 10h28m06s e as 12h10m45s, com uma duração total de 01h42m38s.
YY. Tendo sido confirmado por várias testemunhas que o contrato em causa é de prestação de serviços, mormente e conforme supra transcrito os dois Representantes Legais, o Eng. AA e o Eng. DD. Ao que acresce o facto de, em momento algum, ter ficado provado em sede de audiência de julgamento que a natureza do contrato era de cedência de mão-de-obra especializada.
ZZ. No fundo, só pode concluir-se, como aliás o Tribunal a quo concluiu que a tese avançada pelo Representante Legal da Autora é desprovida de fundamento e, na verdade, de qualquer lógica.
AAA. Na verdade, o Representante Legal da Autora (que, alegou ter feito a proposta), não consegue justificar o valor do acordo (17.500€) - ao contrário da Recorrida -, e avança com teses completamente irrazoáveis, como a existência de margens de lucro superiores a 50% quando, o próprio reconheceu que uma margem de lucro, num negócio deste tipo, seria de “apenas” 30%.
BBB. Assim, isto significa que, até à presente data, a Recorrente não conseguiu justificar ainda o porquê de isto ser um contrato de cedência de mão-de-obra e o porquê de ter sido acordada a sua execução pelo já referido montante.
CCC. Portanto quer o Representante Legal fazer crer às instâncias que (i) primeiramente, não conhecia o contrato da REN nem o n.º de quilómetros de linha mas afinal (ii) mais tarde já sabia o n.º de quilómetros, que tinha vindo a “indagar”, por “curiosidade”.
DDD. Da análise dos trechos, pode concluir-se que, também, o trabalhador da Recorrente tinha consciência que a natureza do contrato em causa era de “prestação de serviços” e, ainda, que o mesmo tinha de ser terminado no prazo de 10 semanas, o que a Recorrente não cumpriu.
EEE. Ao mesmo tempo, o Engenheiro AA admitiu que não tinha um horário definido pela Recorrente, não picava o ponto, nem esta exercia qualquer tipo de poder de direção sobre ele – o que corrobora a natureza do contrato de prestação de serviços aqui em causa (e não de cedência de mão de obra).
FFF. Consequentemente, se o contrato fosse de cedência de mão de obra, em concreto, cedência do Eng. AA, como tentou alegar a Recorrente, os restantes trabalhadores supra indicados não poderiam ter realizado as tarefas que alegadamente tinham sido adstritas exclusivamente ao colaborador cedido, a ele, e só a ele.
GGG. Aliás, se assim fosse, se o propósito fosse contratar especificamente o Eng. AA, não se compreenderia o porquê deste ter despendido o seu tempo a formar outros colaboradores para executar precisamente estes contratos (como é também afirmado pelo próprio)
HHH. Tornou-se ainda evidente o objetivo da Recorrida, com a celebração do contrato: que a Recorrente fizesse a inspeção visual dos 8000 km de linhas aéreas da REN até ao final de 2017 (daí que o Eng. AA tivesse interesse, como supra afirmado, em processar os kms, o mais rápido possível).
III. Aliás, só esse objetivo/resultado é que poderia ter sido exigido à Autora, visto que no final do ano de 2017, a Ré tinha de entregar, em conjunto, os vários relatórios exigidos pela REN, ou seja, os relatórios não poderiam ser desagregados e, por isso, não faria qualquer sentido que se exigisse um prazo diferente à Autora, pois isso impediria a Ré de cumprir com as suas obrigações junto da REN.
JJJ. Com o depoimento do Eng. DD ficou ainda claro que a Ré tinha alocado uma colaboradora (GG) às tarefas de revisão dos relatórios enviados pela A..., Lda. e de validação quantitativa dos quilómetros também processados por essa empresa.
KKK. Essa validação quantitativa era a que permitia saber o número de quilómetros que já tinham sido processados pela Autora (no fundo, quantos quilómetros já poderiam ser faturados e pagos) e, consequentemente, determinar o montante que a REN teria de pagar à Ré.
LLL.Assim, este contrato de prestação não tem nada de atípico e é, aliás, o tipo de contrato adotado para trabalhos desta natureza, conforme confirmou também a testemunha.
MMM. Fica assim evidente que não é a cedência daquele trabalhador que está em causa nestes autos, mas antes a conclusão dos trabalhos de inspeção visual no ano de 2017, caso contrário, o colaborador não teria mudado o seu local de trabalho e “desaparecido” da sede da Ré.
NNN. Em face de tudo quanto foi supra exposto inexiste prova bastante que sustente a teoria da Recorrente, ou seja, que esta apenas foi contratada para facultar mão de obra até ao final do ano, independentemente do resultado, ou seja dos quilómetros voados e processados.
OOO. Efetivamente não pode haver dúvidas que entre as partes, foi celebrado um contrato de prestação de serviços, segundo o qual, a Recorrente teria de prestar à Recorrida, mediante o pagamento da quantia global de €17.500,00, os seguintes serviços:
e. voar 8000km de linhas MAT;
f. verificar defeitos nas linhas;
g. processar esses km; e
h. elaborar relatórios desse trabalho.
PPP. De facto, recorde-se este Tribunal como da análise dos depoimentos atrás transcritos, inclusive de testemunhas da Autora e do seu representante legal, se afirma, variadas vezes, que o contrato celebrado foi um contrato de prestação de serviços.
QQQ. E recorde-se também que ficou igualmente firmado inter partes que esses serviços seriam prestados até final do ano de 2017.
RRR. Ao mesmo tempo, o pagamento dos €17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros) seria efetuado à proporção dos km percorridos e processados – correspondendo, na prática, cada quilómetro a 2,5€ - conforme facto provado n.º 2.
SSS. No entanto, a Recorrente não cumpriu com essa obrigação, pois, não só, não voou os 8000km, como necessariamente, não os processou dentro do prazo estabelecido, ou seja, até dezembro de 2017. Aliás, resulta dos factos provados (concretamente o n.º 14) que até dezembro de 2017, foi realizada a inspeção aérea de cerca de 2400 km de linha, que corresponde a 14 dias de voo e a produção dos relatórios de inspeção visual aérea (IVVA) de apenas 336 km.
TTT. Ainda assim, e ao arrepio do que foi estabelecido entre as partes, a Recorrente emitiu uma fatura à Recorrida, correspondente ao tempo decorrido e não com base no trabalho efetivamente prestado.
UUU. Apesar de o trabalho não ter sido totalmente prestado, a Recorrida pagou essa primeira fatura à Recorrente, a pedido do seu legal representante e que, na iminência de ver esta fatura devolvida pela Recorrente, apelou ao seu pagamento, por forma de ser compensado pelas despesas que já havia incorrido com a execução do contrato.
VVV. A Recorrente fê-lo, na condição de ser anulada a segunda fatura (FAC 928) entretanto emitida pela Recorrida, porquanto essa fatura respeitava a trabalhos ainda não realizados e ainda, na condição de, ora em diante, apenas ser faturado o trabalho efetivamente prestado.
WWW. Condição essa que valeria para os trabalhos em execução e não apenas para os trabalhos que futura e eventualmente se realizassem, a partir de janeiro de 2018. Essas condições de pagamento e motivos que levaram à devolução da referidas faturas foram comunicados à Recorrente pela Recorrida por meio de carta registada com AR e que se encontram juntas aos autos.
XXX. Assim anuiu a Recorrente e anulou a fatura 928 mediante a emissão de uma nota de crédito que também se encontra junta aos autos.
YYY. Posteriormente e novamente invertendo o que foi combinado entre as partes, a Recorrente emite uma nova fatura com a mesma designação – cedência de mão de obra especializada -, da que, entretanto, fora anulada.
ZZZ. Essa fatura foi devolvida pela Recorrida por meio de carta registada com AR, onde foi referido o descontentamento com a situação e com a forma como o processo estava a ser conduzido – onde, desde logo, ficou clara a posição assumida pela Ré, nessa altura e até ao momento.
AAAA. Em suma, nunca poderia vingar a tese da Recorrente. Se assim fosse, o que de todo não se admite: por que motivo o Eng. AA dava formação a outros trabalhadores? Por que motivo é que a Recorrente, concretamente o Sr. Eng. AA, se preocupava com o km de linhas percorridas, se o objetivo não era o de cumprir com os resultados? Por que motivo estaria a Recorrente preocupada com a quantidade de km de linhas voadas e /ou processadas em 2017? Por que motivo se pressionaria a Recorrida para concluir os 8000km até ao final do ano de 2017? Por que motivo discutiam as partes o valor unitário do km voado ou processado se, de acordo com a tese da Recorrida apenas tinha sido disponibilizada a mão de obra, sem obrigação de resultados?
BBBB. Não faz qualquer sentido a tese da Recorrente porque nunca foi, nem podia ser, esse o escopo do contrato.
CCCC. À semelhança do que foi contratado com o ISQ (entidade responsável pela termografia, cujo contrato também se encontra junto aos autos), foi contratado com a Recorrente o voo de 8000km de linhas, verificação de defeitos e elaboração de relatórios; trabalho esse que deveria ter sido realizado até dezembro de 2017.
DDDD. Em suma, vejamos o trecho da sentença, muitíssimo bem fundamentada, proferida pelo Tribunal a quo (pp. 13-15) relativamente a estes factos e que não deixa qualquer tipo de dúvida quanto ao caso sub judice.
EEEE. Assim, e nos termos supra expostos resulta que, andou bem o Tribunal a quo, a considerar os factos 2, 3 provados (e não provado o facto A), tendo em conta que só a Recorrida demonstrou ter um discurso coerente, assertivo e lógico sobre o acordo firmado entre as partes; ao contrário da Recorrente que, até hoje, não conseguiu justificar a existência do alegado contrato de cedência de mão-de-obra.
FFFF. E, andou especialmente bem este Tribunal a quo, porque perante depoimentos claramente contrários (como aliás se denota claramente na acareação realizada), só podia atender à única versão credível e que foi a apresentada pela Recorrida.
GGGG. A Recorrente entende ainda que não ficou provado nos autos o facto 4 (“4. A inspeção visual das linhas aludida em 2) era efetuada em dois momentos: a visualização das linhas, com vista a apurar existência de vícios ou problemas que carecessem de intervenção, e a elaboração do respetivo relatório de processamento daqueles dados, sendo que, como era exigência da REN, entre os dois momentos não poderiam exceder 30 dias”).
HHHH. Contudo, mais uma vez, ao arrepio da prova documental e testemunhal, não lhe assiste qualquer razão.
Vejamos.
IIII. De facto, a Recorrida não pode deixar de sublinhar o espanto perante uma alegação deste tipo.
JJJJ. Veja-se que foi a própria Recorrente que, em sede de audiência de julgamento, veio juntar aos autos um complemento do contrato da REN (“especificações técnicas”), onde se prevê precisamente essa exigência no Capítulo II./A/3 o seguinte.
KKKK. Pelo que não se consegue perceber, como é que a Recorrente vem invocar que o facto 4 não deve ser dado como provado; quando veio aos autos juntar o documento que efetivamente o comprova!!!
LLLL. No mais, sempre essa mesma exigência foi confirmada nos autos, pela prova testemunhal, nos seguintes termos, nomeadamente com a testemunha Eng. DD e o Representante Legal da Ré.
MMMM. A Recorrente entende também que não ficou provado que entre a Autora e a Ré tivesse sido acordado a integração do Eng. AA nos voos do helicóptero.
NNNN. E que, em resultado da realização de voos, a Ré pagaria à autoria o valor de €320/dia.
OOOO. Contudo, mais uma vez, isso resulta da prova testemunhal, mormente do depoimento do próprio Representante Legal da Autora.
PPPP. Em consequência, e independentemente de quem sugeriu o quê, resulta claro que a Autora e a Ré acordaram que o Eng. AA também pudesse voar (tanto mais que efetivamente passou a fazê-lo).
QQQQ. Pelo que andou bem o Tribunal a quo a julgar estes factos como provados.
RRRR. Entende ainda a Recorrente que não deveria ter sido dado como provado o facto 11, pois o Eng. BB não quis pagar as faturas, não porque aquelas “excediam a concreta inspeção visual”, mas antes porque “não havia qualquer pagamento efetuado pela REN”.
SSSS. Por outro lado, entende que o “pagamento integral da fatura descrita em 9), feito pelo Eng. BB não foi uma “forma de cobrir as despesas de estadia e deslocação do seu colaborador na execução do acordo firmado com a condição, de durante a execução dos trabalhos nos meses seguintes se fazer o respetivo acerto de contas, e bem assim, com a condição de proceder à anulação da fatura descrita em 10”.
TTTT. Ora, tal não corresponde à verdade, conforme resulta da prova documental e testemunhal.
UUUU. Na verdade, vejam-se, conforme já referido, os ofícios enviados pelo Representante Legal da Recorrida, onde devolvendo as faturas, explica, desde logo, que as faturas estavam a ser devolvidas porque não correspondiam àquele que era o objeto do contrato (prestação de serviços de inspeção visual; e não cedência de mão-de-obra) e o depoimento do Representante Legal da Ré.
VVVV. Pelo que andou bem o Tribunal a quo a considerar esses factos como provados.
WWWW. Remete-se para o supra exposto pois dando-se como provados os factos 2, 11 e 12, nada se terá de alterar nos factos provados 13 e 16.
XXXX. Por fim, aceitando-se o ponto 16, o facto provado 19 não tem de ser alterado.
YYYY. Por outro lado, e conforme resulta do supra exposto no ponto f. desta contra-alegações, já ficou claro nestes autos o porquê do Representante legal da Ré ter pago a fatura FIC/1009 – pelo que, também por isso (e nem que fosse pelo facto da fatura ter sido efetivamente paga), o Tribunal a quo só poderia ter dado este facto como provado.
ZZZZ. Quanto ao ponto B foi dado como não provado; atenta a prova que foi feita e que resultou no facto provado n.º 2 (que também já foi analisado nestas contra-alegações e para cujas considerações se remete).
AAAAA. Por fim, o Tribunal a quo nunca poderia ter qualificado os referidos contratos como sendo contratos de cedência de mão-de-obra, pois isso implicava que tivesse ficado provado nos autos que os contratos visados preenchiam os requisitos constantes do regime aplicável à cedência ocasional de trabalhador, previstos nos artigos 288.º e seguintes do Código de Trabalho (“CT”) – o que não se verificou in casu.
BBBBB. Ora, e conforme supra exposto, resultou da prova documental e testemunhal que, nos presentes autos, está em causa um contrato de prestação de serviços (e não de cedência de mão-de-obra).
CCCCC. E não se diga (como tenta a Recorrente) que os contratos de cedência de mão de obra podem ser qualificados como contratos de prestação de serviços atípicos.
DDDDD. Pois, se o Tribunal a quo qualificou o contrato como de prestação de serviços só poderá aplicar o regime geral do artigo 1151.º do CC, aplicável quer a contratos de prestação de serviços típicos quer atípicos.
EEEEE. Ou seja, sendo um contrato de prestação de serviços, este contrato só pode ser entendido como um acordo em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
FFFFF. Por outras palavras, deveria ter a Recorrente compreendido, que os contratos de cedência de mão de obra não se encaixam na definição constante do artigo 1151.º do Código Civil, pois visam, na verdade, uma obrigação de meios e não de resultado – a mera cedência do trabalhador, independente do resultado por ele atingido.
GGGGG. Claro que os contratos celebrados entre as partes nunca poderiam ter a natureza supra referida, pois, conforme ficou provado pelos depoimentos supra expostos, a Recorrida não exercia poder de direção sobre o Eng. AA (suposto trabalhador cedido), nomeadamente não fixava os seus horários de trabalho, o seu local de trabalho, não controlava as suas férias, as suas deslocações, …
HHHHH. E tudo mais, a Recorrente não logrou provar como lhe competia nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do CC.
IIIII. Para além disso, esclareça-se ainda que a prestação de serviços pode implicar, naturalmente e como decorre, mais uma vez, do n.º 1 do artigo 1151.º do CC, o uso de trabalho intelectual da empresa contratada “I – Em princípio nada obsta a que uma empresa possa enviar trabalhadores seus para prestarem a sua actividade laboral nas instalações de outra empresa o que acontece, a cada passo, no âmbito da execução de contratos de prestação de serviços de uma empresa a outra, em actividades diversas.” - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 520/08.9TTLRS.L1-4, de 12-01-2011, disponível em www.dgsi.pt.
JJJJJ. E, por outro lado, que o facto de a Recorrente indicar os planos de voo ou os dias, as horas e as linhas voadas, pontos de partidas, de chegada e as paragens efetuada em nada coloca em causa a natureza de prestação de serviços dos acordos celebrados entre as partes – pois, conforme foi referido pelo próprio Tribunal a quo, estas são instruções meramente funcionais (e não diretivas).
KKKKK. As indicações eram relativas e dirigidas à Recorrente (não ao trabalhador) e restritas ao conteúdo dos serviços. E de acordo como Supremo Tribunal de Justiça, “Inexiste cedência ocasional de trabalhadores se o trabalhador exercia a sua atividade, por conta da empresa à qual estava vinculado por contrato laboral, nas instalações de uma outra empresa que negociou com aquela um contrato de prestação de serviços por via do qual a empresa empregadora se vinculou à execução de serviços especializados, recebendo indicações da empresa cliente, mas mantendo o poder diretivo sobre o trabalhador e os demais poderes típicos do empregador relativamente aos seus trabalhadores” (Acórdão de 2 de maio de 2007, proc. n,º 07S361, disponível em www.dgsi.pt).
LLLLL. Assim, o Tribunal a quo andou bem em concluir que os contratos em causa são de prestação de serviços e que, por isso, a Recorrente não cumpriu com o contrato de prestação de serviços que celebrou com a Recorrida, visto que “Até ao final do mês de dezembro de 2017, foi realizada a inspeção aérea de cerca de 2400 quilómetros de linha, correspondentes a 14 dias de voo, e foram elaborados relatórios referentes a cerca de 336 quilómetros”, quando o acordado era a realização da inspeção visual (o que incluía voo e processamento de dados) de toda a linha aérea da REN, ou seja, 8000km (cfr. facto provado n.º 14).
MMMMM. Pelo que, a Ré só poderia ter sido condenada ao pagamento dos serviços em dívida que foram efetivamente prestados pela Autora, correspondentes ao valor de € 2.251,13€ (dois mil, duzentos e cinquenta e um euros e treze cêntimos), – o que sucedeu com a sentença proferida (e cuja condenação, naturalmente, se aceita e não se contesta), razão pela qual ela deve manter-se.
Termos em que se requer a V.Exas.:
a) Que o recurso interposto não seja apreciado relativamente à matéria de facto impugnada e constante dos pontos 2, 3, 11, 12, 13, 15, e A, por não cumprimento do ónus de impugnação pela Recorrente, nos termos do artigo 640.º do CPC;
b) Que, no restante, o recurso seja julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
*

A matéria de facto fixada na sentença recorrida.
1.1. Dos factos provados:
1. A autora A..., Lda. é uma sociedade comercial por quotas que exerce devidamente autorizada a atividade de prestação de serviços de instalação e reparação elétrica em edifícios; instalação, manutenção e reparação de equipamentos e acessórios elétricos e eletrónicos, bem como de equipamentos e sistemas de aquecimento, ventilação, refrigeração e climatização; importação, exportação e comercialização de motores elétricos e outros equipamentos e acessórios elétricos, eletrónicos e de climatização; Construção civil e obras públicas.
2. No âmbito da sua atividade, em setembro de 2017, a autora A..., Lda. e a ré B..., S. A., acordaram entre si, que a primeira procederia à inspeção visual da totalidade das linhas aéreas de MAT (Muito Alta Tensão) da REN, num total aproximado de 7000km, cujos dados eram pela segunda obtidos nos voos por si monitorizados, e, posteriormente, procederia à elaboração do respetivo relatório de processamento dos dados apurados, a realizar no período 10 semanas, compreendidas entre os meses de outubro e dezembro de 2017, pelo preço global de € 17.500,00, acrescido de IVA, que a segunda se comprometeu a pagar se e na medida em que a execução dos trabalhos se efetivasse, numa razão de 2,50€, sem incidência de IVA, por cada km de linha inspecionada.
3. Pelo descrito em 2), a autora afetou à execução dos trabalhos acordados com a ré um seu trabalhador, e Engenheiro AA.
4. A inspeção visual das linhas aludida em 2) era efetuada em dois momentos: a visualização das linhas, com vista a apurar existência de vícios ou problemas que carecessem de intervenção, e a elaboração do respetivo relatório de processamento daqueles dados, sendo que, como era exigência da REN, entre os dois momentos não poderiam exceder 30 dias.
5. A gestão dos tempos e serviços realizados pelo Engenheiro AA era definida pela ré, que elaborava os planos de voo, definindo, além do mais, os dias, as horas e as linhas voadas, pontos de partidas, de chegada e as paragens efetuadas.
6. No âmbito do acordo descrito em 2), ficou inicialmente acordado que o Engenheiro AA faria a inspeção visual das linhas aéreas MAT da REN em âmbito de escritório, pela análise de imagens de vídeo recolhidas por terceiro em viagens de helicóptero.
7. A autora iniciou os seus trabalhos em outubro de 2017.
8. Sucede que devido à deficiente qualidade das imagens recolhidas, o Engenheiro AA, por acordo entre a autora e a ré, passou a integrar todos os voos de helicóptero, para a referida finalidade.
9. A autora emitiu e remeteu à ré a Fatura FIC A/866, no valor de € 7.175,00, encontrandose nela aposta, na descrição, os dizeres Operação de inspeção aérea de linhas MAT da REN, Cedência de Mão de Obra Especializada (referente a outubro de 2017), vencida em 31-10-2017;
10. E emitiu a Fatura FIC A/928, no valor de € 7.175,00, encontrando-se nela aposto, na descrição, os dizeres Operação de inspeção aérea de linhas MAT da REN, Cedência de Mão de Obra Especializada (referente a novembro de 2017), vencida em 30-11-2017.
11. Recebidas as faturas pela ré, o seu administrador BB contactou o representante legal da autora, CC, recusando proceder ao seu respetivo pagamento, uma vez que aquelas excediam a concreta inspeção visual, então, já realizada pela autora.
12. Ambos reuniram, na sede da ré, e acordaram que esta procederia, não obstante o acordado em 2), ao pagamento integral da fatura descrita em 9), como forma cobrir as despesas de estadia e deslocação do seu colaborador na execução do acordo firmado, com a condição de durante a execução dos trabalhos nos meses seguintes se fazer o respetivo acerto de contas e, bem assim, com a condição de proceder à anulação da fatura descrita em 10).
13. Pelo descrito em 11) e 12), a ré procedeu ao pagamento da fatura identificada em 9) e a autora anulou a fatura descrita em 11), emitindo, para o efeito, a nota de crédito DVC A/27, datada de 29-12-2017.
14. Até ao final do mês de dezembro de 2017, foi realizada a inspeção aérea de cerca de 2400 quilómetros de linha, correspondentes a 14 dias de voo, e foram elaborados relatórios referentes a cerca de 336 quilómetros.
15. Pelo descrito em 6) e 7), por cada voo realizado pelo Engenheiro AA, a autora e a ré acordaram que esta pagaria aquela a quantia de 320,00€, sem incidência de IVA.
16. Sem prejuízo do descrito em 2), em janeiro de 2018, a autora procedeu ao processamento dos dados respeitantes a 766 Km de linha área.
17. A autora emitiu e entregou à ré Fatura FIC A/992, no valor de €14.350,00, encontrandose aposto, na descrição, os dizeres Operação de inspeção aérea de linhas MAT da REN, Cedência de Mão de Obra Especializada (referente a novembro e dezembro de 2017), vencida em 22-01-2018.
18. A ré devolveu á autora a predita fatura, por entender não ser devida a quantia pecuniária nela aposta.
19. Por conta do descrito em 16), a autora emitiu a fatura FIC A/1009, vencida em 07.02.2018, no valor de 2.882,51€, cujo pagamento aceitou proceder.
*

1.2. Dos factos não provados
Para além daqueles que se encontram em contradição com os provados, não se demonstraram os seguintes factos:
A. O acordo descrito em 2), teve como objeto a cedência da autora à ré de mão de obra especializada, no âmbito de uma operação de inspeção aérea de linhas MAT da REN, concretamente, o trabalhador daquela Engenheiro AA, sob as ordens e direções da ré, realizando, durante os meses de outubro, novembro e dezembro de 2017, os trabalhados que aquela lhe atribuía, de acordo com a sua gestão de projetos.
B. Em data não concretamente apurada, mas após o referido em A), a autora e a ré acordaram que aquela procederia ao processamento da informação referente aos quilómetros já voados na execução acordo identificado em 2) e sobre os quais ainda não tinha sido elaborado relatório, pelo valor de €2,50, sem incidência de IVA, por quilometro de linha processada em relatório.
*
O recurso.
O recurso delimita-se pelas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 640º n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), em tudo o mais transitando em julgado.
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações são 3 as questões que nos são colocadas, a saber:
Se o tribunal recorrido exorbitou o decidido no acórdão que anulou a sentença ao proceder a novo julgamento na integralidade da matéria de facto;
Se ocorre violação da plenitude da assistência do juiz previsto no artigo 605º do CPC com o novo julgamento realizado por juiz diferente em consequência de transferência do anterior;
Se, se impõe a alteração da matéria de facto.
Analisemos,
O acórdão anterior deliberou o seguinte:
“Assim anula-se o julgamento ao abrigo do disposto no artigo 662º, 2 a) e c) quanto aos concretos pontos - nºs 10, 15 e 20 - para que possam ser sanadas as contradições nos termos citados, devendo observar-se o que dispõe o mesmo artigo nº 3, a), b) e c) do CPC”.
O tribunal recorrido na interpretação do acórdão decidiu:
“Da leitura do acórdão, datado de 05.04.2022, resulta, salvo o devido respeito, a imposição de repetir o julgamento da causa na sua globalidade, com a produção de prova admitida, abrindo caminho a eventual acareação, se necessário, entre as declarações de parte e as testemunhas, ou entre estas, pese embora o foco da contradição, que determinou a revogação da decisão recorrida, se tenha centrado na latente contradição existente entre os artigos 10, 15 e 20.”.
A decisão foi anulada na sua totalidade, sendo o fundamento da anulação a contradição entre os nºs 10, 15 e 20 da matéria de facto. A decisão da matéria de facto apresentava-se obscura, sendo certo que para sanar essa contradição deveriam produzir-se novos meios de prova designadamente com recurso a acareação.
Trata-se de um duplo fundamento, contradição da decisão sobre factos relevantes do acordo – que a sentença recorrida havia dado como “provado e “não provado” simultaneamente -, que materializa os pontos relevantes da própria relação material controvertida e sua execução, e a necessidade de serem acrescentados novos meios de prova, no caso a acareação, ao abrigo do disposto no artº 662º, nº 2, a) e b) do CPC.
No contexto da dinâmica factual referente ao contrato e ao seu cumprimento/incumprimento, e, de forma a evitar novas contradições foi o julgamento realizado na sua totalidade visto que, toda a matéria de facto referente à prova deste “acordo” se encontra correlacionada. Aliás o acórdão anulatório remeteu para o nº 3, a), b) e c) do artº 662º do diploma que analisamos.
O juiz, nos termos do artº 602º, nº 1 do CPC, goza de todos os poderes necessários para tornar útil e breve a discussão e para assegurar a justa composição da causa – cfr. ainda o artigo 6º do CPC.
A sentença foi anulada na sua integralidade. Produziu-se novo julgamento, por se ter entendido que simples emendas não seriam suficientes para colmatar as incongruências decorrentes da decisão sobre os concretos factos indicados.
Improcede a alegação nesta parte.
Também o segundo ponto da alegação deve improceder.
O julgamento foi realizado ex novo e como tal não se coloca a questão de violação do disposto no artº 605º do CPC.
Vejamos a impugnação da matéria de facto.
A autora veio impugnar a matéria de facto sendo que quanto a este recurso temos de observar o que preceitua o art.º 640.º n.ºs 1 e 2 do C. P. Civil, ou seja, que é ónus do apelante que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, isto é, não basta ao apelante atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que:
a) - Especifique quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
b) - Indique quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto; indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
c) – Indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Encontram-se satisfeitos estes requisitos (apesar da discordância da apelada).
Na reavaliação da prova a apelante pretende que se julguem não provados ou redação diferente/alternativa dos factos 2, 3, 4. 8. 11. 12, 13. 15. 16. e 19 da matéria assente, e provados os factos A) e B) do rol dos não provados, por entender que foram incorrectamente julgados.
Avançamos desde já que a presente impugnação não merece provimento.
Analisamos toda a prova produzida e concluímos que não existe incorrecção de julgamento. Estamos no âmbito de factos apresentados pela autora como muito fluidos e complexos levando a depoimentos extensos e muito pouco concretos.
O tribunal recorrido analisou os depoimentos de BB; Engenheiro Civil e representante legal da Ré, CC; representante legal da Autora, AA; engenheiro eletrotécnico, funcionário da Autora, DD; engenheiro geógrafo e não concluiu que o acordo referido no nº 2 dos factos assentes teve como finalidade a cedência de mão de obra especializada, no âmbito de uma operação de inspeção aérea de linhas MAT da REN designadamente do trabalhador da autora Engenheiro AA, sob as ordens e direções da ré, realizando, durante os meses de outubro, novembro e dezembro de 2017, os trabalhados que aquela lhe atribuía, de acordo com a sua gestão de projetos.
Destes depoimentos também não resultou provado a matéria constante da B), ou seja, que após o facto referido na A), a autora e a ré tivessem acordado que aquela procederia ao processamento da informação referente aos quilómetros já voados na execução acordo identificado em 2) e sobre os quais ainda não tinha sido elaborado relatório, pelo valor de €2,50, sem incidência de IVA, por quilometro de linha processada em relatório.
A convicção com recurso a depoimentos prestados na audiência de julgamento quanto ao trabalho realizado (inspecção linhas MAT) e facturado mostra-se coerente com os depoimentos prestados e a prova documental dos autos. Uma convicção segura a qual subscrevemos nos termos da sua fundamentação. Convém referir que assiste ao tribunal recorrido o princípio da imediação e oralidade que se manifesta no contacto pessoal do juiz e as diferentes fontes de prova.
Concluímos que não existe incorrecção a justificar a pretendida alteração da matéria de facto.
Julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto.
Com a matéria de facto fixada e de acordo com o que dispõe o artigo 1154.º do Código Civil que o contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição cfr. artºs 1155º, 1156º a 1184º do CC, não pode a pretensão da apelante ter viabilidade quanto ao montante peticionado.
Não resultou provado que a Autora tenha celebrado com a Ré um acordo, por solicitação desta, por via do qual a primeira se obrigou a ceder à segunda mão-de-obra especializada, no âmbito de uma operação de inspeção aérea de linhas MAT da REN, nos termos das alíneas A) e B), e como tal devem improceder na totalidade as alegações de recurso.
Na improcedência das alegações de recurso confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante – artº 527º do CPC.


Sumário:
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Porto 19/3/2024.
Maria Eiró
Anabela Dias da Silva
Artur Dionísio Oliveira